Vedação à revista íntima e a Lei 13.271/16

Leia nesta página:

O presente trabalho trata do cenário estabelecido a partir da Lei 13.271/16, dispondo sobre o conceito de Revista Íntima e deliberando a respeito dos aspectos mais importantes da lei.

           

            Com a promulgação da Lei 13.271/16 e a vedação de toda forma de revista íntima nos mais diversos espaços, desponta a necessidade de se pontuar medidas substitutivas a esta prática, que apesar de se revelar altamente invasiva e ignóbil, era amplamente utilizada e comemorada como um método efetivo aos escoltados direitos de propriedade e segurança. Além de lançar um vislumbre sobre as possíveis consequências da nova ordem, é preciso analisar o comando legal que a veda.

            A lei, devido ao seu peculiar laconismo, não se prostrou sobre questões cruciais, a começar pela própria definição do objeto que trata, isto porque é bastante comum a confusão entre a revista íntima, a pessoal e a vistoria.

            A revista íntima pode ser considerada a mais ultrajante e invasiva das verificações. isto por que pressupõe o contato direto com o corpo do empregado/cliente, o que causa desconforto expressivo e incômodo ainda maior. Para Baraldi, 2012: [...] a expressão revista íntima consiste em procedimento mais invasivo e agressivo ao trabalhador, pois exige o exame do próprio corpo do empregado, com atos de despir e/ou toques ou contatos físicos pelo revistador.

            Este tipo de revista costuma ser definido nos termos acima apresentados, entretanto, é bastante comum o uso de modalidades ainda mais degradantes, á título de exemplificação, é corriqueiro o relato de penitenciárias que obrigam os visitantes a se despirem, a se posicionarem ligeiramente sobre um espelho fixado no chão com ambas as pernas abertas, a tossirem e executarem uma série de pulos, com o objetivo de afastar qualquer suspeita de que tal indivíduo esteja portando algum objeto em qualquer orifício ou reentrância corporal. Já a revista pessoal tende a ser mais respeitosa, porquanto não inclui em sua execução o contato pessoal, mas apenas a vistoria e análise do conteúdo de bens pessoais, como bolsas, malas, carteiras e etc.

            Considerando que o tipo de revista a que alei se refere seja o trabalhado acima, surge a primeira crítica, a lei perdeu a oportunidade de definir o que seria a revista íntima, em que situações esta se configuraria, ausente esta previsão, haverá dúvidas em que intensidade a revista ocasional poderá ser realizada.

            Algo a ser elogiado, no entanto, e a abrangência da lei, que passa a incidir não apenas no ambiente laboral, local propício a ocorrência deste tipo de prática, mas também em boates, penitenciárias e até em lojas. A presente lei possui natureza híbrida, pois regula situações afetas ao direito do trabalho, penitenciário e civil/comercial/consumidor.

            Interessante destacar que, apesar de a norma em comento vedar terminantemente a revista íntima em ambientes prisionais e situações que envolvam investigação criminal, o seu artigo 3°, o qual se encontra vedado, admitia a sua realização nestas ocasiões, excetuando os rigores da lei em tais casos, vejamos o inteiro teor do artigo vedado:

 “Art. 3º. Nos casos previstos em lei, para revistas em ambientes prisionais e sob investigação policial, a revista será unicamente realizada por funcionários servidores femininos”.

            Após a leitura atenta do dispositivo fica claro o motivo do veto. Em primeiro lugar haveria um caso claramente antagônico ao princípio da isonomia, já que se obstaria o direito a uma classe de visitantes de prisioneiros e pessoas investigadas, sob a alegação de uma pretensa segurança, enquanto que em casos em que apenas o patrimônio sofresse ameaça ou suspeita de vilipêndio, como em empresas e estabelecimentos comercias, não seria possível a realização de revistas íntimas.

            Um outro motivo, ainda mais perigoso, seria a interpretação que se poderia fazer a partir da leitura do artigo, pois este é enfático em admitir apenas funcionárias do sexo feminino no caso de realização de tais revistas, ou seja, haveria um absurdo legal, pelo qual homens seriam apalpados e  manuseados por mulheres. Quando a lógica legal é que o exame deveria se dar por pessoas do mesmo sexo.

            De qualquer forma, a partir do veto foi possível se verificar a extensão da intenção legal, a importância com que a ordem jurídica pretende inibir a realização de revistas íntimas, impedindo-a até mesmo em situações em que ela poderia ser empregada como mecanismo de proteção e segurança, através de uma atuação preventiva. Assim apregoa Cabette: Fato é que o veto e suas razões deixam translúcida a “mens legis”, ou seja, há estabelecimento de proibição absoluta de revistas íntimas, seja no âmbito privado, seja em estabelecimentos prisionais ou mesmo em investigações policiais.

            A partir da nova ordem, fica de todo proibido o exame invasivo sobre o sujeito, que importe no manuseio extensivo, desnudamento, pressionamento e etc., vigorando, em raciocínio contrário, as formas de revista pessoal já largamente utilizadas. Novamente colacionamos os oportunos ensinamentos de Cabette, que corrobora o argumento ora exposto: Fato é que o veto e suas razões deixam translúcida a “mens legis”, ou seja, há estabelecimento de proibição absoluta de revistas íntimas, seja no âmbito privado, seja em estabelecimentos prisionais ou mesmo em investigações policiais.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Importa frisar que nada se altera em relação às buscas pessoais reguladas pelo Código de Processo Penal. A Lei 13.271/16 é específica sobre as “buscas íntimas”, ou seja, aquelas invasivas que importam em desnudamento e inclusive em inspeção visual e tátil de partes íntimas (v.g. vagina, ânus). Para isso será necessário o emprego de meios tecnológicos como “scanners”, superada a vetusta e humilhante prática até então adotada nos estabelecimentos prisionais e nas buscas pessoais policiais.

            Efetuadas os apontamentos anteriores, cumpre perquirir qual o panorama que se instalara a partir de agora. Percebe-se que a intenção da lei foi afastar a realização de exames invasivos sobre as pessoas, o que se afigura vexatório ao extremo, maculando em demasia a dignidade humana, consectário e pilar da Constituição Democrática de 1988. Dito isto, é possível que as novas formas de verificação não mais extrapolem o limite do necessário à apuração regular e razoável, por meio de uma simples revista pessoal.

            Quando esta, por si só não for suficiente a esta observação, é possível a utilização de “scanners”, aparelhagem de raio X , detectores de substâncias, volume, temperatura e odores, e tantos os outros que a tecnologia possa oferecer. Já que a lei visa precipuamente estimular a utilização destes meios alternativos, inibindo a realização de revistas íntimas.

            Fernanda Yoneya e Julia Affonso, em publicação do Estadão sob o título “Especialistas apontam falhas na lei da revista íntima” citam Francisco Fragata Jr. que vem de encontro ao nosso posicionamento:

As revistas íntimas podem ter um conteúdo vexatório quando feitas apenas em determinados empregados, manualmente ou por outros métodos semelhantes. “Mas não se poderia impedir revistas íntimas feitas a todos os empregados, por métodos mais modernos, como máquinas de raio x”.

            É claro o avanço que o tema e o campo de incidência da norma traz para a sociedade brasileira, mas nem mesmo a sua honrosa finalidade é capaz de elidir a forma como a lei foi redigida, a ausência de isonomia em não favorecer aos funcionários/clientes/visitantes de penitenciárias do sexo masculino, o que gerara muitas críticas e uma possível adequação do caso a nível doutrinário e jurisprudencial.

Referencias Bibliográficas

BARALDI, Cristiane. A violação do princípio da dignidade da pessoa humana do empregado no procedimento de revista íntima no direito brasileiro. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/22999/a-violacao-do-principio-da-dignidade-da-pessoa-humana-do-empregado-no-procedimento-de-revista-intima-no-direito-brasileiro/3>. Acessado em: 26.05.2016.

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Proibição de revistas íntimas: primeiros comentários à Lei nº 13.271/16. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/48483/proibicao-de-revistas-intimas-primeiros-comentarios-a-lei-n-13-271-16>. Acessado em 24.05.2016.

CALVO, Adriano. Alternativas à revista íntima. Disponível em: < http://www.calvo.pro.br/default.asp?site_Acao=MostraPagina&PaginaId=6&mNoti_Acao=mostraNoticia&noticiaId=104>. Acessado em 25.05.2016.

YONEYA, Fernanda e AFFONSO, Julia. Especialistas apontam falhas na lei da revista íntima. Estadão. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/especialistas-apontam-falhas-na-lei-da-revista-intima/>. Acessado em 26.05.2016.

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Natacha Rayane Fernandes

Aluna graduanda em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará

Ana Paula Gonçalves Feitosa

Aluna do 10° semestre de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo desenvolvido como pré-requisito ao preenchimento da carga horária extra-currilicular da graduação em Direito.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos