INTRODUÇÃO
Este artigo realizará um estudo acerca da relação existente entre o Tribunal do Júri e a mídia, demonstrando se há a influência da mídia nos julgamentos de grande comoção social, atentando para as penalidades cabíveis quando houver abusos pela mídia, assim como as medidas cabíveis para diminuir a influência muita das vezes causada por ela.
Possuindo como objetivo principal analisar a influência da mídia nos casos de grande comoção social em relação à imparcialidade dos Jurados. Até que ponto é possível manter a imparcialidade frente a um fato que abala a opinião pública, para que seja garantida a "soberania" e que se julgue sem preconceito, para assim ser eficaz a amplitude da defesa?
É notório o papel da mídia ao difundir notícias de cunho processual quando se tem a prática de um crime considerado de relevante comoção pela sociedade, despertando assim, o interesse social pela cultura jurídica, já que esta é desconhecida pela maioria da população.
No entanto, o que se observa é que a mídia está exercendo a função investigativa do fato típico e antijurídico que é de competência da Polícia Judiciária e do Ministério Público, o que não pode ocorrer em razão desta função ser exclusiva do Poder Judiciário.
Desta maneira, percebe-se que o acusado passa a ser perseguido pela mídia, que expõe à sociedade todos os detalhes de sua vida, mesmo antes da instauração do inquérito policial, quando promovem verdadeiros interrogatórios ao suspeito criminoso.
Sob esse aspecto, observa-se que a grande mídia agindo dessa maneira estará violando o direito fundamental do acusado que é de não ser considerado culpado de forma antecipada. Vale citar o pensamento de Ana Lúcia Menezes Vieira[1] que assim dispõe:
“A notícia do inquérito ou processo, narrada de forma leviana, distante da verdade e sem critério técnico por parte do jornalista, a publicação de fotos comprometedoras de sua imagem e honra, as filmagens sensacionalistas do criminoso, do local dos fatos fazem parte do cotidiano dos meios massivos de comunicação. Nem sempre há a preocupação do jornalista em preservar a intimidade do suspeito. Nem tampouco esse cuidado existe por parte da autoridade policial ou investigadores de polícia, que insistem em apresentar o preso à mídia.”
Cumpre mencionar, que é de extrema importância a publicidade dos atos processuais no processo penal, desde que seja observada sua feitura de maneira responsável, para que a população possa exercer seu direito de fiscalizar o trabalho do Poder Judiciário e controle a administração da justiça, conforme o entendimento de Almeida[2]:
“Na fase judicial, ao contrário do inquérito, existe o princípio da publicidade dos atos processuais, que é uma forma de controle popular da administração da justiça. Os meios de comunicação podem e devem noticiar atos processuais, desde que de forma responsável. Assim, a mídia pode ser um importante instrumento de divulgação dos atos do Judiciário, para que estes ocorram de forma transparente, sob as vistas do público. (...) Mas o princípio da publicidade, como tantos outros, não pode ser aplicado de forma irrestrita, absoluta. A publicidade é regra, mas, em alguns casos, o juiz pode determinar a restrição, para evitar a violação de garantias individuais, de animosidade no público e outros fatores que venham a prejudicar o regular andamento do processo. Em nosso tempo, a divulgação exagerada e sensacionalista, feita por alguns veículos de comunicação, de atos do processo, exige cuidado maior por parte do magistrado.”
Não custa enfatizar que as influências da mídia na sociedade e no processo penal, provocam um clima de indignação, pois a comoção social, o clamor e a pressão popular sobre os atores do processo, podem resultar em danos irreparáveis ao suspeito, como a exclusão social e a prisão cautelar ilegal, ou seja, a pena pelo crime supostamente cometido por ele já começa a ser cumprida no momento da persecução penal, ocorre o prejulgamento no Tribunal do Júri, e, por fim, a condenação do suspeito que foi desrespeitado em relação ao princípio constitucional do devido processo legal e à ampla defesa.
É sobremodo importante frisar ainda que, em meio a essas ondas de terror causadas pela mídia com a divulgação de índices de criminalidade e violência em nosso país, a grande imprensa atual desfigura e cria a realidade, constituindo fator decisivo na elaboração de leis cada vez mais rígidas que modificam o ordenamento jurídico brasileiro; entretanto, nem sempre contribuem para a redução dos crimes praticados, apenas fortalecem a corrente de pensamento denominada Lei e Ordem[3].
A respeito da comoção social que envolve o júri popular Guilherme de Souza Nucci[4] aponta:
Com comoção social, livre convicção, influência da oratória das partes ou do acusado, o júri popular foi e sempre será o tribunal mais enfraquecido e ao mesmo tempo fortalecido que a humanidade já teve.
Destarte, o alto nível de insatisfação da sociedade em decorrência de um crime bárbaro, provoca uma grande repercussão e comoção social de influência direta ou indireta nas decisões do conselho de sentença, pelo fato da pressão que a população exerce nas autoridades públicas terem alcançado uma das mais altas esferas do nosso sistema jurídico.
LIBERDADE DE IMPRENSA
A liberdade de expressão no Brasil é um direito fundamental dos cidadãos, permitindo, desta maneira, que com o exercício desta garantia constitucional, os indivíduos pratiquem a cidadania e a democracia.
Cabe ressaltar que a Constituição Federal de 1988 garante em seu artigo 220 e §§ 1º e 2º a plena liberdade da manifestação do pensamento, da expressão e da informação, sendo proibido qualquer tipo de restrição ou censura sobre a informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, seja de natureza legal, política, ideológica e artística.
Neste sentido, Ana Lúcia Menezes Vieira[5] ensina:
“A expressão máxima do livre pensar é poder propagar, por quaisquer meios, opiniões, ideias e pensamentos. A liberdade de expressão é consequência da liberdade de pensamento, é a exteriorização desta. Não se pode falar em liberdade de pensar se ela se circunscreve apenas ao pensamento, no interior indesejável do ser humano. Pensamento que não se manifesta, que se oculta, não atinge a plenitude da liberdade.”
Desta maneira, os profissionais da imprensa devem se atentar aos princípios constitucionais e se pautar no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros para exercerem a atividade jornalística, pois caso contrário, podem ser submetidos à Comissão Nacional de Ética, que poderá aplicar, dentre outras penas: a observação, a advertência e a publicação da decisão em veículo de ampla circulação, atentando-se ainda que os profissionais da mídia estão sujeitos às ações civis e penais em casos de abusos, que será tratado em tópico especifico.
Apesar de ser garantida a publicidade dos atos processuais no artigo 5º, inciso LX e no artigo 93, inciso IX, haverá o sigilo processual quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.
Convém notar, igualmente, o Princípio da Presunção de Inocência vigente e o disposto na Constituição Federal, no artigo 5º, inciso LVII, que tem a seguinte redação: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Daniel Cornu[6] relata que “a missão geral da imprensa é informar o cidadão, para que este seja capaz de formar a sua própria opinião”.
É notório que a mídia influencia a sociedade, formando ou manipulando a opinião pública, não agindo, portanto de acordo com sua função.
Ante o desvio de finalidade dos meios de comunicação, Fábio Martins de Andrade, preceitua de forma pertinente que:
“Os órgãos da mídia distanciaram-se de sua função inicial (reportar, narrar) para, vagarosamente, destacarem-se como intervenientes e invasores do fato. Com isso, não mais noticiam, mas opinam. Deixaram de informar para formar opinião. Neste contexto verificado, a relação entre a mídia e a opinião pública chegou a um tamanho grau de hegemonia do primeiro e submissão do segundo que, atualmente, pode-se dizer que, a opinião pública reduziu-se à opinião publicada pelos órgãos da mídia.”
Neste diapasão, deve-se reconhecer que foi desvirtuada a principal função da imprensa ou mídia que era a de informar o cidadão sobre todos os fatos ocorridos no país e no mundo. Sobremaneira, a mídia conduz a opinião pública, observando o seu interesse econômico e político, divulgando notícias que entende ser relevante para a sociedade.
IMPARCIALIDADE DOS JURADOS
O júri é formado por pessoas comuns, geralmente funcionários públicos, que carregam em si conceitos arraigados advindos do meio cultural em que vivem, sendo considerados representantes da sociedade e a voz popular em busca da justiça social. Ressalta-se a importância da instituição do júri, em razão da responsabilidade de condenar ou absolver no julgamento e através do seu voto expressar, enquanto parte de um grupo selecionado, o Estado de Direito, a democracia e a intenção do povo pelo voto através do Conselho de Sentença.
Diante da análise da pertinência da composição do Tribunal do Júri, em julgamento de crimes dolosos contra a vida, torna-se importante observar a validade racional e imparcial do julgamento feito pelos jurados, em face da influência gerada pela mídia nos processos que integram a formação de opinião.
Deste modo, observando a estrutura de funcionamento do júri popular, aponta-se que, ao levar em consideração o fato dos jurados estarem imersos em fatores socioculturais e sujeitos a influência direta da mídia, o júri sofre perda significativa de imparcialidade na formação de sua opinião ou juízo de valor. Por essa razão, torna-se essencial que somente os fatos atinentes à causa sejam trazidos à sua apreciação.
Na verdade, a atuação do membro do júri como representante da sociedade e voz popular torna-se imparcial a partir do momento que a formação de sua opinião se der apenas no interior da arena discursiva apresentada no julgamento, estando em conformidade com a valoração jurídica presente no processo. Porém, a imprensa, por sua vez, açodada pela busca da audiência que lastreia o lucro para sua própria sobrevivência, não parece se interessar no devido processo legal, de onde flui a garantia do contraditório e da ampla defesa. Nesse contexto, observa Sérgio Habib[7]:
“O que temos, ultimamente, são alguns magistrados, ou mesmo alguns tribunais, receosos com a repercussão negativa de suas decisões (...). Não se queira, pois, fazer terror com as suas decisões, expondo-o à execração pública, seja porque concedeu uma ordem de habeas corpus em favor de determinado réu, cuja situação processual assim recomendava, seja porque deixou de condenar um outro, considerado culpado pela mídia, mas inocente dentro dos autos. Ressalte-se que nem sempre aqueles a quem a mídia condena, num julgamento sumário e descartável, poderão ser condenados nos processos a que respondem, porque o verdadeiro juiz julga segundo a prova, enquanto que o "juiz-show" julga por ouvir dizer (o que dizem os jornais e a grande mídia nacional.”
Alguns exemplos de casos que possuíram grande influência midiática podem ser citados:
O caso Izabella Nardoni, que foi acompanhado por toda população brasileira, desde a queda de menina, que possuía apenas cinco anos de idade, passando pela prisão do pai e da madrasta, pela reconstituição do crime. Este caso alcançou grandes índices de audiência, até a tão esperada condenação dos dois acusados por homicídio triplamente qualificado. Ressalta-se que neste julgamento buscou também, abrandar o clamor público, visto que a sociedade esperava uma resposta, condenando-os.
Este foi um crime bárbaro, repulsivo, que chocou a sociedade, porém não possui provas concretas e sim apenas inúmeras suposições que apoiavam a crença na culpabilidade dos acusados. De qualquer maneira, a mídia os taxava como únicos e verdadeiros culpados pelo assassinato frio da menina Izabella.
Outro exemplo de um julgamento que houve grande repercussão pela mídia e o caso da Irma Dorathy, que foi assassinada em 12 de fevereiro de 2005 com sete tiros em uma estrada de terra próxima ao município de Anapu, no Pará. O julgamento final ocorreu no ano de 2013 e o acusado Regivaldo, mais conhecido por “Bida” já sentou no banco do réu, taxado como condenado pela mídia. O caso teve repercussão internacional, tornando o caso simbólico, unificando temáticas como a luta pelos direitos humanos, a questão do direito à terra e a preservação ambiental. "Talvez (Regivaldo) seja o primeiro mandante desses crimes de conflito no campo a ser julgado e condenado no Estado", afirma o procurador da República. Segundo ele, atualmente há 204 lideranças rurais ameaçadas de morte no Pará.
Diante do exposto, como se falar então na total imparcialidade dos jurados em casos de grande repercussão nacional?
Destarte é preciso buscar a reflexão sobre o papel do jurado frente à sua vivência, demonstrando a fragilidade que se tem em um julgamento, quando a vida de alguém depende de todo o aparato para que não fira direitos garantidos constitucionalmente com a ampla defesa, e, no que se refere à intimidade e a dignidade da pessoa humana, assim como demonstrar qual o objetivo real que pretende atingir, posto que precisa, antes de mais nada, entender sua tarefa social perante a sociedade: alcançar a paz.
Apesar da liberdade de imprensa está garantida pelo texto constitucional no artigo art. 5º inciso IX e art. 220, não é ilimitada, pois, a própria Constituição Federal trouxe limites (inciso X, art. 5º), os quais devem ser protegidos, sem que aquela liberdade possa ser utilizada para afetar, de forma ilícita, a esfera desses direitos, violando-os.
Sendo assim, a imprensa é livre para a divulgação de informações, fatos, notícia, não para divulgar ofensas, deturparem a verdade, pregar a sedição, fazer a apologia de crimes e servir de veículo a fins extorsionários. (ZULIANI, 2007, p. 46).
Ressalta-se que uma coisa é a publicidade do inquérito ou do processo, acessível a qualquer pessoa; outra, bem diferente, é a divulgação na imprensa dos fatos constantes do inquérito ou do processo. Na maioria das vezes, as divulgações não passam de uma aberrante imprudência, pois têm a ver, na verdade, com a busca desenfreada de mercado, espaço, leitores, audiência e lucros, mas nenhum compromisso com a verdade.
Verifica-se que aumentam as possibilidades de colisões entre a Liberdade de Intimidade e Liberdade de Imprensa e para verificar se está diante de um caso de conflito de direitos, deve-se analisar cada caso, a existência ou não da colisão, e só existirá a colisão desses direitos, quando o exercício de um desses direitos por parte de seu titular, colidir com o exercício de outro desses direitos por parte de outro titular e conforme é necessário valorizar o caso concreto para verificar se houve violação do fundamento ético da dignidade da pessoa humana, a fim de concluir se estamos diante de direitos da personalidade. (CANOTILHO, 2003, p. 1268)
Assim, para que essa solução ocorra da forma mais adequada possível, ela utiliza-se de critérios como o da ponderação dos bens envolvidos em cada caso. Para Edmilson Pereira Farias, “a jurisprudência guia-se, principalmente, pelos princípios da unidade da constituição, da concordância prática e da proporcionalidade, articulados pela doutrina.” Pois para ela (jurisprudência), não existe um caminho pré-determinado, para que possa ser seguido de forma metódica a cada caso. Isto é, para a jurisprudência, não existe uma formula a priori que deva ser aplicada a todos os casos, o que ela deve fazer é verificar cada caso, estudando-o, analisando-o e ponderando-o, em razão do peso ou da importância que tal direito/princípio terá no caso específico. O que existem são critérios, que podem ser utilizados, para verificar se o exercício da liberdade de informação está dentro do limite lícito de seu exercício. (CANOTILHO, 2003, p. 156)
Os atos processuais devem ser públicos, inclusive como forma de justificar a própria imparcialidade das decisões prolatadas pelo Poder Judiciário. Sendo que as hipóteses de segredo de justiça são excepcionais e delimitadas no art. 155, do Código de Processo Civil, havendo respaldo constitucional para tal restrição (art. 5°, incisos V e X, da CF-88).
Em relação à intimidade esta sim deve ser preservada ante a necessidade das pessoas de manterem afastados do público aquilo que lhe é mais íntimo. Desse modo, em defesa e proteção dos aspectos pessoais da vida amorosa, sexual, familiar ou profissional e até em respeito às ideias, sentimentos e religiosidades, os quais as pessoas queiram manter longe do conhecimento público, a fim de evitar constrangimentos e embaraços é que a Constituição incluiu como direitos fundamentais, o direito à intimidade.
O conceito de liberdade de imprensa só pode ser amplamente entendido se compreendido enquanto realização da democracia. Funciona como complemento indispensável da organização do Estado fundado sob o sufrágio. Ressalta-se que de todas as liberdades sem a imprensa livre para divulgar opinião e informação, os meios de comunicação perdem parte de sua função. É através da divulgação livre de ideias que a democracia pode ser exercida em sua plenitude.
Diante dos aspectos acima traçados, a questão abordada no presente ensaio é de como conciliar a liberdade de expressão, com direito à intimidade e a dignidade da pessoa humana sendo fundamental nos dias de hoje. Pois, a limitação da liberdade de imprensa, com o fim, por exemplo, de proibir a divulgação da vida privada, pode significar uma brecha para outras formas de censura à imprensa.
Por isso, a imprensa, para garantir a liberdade de expressão, deve ser a mais livre possível. Qualquer forma ou tentativa de limitação pode vir a ser considerado um crime contra a sociedade, visto que é esta a maior interessada em ter acesso a todas e irrestritas formas e conteúdos informativos. Por outro lado, dar total liberdade para os meios de comunicação definir seus próprios limites pode ocasionar uma lesão aos outros direitos constitucionalmente garantidos, como é o caso do direito à privacidade.
ALTERNATIVAS JURÍDICAS PARA DIMINUIR A INFLUÊNCIA DA COMOÇÃO SOCIAL, CAUSADA PELA MÍDIA, NOS JULGAMENTOS DE GRANDE REPERCUSSÃO.
Diante do tema em análise, é importante ressaltar que existe a possibilidade de um controle eficaz e uma fiscalização rígida sobre os órgãos da mídia, objetivando impedir abusos e injustiças que podem ser causados pela influência causada nos processos de grande repercussão, com base no fato de que as liberdades de imprensa e de expressão não podem violar a dignidade da pessoa humana do acusado, com fundamento no princípio da presunção de inocência.
Conforme visão doutrinária da escritora Helena Abdo[8], não existem muitas medidas predispostas pelo ordenamento brasileiro com a finalidade de prevenção ou inibição quando se trata de violação da regra de objetividade na divulgação de atos processuais pelos meios de comunicação social. Segundo a autora, a primeira medida preventiva é a restrição da publicidade do processo, por meio do regime do segredo de justiça, conforme previsto no artigo 155 do CPC.
Deste modo, sempre que houver uma pressão da mídia perante um determinado processo, poder-se-ia cogitar da decretação do segredo, de modo a impedir que a publicidade mediata realizada sem a devida objetividade viesse a causar prejuízos aos sujeitos processuais, assim como ao próprio processo.
Porém, deve-se observar que, a publicidade dos atos processuais possui o intuito de possibilitar ao público a fiscalização do exercício da função jurisdicional. Por esse motivo, o artigo 155 do CPC, prevê hipóteses taxativas para a decretação do segredo de justiça, assim como: se o interesse público assim o exigir, ou se o processo versar sobre casamento, filiação, separação de conjugues, conversão desta em divórcio, alimentos e guarda de menores.
Outra medida cabível para evitar a influência da comoção social causada pela mídia nos julgamentos de grande repercussão é o Desaforamento, como medida excepcional de restrita aplicação no procedimento do Júri, com fundamento no princípio da imparcialidade dos julgados, o qual deve realizar um julgamento imparcial e livre de vícios que contaminem suas decisões. Guilherme Nucci[9] conceitua o desaforamento como:
“É a decisão jurisdicional que altera a competência inicialmente fixada pelos critérios constantes do art. 69 do Código de Processo Penal, com aplicação escrita no procedimento do Tribunal do Júri, transferindo a apreciação, para outra Comarca. A competência, para o desaforamento, e sempre da Instancia Superior e nunca do juiz que conduz o feito. Entretanto, a provocação pode originar-se tanto do magistrado de primeiro grau quanto das partes, dependendo da situação.”
A medida possui como objeto a transferência do julgamento da causa à comarca mais próxima na qual não subsistam vícios que possam comprometer a imparcialidade do Conselho de Sentença. Nesse sentido, seguem entendimentos jurisprudenciais:
“JÚRI – DESAFORAMENTO – DÚVIDA SOBRE A IMPARCIALIDADE DO JÚRI – ACOLHIMENTO PARCIAL – JÚRI – DESAFORAMENTO – Ocorrência de fundadas dúvidas sobre a imparcialidade do Júri da Comarca de Vassouras. Pretensão de ser o processo julgado na Comarca da Capital. Descabimento. O desaforamento deve ser determinado para comarca mais próxima embora não necessariamente vizinha e, existindo na região a Comarca de Volta Redonda cidade de grande porte, elevada à entrância especial, nela deverá ser efetivado o julgamento. Pedido de desaforamento parcialmente deferido. (TJRJ – Desaforamento 3/2000 – (15092000) – 6ª C.Crim. – Rel. Des. Salim José Chalub – J. 22.08.2000).”
“RT 647/335. 600437 – JCPP.424 DESAFORAMENTO – COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO – Código de Processo Penal, art. 424. 2. Orienta-se a jurisprudência do STF no sentido de o desaforamento, quando necessário, dar-se para a comarca mais próxima do distrito da culpa, onde não subsistam os motivos que o determinam. Cumpre resguardar a ampla defesa do réu, ao lado de um julgamento isento. 3. Hipótese em que o Tribunal de Justiça do Estado, fundamentadamente, concluiu pela necessidade do desaforamento, afastando, de expresso, comarca mais próxima do distrito da culpa para localizar o julgamento na comarca da Capital do Estado. 4. Em situação como a dos autos, a decisão da Corte local, mais próxima dos fatos, deve ser confirmada, no que concerne ao desaforamento que determina, não só porque devidamente motivada, mas também diante da realidade dos eventos, os quais vêm impedindo a realização do julgamento, inclusive o desaparecimento dos autos do Cartório e a necessária restauração. Aponta-se, também, a influência do réu e família nas regiões mais próximas ao distrito da culpa. (STF – HC 71.240-1 – CE – 2ª T. – Rel. Min. Néri da Silveira – DJU 16.06.1995).”
O desaforamento possui previsão legal no artigo 427 do CPP, onde preconiza as três causas que podem ensejar o pedido, quais sejam: interesse da ordem pública, dúvida sobre a imparcialidade do júri e dúvida sobre a segurança pessoal do réu. No mesmo sentido, explica Tourinho Filho[10]:
“Se o interesse da ordem publica o reclamar, ou houver duvida sobre a imparcialidade do Júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o Tribunal a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado, ou mediante representação do Juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para a comarca da mesma região onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.”
Porém, conforme aponta Tourinho Filho[11], existe outra causa que pode ser levada em consideração para pedir o desaforamento, presente no artigo 428 do CPP:
“O desaforamento também poderá ser determinado em razão de comprovado excesso de serviço, ouvidos o Juiz e a parte contraria, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 meses, contado do “transito em julgado” da decisão de pronuncia, salvo se essa demora for decorrente de adiamentos, diligências de interesse de Defesa.”
De acordo com Helena Abdo[12], com relação às sanções cabíveis quando há o descumprimento da finalidade da mídia, esta pode ensejar em pelo menos uma das três espécies de consequências a seguir elencadas:
A) Direito de Resposta
O direito de resposta possui previsão legal no artigo 5º, V, da Constituição Federal, não sendo propriamente uma sanção, já que consiste em uma faculdade conferida àquele que se sentir lesionado por fato inverídico ou errôneo, que foi divulgado por meio de comunicação, de exigir a publicação ou transmissão de resposta ou correção de maneira gratuita e no mesmo órgão de comunicação, desde que proporcional ao agravo sofrido. Todavia, embora sendo uma faculdade, corresponde ao direito de resposta a obrigação do veículo de comunicação de divulgar a resposta ou ratificação.
B) Responsabilidade Civil pela reparação dos danos causados
Possui previsão legal no artigo 5º da Constituição Federal em seu inciso X, que dispõe: "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".
Portanto, para que seja caracterizada a obrigação de indenizar, deve-se observar a presença de três requisitos: conduta dolosa ou culposamente ilícita, dano e nexo de casualidade entre ambos.
Assim como que, para que sejam reparados os danos materiais e morais causados pela violação, a regra objetiva na publicidade mediata do processo. Deve ocorrer o restabelecimento do equilíbrio destruído pelo dano, com a finalidade de recolocar a vítima na situação em que se encontrava antes da ocorrência do citado dano.
Vale ressaltar que, os responsáveis pela obrigação de indenizar serão, solidariamente, o próprio profissional da mídia e o meio de comunicação pelo qual a mensagem desprovida de objetividade foi divulgada, e o valor da indenização deve corresponder aos danos causados por aquele que alega ter sido prejudicado pela publicidade.
C) Responsabilidade criminal do agente
A responsabilidade criminal do agente é configurada quando o mesmo pratica os chamados crimes contra a honra, que são disciplinados e sancionados pela legislação infraconstitucional comum, a saber, nos artigos 138 a 145 do Código Penal.
Trata-se de crimes que atingem a chamada honra objetiva e subjetiva do sujeito, sendo a primeira referente à sua reputação perante a sociedade (calúnia e difamação) e a segunda referente ao seu conceito íntimo, sua autoestima, (injúria).
Neste sentido, para que haja calúnia, prevista no artigo 138 do CP, o profissional da mídia terá de agir dolosamente, ao imputar falsamente a alguém fato definido como crime. No que diz respeito à difamação, a conduta ilícita vem definida pelo artigo 139 do CP, como imputação de fato ofensivo a reputação de outrem. Já no crime de injúria, previsto no artigo 140 do CP, consiste na ofensa a dignidade ou ao decoro de alguém.
Influi registrar que, diante das considerações apontadas, das tentativas de se preservar os direitos da personalidade dos envolvidos num processo penal e de garantir também os direitos da mídia e da sociedade, cabe citar que a liberdade de imprensa, a liberdade de expressão e manifestação do pensamento, a publicidade dos atos processuais, a presunção de inocência, o direito à informação, à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas são direitos fundamentais que devem ser respeitados.
Contudo, não trata de direito absoluto, portanto deve haver a cautela, assim como a razoabilidade, quando existir o conflito entre eles, se posicionando por aquele que for do interesse público, o mais justo para a sociedade. Todavia deve-se observar o interesse particular do cidadão envolvido no caso concreto, e, se houver danos causados indevidamente, deve haver a justa reparação, a fim de que sejam impedidos novos abusos e o cometimento de injustiças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O instituto do Tribunal do Júri é um órgão da jurisdição penal e possui competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. É composto por um juiz togado e mais sete cidadãos, possui base legal prevista na Constituição Federal de 1988 e no Código de Processo Penal Brasileiro.
Ao longo do trabalho, observou-se uma estreita ligação entre o Tribunal do Júri e a mídia, pois, conforme se tem verificado, a mídia não somente tem se interessado em divulgar e debater julgamentos proferidos pelo Tribunal do Júri, mas também em veicular as suas informações para a obtenção de audiência.
Impende relatar que, no Brasil, é garantido o amplo direito à liberdade, e a sociedade, movida por sentimentos em busca de informações relevantes para o seu desenvolvimento, se utiliza dos meios informativos. Estes, a seu turno, muitas vezes não estão cumprindo com a sua verdadeira finalidade e vendem seus produtos através da publicidade, em consonância com seus interesses, mais comerciais do que sociais.
Com relação aos crimes de grande repercussão social, a imprensa em geral exerce sua função baseada na publicidade dos atos processuais, assim como na liberdade de imprensa, no direito à informação dos cidadãos, e também em prol de seus próprios interesses.
Nesse diapasão, cabe ressaltar dois fatos importantes: de um lado, a sociedade precisa ser informada dos fatos e atos ligados à ação criminosa. Por outro lado, o investigado ou acusado da prática delituosa também precisa ser tratado como inocente até que se prove o contrário.
Portanto, enaltece-se o papel da mídia, desde que sejam divulgadas apenas notícias verdadeiras sobre o fato criminoso, respeitando-se os valores éticos, assim como os preceitos constitucionais, a dignidade do investigado e os direitos a ele inerentes. Deste modo, evitam-se danos irreparáveis, o clamor público, a pressão sobre os atores do processo, que estão sujeitos ao medo de decidir contra o modo coletivo de pensar produzido pelos noticiários, garantindo assim a soberania do veredicto e a ampla defesa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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ALMEIDA, Judson Pereira de. Os meios de comunicação de massa e o Direito Penal: a influência da divulgação de notícias no ordenamento jurídico penal e no devido processo legal. Vitória da Conquista-BA: 2007.
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