O instituto da filiação na contemporaneidade

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Artigo voltado para o estudo do Instituto da Filiação na Contemporaneidade, fazendo incursão na Filiação pré e pós Constituição de 1988, voltando-se para inovações como, a igualdade entre os filhos e a filiação socioafetiva.

Resumo: Neste artigo, é traçado um breve estudo sobre o Instituto da Filiação na contemporaneidade, definindo seu histórico pré e pós Constituição de 1988, dando maior ênfase para o segundo período, com sua definição, o estudo dos seus dois gêneros, Filiação Biológica e Filiação Socioafetiva, passando pelo parentesco, espécies de filiação e, por fim, falando sobre suas formas de reconhecimento, ou seja, reconhecimento voluntário ou o reconhecimento judicial, dando ênfase em todas as fases do estudo, aos aspectos mais contemporâneos relativos à filiação, que representem de algum modo, uma mudança nos paradigmas da sociedade, como a socioafetividade, a possibilidade de filiação entre filhos socioafetivos e pais em união estável, a possibilidade de, além da mulher, o homem se submeter à técnica de inseminação artificial heteróloga, a questão da posse do estado de filho, e também a filiação em relação a casais homoafetivos, tudo à luz da lei e da doutrina.

Palavras-chave: Instituto da Filiação; socioafetividade; união estável; casais homoafetivos; inseminação artificial heteróloga.


1. INTRODUÇÃO

O presente estudo é feito com a intenção de verificar como é na contemporaneidade o Instituto Jurídico da Filiação, iniciando com um breve histórico de tal instituto pré Constituição Federal de 1988, passando a uma análise com maior ênfase no período pós Constituição Federal de 1988, verificando a problemática de como se regulam as relações de filiação hoje conhecidas, e de que forma ou até que ponto o ordenamento jurídico consegue suprir as novas demandas sociais e onde ele ainda é frágil.

Justifica-se, portanto, tal estudo porque a filiação passou por transformações desde seu início, sendo que as mais importantes ocorreram a partir da Constituição Federal de 1988 até o presente momento, surgindo novos vieses na filiação como a questão da garantia constitucional de igualdade entre os filhos, o reconhecimento da filiação socioafetiva, ante a até então filiação biológica ou consanguínea, e as novas espécies de filiação ligadas à socioafetividade, que necessitam de segurança jurídica, o que nem sempre ocorre de forma expressa, mas sim análoga à lei.

Será estudado o Instituto do Parentesco, que tem grande relação com o Instituto da Filiação, em seguida será estudado dentro da filiação, os seus gêneros, biológico e socioafetivo, sendo que desse último se depreenderão espécies, por adoção (heterossexual), adoção homoafetiva, em decorrência da técnica de inseminação artificial heteróloga, posse do estado de filho, adoção à brasileira e aquela consistente no “filho de criação”.

Feita a análise inicial do histórico da filiação, do parentesco, dos gêneros e espécies de Filiação, o estudo se voltará em seu momento derradeiro, para como se dá o vínculo de filiação na prática, ou seja, o ato de reconhecimento da paternidade e da maternidade em relação aos filhos nascidos, através do Reconhecimento Voluntário e do Reconhecimento Judicial, abordando-se também sobre a possibilidade do desfazimento do vínculo de filiação, por parte do filho ou mesmo dos pais, fechando assim, a lógica do estudo sobre o Instituto da Filiação, ao passar por sua origem, desenvolvimento na contemporaneidade e materialização.

Por fim, todo o estudo do presente artigo como já explanado, tem o condão de mostrar como é o Instituto da Filiação na contemporaneidade, de modo que ao seu fim, pretende-se que reste demonstrando o quão importante foi para tal instituto, a previsão de igualdade na filiação constante da Constituição Federal de 1988, bem como o reconhecimento das relações oriundas da socioafetividade, consubstanciados na lei e na doutrina.


2. BREVE HISTÓRICO SOBRE A FILIAÇÃO NO BRASIL PRÉ E PÓS CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

O instituto da filiação é um dos mais importantes no ordenamento jurídico atual, sendo que muito evoluiu desde seu início até o presente momento, podendo se criar duas fases distintas como marcos importantes de tal instituto, ou seja, o período pré Constituição, que será estudado inicialmente, e o período pós Constituição Federal de 1988, que será analisado a posteriori.

Filiação provém, em termos gerais, do latim filiatio, que tem como significado, procedência, laço de parentesco dos filhos com os pais (LÔBO, 2015, p.199).

No Brasil, os primeiros ordenamentos jurídicos vigentes foram as Ordenações Afonsinas, promulgadas por Dom Afonso V e com vigor no Brasil colônia a partir de 1500, Ordenações Manuelinas promulgadas em 1521 por Dom Manuel I e Ordenações Filipinas, promulgadas em 1603 pelo Rei Filipe I da Espanha, vigorando no Brasil até 1916. Foi no período das Ordenações Filipinas que se teve a primeira menção à filiação, sendo inclusive feita a distinção desde aquela época entre a filiação legítima e a filiação ilegítima (FUJITA, 2011, p. 17).

Para melhor compreensão, os filhos ilegítimos constantes das Ordenações Filipinas, classificavam-se em espúrios e naturais (decorrentes de casais solteiros e desimpedidos de casarem-se) como demonstra Jorge Shiguemitsu Fujita:

Os filhos ilegítimos espúrios (incestuosos, adulterinos e sacrílegos) podiam, no máximo, promover ação de investigação de paternidade, visando apenas à obtenção de alimentos, portanto não lhes era reconhecido o direito à sucessão causa mortis. Já para os filhos ilegítimos naturais, embora fosse reconhecida a sucessão testamentária, era proibida a sucessão legítima. Ademais, mesmo entre os filhos ilegítimos naturais, as Ordenações faziam uma diferenciação entre os filhos de pessoas da nobreza e os filhos de pessoas plebeias. (FUJITA, 2011, p. 18).

A proclamação da Independência do Brasil ocorreu em 7 de setembro de 1822 e com ela, criou-se a Assembléia Constituinte que gerou a primeira constituição brasileira em 1824, permanecendo vigentes, contudo, as Ordenações Filipinas, conforme foi determinado pela lei de 20 de outubro de 1823 (FUJITA, 2011, p. 18).

A Constituição Imperial estabeleceu no seu art. 179, n° 13, que a lei seria igual para todos, fosse para proteger ou para castigar, recompensando cada um na proporção de seus merecimentos, todavia, não ficou claro para os juristas da época, se ainda persistiria a distinção entre filhos de nobres e peões (plebeus), o que foi resolvido com o advento da Lei n° 463, de 2 de setembro de 1847, que determinou o fim da diferença jurídica entre filhos de nobres e plebeus para efeitos de sucessão (FUJITA, 2011, p. 19).

Em 1858, foi promulgada a Consolidação das Leis Civis, de Augusto Teixeira de Freitas, importando para o presente estudo, mencionar a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos existente, onde eram classificados como filhos naturais aqueles “cujo pai e mãe ao tempo do coito, não tinham entre si parentesco, ou outro impedimento para casarem” e espúrios “os nascidos de pais com impedimentos para se casarem, em virtude de parentesco entre si, ou do estado de casado de um ou de ambos os pais” (FUJITA, 2011, p. 19).

Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, promulgou-se o Decreto n° 181, de 24 de janeiro de 1890, chamado de “Estatuto do Casamento”, sendo importante destacar acerca da filiação, o disposto no art. 7°, § 1°, dizendo que:

Art. 7° - São prohibidos de casar-se:

§1° - Os ascendentes com os descendentes, por parentesco legítimo, civil ou natural ou por afinidade, e os parentes collateraes, paternos ou maternos dentro do segundo gráo civil.

Estabelecia ainda o mencionado Decreto, no art. 8°, parágrafo único, quanto à prova do parentesco que, o legítimo se verificaria de forma notória pela confissão, pelo ato do nascimento dos contraentes ou então, pelo casamento de seus ascendentes.

A filiação legítima, portanto, decorria (entre outros) do casamento dos pais, entendimento firmado também com o advento do Código Civil de 1916 classificando a filiação em quatro espécies: a legítima, a legitimada, a ilegítima e a adotiva (FUJITA, 2011, p. 20).

Concebia-se a filiação legítima com o casamento, fazendo-se prova desta, pela certidão de nascimento ou por qualquer outro meio admitido em direito.

A filiação legitimada era a que resultava do casamento dos pais, estando o filho concebido, ou mesmo depois de havido o filho (art. 353).

Já a filiação ilegítima, não nascia de um casamento, sendo que somente os filhos naturais podiam ser reconhecidos, pelos pais, de forma conjunta ou então separadamente, no próprio temo de nascimento, ou mediante escritura pública, ou por testamento (art. 357).

A Constituição Federal de 1937 teve sua importância, sendo um marco na evolução cultural no Brasil, pois equiparou os filhos naturais e os filhos legítimos (art. 126 CF/37).

O Decreto-lei n° 3.200, de 19 de abril de 1941 estabeleceu no seu art. 14 a proibição de fazer constar em suas certidões de registro civil a circunstância de ser legítima, ou não, a filiação salvo, a pedido do próprio interessado ou em decorrência de determinação judicial (FUJITA, 2011, p.21).

Com o Decreto-lei n° 4.737, de 24 de setembro de 1.942, passou a existir a possibilidade de se reconhecer de forma voluntária ou forçada, os filhos adulterinos após o desquite de seu pai ou de sua mãe.

Em 30 de setembro de 1943 com o Decreto-lei n° 5.860, determinou-se que só seria possível vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento, se provado erro ou falsidade de registro (Art. 348).

No ano de 1962, uma lei muito importante promoveu várias alterações no Código Civil de 1916, sendo esta, a Lei n° 4.121, de 27 de agosto do mesmo ano ou o chamado “Estatuto da Mulher Casada”. Vale destacar que o marido era considerado o chefe da sociedade conjugal, com a colaboração da mulher em relação ao interesse comum do casal e dos filhos, conforme art. 233 C.C/16.

Através da Lei n° 4.655, de 2 de junho de 1965, passou-se a reconhecer ao legitimado adotivo, direitos e deveres iguais aos do filho legítimo, exceto nos casos de sucessão, caso concorresse com o filho legítimo superveniente à adoção (art. 9°).

Por fim, a Lei n° 6.515, de 26 de dezembro de 1977 (Lei do Divórcio) permitiu que, por meio de testamento cerrado, fosse reconhecido filho nascido fora do matrimônio, permitiu o direito à herança de filho independentemente da natureza de sua filiação e deu maior proteção aos filhos na separação judicial, destinando a guarda dos mesmos para o cônjuge inocente (FUJITA, 2011, p.24).

Conforme se observa no histórico traçado acerca da filiação no Brasil, até pouco antes do advento da Constituição Federal de 1988, foram feitos avanços no que concerne aos direitos do nascido fora do casamento, porém, ainda fazia-se a distinção entre o filho tido como legítimo do casamento e aquele legitimado a posteriori ou mesmo apenas existente fora do casamento, sem que fosse reconhecido.

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Por certo que todo o conceito de sistema patriarcal mencionado na Lei 4.655/65, também os conceitos de filhos legítimos por terem sido havidos no casamento e ilegítimos (bastardos) os havidos fora do matrimônio, são decorrentes da cultura mais conservadora do país, nos períodos em que as mencionadas leis foram formuladas, sendo lógico que, com o passar do tempo, mudanças ocorreriam na cultura do Brasil e, consequentemente, estas disparidades seriam repensadas, sobretudo, a partir da Constituição Federal de 1988.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, uma grande mudança paradigmática ocorre em relação a diversos aspectos do direito, inclusive no instituto da filiação, com a previsão do tratamento igualitário aos filhos, ou seja, nenhum filho pode, a partir de então, sofrer qualquer tipo de preconceito ou discriminação por ter sido concebido de forma diversa do concebido em decorrência da união matrimonial (casamento entre homem e mulher). Não se fala mais à essa altura em filhos espúrios, sacrílegos, adulterinos, incestuosos, etc., mas apenas em filhos, sendo vedada constitucionalmente, qualquer adjetivação preconceituosa em relação a esse.

O Código Civil por outro lado, manteve-se o mesmo de 1916 por mais alguns anos, sendo alterado apenas no ano de 2002, pela Lei 10.406, trazendo também em seus dispositivos, previsões legais acerca da filiação, porém, dispositivos esses criticáveis na conjuntura atual em alguns aspectos, conforme se verá mais a frente.

A Carta Magna de 5 de outubro de 1988, portanto, sedimenta o novo entendimento, de igualdade entre os filhos, quebrando os paradigmas conservadores mais antigos, através do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, insculpido no art. 1º, inciso III, bem como o art. 3º, inciso IV que quebra o paradigma do preconceito quanto à origem (de forma genérica mas que se encaixa à filiação, pondo fim ao famoso filho “bastardo” e demais classificações pejorativas), o art. 5º caput, que estabelece o Princípio da Igualdade de todos perante a lei, e o mais importante dispositivo constitucional no que tange a filiação que é o art. 227 §6º conforme se verá abaixo:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III – a dignidade da pessoa humana; [...]

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

[...]

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...](Grifos Nossos).

Art. 227 – É dever da família, da sociedade [...]

[...]

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

A Constituição Federal, na condição de “Carta Magna”, é basilar para o instituto da filiação, possuindo força normativa própria, porém, é importante que se encontre na lei infraconstitucional a reafirmação deste instituto, frisando o Princípio da Igualdade, bem como os demais dispositivos legais específicos de tal instituto, como se verifica no Código Civil, nos capítulos intitulados “Da Filiação” (CC 1.596 a 1.606) e “Do reconhecimento dos filhos” (CC 1.607 a 1617).

Abaixo serão transcritos os dois principais dispositivos legais do Código Civil quanto à filiação, no que concerne às significativas mudanças no seu instituto:

Art. 1.596 – Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Art. 1.597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentário, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

O art. 1.596 do Código Civil remete ao chamado “Princípio da Igualdade na Filiação”, que é essencialmente um grande marco no ordenamento jurídico brasileiro pela quebra de paradigma ocorrido, ou seja, não pode mais haver qualquer designação discriminatória relativa à filiação, tornando-a una. Nas palavras de Paulo Lôbo, “É o ponto culminante da longa e penosa evolução por que passou a filiação, ao longo do século XX, na progressiva redução de odiosas desigualdades e discriminações (...)” (LÔBO, 2015, p. 200).

Já o art. 1.597 do Código Civil, insere sob a proteção legal nos incisos III, IV e V, aqueles nascidos em decorrência do uso de técnicas de reprodução assistida, quais sejam a concepção artificial homóloga e inseminação artificial heteróloga, que representam grande mudança de paradigma, deixando para trás a antiquada visão paternalista e religiosa sobre o tema, e trazendo à lume um entendimento mais concatenado com as mudanças culturais e tecnológicas sofridas ao longo do tempo.

A este ponto, vale expor o que entende na atual conjuntura a doutrina quanto ao conceito de filiação, a partir dos novos pressupostos legais que foram acima expostos, iniciando pelo entendimento de Paulo Lôbo:

Filiação é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas, uma das quais nascida da outra, ou adotada, ou vinculada mediante posse de estado de filiação ou por concepção derivada de inseminação artificial heteróloga (LÔBO, 2015, p. 199).

Ana Cláudia Silva Scalquette define filiação como:

[...] a relação de parentesco em linha reta de primeiro grau que se estabelece entre pais e filhos, seja essa relação decorrente de vínculo sanguíneo ou de outra origem legal, como no caso de adoção ou reprodução assistida com utilização de material genético de pessoa estranha ao casal. (SCALQUETTE, 2014, p. 86).

Maria Helena Diniz entende que, “filiação é um conceito relacional: é a relação de parentesco que se estabelece entre duas pessoas e que atribui reciprocamente direitos e deveres.” (DINIZ, 2011, p. 478).

Jorge Shiguemitsu Fujita entende que:

Filiação é, no nosso entender, o vínculo que se estabelece entre pais e filhos, decorrente da fecundação natural ou da técnica de reprodução assistida homóloga (sêmen do marido ou do companheiro; óvulo da mulher ou da companheira) ou heteróloga (sêmen de outro homem, porém com o consentimento do esposo ou companheiro; ou o óvulo de outra mulher, com a anuência da esposa ou companheira), assim como em virtude da adoção ou de uma relação socioafetiva resultante da posse do estado de filho. (FUJITA, 2011, p. 9 ).

Observando os diferentes conceitos doutrinários transcritos acima, conclui-se que, tem em comum todos eles, o fato de mencionar, uns de forma bem clara outros de forma intrínseca, a existência de uma filiação biológica e outra filiação socioafetiva, esta última, representando inovação no instituto da filiação a partir da concepção da Constituição Federal e demais leis infraconstitucionais que, estabelecem de algum modo a filiação socioafetiva, bem como a própria doutrina, conforme visto, de modo que pretendem com isso, declarar que se deve admitir sem nenhum tipo de discriminação, como já visto na “Carta Magna” ambas as modalidades de filiação citadas, a depender de cada caso.

Outro aspecto a se ressaltar é a figura do parentesco, que aparece como sendo vinculado ao gênero filiação de acordo com os entendimentos doutrinários transcritos anteriormente acerca desse, logo, importante se verificar a seguir como é entendido este instituto no ordenamento jurídico contemporâneo, verificando seus conceitos doutrinários, espécies e de que maneira ele é importante na formação do vínculo de filiação.

2.1. PARENTESCO

O parentesco, abrangido dentro dos entendimentos doutrinários acerca da filiação antes da C.F de 1988, era classificado em parentesco legítimo e ilegítimo, sendo legítimo aquele originado na família constituída pelo casamento e ilegítimo aquele originado fora do casamento (LÔBO, 2015, p. 190).

No ordenamento jurídico atual, o instituto do parentesco encontra-se insculpido no Código Civil, entre os art. 1591 até o art. 1595 valendo destacar o que dispõe o art. 1.593 CC que diz, “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”, ou seja, ao estabelecer “outra origem” para além da consanguinidade, se está abrindo margem para o que chama-se de filiação socioafetiva, ou filiação decorrente dos laços de afetividade, que representa uma inovação no instituto da filiação e será melhor estudado oportunamente.

É o parentesco nas palavras de Paulo Lôbo, “a relação jurídica estabelecida pela lei ou por decisão judicial entre uma pessoa e as demais que integram o grupo familiar.” (LÔBO, 2015, p. 190).

Nota-se que, para além dos casos onde já exista a presunção da relação de parentesco, há a possibilidade de se concedê-la via judicial. Prossegue Paulo Lôbo dizendo que, “Para além do direito, o parentesco funda-se em sentimentos de pertencimento a determinado grupo familiar, em valores e costumes cultuados pela sociedade, independentemente do que se considere tal.” (LÔBO, 2015, p. 190).

Ana Cláudia Silva Scalquette, também apresenta um conceito do que seja parentesco:

As relações de parentesco são estabelecidas entre ascendentes e descendentes, entre pessoas que provém de um mesmo tronco comum sem descenderem umas das outras - como é o caso dos colaterais -, entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro- ao que se conhece por vínculo de afinidade-, por vínculo civil- no caso de adoção – ou por outra origem, a exemplo do que se tem na filiação decorrente de reprodução assistida em que é utilizado material genético de terceiro. (SCALQUETTE, 2014, p. 80).

Maria Berenice Dias também define parentesco, dizendo que “As relações de parentesco são identificadas como vínculos decorrentes da consanguinidade e da afinidade, ligando as pessoas a determinado grupo familiar” (DIAS, 2013, p. 350).

Segue dizendo em outro trecho de sua obra que, “Ocorreu verdadeira desbiologização da paternidade-maternidade-filiação e, consequentemente, do parentesco em geral.” (DIAS, 2013, p. 351).

Cézar Fiuza define o parentesco como, “(...) relações entre certas pessoas pertencentes a um mesmo grupo familiar.” (FIUZA, 2009, p. 977).

A classificação que se dá ao instituto do parentesco se extrai do art.1.593 do CC, quais sejam, parentesco natural ou consanguíneo, por afinidade, civil e outra origem. Neste estudo, será utilizada a definição de cada espécie de parentesco, de acordo com o que preleciona Ana Cláudia Silva Scalquette, por acompanhar o que disposto no texto legal (classificação):

  • Parentesco Natural ou Consanguíneo, “é o vínculo estabelecido entre pessoas que descendem de um mesmo tronco (tronco comum) e, dessa forma, estão ligadas pelo mesmo cônjuge” (SCALQUETTE, 2014, p. 80) (ex: irmãos);

  • Parentesco Por Afinidade (afim), “é o que liga uma pessoa aos parentes de seu cônjuge ou companheiro, isto é, aquele decorrente do casamento ou da união estável, conforme previsto em lei (art. 1.595, CC)” (SCALQUETTE, 2014, p.80) (ex: nora, genro, sogros);

  • Parentesco Civil, “é o parentesco decorrente da adoção, estabelecido entre o adotante e o adotado, estendido a seus parentes” (SCALQUETTE, 2014, p. 81) (filhos adotivos);

  • Parentesco por Outra Origem, “pode-se entender como “outra origem” a inseminação ou fertilização artificial com doador – hipótese trazida pelo art. 1.597 (...)” (SCALQUETTE, 2014, p.81) (ex: nascido da inseminação artificial heteróloga).

A classificação que se dá ao parentesco não se restringe à forma disposta na lei, podendo variar a depender do doutrinador, neste sentido, traz-se como exemplo as classificações de Maria Berenice Dias, que classifica o parentesco como, natural e civil, biológico ou consanguíneo, linha reta e linha colateral (DIAS, 2013, p. 351) e Paulo Lôbo, que classifica o parentesco em natural, civil e por afinidade (LÔBO, 2015, p. 191).

Maria Berenice Dias fala a respeito do parentesco, que o ordenamento jurídico passou por um processo de “desbiologização da parentalidade, impondo o reconhecimento de outros vínculos de parentesco” (DIAS, 2013, p. 352). Portanto, o parentesco não se liga apenas aos vínculos biológicos, mas também àqueles originados por outros meios como, adoção ou métodos de reprodução assistida, ao exemplo da inseminação artificial heteróloga, onde um terceiro doa o sêmen que será fecundado na mulher com prévia autorização do marido (conceito à luz da letra de lei, sem considerar ainda, outros entendimentos sobre o gênero do doador).

Paulo Lôbo, segue a mesma linha de pensamento da Maria Berenice Dias, ao dizer que “Dentre as espécies de parentesco não biológico, além da afinidade, situam-se a adoção, a posse de estado de filiação e o derivado de inseminação heteróloga” (LÔBO, 2015, p. 191).

Conclui-se a esta altura, portanto, que o parentesco está intimamente ligado a filiação e, que o vínculo de consanguinidade não é condição sine qua non para formá-lo, sendo possível, o parentesco decorrente da adoção, inseminação artificial heteróloga, por afinidade, entre outros, que nada mais são do que o reflexo do processo de mudança pela qual a sociedade passa todo o tempo, onde o direito deve acompanhar essas mudanças, para evitar deixar à margem da legalidade aquele que no direito buscar refúgio. Com isso, pode-se dizer que relevante mudança no instituto da filiação, foi a filiação socioafetiva, que deu maior segurança jurídica para aqueles que estabelecem relação de parentesco, de filiação, porém, sem vínculo sanguíneo, conforme se estudará a seguir.

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Sobre os autores
Juliano Dias Barbosa Ribas

Advogado com atuação nacional e escritório sediado em Curitiba - Paraná. Bacharel em direito pela Faculdade de Direito de Curitiba - UNICURITIBA. Pós-graduado em Direito do Trabalho pela Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG. Pós graduado em Direito Previdenciário pela Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG.

Waldyr Grisard Filho

Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, Professor na Faculdade de Direito de Curitiba, Membro do Instituto dos Advogados do Paraná – IAP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Juiz substituto do TRE-PR, Advogado em Curitiba.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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