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A tutela específica do consumidor

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15/03/2004 às 00:00
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3. O inadimplemento e a tutela específica do consumidor

3.1 O CDC e a natureza da responsabilidade pelos vícios do produto e do serviço. O cumprimento imperfeito

De acordo com o art. 18 do CDC, "os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas". Nesse caso, segundo o §1º desse artigo, "não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço". Diz ainda esse artigo: "§ 2º – Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor; § 3º - O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do §1º desse artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuindo-lhe o valor ou se tratar de produto essencial; § 4º – Tendo o consumidor optado pela alternativa do inc. I do §1º desse artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos inc. II e III do §1º desse artigo; § 5º – No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor; § 6º – São impróprios ao uso de consumo: I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos. I - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; II - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam".

Embora o referido art. 18 aluda, em princípio, aos vícios de qualidade e quantidade dos produtos, o certo é que os seus parágrafos e incisos tratam apenas dos vícios de qualidade. Os vícios de quantidade são disciplinados pelo art. 19, que assim estabelece: "os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – o abatimento proporcional do preço; II – complementação do peso ou medida; III – a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; IV – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; §1º – Aplica-se a esse artigo o disposto no § 4º do artigo anterior; §2º – O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais".

Tratando dos vícios de qualidade do serviço, assim afirma o art. 20 do mesmo Código: "o fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I- a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II- a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízos de eventuais perdas e danos; III- o abatimento proporcional do preço. §1º A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor. §2º São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade".

A responsabilidade pelos vícios inerentes aos produtos ou serviços tem fundamento diverso da responsabilidade pelos acidentes de consumo (ver a seguir, no capítulo relativo ao ressarcimento na forma específica). (28) A responsabilidade que aqui interessa deriva da obrigação do fornecedor em assegurar o cumprimento perfeito, colocando o produto ou o serviço no mercado com a qualidade e a quantidade garantidas.

Quando a obrigação é cumprida de forma imperfeita surge ao credor o direito de exigir tutela específica (a correção do defeito no adimplemento), no caso a sanação do vício, a complementação do peso ou medida, a substituição do produto ou a reexecução do serviço. Esse direito não se funda na responsabilidade por dano, (29) mas sim na própria obrigação, ou melhor na garantia de qualidade inerente à obrigação.

A responsabilidade diante do cumprimento imperfeito é completamente diferente da responsabilidade por acidente de consumo ou pelo fato do produto ou do serviço. A primeira está relacionada à falta de equivalência entre o garantido e o prestado, enquanto que a segunda se funda no dano. Melhor explicando: a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço se baseia no dano (arts. 12 a 17 do CDC), ao passo que a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço está ancorada na obrigação de garantir a sua adequação e quantidade (arts. 18 a 21 do CDC).

Em relação à responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, o CDC estabelece de forma expressa a responsabilidade objetiva (arts. 12 e 14, CDC). Porém, no que diz respeito à responsabilidade pelo vício do produto e do serviço, a doutrina ora pensa em responsabilidade objetiva ora em culpa juris et de jure.

Fala-se em culpa juris et de jure principalmente porque o CDC, ao tratar da responsabilidade pelo vício do produto e do serviço, silencia em relação à dispensa da culpa, não repetindo os dizeres que evidenciam a responsabilidade objetiva pelos danos decorrentes do fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14, CDC).

Porém, falta a percepção de que a responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço tem dois patamares. O do inadimplemento e o do dano por ele provocado. O direito de exigir o cumprimento perfeito nada tem a ver com a questão da culpa, pois essa somente pode aparecer diante do dano provocado pelo adimplemento imperfeito.

De modo que o CDC não poderia ter dito que, no caso de inadimplemento, o fornecedor responde, sem culpa, pelo cumprimento imperfeito, pois isso é óbvio. Não é possível dispensar o que não pode estar previsto. A culpa somente poderia ser considerada pelo CDC diante da responsabilidade pelo dano provocado pelo inadimplemento.

Lembre-se que, no regime dos vícios redibitórios, o dano provocado pelo adimplemento imperfeito não abre oportunidade para o ressarcimento se ficar demonstrado que o alienante ignorava os vícios. (30) Ou seja, de acordo com o CC, o ressarcimento somente será cabível em caso de má-fé.

Porém, afirma o art. 23 do CDC que "a ignorância do fornecedor sobre os vícios de qualidade por inadequação dos produtos e serviços não o exime de responsabilidade". Como é óbvio, se a responsabilidade pelo cumprimento imperfeito nada tem a ver com culpa, essa disposição somente pode dizer respeito à responsabilidade pelo dano dele derivado.

No sistema do CDC, para a responsabilização pelo dano decorrente do inadimplemento, pouco importa a ignorância do fornecedor sobre os vícios do produto ou do serviço (31). Com efeito, no sistema do CDC, a demonstração de boa-fé não é capaz de elidir a responsabilidade pelo dano causado ao consumidor.

Ora, considerando que a necessidade de adimplemento perfeito (específico) não tem razão para tomar em consideração a culpa, resta a conclusão de que o sistema do CDC é adequado ao dispensá-la no único local em que poderia ser indagada, ou seja, no que concerne aos danos decorrentes do fato do produto ou do serviço e em relação aos danos derivados do inadimplemento.

3.2 As alternativas do consumidor diante dos vícios de qualidade do produto

Ao tratar dos vícios redibitórios, dispõe o CC que "a coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor" (art. 441, CC de 2002). Além disso, estabelece que, "em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço" (art. 442, CC de 2002).

A situação é bem diferente daquela posta pelo CDC, não só porque o direito do consumidor é protegido não apenas contra os vícios ocultos, porém também contra os aparentes (32), mas especialmente pelo motivo de que o CDC confere ao consumidor um amplo leque de alternativas de tutela, ao passo que o CC somente se refere à possibilidade de restituição da coisa defeituosa e ao abatimento no preço (33).

Lembre-se que, de acordo com o art. 18 do CDC, o consumidor, no caso de vício do produto, pode exigir a substituição das partes viciadas, usando para tanto os prazos do art. 26. Não sendo atendida a reclamação no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor, através de ação judicial, reiterá-la ou optar entre: I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; e III – o abatimento proporcional do preço (art. 18, §1º do CDC).

Frise-se que o consumidor somente pode exercer esse seu direito de opção se houver solicitado a substituição das partes viciadas. De modo que a reclamação de substituição das partes viciadas não constitui opção, mas antes verdadeira obrigação, que somente pode ser excepcionada nas hipóteses do §3º do art. 18, que afirma que "o consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do §1º desse artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial".

Não atendida a reclamação, e não sendo o caso de aplicação desse §3º, pode o consumidor realmente optar entre a substituição das partes viciadas e uma das três possibilidades postas no §1º. Ou seja, o fato de a reclamação não ter sido atendida não impede o consumidor de pedir ao juiz a substituição das partes viciadas. A diferença é a de que, não atendida a reclamação, há a possibilidade de o consumidor insistir na substituição das partes viciadas ou requerer uma das providências constantes do §1º do art. 18.

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Tratando-se de tutela específica, interessam as hipóteses de pedidos de substituição das partes viciadas e de substituição do produto. Cristina Cobelli, estudando o tema dos vícios da coisa alienada, adverte que são raras as decisões, no direito italiano, que tentam encontrar espaço para a "reparação in natura" no âmbito contratual, fora da lógica do adimplemento "forçado" da obrigação primária. A jurista faz referência a um caso apreciado pelo Tribunal de Cagliari, em que se fez a distinção entre o adimplemento "forçado" da obrigação originária e a "reparação in natura" conexa à responsabilidade que nasce do ilícito contratual. Explica Cobelli, porém, que no caso em questão a tentativa parece ter naufragado nas dificuldades da disciplina relativa ao tipo contratual, tratando-se no caso da problemática concernente aos vícios da coisa vendida, e portanto da admissibilidade, ou não, de uma ação de adimplemento específico para remover os vícios (...) A Cassação terminou afirmando que o comprador não pode pedir a eliminação dos vícios, constatado o defeito de uma obrigação de fazer da parte do vendedor. E porque o conteúdo da obrigação primária consistiria na aquisição de uma coisa ausente de vícios, a eliminação dos próprios vícios não teria outra função que não aquela do específico adimplemento da obrigação primária (Cf., nesse sentido, expressamente, Cassação, 14 de dezembro de 1973, n; 3.405, Foro Italiano, 1974, I). (34)

No direito brasileiro, em razão do art. 18 do CDC, é possível o pedido de substituição do produto e o pedido de substituição das partes viciadas. Não há dúvida de que o fundamento do pedido de substituição do produto não está na responsabilidade pelo dano – que seria conexo ao inadimplemento -, mas sim na própria responsabilidade derivada da garantia de qualidade ínsita à obrigação. Porém, o fundamento do pedido de substituição do produto e das partes viciadas é o mesmo; ele repousa na obrigação de entrega da coisa em perfeitas condições. De modo que, nesses casos, não há que se pensar em dano ou em culpa.

Em relação ao pedido de substituição do produto, é importante observar a previsão contida no §4º do art. 18, que estabelece que, não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço.

O objetivo dessa norma é viabilizar a proteção do consumidor mediante a substituição do bem por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante a complementação ou restituição de eventual diferença de preço. Deixe-se claro que, em princípio, o bem deve ser substituído por outro da mesma espécie, marca e modelo. Porém, se isso não for possível, o consumidor poderá pedir a entrega de bem de outra espécie, marca ou modelo, o qual, quando de valor superior ao devido originariamente, obrigará ao complemento do preço e, quando de valor inferior, à restituição da diferença. Isso por uma razão óbvia: essa tutela não deve causar lucro ou prejuízo ao lesado.

Frise-se, contudo, que o fornecedor não poderá, quando existente bem da mesma espécie, oferecer ao consumidor bem diverso e, muito menos, pretender receber eventual diferença de preço.

3.3 As alternativas do consumidor diante dos vícios de quantidade do produto

No caso de vício de quantidade do produto, a responsabilidade também é derivada da garantia inerente à obrigação, ou seja, à obrigação de colocar no mercado produto com conteúdo líquido idêntico às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária.

Na hipótese de vício de quantidade, o consumidor possui as seguintes opções de tutela: I – o abatimento proporcional do preço; II – complementação do peso ou medida; III – a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios; IV – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.

Como categorias de tutela específica, importam a complementação do peso ou medida e a substituição do produto. Aqui o consumidor também poderá pedir a substituição do produto por outro da mesma espécie, mas se isso não for possível poderá pleitear a substituição por produto de espécie, marca ou modelo diferentes, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço (art. 19, §1º, CDC).

Exatamente pelo fato de que a responsabilidade, no caso, repousa na própria obrigação, não há como pensar em dano e culpa. O direito à complementação e à substituição, diante da sua própria origem, não pode ficar vinculado à culpa.

3.4 As alternativas do consumidor diante de vícios de qualidade e quantidade do serviço

O consumidor, diante de vícios de serviços que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, tem o direito de pedir, alternativamente e à sua escolha: I- a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II- a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízos de eventuais perdas e danos; III- o abatimento proporcional do preço (art. 20, CDC).

A reexecução dos serviços é espécie de tutela específica. Tal tutela, que pode ser solicitada pelo credor, funda-se no adimplemento e tem base na garantia de qualidade própria à obrigação. Sendo o direito a reexecução do serviço baseado na obrigação de sua prestação com as qualidades que são inerentes às indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, não há como pensar que a culpa possa aí importar.

Na realidade, em todos os casos de vícios do produto ou do serviço, a culpa só teria importância para a fixação da responsabilidade pelos eventuais danos decorrentes do inadimplemento. Frise-se que, enquanto no caso de tutela específica (fundada no cumprimento imperfeito) a culpa não tem relevância alguma, na hipótese de tutela ressarcitória em virtude do dano ocasionado pelo inadimplemento, a culpa – que é cogitada no âmbito dos vícios redibitórios - foi dispensada pelo sistema do CDC.

O credor pode pedir que o serviço seja reexecutado pelo próprio devedor. No caso de obrigação infungível, se o pedido de reexecução não for atendido, restará a restituição imediata da quantia paga, razão pela qual esses pedidos poderão ser cumulados. Da mesma forma, quando a obrigação for fungível, e a reexecução do serviço não for atendida pelo devedor, poderá ser atendido o pedido de reexecução por parte de um terceiro às custas do devedor.

Nesses casos, como será melhor demonstrado a seguir, não há motivo para se aplicar o antigo modelo da execução das obrigações de fazer. Desejando que o serviço seja executado por terceiro, o credor deverá indicá-lo desde logo, não havendo razão para ter que se subordinar a uma indicação do devedor ou do juiz, embora esse corra por conta e risco do fornecedor (cf. art. 20, §1º, CDC).

3.5 A ação coletiva dos consumidores nos casos de vícios do produto e do serviço

Como já foi demonstrado, diante de vício do produto ou de vício do serviço, abre-se ao consumidor a oportunidade de tutela específica da obrigação contratual adimplida de maneira imperfeita.

Se o adimplemento imperfeito atinge vários consumidores, e o caso assim é de violação em massa de direitos individuais - os quais poderiam, em tese, ser reivindicados mediante ações individuais ou em litisconsórcio ativo - há o que o CDC chama, no seu art. 81, III, de "direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum" (35).

Entre os vícios de qualidade dos produtos, pode ser lembrado, por exemplo, o defeito de fabricação do rádio dos automóveis de certa série. A alegação desse defeito, como é evidente, não é afirmação de um dano, mas sim do adimplemento imperfeito da obrigação de entrega dos veículos. Se vários consumidores foram lesados em razão de um defeito que possui origem em uma determinada falha da indústria automobilística, existem "direitos individuais homogêneos", nos termos do art. 81, III, do CDC, antes referido. No exemplo antes apontado, constatada a necessidade de substituição do rádio, poderá ser proposta ação coletiva para a tutela dos direitos individuais que foram lesados.

Cabe lembrar, entretanto, que no caso de vício de qualidade do produto, o consumidor poderá requerer, de acordo com o art. 18 do CDC, não só a "substituição das partes viciadas" do bem ou a "substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso", mas também "a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou "o abatimento proporcional do preço". Portanto, saber se é melhor a substituição das partes viciadas, a substituição integral do bem, a restituição da quantia paga ou o abatimento no preço, dependerá do caso concreto e do desejo de cada um dos consumidores.

A sentença de procedência, no caso em que se alega adimplemento imperfeito que violou direitos individuais homogêneos, deve apenas declarar que o réu cumpriu de maneira defeituosa a sua obrigação, entregando aos consumidores produto com vício de qualidade.

Exatamente por isso, os consumidores deverão se "habilitar", na forma individual, após essa sentença. Nessa ocasião, deverão demonstrar apenas o vínculo obrigacional que os une ao demandado, o qual lhes garante o direito ao adequado e perfeito adimplemento. Aí é que o consumidor optará pela substituição das partes viciadas do bem, por sua substituição integral, pela restituição da quantia paga ou pelo abatimento no preço. Se a opção for pela substituição das partes viciadas ou pela substituição integral do produto, poderá ser pleiteada multa, nos termos do art. 84 do CDC. Nessa hipótese, não existirá maneira mais adequada de se obter tutela específica, pois solicitar (no caso de obrigação de fazer) que terceiro faça o que deveria ser feito pelo demandado, obriga ao pagamento de soma em dinheiro. Além do mais, o uso da multa, obrigando o réu a fazer ou a entregar coisa, propiciará tutela mais barata, tempestiva e efetiva aos lesados, e assim não só responderá aos anseios da ação coletiva como também estará de acordo com os valores que a inspiram.

Perceba-se, porém, que não é possível confundir o valor correspondente ao cumprimento da prestação com a indenização devida em virtude do dano eventualmente gerado pelo adimplemento imperfeito. Embora o art. 18 do CDC fale em perdas e danos apenas no caso em que se pede restituição da quantia paga (art. 18, §1º, II, CDC), é óbvio que as outras alternativas de tutela, se podem constituir reação aos vícios, não são capazes de responder aos danos por eles eventualmente provocados.

Sublinhe-se, porém, que no caso de dano ocasionado em razão de adimplemento defeituoso, a responsabilidade deverá ser fixada na sentença da ação coletiva, cabendo ao consumidor, na forma individual, demonstrar o dano sofrido, bem como o nexo de causalidade e o seu valor. Isso significa que o consumidor não pode pleitear - na fase de liquidação (arts. 95 e 97, CDC) - indenização pelo dano derivado do adimplemento defeituoso se a responsabilidade por esse dano não tiver sido fixada na sentença da ação coletiva. Em outras palavras, é o legitimado coletivo que deve pedir a fixação da responsabilidade pelo adimplemento imperfeito e pelo dano dele decorrente.

3.6 Os meios executivos do art. 84 do CDC na implementação da tutela do consumidor contra o adimplemento imperfeito

Como visto, no caso de vícios do produto ou do serviço, garante-se ao consumidor, na condição de tutelas na forma específica, a substituição das partes viciadas do bem (art. 18, CDC), a complementação do peso ou da medida do produto (art. 19, CDC), a substituição do produto (arts. 18 e 19, CDC) e a reexecução do serviço (art. 20, CDC).

O art. 84 do CDC permite que o juiz ordene um fazer, sob pena de multa, na sentença ou na decisão concessiva de tutela antecipatória. (art. 84, §4º, CDC). De modo que é inegável a possibilidade de o juiz ordenar a substituição das partes viciadas do bem, a complementação do peso ou da medida do produto e a reexecução do serviço.

Quando o demandado, apesar da multa, não reexecuta o serviço, esse deverá ser feito, na dicção do art. 20, §1º, do CDC, por sua conta e risco. Por essa razão, já no momento em que é pedida a reexecução do serviço, supondo-se o eventual inadimplemento do devedor, deverá o credor indicar terceiro, devidamente capacitado, para prestar o fazer (36).

Se o CDC confere ao consumidor o direito à reexecução do serviço, e não apenas à restituição da quantia paga, é pouco mais do que evidente que o processo civil deve dar-lhe efetividade. De modo que a multa, prevista no art. 84 do CDC, também pode ser utilizada - como meio executivo - para convencer o fornecedor a custear o trabalho do terceiro.

A possibilidade do uso da multa, no caso, está ancorada no direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional e no direito fundamental do consumidor. É que o direito a reexecução do serviço será letra morta se o juiz não puder dar-lhe efetividade através da multa.

3.7 O uso das técnicas do art. 461-A em benefício do consumidor

No caso de direito à substituição do bem, a execução ocorrerá por meio de ordem de entrega de coisa ou de busca e apreensão. Como o art. 84 do CDC faz referência somente ao fazer e ao não-fazer, alguém poderia dizer que o juiz, diante da tutela do consumidor, não poderia ordenar a entrega de coisa ou determinar a busca e apreensão.

Seria, porém, um lamentável equívoco. Em primeiro lugar porque a falta de previsão de modalidade executiva adequada para determinada situação concreta não obriga o juiz a aceitar que a sua decisão não possa propiciar a efetividade do direito reconhecido. Admitir a inércia do juiz, nesse caso, seria supor que o direito processual é quem confere as linhas dos direitos, e que assim ninguém teria a possibilidade de acusar o processo de inefetivo, uma vez que não caberia dizer que a omissão da legislação processual poderia ser suprida pelo juiz, ainda que diante das evidências decorrentes do direito material e do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.

De qualquer forma, o art. 461-A do CPC é evidentemente aplicável à tutela do direito do consumidor.

Aliás, a necessidade dos meios executivos do art. 461-A é tão evidente para a efetiva proteção dos direitos coletivos (e, assim, do consumidor) que o "Anteproyecto de Código Modelo de Procesos Colectivos para Iberoamérica" (redigido pelos Professores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Antonio Gidi) estabelece em seu art. 8º: "En la acción que tenga por objeto la obligación de entregar cosa, determinada o indeterminada, se aplican, en lo pertinente, las disposiciones del artículo anterior". Ou seja, sustenta o "Anteprojeto" que, à ação que tenha por objeto a obrigação de entregar coisa, são aplicáveis as disposições do seu art. 7o (37), que é uma reprodução do art. 84 do CDC brasileiro.

3.8 O direito à imposição do fazer diante do cumprimento imperfeito da obrigação de entrega de coisa

Lembre-se, por outro lado, que o cumprimento imperfeito da obrigação de entrega de coisa dá ao consumidor o direito de exigir um fazer.

É o que ocorre quando, em razão de vício do produto, abre-se oportunidade para o pedido de substituição das partes viciadas do bem. Lembre-se que o consumidor, em caso de vício de qualidade do produto, deve reclamar a substituição das partes viciadas e, se não for atendido, pode pedir ao juiz, através de ação, que tais partes viciadas sejam substituídas (art. 18, CDC).

Pedir a substituição das partes viciadas do produto implica em solicitar um fazer. Desse modo, embora a obrigação originária não seja de fazer, admite-se que consumidor requeira, com base no art. 84, §4º, do CDC, ordem de fazer sob pena de multa.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marinoni

professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. A tutela específica do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 251, 15 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4985. Acesso em: 25 abr. 2024.

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Trabalho escrito para a coletânea em homenagem à Professora Ada Pellegrini Grinover.

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