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A tutela específica do consumidor

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15/03/2004 às 00:00
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A norma processual deve ser pensada como instituidora de técnicas processuais efetivas para a proteção do consumidor, devendo ser interpretada não só à luz do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional, mas também do direito fundamental do consumidor.

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Ações inibitória e de remoção do ilícito diante do direito do consumidor; 2.1 Ação inibitória; 2.2 Ação de remoção do ilícito; 2.3 As ações inibitória e de remoção do ilícito não permitem a discussão do dano; 2.4 A periculosidade e a nocividade do produto ou do serviço; 2.5 A falta de segurança como fundamento da tutela jurisdicional do consumidor - 2.6 As noções de produto e serviço "defeituosos"; 2.6.1 A "apresentação do produto", "o uso e os riscos que dele razoavelmente se esperam" e "a época em que foi colocado em circulação"; 2.6.2 "O modo de fornecimento do serviço", "o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam" e "a época de seu fornecimento"; 2.6.3 Demais circunstâncias que devem ser consideradas; 2.7 O produto e os defeitos de concepção, de fabricação e de informação; 2.8 Um último aprofundamento na questão do "desenvolvimento da tecnologia"; 2.9 Controle administrativo ou tutela preventiva através da Administração Pública; 2.10 A jurisdição e a efetivação das normas de proteção do consumidor; 2.11 A questão da atuação do juiz na implementação das normas de proteção; 2.12 A possibilidade de ações inibitória e de remoção ainda que as normas técnicas de produção tenham sido observadas; 2.13 A concordância da Administração com a fabricação e a comercialização do produto e a necessidade de proteção a partir do direito fundamental do consumidor - 3. O inadimplemento e a tutela específica do consumidor; 3.1 O CDC e a natureza da responsabilidade pelos vícios do produto e do serviço. O cumprimento imperfeito; 3.2 As alternativas do consumidor diante dos vícios de qualidade do produto; 3.3 As alternativas do consumidor diante dos vícios de quantidade do produto; 3.4 As alternativas do consumidor diante de vícios de qualidade e quantidade do serviço; 3.5 A ação coletiva dos consumidores nos casos de vícios do produto e do serviço; 3.6 Os meios executivos do art. 84 do CDC na implementação da tutela do consumidor contra o adimplemento imperfeito; 3.7 O uso das técnicas do art. 461-A em benefício do consumidor; 3.8 O direito à imposição do fazer diante do cumprimento imperfeito da obrigação de entrega de coisa – 4. A tutela ressarcitória na forma específica do consumidor; 4.1 O ressarcimento na forma específica no direito brasileiro; 4.2 As razões da prioridade do ressarcimento na forma específica sobre o ressarcimento pelo equivalente; 4.3 O escopo do ressarcimento na forma específica; 4.4 O direito do consumidor ao ressarcimento na forma específica; 4.5 Da tutela ressarcitória na forma específica dos direitos individuais homogêneos.


1. Introdução

Não há mais dúvida que os direitos fundamentais não mais se resumem a direitos de defesa contra a interferência estatal na esfera jurídica particular (1). Sabe-se, atualmente, que os direitos fundamentais também conferem aos particulares direitos de proteção, direitos à organização e ao procedimento e direitos a prestações sociais.(2)

Mais do que isso, parece que a doutrina é praticamente unânime em reconhecer que o Estado tem o dever de proteger os direitos fundamentais e, por esse motivo, proteger um cidadão diante do outro (3). Para tanto, o Estado deve prestar proteção normativa (através de regras materiais e processuais), proteção administrativa e proteção jurisdicional.

O art. 5º, XXXII da Constituição Federal elevou o direito do consumidor à condição de direito fundamental (4), afirmando expressamente "que o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Diante disso, e em razão do art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, editou-se o Código de Defesa do Consumidor.

É possível dizer, em um primeiro passo, que as regras de proteção ao consumidor têm como preocupação a segurança do consumidor, impondo proibições ou condutas positivas, como por exemplo a proibição da venda de produtos com alto grau de nocividade ou periculosidade (art. 10, CDC) ou o dever de informar de forma ostensiva (art. 9º, CDC). Essas regras, destinadas a proteger o consumidor contra os produtos e os serviços nocivos e perigosos, têm natureza preventiva, pois proíbem ou impõem condutas para evitar danos. Outras normas, objetivando garantir as relações obrigacionais, tratam da chamada responsabilidade in re ipsa, dando ao consumidor várias opções no caso de adimplemento imperfeito; fala-se, aqui, em "responsabilidade por vício do produto e do serviço (art.18 e ss, CDC). Existem, ainda, normas que objetivam dar a devida proteção ao consumidor em caso de dano, quando importa a chamada "responsabilidade pelo fato do produto e do serviço" (art. 12 e ss, CDC). É claro que as normas materiais de proteção do consumidor não se limitam apenas a essas. Basta lembrar dos ditos "direitos básicos do consumidor" (art. 6º, CDC) e, especialmente, dos Capítulos que tratam das práticas comerciais e da proteção contratual (Capítulos V e V do Título I).

Tais normas dizem respeito à proteção normativa material (não-penal) do consumidor. Porém, como já dito, a proteção normativa não se contenta com normas de natureza material, exigindo a estruturação de técnicas processuais idôneas. E essas, no Código de Defesa do Consumidor, estão arroladas a partir do primeiro artigo (art. 81) do seu Título III, que possui a epígrafe "Da defesa do consumidor em juízo".

Embora existam, entre os arts. 81 a 104 do CDC, uma série de importantes normas para a proteção do consumidor na esfera jurisdicional (5), como as que dizem respeito à coisa julgada nas ações coletivas (art. 103 e ss, CDC), particularmente interessa, diante das normas materiais relativas à segurança, ao adimplemento perfeito e ao ressarcimento do dano, a que está inserida no art. 84 do CDC, vulgarmente qualificada como destinada à tutela das obrigações de fazer e de não-fazer.

Essa norma processual, como é óbvio, deve ser pensada como instituidora de técnicas processuais efetivas para a proteção do consumidor e, assim, deve ser interpretada não só à luz do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV CF), mas também do direito fundamental do consumidor.

Nesse sentido, é preciso que o art. 84 do CDC seja interpretado a partir da necessidade de uma perfeita integração das normas materiais de proteção com as técnicas processuais nele inseridas. Essa perfeita integração deve ser realizada através da interpretação do juiz. Isso porque o juiz também tem o dever de proteger os direitos fundamentais, no caso o direito do consumidor, e, além disso, o dever de prestar tutela jurisdicional em resposta ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Melhor explicando: o consumidor tem direito a que o juiz se comporte de acordo com o direito material de proteção e os direitos fundamentais e, nesse sentido, é possível pensar em um dever judicial de comportamento.

O presente trabalho objetiva relacionar as normas materiais de proteção do consumidor (portanto as tutelas dos direitos) com o art. 84 do CDC, para que então, sob a legitimação dos direitos fundamentais (inclusive os processuais do réu), seja possível compreender o significado e a utilidade da tutela específica do consumidor.

Isso sempre a partir da premissa de que o legislador infraconstitucional - através da norma material e processual – e o juiz têm o dever de proteger os direitos do consumidor. Aliás, porque esse dever do juiz não deve encontrar limite na norma infraconstitucional de proteção ou na atuação administrativa, deixa-se evidenciado o seu dever de analisar se a omissão de lei ou a decisão administrativa não constituem violações ao direito fundamental, ou melhor, não constituem indevida negação de tutela (6) (proteção) ao consumidor.


2. Ações inibitória e de remoção do ilícito diante do direito do consumidor

2.1 Ação inibitória

A tutela inibitória é prestada por meio de ação de conhecimento, e assim não se liga instrumentalmente a nenhuma ação que possa ser dita "principal". Trata-se de "ação de conhecimento" de natureza preventiva, destinada a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito.

A sua importância deriva do fato de que constitui ação de conhecimento que efetivamente pode inibir o ilícito. Dessa forma, distancia-se, em primeiro lugar, da ação cautelar, a qual é caracterizada por sua ligação com uma ação principal, e, depois, da ação declaratória, a qual já foi pensada como "preventiva", ainda que destituída de mecanismos de execução realmente capazes de impedir o ilícito.

A inexistência de uma ação de conhecimento dotada de meios executivos idôneos à prevenção, além de relacionada à idéia de que os direitos não necessitariam desse tipo de tutela, encontrava apoio no temor de se dar poder ao juiz, especialmente "poderes executivos" para atuar antes da violação do direito. Supunha-se que a atuação do juiz, antes da violação da norma, poderia comprimir os direitos de liberdade. Tanto é verdade que a doutrina italiana, ainda que recente, chegou a afirmar expressamente que a tutela inibitória antecedente a qualquer ilícito – denominada de "tutela puramente preventiva" – seria "certamente la più energica", mas também "la più preoccupante, come è di tutte le prevenzioni che possono eccessivamente limitare l’umana autonomia" (7).

Porém, a ação inibitória é conseqüência necessária do novo perfil do Estado e das novas situações de direito substancial. Ou seja, a sua estruturação, ainda que dependente de teorização adequada, tem relação com as novas regras jurídicas, de conteúdo preventivo, bem como com a necessidade de se conferir verdadeira tutela preventiva aos direitos, especialmente aos de conteúdo não-patrimonial.

2.2 Ação de remoção do ilícito

Se a ação inibitória se destina a impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, a ação de remoção do ilícito, como o próprio nome indica, dirige-se a remover os efeitos de uma ação ilícita que já ocorreu.

Esclareça-se que a ação inibitória, quando voltada a impedir a repetição do ilícito, tem por fim evitar a ocorrência de outro ilícito. Quando a ação inibitória objetiva inibir a continuação do ilícito, a tutela tem por escopo evitar o prosseguimento de um agir ou de uma atividade ilícita. Perceba-se que a ação inibitória somente cabe quando se teme um agir ou uma atividade. Ou melhor, a ação inibitória somente pode ser utilizada quando a providência jurisdicional for capaz de inibir o agir ou o seu prosseguimento, e não quando esse já houver sido praticado, estando presentes apenas os seus efeitos.

Há diferença entre temer o prosseguimento de uma atividade ilícita e temer que os efeitos ilícitos de uma ação já praticada continuem a se propagar. Se o infrator já cometeu a ação cujos efeitos ilícitos permanecem, basta a remoção da situação de ilicitude. Nesse caso, ao contrário do que ocorre com a ação inibitória, o ilícito que se deseja atingir está no passado, e não no futuro.

A dificuldade de se compreender a ação de remoção do ilícito advém da falta de distinção entre ato ilícito e dano. Quando se associa ilícito e dano, conclui-se que toda ação processual voltada contra o ilícito é ação ressarcitória ou de reparação do dano. Acontece que há ilícitos cujos efeitos se propagam no tempo, abrindo as portas para a produção de danos. Isso demonstra que o dano é uma conseqüência eventual do ilícito, mas que não há cabimento em ter que se esperar pelo dano para se poder invocar a prestação jurisdicional.

A prática de ato contrário ao direito, como é óbvio, já é suficiente para colocar o processo civil em funcionamento, dando-lhe a possibilidade de remover o ilícito e, assim, de tutelar adequadamente os direitos e de realizar o desejo preventivo do direito material.

2.3 As ações inibitória e de remoção do ilícito não permitem a discussão do dano

As ações inibitória e de remoção do ilícito se dirigem contra o ato contrário ao direito, e assim não têm entre seus pressupostos o dano e o elemento subjetivo (culpa ou dolo) relacionado à imputação ressarcitória.

De modo que, a não ser nos casos em que se teme um ilícito que se identifica cronologicamente com o dano, o autor não deve e não precisa invocar dano para obter a tutela inibitória. No caso de ação de remoção, existindo regra estabelecendo um ilícito, a invocação da violação da norma é suficiente para permitir a remoção do ilícito de eficácia continuada.

Os problemas das ações inibitória e de remoção, nessas hipóteses, são justamente os dos limites da defesa do réu e o da extensão da cognição judicial. Ou seja, o que se pergunta é se, quando basta evidenciar a proibição de uma conduta, há como justificar a impossibilidade do réu discutir o dano e o juiz perguntar sobre ele nessas ações.

Não temos dúvida que sim. No caso de direito absoluto, pouco importa o fato danoso, uma vez que o seu titular tem o direito de impedir qualquer ato que lhe seja contrário. O mesmo acontece em relação a normas que, embora relacionadas a direitos individuais, objetivam protegê-los através da vedação de condutas.

Mas, o que mais importa são as normas que, também por intermédio da proibição de condutas ou ações, protegem determinados direitos transindividuais (direito ao meio ambiente, direito do consumidor etc). Ora, se a norma objetiva dar tutela ao direito, impedindo certa conduta, ela foi editada justamente porque a sua prática pode trazer danos, e por isso deve ser evitada. Assim, ampliar a cognição das ações inibitória e de remoção do ilícito, viabilizando a discussão do dano, é o mesmo que negar a norma jurídica. Em outros termos: caso o réu pudesse negar a norma, afirmando que sua conduta não produziria dano, a norma não teria significação alguma. Do que adiantaria a norma proibir uma conduta, por entendê-la capaz de produzir dano, se o procedimento judicial abrisse oportunidade à discussão do que foi nela pressuposto? Pense-se, por exemplo, na norma que proíbe a venda de determinado remédio ou produto, reputados nocivos ao consumidor. Caso não existissem ações voltadas a impor a vontade da norma, sempre seria possível a comercialização de remédio ou produto afirmado nocivo pela legislação. Não existiria, nessa perspectiva, ação capaz de inibir ou remover o ilícito, pois o réu sempre poderia apresentar contestação dizendo que tal comercialização não iria trazer danos. Portanto, essas ações seriam reduzidas, no máximo, a uma ação contra a probabilidade de dano. E daí novamente apareceria a pergunta: qual a razão de ser das normas de proteção?

Frise-se que essas normas nada mais são do que frutos do dever de proteção do Estado – proteção normativa material. Isto é, tais normas são editadas a partir da premissa de que certas condutas devem ser evitadas. Porém, para o Estado efetivamente cumprir o seu dever de proteção, não é suficiente a chamada proteção normativa material, sendo necessária, também, a proteção normativa processual (regras instituidoras de técnicas processuais adequadas à proteção) e a tutela jurisdicional, entendida em sua dimensão de prestação jurisdicional de proteção.

Se o dever de proteção do Estado se espraia nesses três setores, obviamente não basta a norma de proteção. É necessário que o Estado estabeleça técnica processual idônea à sua efetivação e que o juiz preste uma forma de tutela jurisdicional que seja realmente capaz de lhe outorgar utilidade.

Aliás, ao se ligar a efetivação da norma de direito material com a necessidade de atuação do ordenamento jurídico, fica claro que a busca da realização do desejo da norma não pode se ligar apenas ao dever de proteção dos direitos fundamentais. Explique-se: a norma de direito material protetiva deve ser atuada, pouco importando o objeto da sua proteção.

Tem-se, a partir daí, a idéia de que devem existir ações processuais destinadas apenas a dar atuação ao desejo das normas, seja evitando (ação inibitória negativa) ou impondo (ação inibitória positiva) condutas, seja eliminando o ato que, embora proibido, foi praticado (ação de remoção do ilícito).

Nesse exato momento é que entra em jogo o labor da doutrina que liga o dever de proteção estatal à norma de direito material, ou que é consciente de que a atuação do ordenamento jurídico requer a atuação das normas protetivas. As ações inibitória e de remoção do ilícito constituem resultados de uma construção dogmática preocupada em dar ao processo a possibilidade de atuação das normas. Para tanto, essa elaboração dogmática não só parte de uma interpretação dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, como ainda é obrigada a pensar no procedimento como algo materialmente sumarizado, ou melhor, que elimina a possibilidade de discussão do dano, e assim deve possuir cognição parcial, a qual é plenamente legitimada pela necessidade de atuação das normas de proteção.

A restrição da cognição em relação ao dano, nessas ações, encontra justificativa na necessidade de se dar efetividade à norma. Portanto, não há nada de lesivo ao contraditório ou à igualdade em impedir a discussão do dano nas ações inibitória e de remoção do ilícito. Arbitrário e irracional seria dar a um perito a possibilidade de substituir o juízo técnico que fundamentou a atuação do legislador ao proibir, por exemplo, a comercialização de um produto.

Como é óbvio, não se quer dizer, através dessa argumentação, que o dano não possa ser discutido, ou, em outras palavras, que aquilo que foi pressuposto pela norma não possa ser questionado. O que se quer frisar é que nessas ações a cognição deve ficar restrita ao ato contrário ao direito, pois de outra forma simplesmente não haverá razão para a norma de direito material e para a existência dessas ações processuais. Ou seja, da mesma forma que na ação possessória não se discute o domínio, nas ações inibitória e de remoção do ilícito não se discute o dano. Porém, e como é evidente, esse poderá ser discutido através de ação inversa posterior.

2.4 A periculosidade e a nocividade do produto ou do serviço

Como diz o art. 8º, "caput", do CDC, "os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar informações necessárias e adequadas a seu respeito. Parágrafo único: Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto". O art. 9º, logo em seguida, já falando de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou à segurança, estabelece que o seu fornecedor "deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto". Por fim, o art. 10 dispõe que "o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou à segurança. § 1º – O fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários. §2º – Os anúncios publicitários a que se refere o parágrafo anterior serão veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço. § 3º – Sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito".

Diante disso, considerando as tutelas inibitória e de remoção do ilícito, podemos pensar em várias situações: i) proibição de comercialização de produto e serviço dotados de alto grau de nocividade ou periculosidade; ii) dever de informação a respeito de produtos e serviços que possam trazer riscos normais e previsíveis; iii) dever de informação a respeito de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos.

No caso em que, após a colocação do produto ou serviço no mercado, evidenciar-se, em razão de desenvolvimento da tecnologia, que o bem não poderia ter sido introduzido no consumo, o fornecedor deverá, quando o risco for intolerável, chamar os consumidores para a eliminação do defeito ou ainda, se for o caso – ou seja, se a eliminação do defeito for impossível ou não aconselhável diante da possibilidade de não atendimento integral de parte dos consumidores –, ser obrigado a retirar o produto do mercado, indenizando os consumidores. A previsão de simples informação dos consumidores deve ser admitida apenas nos casos em que o avanço tecnológico descobriu riscos que devem ser considerados normais e previsíveis, ou mesmo que o produto ou o serviço é potencialmente nocivo ou perigoso, e assim não pode prescindir de informação adequada e ostensiva.

2.5 A falta de segurança como fundamento da tutela jurisdicional do consumidor

De acordo com o art. 12, §1º do CDC "o produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera" O art. 14, §1º, ao tratar do serviço, diz que ele "é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar".

O art. 4º do Dec-Lei português n. 383/89 afirma, de modo bastante semelhante, que: "1. Um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita e o momento da sua entrada em circulação...". Interpretando essa norma, Calvão da Silva adverte que "o seu cerne é a segurança do produto e não a aptidão ou idoneidade deste para a realização do fim a que é destinado" (8). A aptidão do produto para a realização de um fim tem conteúdo mais restrito do que o de segurança, "pois são freqüentes os casos de produtos que causam danos na realização da específica função para que foram concebidos e fabricados" (9). Nessa linha, lembra Calvão da Silva que um remédio pode ser idôneo e eficaz no uso a que se destina e ainda assim causar graves efeitos secundários, bem como que um brinquedo de criança pode produzir intoxicação quando levado à boca (10).

Por outro lado, podem existir produtos inidôneos para a realização do fim a que se destinam, porém seguros. Basta pensar, nesse caso, no aparelho eletrodoméstico que não funciona. Isso quer dizer, precisamente, que não é possível confundir falta de segurança com inidoneidade do produto. A primeira gera responsabilidade por dano fundada em falta de segurança, enquanto que a segunda tem relação com a responsabilidade por ausência de conformidade ou qualidade do produto. Como conclui Calvão da Silva, uma objetiva proteger a integridade pessoal do consumidor e dos seus bens, ao passo que a última tem por fim proteger "o interesse (da equivalência entre a prestação e contraprestação) subjacente ao cumprimento perfeito" (11).

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A questão da segurança legitimamente esperada tem relação com a eliminação e a reparação dos danos que possam decorrer de produtos ou serviços não fornecidos em condições de segurança esperadas pelo público consumidor. Note-se, porém, que um produto entregue com vício de qualidade pode configurar adimplemento imperfeito e, ao mesmo tempo, defeito de insegurança, por expor o consumidor a riscos que dele não se poderiam esperar. Ou seja, a imperfeição do adimplemento pode gerar insegurança, como acontece em relação a um defeito no sistema de freios. Nesse caso, não é possível dizer que o automóvel é apto ao fim a que se destina, pois seria absurdo dizer que um automóvel pode ser concebido com um sistema de freios incapaz de proporcionar segurança esperada. Porém, ainda que o sistema de freio diga respeito ao cumprimento perfeito, essa entrega imperfeita é geradora de uma situação de insegurança. Em situações como essas, portanto, a natureza da tutela jurisdicional prestada (ressarcitória, inibitória, remoção do ilícito ou adimplemento na forma específica) vai depender da situação concreta, delineada pela causa de pedir. Se ocorreu dano, a tutela será ressarcitória, baseada na responsabilidade por falta de segurança. Se o objetivo é remover o ilícito, ou mesmo inibir a prática de novos ilícitos, as tutelas serão de remoção do ilícito e inibitória, também fundadas na ausência de segurança. Mas, se a causa de pedir parte do inadimplemento imperfeito, e sustenta a garantia de perfeição do cumprimento, a tutela será do adimplemento na forma específica. Nesse último caso sequer se pensa em responsabilidade pelo dano, e assim não precisa ser argüida a falta de segurança, pois a responsabilidade está in re ipsa, e desse modo é completamente diferente da responsabilidade pelo dano. O fundamento da responsabilidade, nessa hipótese, deriva da garantia de cumprimento perfeito da obrigação.

2.6 As noções de produto e serviço "defeituosos"

2.6.1 A "apresentação do produto", "o uso e os riscos que dele razoavelmente se esperam" e "a época em que foi colocado em circulação"

É fácil perceber que o importante é verificar o significado de produto e serviço seguros para a venda, que na realidade se confunde com o de "segurança legitimamente esperada", pois não há como esperar uma segurança absoluta.

Diz o art. 12, §1º do CDC que para se definir um produto como defeituoso – e que assim não oferece a segurança que legitimamente dele se espera -, devem ser levadas "em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação".

Quando se pensa na apresentação do produto, imagina-se a forma externa de sua apresentação ao público, não importando o produto em si mesmo. Assim, no que diz respeito aos produtos que exigem informações, importa atentar à publicidade e aos escritos que o acompanham. Lembre-se que o art. 8º do CDC afirma que, nos casos de riscos normais e previsíveis, o fornecedor tem o dever de dar "informações necessárias e adequadas" e, na hipótese de produto industrial, ao fabricante cabe prestar essas informações "através de impressos apropriados que devem acompanhar o produto". Além disso, o art. 9º, quando trata dos "produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos", diz que o fornecedor tem o dever de "informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto".

No que diz respeito à publicidade e à embalagem do produto, é importante verificar se o fornecedor, na ânsia de elevar as qualidades do produto, não deixou de informar sobre os seus riscos. De outro lado, não há como ignorar que o CDC, ao utilizar a expressão "informação ostensiva" diante dos produtos potencialmente nocivos e perigosos, teve a intenção de exigir, em relação a eles, maiores evidências e detalhes na informação.

Deixe-se claro que a "informação" deve advertir sobre a utilização do produto e sobre os seus riscos (12). Assim, não basta informar apenas como usar o produto, mas também o que pode ocorrer diante do seu uso. Nesse sentido, não é suficiente informar o que, em regra, pode acontecer, mas sim tudo o que possa vir a ocorrer, desde que razoavelmente previsível diante do dever de segurança do fornecedor ou do fabricante, vale dizer, do seu dever de prever o que pode prejudicar o consumidor.

A idéia de informação necessária, adequada e apropriada quer dizer o óbvio: a informação deve ser realizada no idioma nacional, de forma compreensível ao público a que se destina, contendo descrições que possam ser compreendidas pelo homem dotado de conhecimento comum, e não apenas pelo especialista em determinado ramo do conhecimento, como, por exemplo, o médico. No caso de produto industrial, previsto no parágrafo único do art. 8º do CDC, as informações deverão ser prestadas através de impressos apropriados, que devem acompanhar o produto. Porém, como já dito, no caso de produtos potencialmente nocivos ou perigosos, o CDC alude a dever de informar de "maneira ostensiva". É o caso da venda de material radioativo ou de agrotóxicos. Frise-se que a informação deve considerar o padrão do consumidor a que se destina. Isso não pode deixar de ser levado em conta quando o consumidor é pessoa quase analfabeta, sob pena de se pensar como adequada uma informação que não atinge o público alvo, ou que somente atingiria o consumidor de outra camada cultural ou social ou mesmo de outra região, estado ou país. O art. 12, §1º do CDC diz, ainda, que a análise de defeito do produto deve considerar o "uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam". Quer dizer que, para a definição de produto sem segurança, não importa apenas o fim a que se destina, mas também o uso que o consumidor dele pode fazer, desde que razoavelmente esperado.

O fornecedor e o fabricante não podem descurar do uso que o consumidor pode fazer do produto, ainda que esse uso fuja da finalidade a que o produto se dirige. O que interessa é que tal uso seja razoavelmente previsível. É previsível que a caneta esferográfica possa ser levada à boca, e por isso a caneta produzida com material tóxico que possa trazer danos à saúde do consumidor não está de acordo com o dever de segurança. Nesse caso, a caneta não pode mais ser comercializada, e assim deve ser retirada do mercado. É que esse produto, quando utilizado em condições previsíveis, traz riscos à saúde que não podem ser considerados "normais e previsíveis", na dicção do art. 8º do CDC.

Frise-se que risco "normal e previsível" é algo completamente diferente de uso previsível. O risco normal e previsível é o risco aceitável, ao passo que o uso previsível é o que, diante do dever de segurança do fornecedor ou do fabricante, pode ser suposto como possível de acontecer. Se, do uso previsível de um produto, pode decorrer risco que não pode ser aceito, o produto não pode sequer ser admitido como "potencialmente nocivo ou perigoso" (como o agrotóxico ou o material radioativo, que apenas exigem informação "ostensiva"), mas sim como "produto de alto grau de nocividade ou periculosidade", nos termos do art. 10 do CDC. Assim, se é previsível que crianças podem utilizar fogos de artifício, a sua venda é admitida porque o risco é aceito, devendo a informação tomar em consideração o fato de que esse produto pode ser utilizado pelas crianças. Ou seja, nesse caso a informação, além de ostensiva, por ser o produto potencialmente perigoso (art. 9º, CDC), deve tomar em conta aqueles que podem utilizá-lo, isto é, as crianças (13). Ora, isso é um uso evidentemente previsível. Porém, porque o risco é aceito, o que deve importar é o dever de informar. Se o risco não fosse aceito, e o uso previsível, o produto deveria ser retirado do mercado.

Por outro lado, quando se percebe, no desenvolvimento do consumo de um produto, que ele passou a ser utilizado de modo distorcido, tornando-se nocivo ou perigoso ainda que usado fora do fim a que se destina, há que se agravar o dever de informação ou, se for o caso, determinar a retirada do produto do mercado. Pense-se no remédio contra insônia que passou a ser utilizado como tóxico ou naquele que passou a ser usado como provocador de abortos.

Além disso, é preciso atentar para os produtos complexos e para os produtos associados. Os primeiros são formados pelo produto principal e um acessório, destinado a tornar o produto mais sedutor ao consumidor. Os segundos são os produtos que podem ser associados a outros – deles separados –, visando a uma utilização mais eficaz.

Como exemplo de produto complexo, podemos referir a venda de chocolates contendo brindes, destinados a seduzir as crianças para a compra do produto principal. Se a venda de ovos de páscoa contendo pequenos brindes em seu interior pode trazer risco à saúde, diante do fato de que tais brindes, quando da abertura desses ovos, podem ser projetados contra os olhos das crianças, somente podem existir, em princípio, duas saídas: i) se o risco for aceito, o produtor deve informar que o brinde pode atingir o consumidor quando da abertura do ovo; ii) se o risco não for aceito, e o produto, com essa complexidade, for reputado perigoso, tal produto não poderá ser comercializado e, aquele que já foi exposto à venda, deverá ser retirado de circulação.

Porém, considerando-se que o produto, nesse caso, além de ser dirigido às crianças, é um produto que não exige, como alimento, informações minuciosas, é certamente muito provável que o seu consumidor não vá atentar para as informações sobre o perigo do brinde colocado no interior do ovo de chocolate. Além disso, como o ovo de chocolate não depende do brinde para ser comercializado, é completamente irracional aceitar que, para que o produtor possa seduzir a criança de modo mais eficaz, seja aceito o risco à sua saúde. Assim, nesse caso, não há como pensar nem mesmo em incremento do dever de informar, sendo imprescindível a proibição da comercialização do produto.

Sublinhe-se, aliás, que se uma criança sofreu dano nos olhos em razão da projeção do brinde posto no ovo de chocolate, não há como se descartar a responsabilidade do produtor, que obviamente feriu o seu dever de segurança ao colocar no mercado um ovo de chocolate que apela às crianças através de um brinde que se transforma em arma lesiva. Tal proceder deve ser considerado até mesmo imoral, pois ao lembrar uma maneira de seduzir a criança, esquece da legítima expectativa de segurança do consumidor.

Nessa hipótese, não há que pensar em uso inadequado, ou mesmo uso por consumidor inadequado, mas sim no uso do produto pelo seu próprio destinatário e de maneira plenamente adequada. De modo que o uso do produto foi totalmente razoável e previsível. O dano e o risco é que não podem ser aceitos.

Com a expressão produtos associados, desejamos fazer referência aos produtos que tem o seu uso combinado com outros. É freqüente, para se combater uma doença com maior eficácia, a necessidade de utilização de um remédio associado a outro. Se dessa associação podem advir efeitos colaterais, os produtores de cada um dos remédios devem informar sobre o perigo de sua associação ou combinação. Ademais, e aí o caso não é de "combinação científica" de um remédio com outro, o produtor também possui o dever de informar sobre a nocividade da associação do seu produto com o álcool.

Além disso, diz o inciso III do §1º do art. 12 do CDC que, para a definição de produto defeituoso, deve ser considerado o momento de sua introdução no mercado. A definição da época em que o produto foi colocado em circulação, no que diz respeito à inibição e à remoção, importa para a compreensão do chamado dever de vigilância. O dever de segurança não se extingue com a introdução do produto no mercado, mas prossegue ainda que o produto já esteja sendo utilizado pelo comprador. Isso porque o desenvolvimento da tecnologia pode evidenciar um perigo que não poderia ter sido constatado à época da introdução do produto no mercado. Ademais, a utilização do produto pode gerar um perigo que não esteja dentro das expectativas de segurança do consumidor, e por isso deva ser tido como um "perigo anormal".

Nessas situações, descoberto o perigo, o produtor deve informar o consumidor, através de meios de comunicação que se presumam eficazes para tanto, para que o produto passe a ser utilizado com determinado cuidado, ou para que o produto seja conduzido às oficinas do produtor para certas modificações técnicas, ou ainda para que o produto não mais seja utilizado.

Note-se que um produto, no momento em que foi colocado no mercado, pode ser defeituoso ou não. Como diz o §2º do art. 12 do CDC, "o produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado". Assim, como escreve Calvão da Silva, "o automóvel fabricado e posto em circulação há alguns anos com travões (freios) hidráulicos, sem cintos de segurança e faróis de nevoeiro, não se torna defeituoso só porque ulteriormente aparece melhorado com o sistema de travagem ABS, cintos de segurança, faróis de nevoeiro, balão de ar que abre em caso de acidente grave, etc. O critério decisivo é o de que o produto satisfaça as legítimas expectativas de segurança do grande público no momento da sua emissão no comércio, sem que do seu aperfeiçoamento ulterior possa inferir-se a existência de defeito naquele momento" (14). Nesses casos, o produto não é defeituoso no momento em que entrou em circulação. Nos outros, porém, o produto era defeituoso no momento em que foi posto no mercado, só que o estado da tecnologia não permitia tal constatação, ou não se tinha considerado que o uso normal pudesse acarretar um perigo legitimamente não esperado.

Se um remédio, no momento em que foi posto em circulação, não podia ser dito nocivo à saúde, porém mais tarde, em razão do desenvolvimento da tecnologia, constatou-se que é causador de câncer, ele evidentemente deve ser retirado de circulação. No caso em que se descobriu, em virtude do avanço tecnológico, que um produto de consumo duradouro no tempo foi introduzido com defeito no mercado, é racional que o produtor pague as despesas de informação, de modificação ou provenientes da sua retirada do mercado. Nessa situação, não há que se pensar se o fornecedor agiu, ou não, com culpa, pois se trata de uma "questão de confiança decepcionada" [15].

2.6.2 "O modo de fornecimento do serviço", "o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam" e "a época de seu fornecimento"

Na mesma linha do referido art. 12 do CDC, estabelece o seu art. 14, §1º que, para a conclusão de que um serviço é defeituoso, devem ser levadas em conta "as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido".

Todo serviço deve ser acompanhado das informações sobre sua utilização e seus riscos. Sua propaganda, se evidentemente pode realçar suas qualidades, deve ser capaz de informar adequadamente o consumidor sobre sua utilização e não pode escamotear os seus riscos. Tudo deve ser passado de forma clara e compreensível ao leigo, considerando sempre o nível de educação do provável público consumidor.

Além disso, todo serviço deve corresponder ao resultado e aos riscos que dele se esperam. Tal resultado, como é óbvio, é o prometido pela natureza do serviço, levando-se em conta, especialmente, a sua publicidade e as informações que o acompanham. No que diz respeito ao risco, deve ser considerado se o serviço, por sua natureza, deve gerar riscos normais e previsíveis, ou se existe um serviço potencialmente nocivo ou perigoso. Nos dois casos, como é evidente, as informações deverão ser adequadas, mas no segundo, de acordo com a dicção do art. 9º do CDC, elas deverão também ser "ostensivas".

Por fim, como igualmente acontece em relação ao produto, a definição de defeito não pode deixar de considerar "a época em que foi fornecido". Assim, se o desenvolvimento da tecnologia demonstrou que o serviço pode ser fornecido de maneira mais perfeita, isso não significa que, no momento em que foi fornecido ao consumidor, apresentava defeito. De modo que o consumidor de um serviço de fruição duradoura no tempo não pode, apenas porque foi descoberta uma técnica mais avançada, pretender que o serviço passe a lhe ser prestado conforme a nova tecnologia. Contudo, se essa tecnologia demonstrar que o serviço, da forma como vinha sendo prestado, pode gerar riscos que até então não haviam sido imaginados, existirão três alternativas: se o risco for aceito, o fornecedor deverá informar o consumidor; se o risco não for aceito, e bastar a readequação do serviço ou de sua prestação, o serviço poderá continuar a ser prestado com as devidas alterações; se o risco não for aceito, e não for mais possível prestar o serviço, ele deverá ser interrompido.

Nessas hipóteses, o fornecedor deve arcar com as despesas para as informações e para as alterações necessárias e, ainda, no último caso, devolver a quantia que o consumidor eventualmente houver pago de forma adiantada pelo serviço. Tais situações não dizem respeito ao ressarcimento do dano. Trata-se, isso sim, de se dar integral cumprimento ao dever de vigilância e à base do contrato de consumo, que é a confiança depositada pelo consumidor no fornecedor. Lembre-se que, se a relação de consumo se estabelece em determinado momento, isso acontece porque o consumidor tem confiança no produto ou no serviço que lhe é oferecido. Assim, se a segurança que se espera do produto ou do serviço desaparece em determinado instante, diante do desenvolvimento da tecnologia, é o fornecedor que tem o dever de fazer o possível para que a segurança esperada pelo consumidor volte a se instalar. Nessa perspectiva, como o desenvolvimento da ciência é algo desejado e ineliminável, e a venda se funda em um voto de confiança na segurança do produto ou do serviço, o fornecedor deve sempre estar acordado para o seu dever de segurança (ou para o seu dever de vigilância), correndo os riscos do desenvolvimento.

2.6.3 Demais circunstâncias que devem ser consideradas

Os arts. 12, §1º e 14, §1º do CDC deixam claro que, para a definição de produto e serviço defeituosos, devem ser consideradas não apenas as circunstâncias expostas acima – enumeradas de forma exemplificativa nesses artigos -, mas também outras "circunstâncias relevantes".

Isso porque o legislador sabe que é impossível enumerar todas as circunstâncias que devem ser tomadas em conta pelo juiz. Assim, preferiu enumerar as mais importantes, deixando ao julgador a ponderação das que apareçam como relevantes diante do "caso concreto". Trata-se, mais uma vez, de uma opção pela "justiça do caso concreto", diante da impossibilidade de se prever, em abstrato, o que deve ser analisado pelo juiz. Ou melhor, não há como prever, em abstrato, o que importa para a definição de legítima expectativa de segurança sem considerar a natureza do produto e do serviço e o perfil do consumidor, os quais variam de acordo com o caso concreto.

Lembre-se que aqui importa a inibição ou a remoção do ilícito, e não a responsabilidade pelo dano. No que diz respeito à inibição ou a remoção do ilícito, é impossível esquecer da natureza do produto ou do serviço e do seu preço.

Note-se, em primeiro lugar, que o dever de informar se altera conforme o produto ou o serviço possa produzir riscos normais e previsíveis ou seja potencialmente nocivo ou perigoso. Além disso, as expectativas de segurança do consumidor variam conforme a natureza do produto ou do serviço.

Segundo o art. 220, §4º da Constituição Federal, a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, e conterá, sempre que necessário, advertências sobre os malefícios decorrentes de seu uso. Por outro lado, diz o art. 196 da Constituição Federal que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos.

Por lógica, se o Estado tem o dever de proteger a saúde e a segurança da população, não há como aceitar que ele possa autorizar a venda de um produto que reconhece nocivo ou perigoso, sem que essa autorização esteja fundada na necessidade de proteção da própria sociedade.

Não há dúvida que os medicamentos devem conter informações ostensivas a respeito dos males que a sua utilização, ainda que normal, pode gerar. Se um medicamento, que causa efeito nocivo, é fundamental para tratar de certa doença, a venda somente poderá ser feita mediante controle de um médico, além de ter que trazer informações adequadas e ostensivas a respeito dos malefícios que o seu uso pode ocasionar.

Quanto aos agrotóxicos a informação também deve ser ostensiva, uma vez que os riscos que esses produtos podem trazer, quando considerados os benefícios que podem proporcionar, são tidos como aceitáveis. Contudo, em relação às bebidas alcoólicas, alguém poderia afirmar que a nocividade do seu consumo não pode legitimar a sua venda, uma vez que a sua utilização não é imprescindível ao desenvolvimento da sociedade. Acontece que, diante desse último caso, é novamente necessária a distinção entre aceitabilidade do risco e uso previsível. O consumo de bebidas alcoólicas, quando feito de forma moderada, não gera um risco de prejuízo inaceitável. Nesse caso, é o uso inadequado do produto que pode trazer males à saúde. Se o risco não está no consumo, mas sim na forma do consumo, o produto somente poderá ser comercializado quando acompanhado de restrições ao seu uso por crianças e de informações a respeito dos prejuízos à saúde que o seu uso imoderado pode trazer.

Ficou por último, de propósito, a situação do tabaco. No que diz respeito ao tabaco, a nocividade não advém da forma do consumo, mas sim do próprio consumo. O cigarro, diz o Ministério da Saúde, é causador de câncer, gera impotência sexual etc. Isso quer dizer que o Estado já reconheceu de maneira expressa a nocividade do tabaco. Perceba-se que o Estado, ao prestar informações ao consumidor, não diz apenas – e nem poderia - que o uso imoderado do cigarro pode ser prejudicial à saúde.

Há, para dizer o mínimo, uma gritante contradição entre o dever do Estado proteger a saúde e a informação de que o cigarro causa câncer de pulmão. Diante da obviedade de que o Estado tem o dever de proteger a saúde, as informações de que o cigarro provoca câncer, inseridas de maneira tímida nos comerciais em que os produtores de tabaco procuram seduzir o consumidor, somente podem ser vistas como um escárnio aos direitos básicos da população.

Na verdade, se a Administração Pública reconhecer a alta periculosidade ou a alta nocividade de um produto, e ainda assim permitir a sua venda, sem que esse perigo ou nocividade seja legitimado por estar tutelando outro bem digno de proteção, o ato da Administração Pública carece de fundamentação, e assim não precisa ser acatado pelo juiz, que então fica com a possibilidade de proibir a venda do produto. Isso por uma razão simples: o dever de proteção é incumbência do Estado, e, portanto, também do juiz, que não pode ficar em uma posição de assistente dos desvios e das omissões da Administração. Quando essa reconhecer a alta nocividade do produto, é completamente irracional a autorização do seu consumo sem que a proteção de outro bem possa justificá-la, certamente de acordo com os valores que importam à sociedade.

Seria possível argumentar que, se o art. 220, §4º da Constituição Federal afirmou que a propaganda de tabaco deve conter advertências sobre os malefícios decorrentes de seu uso, a sua comercialização estaria admitida pela própria Constituição. Acontece que nenhuma norma que faz juízo técnico pode deixar de se submeter à questão do desenvolvimento da tecnologia. Se o Estado, hoje, concluiu que o cigarro provoca câncer de pulmão, é evidente que, ainda que tal norma afirmasse que o cigarro não é nocivo à saúde, ela não poderia permanecer de pé. De qualquer forma, a norma constitucional antes descrita não disse que o cigarro não é altamente nocivo, mas sim que a sua propaganda deve conter advertências sobre o seu uso. Ou seja, a Constituição não afirmou – e evidentemente não teria como fazê-lo – que o cigarro, ainda que gerador de câncer, pode ser comercializado, e que a sua propaganda deve informar ao consumidor que o seu uso pode abreviar a sua vida. Ora, é pouco mais do que evidente que o Estado não pode liberar a comercialização de produto que sabe que irá matar o consumidor.

Quando o art. 220, §4º da Constituição Federal regulamentou a propaganda do cigarro, impondo informações ao consumidor, ele obviamente teve a intenção de dar proteção à população, exatamente porque não havia "certeza científica" quanto ao seu grau de nocividade. Aliás, considerando-se o princípio da precaução, é certo concluir que nesse momento a comercialização do cigarro foi privilegiada em relação à saúde do consumidor.

Atualmente, reconhecida pela ciência e pelo Estado a nocividade do tabaco, não há outra alternativa a não ser proibir a sua comercialização. A menos que o Estado se negue a proteger o consumidor, ou melhor, suponha que é melhor arrecadar impostos com a comercialização do cigarro do que proteger a saúde das pessoas. Aliás, é preciso frisar que existem estudos que demonstram que tal arrecadação é ilusória, diante dos gastos públicos com doenças provocadas pelo consumo de cigarro.

E não se diga que é preciso considerar uma norma constitucional que admitiu a comercialização do cigarro. Ao contrário, essa norma, diante de determinado momento do desenvolvimento científico, apenas impôs deveres ao produtor em relação à propaganda de cigarro. Se o passar do tempo demonstrou que o cigarro provoca câncer etc. não há necessidade de se combater a norma constitucional, uma vez que essa não disse que o cigarro pode ser vendido ainda que cause câncer, mas apenas que a propaganda de cigarro deve sofrer restrições. Ou seja, não há incompatibilidade entre a norma que, em determinado momento do desenvolvimento da ciência, impõe restrições à propaganda de um produto e deveres de informação ao seu produtor, e a norma que, em outro estágio do desenvolvimento da tecnologia, veda a sua comercialização diante da conclusão técnica de que o produto é "altamente nocivo". Note-se que tais normas se apóiam em situações fáticas completamente distintas.

Diante de um direito fundamental – no caso o direito fundamental do consumidor -, o Estado não pode se esquivar do seu dever de proteção. Diante desse dever, há o que Canaris (16) chama de imperativo de tutela, isto é, a necessidade de tutela ou de proteção do direito fundamental. Essa tutela incumbe, em princípio, ao legislador, que deve editar a norma de proteção, realizando a denominada proteção ou tutela normativa. Porém, quando o legislador descumpre o seu dever de proteção, surge uma situação de omissão de tutela ou de proteção. Não obstante, essa omissão pode ser questionada perante o Poder Judiciário, quando o juiz deverá verificar, em face do direito fundamental, se realmente houve omissão de proteção por parte do legislador. Se a conclusão for positiva, caberá ao magistrado suprir a omissão na proteção do direito fundamental, concedendo a tutela jurisdicional. Isso porque, como já dito, o dever de proteção é incumbência do Estado, e não apenas do legislador.

Por outro lado, é evidente que a expectativa de segurança varia segundo o produto seja novo ou usado ou o serviço seja moderno ou antigo. Isso quer dizer que não é possível inibir ou remover a comercialização de produto usado, por exemplo, apenas porque ele não fornece a mesma segurança do produto novo. Como é óbvio, um produto usado pode dar segurança ao consumidor. Nessa mesma linha, não é porque um produto possui menos acessórios - e assim é mais barato – do que outro da mesma natureza, que será considerado inseguro, e assim inapropriado para a comercialização. O fato de um automóvel não conter determinado equipamento que não seja considerado, pela legislação, como imprescindível, evidentemente não o torna violador da expectativa de segurança do consumidor. Todo automóvel deve fornecer aos consumidores a segurança que os não faça "correr riscos dentro das condições normais de uso, segurança básica que é independente do preço. Dir-se-á que este grau mínimo de segurança legitimamente esperado pelo grande público é imperativo, irreduzível e inegociável" (17). Se assim não fosse, prossegue Calvão da Silva, "abrir-se-ia a porta para, em nome de um preço barato, se permitir a venda de produtos carecidos de segurança, em clara violação da obrigação geral que proíbe a colocação no mercado de produtos que, quando utilizados em condições normais ou previsíveis, impliquem perigo para a segurança física e saúde dos consumidores" (18).

Além do mais, há situações em que, diante do estado da tecnologia, é preciso ponderar sobre os riscos e os benefícios de um remédio. Assim, novamente por exemplo, se um remédio, reputado vital para a saúde do consumidor, poderá ser considerado, com o desenvolvimento da tecnologia, a ele nocivo, não há como deixar de contrapor os benefícios e riscos quando da decisão sobre a admissibilidade de sua comercialização (19). Note-se que, aqui, há apenas a probabilidade de o remédio ser considerado nocivo com o desenvolvimento da tecnologia, enquanto que, na situação exposta mais acima, entendeu-se que um remédio que se sabe, desde logo, nocivo, apenas pode ser autorizado diante da necessidade de proteção de outro bem (20).

2.7 O produto e os defeitos de concepção, de fabricação e de informação

A classificação em defeitos de concepção, de fabricação e de informação auxilia na compreensão dos defeitos do produto e na análise não apenas do dever de ressarcir, mas também da necessidade de inibir e de remover a sua comercialização.

defeito de concepção quando a falta de segurança deriva da própria idealização do produto, como na definição de uma técnica ou do materiais que serão empregados na produção. Ou seja, o defeito de concepção está na projeção do produto, e por isso atinge a todas as sua unidades, e não somente a algumas ou a determina série do produto. Embora parte da doutrina fale em "defeitos de construção" (21) para aludir ao que preferimos chamar de "defeitos de concepção", o uso da terminologia "defeitos de construção", como já foi anotado (22), permite que se pense no que também é fabricado ou, pior, abre ensejo para a confusão entre o defeito que tem origem na concepção e o que advém da fabricação.

O defeito é de fabricação quando não decorre do plano de idealização do produto, mas da fabricação inadequada das unidades de uma série, ou da totalidade das unidades de uma das séries do produto. Nesse caso, ao contrário do que acontece no anterior, o defeito não pode ser aferido a partir da idealização do produto, mas sim no processo de sua fabricação.

Por sua vez, o dever de informar tem relação com os produtos que podem ser comercializados, ainda que potencialmente nocivos ou perigosos. A diferença, como visto, é que o detalhamento e o rigor das informações variam conforme o produto produza riscos "normais e previsíveis" ou seja um produto "potencialmente nocivo ou perigoso". Nesse último caso, diz o art. 9º do CDC, a informação deverá ser "ostensiva".

A informação também é importante quando, após a colocação do produto no mercado, o desenvolvimento da tecnologia demonstra sua nocividade ou periculosidade. Nessa situação, se não for necessária a alteração ou o recolhimento do produto, o produtor deverá informar acerca dos estudos que apontam para a observância de certas providências ou cautelas por parte do consumidor.

Conforme já observado, "o fornecedor de produtos e serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários" (art. 10, §1º CDC), os quais deverão ser "veiculados na imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço" (art. 10, §2º CDC). Além disso, complementa o § 3º do art. 10, "sempre que tiverem conhecimento de periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou segurança dos consumidores, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão informá-los a respeito".

2.8 Um último aprofundamento na questão do "desenvolvimento da tecnologia"

Quando um produto é inserido no mercado, e mais tarde o desenvolvimento da tecnologia acaba apontando-o como nocivo ou perigoso, é preciso distinguir. Se o produto provocou dano, é preciso perguntar sobre o seu ressarcimento. Se o produto ainda não produziu dano, mas, diante de sua nocividade ou periculosidade, pode produzi-los, cabe a inibição ou a remoção do ilícito.

O produto que foi descoberto como nocivo ou perigoso após a sua introdução no mercado, deve ter a sua comercialização impedida ou suspensa, pouco importando o fato de ter, ou não, produzido dano.

Se um produto foi colocado no mercado sem que o fornecedor tenha sequer pensado na possibilidade de que o desenvolvimento da ciência pudesse constatar sua nocividade ou periculosidade, ele apostou no lucro que sua comercialização poderia gerar, e desse modo deve arcar com os riscos do desenvolvimento. Porém, quando a imediata colocação de um produto no mercado for de interesse da sociedade e do próprio Estado, o fornecedor e o Estado deverão, antes de sua liberação para venda, assumir um compromisso a respeito de quem deverá arcar com os "gastos" e com as perdas e danos, caso o desenvolvimento da ciência venha a determinar sua nocividade ou periculosidade. Note-se que o próprio fornecedor poderá arcar com tais riscos, caso isso reste ajustado e seja do interesse das partes.

Através desse raciocínio, ao mesmo tempo em que se protege o fornecedor contra riscos, não são esquecidas as pessoas que têm interesse na comercialização de produtos que, em determinado instante do desenvolvimento da ciência, ainda não tiveram sua periculosidade e nocividade devidamente esclarecidas. Se não houver tal possibilidade, o fornecedor poderá deixar de se sentir atraído pela comercialização do produto, deixando a população sem ter como utilizá-lo. Mas, se o fornecedor abre mão dessa possibilidade, ou simplesmente ignora que a ciência, ao se desenvolver, poderá demonstrar a periculosidade ou a nocividade do produto, não é justo ou racional que o consumidor tenha que pagar pelos riscos da atividade produtiva ou sofrer com os males do produto cuja comercialização interessou financeiramente ao fornecedor.

2.9 Controle administrativo ou tutela preventiva através da Administração Pública

Sabe-se que os direitos fundamentais, hoje, não se limitam mais apenas à idéia de direito de defesa, mas também são pensados como direitos a prestações, gênero em que se inclui o direito à proteção, que é o direito de exigir do Estado a proteção dos direitos contra eventuais agressões dos particulares e até mesmo de outros Estados. Diante desse direito, surge ao Estado verdadeiro dever de proteção. Em razão desse dever, o Estado fica obrigado, para proteger o direito do consumidor (por exemplo), a editar regras de direito material destinadas a impedir ou a impor condutas "relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços" (art. 55, "caput", CDC e art. 14, CF). Além disso, estabelece o parágrafo único do art. 55 do CDC, que "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias".

Como é óbvio, tal dever de proteção não se limita à edição de normas, mas também requer atividades concretas de atuação e fiscalização. Se uma norma, considerando que uma conduta poderá gerar danos ou que um fazer é necessário para evitá-los, exige um não-fazer ou um fazer, é preciso que, no caso de sua violação, a Administração atue para dar concretude ao desejo de proteção nela instituído. Ou seja, não basta, para o atendimento de seu dever de proteção, que o Estado edite normas proibidoras ou impositivas de condutas; é necessário que tome providências concretas tendentes a eliminar ou a corrigir os atos que as violarem, além de fiscalizar o seu cumprimento.

Dessa forma, é possível dizer que a prevenção dos defeitos e da periculosidade dos produtos e dos serviços não se restringe a normas técnicas de segurança na sua produção e distribuição, mas exige atividades não apenas de controle da observância dessas normas, como também de repressão das práticas que lhes são contrárias.

Nessa perspectiva, diz o art. 58 do CDC: "As penas de apreensão, de inutilização de produtos, de proibição de fabricação de produtos, de suspensão do fornecimento de produto ou serviço, de cassação do registro do produto e revogação da concessão ou permissão de uso serão aplicadas pela administração, mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa, quando forem constatados vícios de quantidade ou de qualidade por inadequação ou insegurança do produto ou serviço". Logo após, complementa o art. 59: "As penas de cassação de alvará de licença, de interdição e de suspensão temporária da atividade, bem como a de intervenção administrativa serão aplicadas mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa, quando o fornecedor reincidir na prática das infrações de maior gravidade previstas neste Código e na legislação de consumo. §1º - A pena de cassação da concessão será aplicada à concessionária de serviço público, quando violar obrigação legal ou contratual. §2º - A pena de intervenção administrativa será aplicada sempre que as circunstâncias de fato desaconselharem a cassação de licença, a interdição ou suspensão da atividade. §3º - Pendendo ação judicial na qual se discuta a imposição de penalidade administrativa, não haverá reincidência até o trânsito em julgado da sentença".

Como se vê, as medidas de apreensão e inutilização de produtos, bem como de proibição de sua fabricação, têm nítida vinculação com sua inadequação ou insegurança. São medidas que, tomando em consideração apenas o ato contrário ao direito, isto é, a violação da norma que exige um padrão de adequação ou segurança, objetivam impedir a comercialização e a fabricação de produtos que a ela são contrários (23).

É claro que, por um lado, as sanções administrativas do Capítulo VII do Título I do CDC (arts. 55 a 60) tem o objetivo de punir o infrator das normas de defesa do consumidor, ou ainda de realizar o desejo preventivo dessas normas. Porém, por outro, como não se pode esquecer que toda previsão de pena também assume a função de "ameaça", não há como negar que a simples previsão de punição do infrator, ainda que imediatamente desligada da função de impedir a agressão ao consumidor (como ocorreria com a apreensão de produtos que estão expostos à venda), acaba servindo de estímulo à não violação dos direitos do consumidor.

Por fim, cabe considerar o art. 60 do CDC, que fala do que chama de "contrapropaganda", que deverá ser imposta quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva. Interessa a publicidade enganosa, capaz de induzir o consumidor em erro em relação aos riscos do produto ou do serviço (art. 37, §1º, CDC). A publicidade também pode ser enganosa quando deixar de informar sobre tais riscos (art. 37, §3º, CDC).

Como já foi dito, o fornecedor, além de ter o dever de dar as informações necessárias e adequadas sobre os riscos considerados "normais e previsíveis" (art. 8º, CDC), possui o dever de informar "de maneira ostensiva e adequada" a respeito de produtos e serviços "potencialmente nocivos ou perigosos" (art. 9º, CDC). Caso isso não ocorra, deve ser imposta, na esfera administrativa, o que se designou de "contrapropaganda". Porém, a expressão "contrapropaganda" é ligada à reparação do dano ocasionado por uma propaganda. Mas, o objetivo da "contrapropaganda" que aqui interessa é corrigir o defeito na informação, e assim evitar que o consumidor não tenha conhecimento dos riscos a que está exposto, ou não tenha conhecimento das providências e das cautelas que deve tomar em razão desses riscos. Portanto, o fim dessa "contrapropaganda" é de corrigir a violação de um dever essencial para a segurança do consumidor, e não a de reparar um dano.

2.10 A jurisdição e a efetivação das normas de proteção do consumidor

Quando se pensa na atividade jurisdicional de atuação das normas que impõem um fazer ou não-fazer, desde logo aparece o art. 84 do CDC. Porém, antes de se pensar que o processo viabiliza a imposição de um fazer ou de um não-fazer, é preciso verificar a razão dessa possibilidade de atuação. Ou melhor, é preciso perceber que, para a efetivação das normas de proteção, importa a inibição da violação e a remoção do ato ilícito de eficácia continuada, muito mais do que o ressarcimento do dano, mesmo quando esse é prestado na forma específica (i.e., através de um fazer).

Assim, nos casos em que teme que o fornecedor industrialize, fabrique, importe ou exponha à venda produto (ou serviço) de alto grau de nocividade ou periculosidade, ou dotado de defeito de concepção ou de fabricação, cabe ação inibitória, fundada no art. 84 do CDC, para que o fornecedor seja compelido a não violar o direito do consumidor.

Nas hipóteses em que já foi industrializado, fabricado, importado ou exposto à venda produto de alto grau de nocividade ou periculosidade, ou dotado de defeito de concepção ou de fabricação, deve ser proposta ação de remoção do ilícito, também baseada no art. 84 do CDC, para que o produto seja apreendido ou inutilizado. Tratando-se de serviço, deve ser interditada sua comercialização.

Tratando-se de infração ao dever de informação, ou seja, de publicidade capaz de induzir o consumidor em erro em relação aos riscos do produto ou do serviço (art. 37, §1º, CDC), ou de publicidade que simplesmente se omitir a respeito de tais riscos (art. 37, §3º, CDC), também cabe ação inibitória para obrigar o fornecedor a realizar o que o art. 60 do CDC chama de "contrapropaganda". Essa "contrapropaganda" nada mais é do que a exteriorização do dever de informar do fornecedor, ou melhor, a exteriorização da correção de sua informação anterior para que o seu dever de informar seja integralmente cumprido.

Tal "contrapropaganda" deverá ser divulgada "às expensas do infrator" (art. 60, caput, CDC). Para tanto, a ação deverá ordenar sob pena de multa – que deverá ser fixada de acordo com a capacidade econômica do violador - que o infrator divulgue a contrapropaganda "da mesma forma, freqüência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade" (art. 60, §1º, CDC) anterior.

2.11 A questão da atuação do juiz na implementação das normas de proteção

Como se percebe, o juiz deve dar efetividade às normas de proteção em caso de omissão ou atuação inadequada da Administração Pública. Isso porque o dever de proteção não recai somente sobre a Administração, mas também sobre o juiz.

Não há razão para imaginar que o juiz, no caso, estará ocupando o espaço da Administração. Quando se confere à Administração o poder de atuar as normas de proteção, isso é feito para otimizar a tutela do consumidor, a partir da suposição de que a melhor política de prevenção contra os abusos do fornecedor deve priorizar o controle administrativo. Portanto, quando se dá à Administração o poder de exercer a tutela preventiva, pretende-se apenas outorgar maior efetividade à prevenção. Isso significa, como é fácil perceber, que o controle administrativo é privilegiado em atenção aos direitos do consumidor, e não com o intuito de afastar o exercício do controle jurisdicional.

Assim, não há como pensar que o juiz não pode atuar para evitar a violação da norma, ou mesmo para remover o ato a ela contrário, nos casos em que a Administração foi omissa ou ineficiente.

2.12 A possibilidade de ações inibitória e de remoção ainda que as normas técnicas de produção tenham sido observadas

Uma análise mais apressada poderia levar à conclusão de que a observância das normas técnicas, quando da concepção ou da fabricação de um produto, seria suficiente para identificá-lo como adequado à venda para o consumidor.

Acontece que as normas técnicas, por terem sido formuladas – como não poderia deixar de ser – para um determinado momento histórico, podem não acompanhar o desenvolvimento da ciência. Se, em regra, as normas técnicas são suficientes para atender ao consumidor, isso apenas pode significar uma presunção iuris tantum, que por isso pode ser posta em teste (24). Ora, se o objetivo dessa espécie de norma é proteger o consumidor, seria irracional não permitir que justamente o sujeito que, em princípio, deve por ela ser tutelado, não possa discutir a sua adequação para a segurança (25).

2.13 A concordância da Administração com a fabricação e a comercialização do produto e a necessidade de proteção a partir do direito fundamental do consumidor

O Estado tem o dever de proteger os direitos do consumidor. Esse dever recai sobre o legislador, o administrador e o juiz. Assim, caso o administrador libere produto para ser fabricado e comercializado, isso não significa que a sua decisão não possa ser questionada perante o Judiciário. Se o Administrador possui dever de proteger os direitos do consumidor, a sua decisão ou atuação não pode deixar de tutelar esses direitos, sob pena de o Estado ferir o seu dever de proteção e o direito fundamental do consumidor.

Não há dúvida que, se o Estado tem o dever de proteger os direitos fundamentais (26), a Administração, ao liberar um produto perigoso ou nocivo para industrialização ou comercialização, viola o direito fundamental do consumidor. Para que esse direito prevaleça, a decisão administrativa deve ser levada ao Judiciário.

Nesse caso, nada pode impedir a afirmação de que o produto liberado apresenta, como diz o art. 10 do CDC, "alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança". O fato dessa norma possuir um conceito indeterminado não quer dizer que o administrador, diante dela, esteja em uma situação de discricionariedade.

Cabe deixar claro, assim, que não há relação de causalidade entre conceito indeterminado e discricionariedade. Fala-se, é certo, que um conceito indeterminado conduz a uma zona de penumbra, onde não se pode negar que existe discricionariedade. Acontece que a zona de penumbra é uma região interna a duas outras regiões ou zonas, chamadas de zona de certeza positiva e de zona de certeza negativa, nas quais o conceito se concretiza ou não (27). Em tais zonas não existe discricionariedade. Ou melhor, o produto não pode ser liberado quando existe (zona de certeza positiva) "alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança".

Em tal hipótese, a prova, se necessária, deverá recair sobre a periculosidade ou nocividade do produto, o que não é o mesmo do que prova do dano ou da sua probabilidade. Como é óbvio, de prova do dano não se pode falar, pois dano sequer houve. Porém, não se trata, também, de provar a probabilidade do dano, uma vez que essa noção supõe um evento futuro, do que não precisa se cogitar quando se está frente ao conceito de alta nocividade ou alta periculosidade. Ou melhor, para se impedir a industrialização e a comercialização de um produto basta a sua alta nocividade ou a sua alta periculosidade, sendo desnecessário se cogitar sobre um fato futuro.

Portanto, diante da iminência da industrialização ou da comercialização de produto liberado pela Administração, caberá ação inibitória para se evitar a violação do direito fundamental do consumidor. Na mesma situação, mas se o produto já estiver exposto à venda, poderá ser proposta ação de remoção do ilícito.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marinoni

professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela específica do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4985. Acesso em: 26 dez. 2024.

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Trabalho escrito para a coletânea em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover.

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