SOBRE A APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA
No início do título III, do Código Penal, Dec-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940, mais especificamente no art. 26, a legislação nos traz a seguinte disposição quanto à inimputabilidade penal:
“Inimputáveis
Art.26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento metal incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento.
Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.
Portanto, vide a letra de lei, pessoas com doença metal ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, quando praticam um ilícito penal sem ter a capacidade, ao tempo do fato, de determinar-se de acordo com o ocorrido, não são imputáveis de pena. A medida de segurança tem o caráter puramente preventivo, sua finalidade difere da pena, visando tratar o agente que demonstra potencialidade para novos delitos, o que chamamos de periculosidade. Portanto, não é uma espécie de penalização, mas um tratamento propriamente dito oferecido pelo Estado.
Esta se encontra regulada no título VI do CP, no art. 96, sendo de aplicação obrigatória a todo inimputável que cometer um fato típico, e sendo facultativa, de acordo com o juiz, aos semi-inimputáveis na mesma situação – lembrando os inimputáveis menores 18 anos que se encontrem na mesma situação, não se submetem a essa categoria de tratamento, sendo estes sujeitos a medidas sócio-educativas. Podem ainda ser discriminadas em duas categorias: as detentivas que se dão por meio da internação, na qual o indivíduo precisa ser isolado da sociedade, por representar perigo para os outros e para si mesmo, para ser submetido a tratamento junto ao Hospital de Custódia de Tratamento Psiquiátrico; e podem ainda ser restritivas aplicando-se o tratamento ambulatorial. A lei dispõe que, quando o tipo penal é punido com reclusão, deve o juiz optar pela internação, e quando punido com detenção, fica a critério do juiz aplicar ou não a medida mais gravosa ou o tratamento ambulatorial, mas, apesar de tal diretriz, o julgador é livre para aplicar a medida que achar mais conveniente ao caso.
Quando ao prazo, devemos nos demorar e atentar bastante para esse aspecto da medida de segurança, pois é fonte de muitas discussões e divergências doutrinárias. Em tese, o agente que se encaixa no perfil do art.26 do CP deve passar pela medida de segurança com o objetivo de se reabilitar a integração social. O art. 97 traz em seu bojo que a medida de segurança terá prazo indeterminado, “perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade”. Dispõe ainda que o prazo mínimo de tratamento será de 1 a 3 anos. Ao termo final deste prazo será feita a perícia médica e, se persistir a suspeição quanto ao agente, este poderá permanecer sobre medida de segurança sendo periodicamente avaliado até que não apresente mais ameaça.
No entanto, este interstício aparentemente simples, apresenta uma série de deficiências. Segundo palavras do professor Rogério Greco:
“Cientes de que o Estado não fornece o melhor tratamento para seus doentes, devemos deixar de lado o raciocínio teórico e ao mesmo tempo utópico de que a medida de segurança vai, efetivamente, ajudar o paciente na sua cura. Muitas vezes o regime de internação piora a condição do doente (...). Casos existem em que o inimputável, mesmo após longos anos de tratamento, não demonstra qualquer aptidão ao retorno ao convívio em sociedade, podendo-se afirmar até, que a presença dele no selo da sociedade trará riscos para sua própria vida”.
O documentário “A Casa dos Mortos” que relata a vida no Manicômio Judiciário de Salvador, produzido pela diretora antropóloga Débora Diniz, nos traz um pouco do que Rogério Greco menciona acima, essa impotência do Estado para com a cura desses pacientes, e o enorme desafio que isto representa para a psiquiatria.
Por outro lado, como já mencionamos, o tratamento dura enquanto a enfermidade do paciente ainda representar um fator propício a sua reincidência criminal, sendo este prazo, portanto, indeterminado. Este fato agrega muitas críticas por levar o agente a cumprir um regime que não se distingue muito da prisão perpétua, sendo esta vedada pelo ornamento jurídico Brasileiro, visto que normalmente esses pacientes permanecem nessas casas de internação até o momento de sua morte, sendo esta provocada ou natural.
Outros doutrinadores defendem que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o prazo da pena que seria cominada ao caso se o agente não fosse inimputável, um exemplo disso é a opinião de André Copetti, citado pelo Prof. Rogério Greco que diz ser:
“Totalmente inadmissível que uma medida de segurança venha a ter uma duração maior que a medida de pena que seria aplicada a um imputável que tivesse sido condenado pelo mesmo delito. Se no tempo máximo da pena correspondesse ao delito o internado não recuperou sua sanidade mental, injustificável é a sua manutenção em estabelecimento psiquiátrico forense, devendo, como medida racional e humanitária, ser tratado como qualquer outro doente mental que não tenha praticado qualquer delito”.
Segundo o mesmo Greco, o STF, por sua vez, possui o entendimento de que a medida de segurança não ultrapassará o prazo máximo de 30 anos.
O documentário acima citado se inicia com a cena de um paciente do Manicômio Judiciário de Salvador, agitando uma folha de papel, que seria o documento com a determinação do prazo de sua internação, em frente a uma câmera e bradando “Oito ano de cadeia. Cadeia vencida. (...) E não me mandaram embora ainda. Eu to querendo ir me embora”. Outros internos, por outro lado não possuem a mínima noção de sua situação carcerária, como é o caso de Almerindo, interno devido a um atentado contra um jovem desconhecido na rua, aparentemente sem motivo, ocasionando a acusação por lesões corporais de natureza leve. O filme “A Casa dos Mortos” expressa a agonia dessas pessoas, que chega ao ponto cometer suicídios mesmo em ambiente tão vigiado e inabilitado para tal prática.
Depois de cumprida a medida de segurança, quando a perícia médica constata que o agente está apto a voltar a viver em sociedade este é liberado em condicional, estando sujeito à reconstituição da sua situação anterior caso pratique um ato indicativo da persistência de sua periculosidade, de acordo com o §3° do art. 97 do Código Penal, não precisando este ato se classificar como crime.
No documentário, podemos observar que os casos de reincidência são muito recorrentes, o que torna ainda mais longa e caracterizada como “perpétua” a internação desses indivíduos. O Estado, no Brasil, é muito criticado pelos serviços insatisfatórios que presta à sociedade, tanto nessa esfera da aplicação de medida de segurança, como em várias outras, como transporte público, educação, segurança pública, enfim.
Os direitos do interno são assegurados pela legislação penal no art. 99 que dispõe que “o internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento”. O que não se pode permitir é que o respeito pela integridade moral e física do paciente seja defasada, a exemplo dos direitos do preso, previsto no art. 38, da mesma legislação. Por vezes, o estabelecimento adequado não pode ser oferecido ao indivíduo prontamente. O que se põe em questão é o seguinte: Então qual será o tratamento que ele irá receber? Será eficaz? Produzirá os efeitos previstos na teoria? A grande crítica que se faz a esse sistema tem sido esta.
REFERÊNCIAS
A Casa dos Mortos. Disponível em: <http://www.acasadosmortos.org.br/>. Acesso em: 13 de maio, 2013.
BRASIL. Decreto-lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 13 de maio, 2013.
YOU TUBE. A Casa dos Mortos. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=FLuZVLojKJw>. Acesso em: 13 de maio, 2013.
GRECO, Rogério. Direito Penal Parte Geral Vol. 1. Editora Impetus. 13º Ed.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral Vol. 1. Editora Saraiva. 16º Ed.