A instrumentalidade do processo no novo CPC

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08/06/2016 às 09:26
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4 A INSTRUMENTALIDADE NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 

4.1 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Os dois capítulos anteriores trouxeram os elementos essenciais da instrumentalidade do processo, conforme proposta por Dinamarco, bem como apresentou as críticas possíveis. Basicamente, tentou-se demonstrar a guinada à jurisdição e de que modo isso significou poderes demais para os magistrados; incluindo-se, aí, o ativismo judicial e a relativização da coisa julgada.

Este capítulo pretende, então, analisar criticamente alguns dispositivos do Novo Código de Processo Civil (PL n. 8.046, de 2010, atualmente transformado na Lei Ordinária 13105/2015 em 16 de março de 2015)[79] que trazem (ou não) elementos dessa instrumentalidade que valoriza demais a jurisdição e que cria desequilíbrio entre as partes e o estado.

Destaca-se que o Anteprojeto do novo CPC trazia exposição de motivos que falava abertamente da instrumentalidade, principalmente para tratar de efetividade das decisões judiciais e da flexibilização procedimental. A análise a ser feita neste capítulo, contudo, será guiada pelas observações de Dinamarco, que, ao final da obra, indicou sete pontos que considera essencial para o desenvolvimento do processo conforme as posições d'A instrumentalidade que foram apresentadas:

a) a legitimidade ad causam; b) a assistência jurídico-judiciária; c) os meios alternativos para a solução de conflitos; d) a simplificação processual; e) o juiz participativo, em diálogo com as partes; f) o direito à prova; g) a atuação do juiz, sobre os textos legais, amoldando-os às necessidades da justiça, segundo os valores reconhecidos; h) a propagação da tutela coletiva e abrangente, mais a extensão da eficácia dos julgados.[80]

Desses pontos, foi possível notar no novo código evoluções: a) incentivo às soluções alternativas de conflitos, b) alguns pontos de simplificação processual; c) um freio à possibilidade do magistrado aplicar valores conforme sua consciência (em certa medida, em razão das críticas lançados no capítulo anterior).

Esses são os tópicos a serem analisados.

4.2 PONTOS DE PRESENÇA (OU AUSÊNCIA) DA INSTRUMENTALIDADE

4.2.1 Soluções alternativas de conflito

Logo no artigo 3°, o novo CPC estabelece a inafastabilidade da jurisdição, mas ressalva que "a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial."

No artigo 139, em que as incumbências do juiz são estabelecidas, o inciso V prescreve que o magistrado verá "promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais". O artigo 149, inclusive, que trata dos auxiliares da justiça, incluem o mediador e conciliador em tal rol.

Dando coerência a esse sistema de incentivo à conciliação, o artigo 154 estabelece que o oficial de justiça deverá certificar proposta de conciliação no momento em que for praticar qualquer ato de comunicação, da qual a parte contrária será intimada para se manifestar em 5 dias.

Os artigos 166[81] e seguintes é que trazem os maiores avanços. Segundo tais dispositivos, os tribunais deverão criar centros judiciários de solução consensual de conflitos, que será responsável pela realização de audiências de conciliação e mediação. Além disso, tais centros deverão desenvolver programas que estimulem a autocomposição.

Nos termos do artigo 168[82], os tribunais manterão os cadastros de mediadores e conciliadores, bem como de câmaras privadas. Esse cadastro terá informações como o número de causas, a taxa de sucesso e a matéria envolvida de cada um dos inscritos. Diante desses dados, as partes poderão, inclusive, escolher de comum acordo o conciliador ou mediador que entenderem mais adequados - que, aliás, não precisa fazer parte do quadro do tribunal.[83]

Em paralelo ao sistema dos tribunais, "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo", conforme determina o artigo 175.

De volta ao processo judicial, o artigo 335 estabelece a necessidade de audiência de conciliação em todos os litígios, salvo se ambas as partes manifestarem a impossibilidade de composição, ou se a natureza da causa não permitir - havendo litisconsorte o desinteresse deverá ser de todos, nos termos do §6° do artigo 335.

O §8° do mesmo artigo arremata que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

Notadamente, todo o sistema do código pretende estimular a composição. Observa-se que todos aqueles envolvidos na condução do processo estão obrigados a incentivar o acordo, sendo que os tribunais deverão, inclusive, criar todo um aparato específico para esse fim.

Aqui, pode-se constatar que a instrumentalidade do processo, e sua preocupação com o escopo social (a pacificação social, em última análise), foi ouvida por esses novos dispositivos, que pretendem criar uma nova cultura de autocomposição. Dinamarco já afirmava que

O poder de pacificação é muito grande na conciliação, pois além de encontrar o ponto de equilíbrio aceito para os termos de dois interesses conflitantes, geralmente logra também levar a paz ao próprio espírito das pessoas: a ideia até vulgar de que 'vale mais um mau acordo do que uma boa demanda' é uma realidade no sentimento popular e as soluções concordadas pelas partes mostram-se capazes de eliminar a situação conflituosa e desafogar as incertezas e angústias que caracterizam as insatisfações de efeito antissocial. Por isso é que a conciliação é o 'substituto generoso da Justiça', ainda quando conduzida por esta ou por seus auxiliares.[84]

Assim, é inegável que ao estimular a conciliação o Novo Código de Processo Civil seguiu muito do que afirmou Dinamarco n'A instrumentalidade do processo.

4.2.2 Pontos de simplificação processual

Este tópico poderia se alongar por páginas e páginas, mas um corte é necessário. Diante disso, foram escolhidos dois pontos. Primeiro, a transformação dos embargos infringentes em técnica de julgamento. Segundo, o fim do processo cautelar.

4.2.2.1 Os embargos infringentes como técnica de julgamento

A técnica de julgamento projetada para o novo CPC tenta resolver a problemática história dos embargos infringentes, especialmente as polêmicas quanto ao seu cabimento. É proposta é extinguir os embargos infringentes como recurso, mas mantendo-os como procedimento inerente aos julgamentos, tanto na apelação quanto na ação rescisória e - novidade - no agravo de instrumento que reforme decisão interlocutória a respeito do mérito.

Segundo dispõe o art. 955 do Substitutivo aprovado na Comissão Especial destinada a analisar o Projeto do Novo CPC, em seu atual estágio, antes de ser aprovado pelo plenário daquela casa:

Art. 955. Quando o resultado da apelação for, por decisão não unânime, no sentido de reformar sentença de mérito, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, a serem convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. § 1° Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.

§ 2° Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.

§ 3° A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:

- ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença; neste caso, deve o seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;

- agravo de instrumento, quando o resultado for a reforma da decisão interlocutória de mérito.

§ 4° Não se aplica o disposto neste artigo no julgamento do incidente de assunção de competência e no de resolução de demandas repetitivas. § 5° Também não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento da remessa necessária.

§ 6° Nos tribunais em que o órgão que proferiu o julgamento não unânime for o plenário ou a corte especial, não se aplica o disposto neste artigo. Dessa forma, no Novo CPC os embargos infringentes se tornarão um incidente, tendo as suas hipóteses de incidência não apenas estendidas, mas também garantidas por determinação legal.

Observa-se da leitura do dispositivo, que apesar da perda do recurso, o sistema de julgamento nos tribunais impõe a aplicação de técnica de julgamento que garante um maior debate sobre a divergência havida. Percebe-se, então, interesse na manutenção do procedimento correspondente aos infringentes - ainda que mediante a extinção do recurso - não é apenas das partes, mas também público, dada a uniformização e a amplitude da discussão que possibilita junto aos julgados não unânimes que reformam sentença de mérito.

Além da transformação a respeito da natureza do procedimento - incidente ao invés de recurso - o novo texto acaba por proporcionar, também, uma extensão das hipóteses de cabimento desta técnica. O § 3° do artigo 955 prevê que tal técnica de complementação de julgamento será aplicada igualmente, tanto às decisões colegiadas não unânimes em recurso de apelação quanto às decisões colegiadas não unânimes em ação rescisória, bem como em recurso de agravo de instrumento que reforme decisão interlocutória de mérito, conceito esse melhor resolvido para o novo CPC.

Na prática, é possível perceber que o projeto do novo CPC aumentou o espectro de possibilidades dos embargos de infringentes, mas com ganho na simplicidade procedimental. Notadamente, deixam-se de lado os debates entre os limites objetivos e subjetivos dos atuais embargos infringentes, para privilegiar o julgamento com um colegiado maior, sempre que houver sinais de possível divergência.

É exatamente esse tipo de interesse perseguido pel'A instrumentalidade do processo: simplificação procedimental, mas sem perder de vista os escopos social, político e jurídico.

4.2.2.2 O fim do processo cautelar

O projeto do novo código de processo civil (PL 8.046/10 atualmente transformado na Lei Ordinária 13105/2015 em 16 de março de 2015) altera o sistema de tutela de urgência no direito brasileiro. A técnica cautelar deixa de possuir processo e procedimento próprio, e se alinha à tutela antecipada em procedimento unificado, constante da parte geral do novo código.

A mudança, inegavelmente, simplifica o modo de se tutelar a urgência, mas a compreensão de sua repercussão remete ao debate antigo estabelecido desde a promulgação do CPC de 1973.

O CPC de 73, redigido pelo Professor Buzzaid sob a influência das lições de Liebman, fez opção ideológica pela ordinarização de todo o sistema processual - a velha ideia de que o embricamento perfeito de determinados atos garantem a sentença perfeita; e quanto mais atos, mais perfeição. Por isso o processo cautelar, tratado em Livro em separado no código, com direito a procedimento e sentença própria.

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Apesar da velocidade procedimental que se tentou conferir ao processo cautelar, com a possibilidade de concessão de medidas liminares e prazos curtos, o modo ordinarizado de se tutelar a urgência logo entrou em conflito com a realidade. Externamente, essa tensão nasce, primeiro, da evolução da modernização da nossa sociedade, que evoluiu cada vez mais rápido e, com isso, cria conflitos nunca imaginados que exigem respostas expressas - o mundo é, de fato, expresso.

Internamente, a tensão decorre das opções do código. Os três processos existentes são classificados em razão de sua função de conhecimento, de execução e o cautelar, que deveria conhecer e executar ao mesmo tempo. Essa divisão, claramente, possui uma inconsistência teórica; e esse descompasso atrapalhou a sua boa prática, na medida em que o processo cautelar não conhecia e nem executava adequadamente.[85]

Fora essas tensões, o mundo real exigia mais. Em boa parte dos casos era necessário mais do que acautelar uma situação de perigo ao direito de alguém. Era preciso que os efeitos práticos da sentença surtissem desde logo, sob pena de perder o sentido de ser tutelado ao final do processo.

Começou-se, então, a usar o processo cautelar (inadequadamente, sob o ponto de vista técnico-teórico) para se conseguir essas tutelas antecipadas, pois o processo de conhecimento podia apenas conhecer e, jamais, executar (conceder efeitos práticos imediatos). Vale dizer, a extrema ordinarização do sistema, com separação estanque entre conhecimento e execução, levou a solução quase que natural de se utilizar o processo cautelar como instrumento de antecipação de tutela, aumentando bastante o uso do Livro III.

Sobre esse ponto, os comentários do Professor Ovídio Baptista são precisos:

A expansão do processo cautelar (não necessariamente da tutela cautelar) explica-se, portanto, em virtude da lógica imanente ao próprio sistema seguido pelo direito brasileiro. Se o juiz não puder conceder jamais medidas liminares porque o processo de conhecimento, por definição, não contém execução simultâneo com a cognição, então, o modo como os juristas práticos conseguem a dificuldade, "desordinarizando" o emperrado procedimento ordinário, fica reduzido exclusivamente ao emprego do processo cautelar, como via alternativa de sumarização das demandas satisfativas que exijam tratamento urgente, incompatível com a ordinariedade.[86]

Diante desses conflitos práticos e teóricos o CPC de 73 passou a ser reformado. De fato, as primeiras reformas dão conta dos primeiros meses do código, mas, para o momento, importa a Lei 8.952, de 13.12.94, que o instituto da antecipação de tutela, alterando o art. 273, caput e §§ 1° ao 5°, conforme se conhece até hoje.

Com a Lei 8.952, tais tutelas ganharam instrumento próprio, nos moldes do art. 273. Ocorre que, em razão da confusão histórica entre as duas tutelas urgentes (satisfativa e cautelar), a reforma de 1994 trouxe ainda mais confusão para a prática jurídica.

Houve, por exemplo, sempre em razão da escolha ideológica do código de separar conhecimento e execução e ordinarizar tanto quanto fosse possível, quem entendesse que a cautelar inominada teria perdido espaço em nosso ordenamento:

Nem é outro, aliás, o motivo da perplexidade que tomou conta da doutrina brasileira, ao ver a inclusão no sistema das medidas antecipatórias genéricas, que passaram a dividir com as medidas cautelares o campo das tutelas de urgência, circunstância com a qual os seguidores de CALAMANDREI não poderão conviver em paz, pois o mestre de Florença definia a cautelaridade pelo sentido antecipatório do provimento, característica, segundo ele, presente no grupo mais importante dessa espécie de tutela, o que torna o caráter antecipatório atribuído às cautelares o ponto central de sua doutrina.

É compreensível que os juristas que reproduzem a doutrina do mestre florentino afirmem, como fez TEORI A. ZAVASCKI, ao escrever, em sua magnífica contribuição ao tema relativo à tutela antecipatória, que o "processo cautelar" - leia-se "provvedimenti d'urgenza" do direito italiano, que corresponde apenas à nossa cautelar inominada - perdera "espaço no sistema de processo" (Antecipação de tutela, p. 70). Claro, sendo, como afirma TOMMASEO, sempre antecipatórias as cautelares inominadas, é compreensível a confusão da doutrina brasileira causada pela introdução das medidas antecipatórias, sem que o legislador haja excluído do sistema os arts. 798-799, cuja vocação, como se sabe, sempre foi para a produção de tutela antecipada.[87]

Para corrigir o rumo da reforma, sobreveio a chamada reforma da reforma, nos anos de 2001 e 2002, sendo editada a Lei 10.444, de 07.05.02, a qual modificou o parágrafo §3°, do art. 273, bem como introduziu os §§ 6° e 7°, nos seguintes termos:

Art.273. (...)

§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (...)

§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

Apesar da intenção de estabelecer coerência ao sistema da antecipação de tutela, a Lei 10.444, em especial o art. 273, § 7°, acabou por trazer maior confusão entre as técnicas de tutela de urgência. De fato, a possibilidade de se conceder uma dessas técnicas como se fosse outra, foi entendida, ao menos, de três formas diferentes.

A primeira, de que o §7° só poderia ser utilizado em caso de dúvida. A segunda, de que a cautelar poderia ser concedida sempre, e sempre, que fosse requerida internamente ao processo de conhecimento. Por fim, houve quem entendeu que não só a cautelar poderia ser concedida quando requerida como antecipação de tutela, mas que o inverso também poderia acontecer.

Essas posições diferentes causaram grandes transtornos às partes que dependeram de tutela de urgência no final da década de 90, pois, a depender do entendimento do magistrado, a tutela poderia ser indeferida conforme a técnica escolhida. Mesmo que em menor escala, esse quadro perdura até hoje[88], e daí a preocupação do novo CPC em simplificar e sistematizar a tutela de urgência.

Feita a contextualização, parte-se para o projeto. O Livro V, da Parte Geral, do PL 8.046/10 (atualmente Transformado na Lei Ordinária 13105/2015 em 16 de março de 2015), trata da tutela antecipada. Tem-se, ali, na verdade o tratamento dado à tutela de urgência, sendo que o art. 295 estipula que a tutela "antecipada" poderá ser satisfativa ou cautelar. Cabe, então, pequeno reparo de conceito, para o capítulo trate de tutela de urgência em suas diferentes técnicas, antecipatória ou cautelar.

Ao que parece, o novo código tenta adotar nomenclatura capaz de incluir entre as espécies a evidência que não é tutela de urgência - o parágrafo único do art. 295 é claro nesse sentido. Essa opção, contudo, contraria nossa tradição de tratar a técnica antecipatória como uma forma da tutela de urgência, ao lado da técnica cautelar.

Feito esse pequeno comentário sobre a nomenclatura adotada, observa- se que o novo código foi efetivo na simplificação do procedimento para a tutela de urgência. O capitulo "Tutela de Urgência" trata, efetivamente, tanto da técnica cautelar quanto da técnica antecipatória. Adiante, no capitulo que trata da "Tutela Cautelar Antecedente", há previsão para que, caso o magistrado entenda que o pedido seja satisfativo, deverá ser observado procedimento próprio da "Tutela de Urgência".

Em outras palavras, o procedimento é ora idêntico, quando se fala em "Tutela de Urgência", ora semelhante, podendo ser corrigido. Por isso, pode-se afirmar que a simplificação procedimental proposta pelo novo código tende a eliminar as classificações estanques entre cautelar e antecipação, permitindo que o magistrado faça a adequação procedimental que entender necessário, sem, contudo, negar a tutela requerida.

Sem dúvida, a opção do Novo Código de Processo Civil se adequa ao pensamento instrumental de Dinamarco, que em comentários à reforma da reforma, afirmava que

Os operadores do direito, ainda pouco familiarizados com o instituto da antecipação, relutam em transpor a ele os preceitos explícitos que o Livro III do Código de Processo Civil contém, sem se aperceberem de que ali está uma verdadeira disciplina geral da tutela jurisdicional de urgência e não, particularmente, de tutela cautelar. Esse é o ponto mais frágil da disciplina da antecipação tutelar, em seu modelo brasileiro.[89]

4.2.3 Os limites para a motivação das sentenças

Entre tantas, há uma frase bastante perigosa na obra analisada: "a atuação do juiz, sobre os textos legais, amoldando-os às necessidades da justiça, segundo os valores reconhecidos."[90] Essa frase resume bem as duas críticas lançadas no capítulo anterior.

Quem define as necessidades da justiça? Quais são os valores reconhecidos? Por óbvio, em um Estado Democrático de Direito, as necessidades da justiça e os valores reconhecidos constam das leis democraticamente produzidas - exatamente como demonstrado no item 3.1.1. Apesar dessa suposta obviedade, não é bem isso que se observa.

O fenômeno de abertura do direito aos valores[91] tem relação íntima com o desenvolvimento da teoria do direito no pós-guerra, conforme se demonstrou no item 3.2. Desenvolveu-se debate intenso sobre a incorporação dos valores no ordenamento jurídico, especialmente nas constituições desse período. Acrescenta- se ao debate os direitos fundamentais e as diferentes teorias quanto às regras e princípios.

A incorporação dessas teorias ao direito brasileiro foi implacável. A incapacidade do Estado de oferecer tudo aquilo que a Constituição prometia criou a falsa impressão que o Poder Judiciário poderia resolver o problema. A política foi judicializada e abriu-se espaço para decisões com solução não jurídicas. Vale dizer, magistrados, supostamente, atendem aos escopos social e político e praticam o ativismo judicial.[92]

Em regra, tais decisões se baseiam naquilo que Lênio Streck passou a chamar de "pan-principialismo"[93], em que o uso do texto constitucional como princípios, desacompanhados de qualquer rigor na aplicação, justifica absolutamente tudo aquilo que o magistrado quiser decidir.

Em resumo: o magistrado tem uma impressão prima facie sobreo caso e já conhece a sentença desde logo; para justificá-la minimamente, faz uso dos escopos político e social da jurisdição e lança mão de algum princípio, sem qualquer motivação pertinente. Soma-se a esse contexto, o congestionamento de processos nos tribunais que desaguam em decisões genéricas, superficiais e sem motivação.

Observando tais problemas na motivação das decisões, o Novo Código de Processo Civil dispõe o seguinte:

§ 1° Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limita a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo;

II - empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Como se observa, o novo CPC impõe ao magistrado, como condição de exercício da jurisdição, que ele expresse os motivos de sua decisão, que deverá estar de acordo com as normas aplicáveis ao caso, explicando, sempre e sempre, de que modo os princípios e os conceitos indeterminados se aplicam concretamente.

Há, assim, um freio ao simples uso dos escopos social e político. O uso desses supostos escopos deve ser pautado em lei, democraticamente confeccionada, e acompanhado da respectiva fundamentação. Em outras palavras, valores só podem fundamentar decisão se tais valores constarem de lei, e, em especial, da Constituição,

Deste modo, percebe-se que, ao menos nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil limita à possibilidade de atuação da jurisdição, vinculando-a a lei e à motivação suficiente. Nesse ponto, há um afastamento do conceito de jurisdição e seus escopos formulados por Dinamarco.

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Sobre o autor
Alessandro Marinho Guedes

Advogado. Membro Efetivo no Instituto dos Advogados do Brasil (Outubro/2018 a atual). Membro da Comissão de Estudos em Processo Civil na OAB/RJ (Junho/2019 a Novembro/2021) e IAB (Outubro/2018 a atual). Defensor Dativo no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ (Julho/2019 a Novembro/2021). Delegado na Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas na OAB/RJ (Janeiro/2016 a Dezembro/2018).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora para a conclusão do Curso de Direito Processual Civil, do Curso Fórum, sob orientação do Prof. Alexandre Freitas Câmara, para obtenção do título de Pós-Graduação em Direito Processual Cível.

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