O caso da jovem vítima de estupro coletivo: apenas um exemplo de vitimização secundária

31/05/2016 às 07:55
Leia nesta página:

Versa sobre o direito a tutela penal das pessoas que vivem na prostituição quando são vítimas de um crime, especialmente os crimes contra a dignidade sexual, bem o tratamento recebido por essas pessoas nos órgãos públicos quando vão denunciar o crime.

Tenho visto e ouvido muitos comentários sobre a jovem que foi vítima de estupro coletivo. Execram-na publicamente pelo fato de que seria supostamente usuária de drogas e prostituta, tinha vida desregrada e era frequentadora de bailes funks. O delegado que cuidava do caso, teria lançado dúvidas acerca da ocorrência do ilícito penal.

Tudo é muito nebuloso, as informações desencontradas; a mídia traz a informação de que ela realmente foi vítima do estupro. O fato é que, mesmo sendo usuária de drogas e prostituta, como dizem, ela tem pleno abrigo da tutela penal e o bem jurídico em questão, dignidade sexual, está plenamente protegido pela lei. Assim, aqueles que a violentaram não têm direito ao desafogo de suas concupiscências nem direito à satisfação de suas lascívias numa relação não consentida e violenta com pessoas dadas a esse tipo de vida. Todos merecem a proteção da lei, desde a freira recatada e virgem que mora num mosteiro até aquela pessoa que perambula pelas ruas exercendo o comércio carnal. A situação da referida jovem, cuja agressão sexual foi contestada pelo delegado e por muitos em razão do modo de vida, traz à tona o que se chama de vitimização secundária, quando a pessoa é vítima de um crime e ao buscar os órgãos competentes, não recebe o tratamento devido nem a proteção e atenção que deveria, sendo exposta a mais vexames e constrangimentos, tornando-se vítima pela segunda vez.

O autor Sérgio Salomão Shecaria, na obra “Criminologia”, Editora Revista dos Tribunais, página 55, diz que “a vítima secundária é um derivativo das relações existentes entre as vítimas primárias e o Estado em face do aparato repressivo (polícia, burocratização do sistema, falta de sensibilidade dos operadores do direito envolvidos com alguns processos bastante delicados etc.)”. No caso da jovem vítima do estupro coletivo, observa-se um caso típico de vitimização secundária, em que a mesma, em razão de seu jeito de viver, após ter sofrido a agressão sexual, viu-se perante a insensibilidade de um agente do Estado e a desconfiança da opinião pública. Esse é apenas um exemplo dos milhões de casos que ocorrem diariamente no Brasil. Pessoas vítimas de um crime tratadas com descaso pelos órgãos públicos, sendo ultrajadas, recebendo tratamento indigno e sendo tratadas como um nada. Todos merecem tratamento digno.Abaixo a cultura do estupro e da vitimização secundária.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luiz Alberto Cavalcanti Filho

É formado em Direito em Letras, hoje servidor do poder judiciário do Estado de Santa Catarina na Comarca de Palhoça, especialista em Direito Imobiliário. <br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos