O controle judiciário dos atos administrativos “ad nutum”: qual o limite?

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O Judiciário tem a competência e o dever de intervir nos atos administrativos "ad nutum"quando inexistir veracidade do motivo ou este for ilícito, sem usurpar competência ou violar a independência e autonomia dos demais poderes.

 

Resumo

O Poder Judiciário tem a competência e o dever de intervir quando inexistir veracidade do motivo - em virtude da inexistência da motivação alegada - ou este for ilícito, caracterizando desvio de finalidade nos atos administrativos “ad nutum”, sem usurpar competência ou violar a independência e autonomia dos demais poderes, por configurar uma flagrante arbitrariedade. Essa atuação garante a efetiva aplicação dos princípios que norteiam a Administração Pública. Os atos de livre nomeação e exoneração (“ad nutum”) por mais que sejam discricionários devem sempre ter por finalidade o interesse público, sob pena de nulidade.   

Palavras-chave: Atos administrativos. Ad nutum. Controle Judiciário.

ABSTRACT

The judiciary has the power and the duty to intervene when inexistent truth of reason - because of the absence of the alleged motivation - and this is unlawful, featuring misuse of purpose in administrative acts "ad nutum" without usurping powers or violating the independence and autonomy of the other branches, for setting up a blatant arbitrariness. This action ensures the effective application of the principles that guide the public administration. The acts of free appointment and dismissal ("ad nutum") even if they are discretionary should always aim at the public interest, under penalty of nullity.

Keywords: Administrative acts. Ad nutum. Control Judiciary.

SUMÁRIO

1 Introdução. 2 Atos administrativos. 2.1 Atos discricionários X vinculados. 2.2 Atos administrativos "ad nutum". 2.2.1 Nulidade do ato administrativo "ad nutum". 2.2.2 Teoria dos motivos determinantes. 2.3 Atos administrativos: discricionário X arbitrário. 3 Separação dos poderes "teoria tripartite". 3.1 Limites de intervenção do judiciário nos atos administrativos. 4 Considerações finais. 5 Referências. 

1 Introdução

Ao pensar em ato administrativo de nomeação de pessoal, para figurar como cargo em comissão no âmbito da Administração Pública, logo se apresenta a afirmativa de que é de livre interesse do gestor, como autoridade competente, a escolha daquele que será nomeado, em detrimento de todos. 

O ato administrativo de nomeação do funcionário comissionado é “ad nutum”, mas como todo ato administrativo, a finalidade deve ser o “interesse público”.

O interesse público é tudo aquilo de interesse da coletividade, é essencial para a política, a democracia e para o nosso Estado Democrático de Direito.

Há a separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário (“corrente tripartite”), um não podendo ultrapassar as suas competências e invadir o outro, como por exemplo, os processos administrativos disciplinares no âmbito do executivo, em regra, quando vão ao judiciário, não obtêm análise do mérito, cabendo a este somente o julgamento dos elementos previstos em lei, sendo que dificilmente as circunstâncias existentes no caso concreto estarão previstas em ordenamento jurídico, cabendo a livre decisão (discricionariedade) da autoridade administrativa competente.

Assim, o presente artigo tem o escopo demonstrar que o judiciário tem competência e o dever de intervir nos atos administrativos “ad nutum”, esclarecendo que a liberdade que se dar ao agente administrativo de decidir, conforme a conveniência e oportunidade, não pode ser confundida com decidir conforme seu interesse particular. Todas as decisões discricionárias devem ser provenientes, sem exceções, do que for interesse público.   

2 ATOS Administrativos

O ato administrativo para Hely Lopes Meirelles “é toda manifestação unilateral da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria” (MEIRELLES, 2006, p. 149).

Os atos administrativos são divididos em duas categorias: atos discricionários e atos vinculados, devendo obedecer aos princípios que regem a Administração Pública, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

2.1 Atos discricionários X vinculados

Para melhor compreensão da distinção entre os atos vinculados e os atos discricionários, devemos entender que todo o ato administrativo detém sujeito (competência), forma, motivo, finalidade e objeto.

No ato vinculado, todos os elementos que compõem o ato administrativo são previstos em Lei, enquanto nos atos discricionários, o motivo e o objeto podem não estar previstos em Lei, devendo a autoridade competente decidir conforme sua conveniência e oportunidade.

Segundo Meirelles (2000, p 156) os atos vinculados ou regrados são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização”, conceituando que os atos discricionários “[...] são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e de seu modo de realização” (ibidem, p.158)

Independente de ser ato discricionário ou vinculado, a finalidade do ato é sempre vinculada, ou seja, sempre aquela determinada pela Lei, de forma geral, sempre o interesse público.

A finalidade consiste no resultado que a Administração deve atingir mediante a prática do ato administrativo. É tudo aquilo que se tem pretendido com o ato. E dessa forma é vinculante, assim, todo ato administrativo deve alcançar o interesse público.

2.2 Atos administrativos “ad nutum

De origem latina, a expressão “ad nutum” é derivada do nuto, de nutare, (mostrar por meio de sinais).

O preenchimento ou exoneração de cargos públicos em comissão são de livre escolha da autoridade administrativa competente, por isso chamados de atos “ad nutum”, por não necessitarem de maiores formalidades e/ou exigências legais, podendo por um simples gesto ocorrer.

Nos ensinamentos do nobre doutrinador José dos Santos Carvalho Filho:

os cargos em comissão são de ocupação transitória. Seus titulares são nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a autoridade nomeante. (...) A natureza desses cargos impede que os titulares adquiram estabilidade. Por outro lado, assim como a nomeação para ocupá-los dispensa a aprovação prévia em concurso público, a exoneração do titular é despida de qualquer formalidade especial e fica a exclusivo critério da autoridade nomeante (CARVALHO FILHO, 2005, p. 475).

Os atos administrativos “ad nutum” são discricionários, podendo ter seu objeto e motivo a escolher mediante a conveniência e oportunidade da autoridade administrativa competente. 

2.2.1 Nulidade do ato administrativo “ad nutum”

É nulo todo ato administrativo eivado por desvio de finalidade, conforme art. 2º, alínea “e”, da Lei de Ação Popular nº. 4717, de 29 de junho de 1965. Em alínea “e” do parágrafo único de mesmo dispositivo, estabelece, que “o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”.

Se ao ato compete finalidade diversa ao interesse público, esse se configura nulo de pleno direito. Nos casos de atos “ad nutum”, isso ocorre, por exemplo, quando um individuo denunciado pela autoria de crimes é nomeado para cargos que lhe confere foro especial por prerrogativa de função, ficando claro que o interesse é concede-lhe tal prerrogativa, assim, atingir o interesse particular e não o interesse público.

Outro exemplo de ato administrativo “ad nutum” nulo, é quando, mediante alegação de ter ultrapassado o limite de funcionários previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº. 101, de 04 de maio de 2000) em folha de pagamento ou por não haver recursos para realizar o pagamento dos seus vencimentos, a autoridade administrativa competente exonera funcionário e, em seguida, sem alteração das condições (limite de pessol e/ou ausência de verba), preenche a mesma vaga, sendo flagrante a falsidade das alegações de motivação. Desse modo, tanto o fim não atendeu o interesse público, como a motivação alegada leva a constatar que o “motivo” é viciado.

Vale ressaltar que não podemos confundir motivo com motivação. Nas palavras de José Maria Pinheiro Madeira, conceitua:

o motivo é o dado real, fático, objetivo ou empírico, que conduziu o agente público à prática de determinado ato. Por sua vez, dá-se o nome e motivação à declaração, enunciação, descrição, explicitação dos motivos em que se baseia determinada medida administrativa tomada numa situação concreta (MADEIRA, 2008, p. 189).

Na doutrina alienigena, Rafael Bielsa assevera: “La necessidad de motivar los achos administrativos es una necessidad no sólo jurídico sino también de moralidad administrativa” (BIELSA, 2006, p. 378).

Percebe-se que a nulidade do ato administrativo, mesmo sendo “ad nutum”, procede por violação clara aos princípios basilares da Administração Pública, em especial o princípio da moralidade e legalidade. Assim, se no ato administrativo houver uma motivação facultativa oferecida e for provado que o motivo é inexistente ou ilícito, caracterizam-se a imoralidade e ilegalidade, tornando o ato nulo de pleno direito. A legalidade do ato é condicionada a veracidade do motivo; e todo ato administrativo eivado de ilegalidade é NULO.    

2.2.2 Teoria dos motivos determinantes

Após uma breve explicitação, dos conteúdos anteriores, chegamos a teoria dos motivos determinantes, bastante discutida na doutrina moderna.

Teoria desenvolvida pelo Prof. francês Gaston Jèzen, afirmando que os agentes públicos somente devem motivar os atos administrativos por força de exigência legal e, mesmo quando for dispensada a motivação, os motivos declarados pela autoridade administrativa competente serão, a princípio, determinantes do ato, devendo, para tanto, os motivos alegados serem lícitos e verdadeiros. 

2.3 Atos administrativos: Discricionário X arbitrário

Com clareza, o Prof. Celso Antonio Bandeira De Mello discerniu a discricionariedade da arbitrariedade. Vejamos:

Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois estará se comportando fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente (MELLO, 2002, p. 382).

Os atos discricionários são aqueles onde o agente público, dentro dos limites normativos, pode decidir entre alternativas, por aquela que mais é compatível com o interesse público, sendo razoável e proporcional. Enquanto o arbítrio se configura na possibilidade de o agente desenvolver atividades conforme sua pura e simples vontade, podendo até transcender aos limites legais, não se detendo às normas inerentes a Aministração Pública, sendo inválidos e ilegítimos.

3 SEPARAÇÃO DOS PODERES (“TEORIA TRIPARTITE”)

MONTESQUIEU ao desenvolver a teoria dos freios e contrapesos, orienta que para não haver abuso de poder, deve haver equilibrio entre os poderes, ou seja, pode haver um único poder, no entanto, todo poder precisa de freios, e só outro poder, de igual força e medida, para conter um poder absolutista, in verbis:

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Para que não se possa abusar do poder é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder. Uma constituição pode ser de tal modo, que ninguém será constrangido a fazer coisas que a lei não obriga e a não fazer as que a lei permite (SECONDAT, 2000, p. 166).

Nasce, assim, a estrutura tripartite Estatal. O Poder Estatal é único, porém, como o exercicío desse poder é atribuido ao homem, e esse, conforme historicamente comprovado, é tentado a fazer coisas que a lei proibe e a não fazer as coisas que a lei permite, até chegar aos limites. A constituição da República Federativa do Brasil de 1988, foi inspirada por muitos conceitos de Montesquieu, como por exemplo a estrutura tripartite do Estado, assim dividida: o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Executivo.

É perigoso a concentração do Poder em uma única pessoa ou governante, se assim fosse, não existiria a liberdade, nem tampouco, a democracia. A contraposição desses poderes (pesos) é que dão freios naqueles que quiserem ultrapassar os limites estabelecidos ao homem, pelas leis. Leis estas que devem ser provenientes do consentimento do povo, pois esse é fundamento da democracia, tal como é sugerido pela etimologia da palavra: de origem grega, “demos” significa povo, e “kratos” significa governo.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, prevê a vedação de emenda constitucional para abolir a separação dos poderes (art. 60, § 4º, III, CF/88).  E estabelece no art. 1º, da mesma Carta Magna, como regime o democrático, “ipsis litteris”: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...]”. Continuando, prevendo em paragráfo único do mesmo dispositivo, que o titular do poder político é o povo exercendo através dos seus representantes legitimamente eleitos ou ainda diretamente. 

Cabe ao Legislativo a elaboração das Leis que, por sua vez, deve ser a expressão da vontade e interesses do povo, mediante a representação daqueles por eles eleitos.  Ao Judiciário e ao Executivo, cabe aplicar as referidas Leis, de forma a escolher a melhor solução para os conflitos existentes na sociedade. Sobre o poder Legislativo diz LOCKE:

Não é  somente o poder supremo da comunidade, mas sagrado e inalterável nas mãos em que a comunidade uma vez o colocou; nem pode qualquer edito de quem quer que seja, concebido por qualquer maneira ou apoiado por qualquer poder que seja, ter força e a obrigação da lei se não tiver sanção do legislativo escolhido e nomeado pelo público; porque sem isto a lei não teria o que é absolutamente necessário à sua natureza de lei; o  consentimento da sociedade sobre a qual ninguém tem o poder de fazer  leis senão por seu próprio consentimento e pela autoridade dela recebida (LOCKE, 1993, p. 328).

Ao Executivo, compete a realização das diversas atividades para aplicar a Lei e atender as necessidades da população; a utilização do erário com condutas probas, visando em cada ato administrativo, um único interesse: o público (o coletivo).

Percebe-se que ao povo é passada a capacidade de escolher os seus representantes e governantes, mas ao segundo é transmitida a função de tomada de decisão, a faculdade de escolher quais as melhores soluções.

Ao Judiciário, compete a guarda da nossa Constituição Federal e o zelo pela hamônica coexistência entre os três poderes, sem desrespeitar a autonomia posta a cada um destes e assegurar a ordem jurídica Estatal.

Essa estrutura tripartite proporciona ao Estado a capacidade de realização de suas atividades, sem excessos de poder, por inexistir a sua concentração, sendo a consagração do Estado Democrático de Direito,  

3.1 Limites de intervenção do judiciário nos atos administrativos

No tocante ao controle dos atos administrativos, o Poder Judiciário detém certa delimitação com relação à atuação perante os demais poderes estatais, em virtude da autonomia e independência atribuída pela Constituição Federal do Brasil de 1988 a cada poder, muito embora, com uma visão harmônica (art. 2º, caput, CF/88). Sobre a matéria elucida o grande mestre José Afonso da SILVA: 

A independência dos poderes significa: (a) que a investidura e a permanência das pessoas num órgão do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; assim é que cabe ao Presidente da República prover e extinguir cargos públicos da Administração federal, bem como exonerar ou demitir seus ocupantes, enquanto é da competência do Congresso Nacional ou dos Tribunais prover os cargos dos respectivos serviços administrativos, exonerar ou demitir seus ocupantes; às Câmaras do Congresso e aos Tribunais compete elaborar os respectivos regimentos internos, em que se consubstanciam as regras de seu funcionamento, sua organização, direção e polícia, ao passo que o Chefe do Executivo incumbe a organização da Administração Pública, estabelecer seus regimentos e regulamentos. Agora, a independência e autonomia do Poder Judiciário se tornaram ainda mais pronunciadas, pois passou para a sua competência também a nomeação dos juízes e tomar outras providências referentes à sua estrutura e funcionamento, inclusive em matéria orçamentária (arts. 95, 96, e 99) [...] A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem a sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o demando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados (SILVA, 2005, p. 110)

Há quem defenda que ao judiciário compete apenas rever e intervir nos atos vinculados, por estes serem compostos exclusivamente de elementos previstos em lei, no entanto, já nos atos discricionários, em virtude da margem de liberalidade do agente público, o mérito administrativo não é passivo de apreciação, por ser originado das circunstâncias, conforme cada caso concreto, não sendo possível ser previsto em lei, todas as soluções, por serem vastos e imprevisíveis os conflitos.

Nesta esteira, leciona o nobre M. Seabra FAGUNDES:

Pela necessidade de subtrair a Administração Pública a uma prevalência do Poder Judiciário, capaz de diminuí-la, ou até mesmo de anulá-la em sua atividade peculiar, põem-se restrições à apreciação jurisdicional dos atos administrativos, no que respeita à extensão e conseqüências. Quanto à extensão, restringe-se o pronunciamento jurisdicional à apreciação do ato, no que se refere à conformidade com a lei. Relativamente às conseqüências, limita-se a lhe negar efeito em cada caso especial. Por isso, o pronunciamento do órgão jurisdicional nem analisa o ato do Poder Executivo, em todos os aspectos, nem o invalidada totalmente.

Ao Poder Judiciário é vedado apreciar, no exercício do controle jurisdicional, o mérito dos atos administrativos. Cabe-lhe examiná-los, tão-somente, sob o prisma da legalidade. Este é o limite do controle, quanto à extensão. [...] A análise da legalidade (legitimidade dos autores italianos) tem um sentido puramente jurídico. Cinge-se a verificar se os atos da Administração obedeceram às prescrições legais, expressamente determinadas, quanto à competência e manifestação da vontade do agente, quanto ao motivo, ao objeto, à finalidade e à forma (FAGUNDES, 2006, pp. 181-182).

Assevera Hely Lopes MEIRELLES:

O controle judiciário é o exercido privativamente pelos órgãos do Poder Judiciário sobre os atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário quando realiza uma atividade administrativa. É um controle a posteriori, unicamente de legalidade, por restrito à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o rege. Mas sobretudo é um meio de preservação de direitos individuais, porque visa impor a observância da lei em cada caso concreto, quando reclamada por seus beneficiários. [...] Não se permite ao Judiciário pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração, e não de jurisdição judiciária. O mérito administrativo, relacionando-se com conveniências do governo ou com elementos técnicos, refoge do âmbito do Poder Judiciário [...] (MEIRELLES, 1997, pp. 610-612).

Há uma reserva quanto a análise dos atos administrativos pelo judiciário. Os atos discricionários, por partir do pressuposto que a autoridade administrativa competente tem a capacidade de discernir o que é mais vantajoso para a população, atingindo, assim, a finalidade dos atos administrativos, que é o interesse público, mais que o próprio poder judiciário, por este não ser diretamente envolvido em atender as necessidades essenciais da população, como é o caso do poder executivo.

Muito embora exista essa limitação de atuação do judiciário do controle dos atos administrativos, especificamente, nos atos ditos como discricionários, podemos encontrar uma exceção no tocante ao requisito de validade do ato administrativo “motivo”, elemento discricionário, parte integrante do mérito administrativo, cuja analise e anulação por parte do judiciário pode ser proveniente, nos casos quando este for comprovadamente falso em razão da inexistente da motivação alegada ou  quando esta for ilicíta, voltando ao princípio dos motivos determinantes já estudado.

Na jurispudência, a teoria dos motivos determinantes é aplicada e demonstra que quando o motivo for falso ou ilegal, mesmo esse elemento sendo discricionário, será nulo o ato, estando a validade do ato atrelada aos seus motivos. Vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EMPREGADO PÚBLICO. NULIDADE DA DISPENSA. REINTEGRAÇÃO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. 1. O E. Supremo Tribunal Federal, em sua composição plenária, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 589.998/PI, em 20/03/2013, apesar ter confirmado a inexistência de estabilidade aos empregados públicos, reconheceu a impossibilidade de dispensa imotivada dos mesmos, como corolário da regra constitucional de admissão por concurso público, em respeito aos princípios da impessoalidade e da isonomia. 2. Nesse diapasão, este Tribunal Superior do Trabalho também passou a reconhecer a necessidade de motivação para a realização do ato administrativo de rescisão contratual pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, considerando, assim, superado o entendimento constante da OJ 247 da SDI-1 desta Corte. Precedentes. 3. Aplica-se, ao caso, a teoria dos motivos determinantes, ficando o ato administrativo atrelado aos motivos que levaram à sua prática, de modo que, restando demonstrado, pela análise da motivação do ato, a sua ilegalidade, deve o Judiciário, uma vez instado a se manifestar sobre a questão, declará-la. 4. O Judiciário não pode deliberar sobre o mérito administrativo dos atos da Administração Pública, mas tem o poder de aferir a legalidade ou não desse ato, conforme ocorreu na presente hipótese. 5 . Assim, não há que se falar em violação aos arts. 18, 41 e 173, § 1º, II, da Constituição Federal, à súmula 390, do TST, e à OJ 247, da SDI-I. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST - AIRR: 7668620135030067Data de Julgamento: 05/08/2015,  Data de Publicação: DEJT 07/08/2015)

HABEAS CORPUS. PORTARIA DO MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, DETERMINANDO A EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO DO TERRITÓRIO NACIONAL EM RAZÃO DE SUA CONDENAÇÃO À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. INEXISTÊNCIA DO FUNDAMENTO. APLICAÇÃO DA TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES, SEGUNDO A QUAL A VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO, AINDA QUE DISCRICIONÁRIO, VINCULA-SE AOS MOTIVOS APRESENTADOS PELA ADMINISTRAÇÃO. INVALIDADE DA PORTARIA. ORDEM CONCEDIDA. (STJ - HC: 141925 DF 2009/0136854-0, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 14/04/2010,  S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 23/04/2010)

Nesse diapasão, explica DI PIETRO:

o desvio de poder ocorre quando a autoridade usa do poder discricionário para atingir um fim diferente daquele que a lei fixou. Quando isso ocorre, fica o Poder Judiciário autorizado a decretar a nulidade do ato, já que a Administração fez uso indevido da discricionariedade, ao desviar-se dos fins do interesse público definidos por lei.

Outra é a teoria dos motivos determinantes, já mencionada: quando a Administração indica os motivos que a levaram a praticar o ato, este somente será válido se os motivos forem verdadeiros. Para apreciar esse aspecto, o Judiciário terá que examinar os motivos, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência. Por exemplo, quando a lei pune um funcionário pela prática de uma infração, o Judiciário pode examinar as provas constantes do processo administrativo, para verificar se o motivo (a infração) realmente existiu. Se não existiu ou não for verdadeiro, anulará o ato” (DI PIETRO, 2009, p. 218) 

Assim, os atos administrativos “ad nutum”, quando apresentarem desvios de finalidade, que, por muitas vezes, são encontrados em razão de motivos falsos empregados, motivações alegadas inexistentes ou ilicítas, violando os princípios da legalidade e moralidade, caracterizando improbidade administrativa, dará ao judiciário a competência e o dever de analisar o mérito e intervir no ato administrativo discricionário, assegurando o efetivo exercicío do Estado Democrático de Direito, sem que isso configure usurpação de competência e violação a independência e autonômia dos poderes atribuidas pela estrutura tripartite do Estado.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Restou demonstrado que, nos atos administrativos “ad nutum”, muito embora, originariamente discricionário, o poder Judiciário também tem competência no controle, quando for essencialmente necessário para evitar a arbitrariedade.

            Modernamente, há vasta discussão na doutrina quanto, a saber, se a teoria dos motivos determinantes é ou não obrigatória, no entanto, é fundamento de várias decisões dos Tribunais. Todavia, com o devido e necessário aprofundamento do estudo da matéria, qualquer cidadão chegará à conclusão que, para garantir a manutenção do Estado Democrático de Direito e a supremacia do interesse público em detrimento do particular, quando existentes indícios de vício do motivo, deve haver a análise do mérito do ato administrativo, e a efetiva intervenção por parte do poder Judiciário, mesmo nos casos de discricionariedade, pois essa não pode, ser confundida com arbitrariedade.

            A análise das fontes que trata e discute a matéria, como fizemos, subsidiará ao entendimento não só dos profissionais juristas e aplicadores do Direito, mas especialmente, aqueles menos familiarizados com a área, por se tratar de tema essencial e de interesse de todos.

            O presente estudo poderá contribuir para ampliar o conhecimento do cidadão, impedindo a alienação, a ignorância da matéria e dos atos praticados arbitrariamente por autoridades administrativas, não por ser verdade absoluta, mas por serem ideias fundamentadas, mas acima de tudo, por ter como objetivo levar a discussão e o conhecimento ao povo, para que este entenda que é o titular do poder estatal.

5 Referências

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris: 2005.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Administração pública/José Madeira. 10ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

BIELSA, Rafael. Estudios de derecto publico. Derecho administrativo I. Buenos Aires: Depalma, 2006.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

SECONDAT, Charles-Louis de. (Barão de La Brède e de Montesquieu). O espírito das leis. Trad. de Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

 

LOCKE, John. The second Treatise of Government, in: John Locke: Political Writings. Edited and with an Introduction by David Wootton. London: Penguin Books, 1993.

_______. Dois tratados sobre o governo. Tradução de Júlio Fischer e Introdução de Peter Laslett. São Paulo: Martins Fontes, 1998 (Clássicos).

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 22ª. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

FAUNDES. M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário, 7. ed. atual. por Gustavo Binenbojm, Rio de Janeiro: Forense, 2006.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em: 19 Maio 2016.

 

 


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Sobre os autores
Maria Jucilene dos Santos Souza

Pregoeira. Bacharelanda em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE) - IX período.

Nadielson Barbosa da França

Professor Orientador. Advogado. Graduado em Direito, pela Universidade do Estado da Bahia, Pós-Graduado em Direito Público pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco – ESMAPE. Docente do Curso de Bacharelado em Direito da Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina – FACAPE.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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