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Um crime chamado omissão: cúmplices da violência!

02/10/2016 às 16:00

Resumo:


  • Postagem polêmica em rede social gerou críticas e debates sobre atitude de uma mãe em animação

  • Relato emocionante de intervenção em caso real de violência doméstica envolvendo criança

  • Apelo para que as pessoas denunciem atos de violência, mesmo que de forma anônima, para evitar o silêncio cúmplice

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Os absurdos que aconteciam naquele apartamento não eram recentes. Ao contrário, o sofrimento e a agonia daquela criança eram antigos. Mas ninguém, repito, ninguém denunciou!

No dia 13 de março de 2016, postamos em nossa página no Facebook um gif interpretado por duas atrizes, uma mulher e sua suposta filha. Na animação, ambas estão iniciando seu jantar, quando a mulher mais velha abaixa sua cabeça, para sentir o aroma da comida.

Quando a menina vai imitar a “mãe”, e reclina o corpo para cheirar a comida, a mulher mais velha afunda a cabeça da criança no prato, deixando a garota com o rosto todo sujo.

Este post faz parte de uma série de outros, em que a atriz mais velha protagoniza cenas bizarras, usando do humor para criticar situações cotidianas de machismo e de intolerância.

Fato é que a cena provocou uma enorme enxurrada de críticas quanto à suposta atitude da “mãe” e uma razoável quantidade de ataques à nossa decisão de postar a animação. Por isso, gostaria de contar para vocês uma história que aconteceu comigo.

Há alguns anos, comprei uma casa em Belo Horizonte, em um bairro mais distante, com o objetivo de instalar dois setores de meu escritório.

Com duas semanas de funcionamento, uma funcionária ligou-me para falar sobre supostos problemas com a vizinhança.

O imóvel era cercado por três prédios, situados ao lado e na parte de trás. Segundo a  minha funcionária, ela estava preocupada com o choro diário de uma criança pequena e com os berros de uma voz de mulher adulta, vindo de um apartamento localizado em um dos prédios laterais.

Imediatamente, fui até a tal casa, com meu notebook, e fiquei lá trabalhando, esperando para tentar ouvir algo. No primeiro dia, nada. Nem um ruído. Mas havia uma atmosfera estranha no lugar. Há coisas que a gente simplesmente sente.

No final do segundo dia, o que eu ouvi deixou-me completamente enojado. Uma criança, que depois descobrimos ter pouco mais de 2 anos, estava sendo espancada pela madrasta há meses.

O ruído era agonizante! Gritei: “Vamos chamar a polícia”, para que a agressão parasse e, imediatamente, disquei 190.

Após meu grito, um enorme silêncio dominou não somente o lugar de onde vinham os choros e os berros, mas toda a região. Parecia dia de finados. Nenhum som era ouvido na região.

Pouco mais de meia hora depois, a PM chegou ao local e constatou uma história de horrores. A criança estava com diversos hematomas recentes pelo corpo e várias lesões “curadas”, o que indicava que as agressões ocorriam há tempos.

Foram tomadas todas as providências pelos policiais, apesar da dificuldade inicial de colher testemunhos de vizinhos (e de meus funcionários).

A triste cena encontrada pelos policiais, todavia, dizia mais do que qualquer depoimento poderia provar. O pai da criança trabalhava fora de BH e vinha de 15 em 15 dias. A madrasta, viciada em drogas … Bom, isso nem importa mais, pois o final da história interessa menos do que seu início. Ou o seu “durante”!

Os absurdos que aconteciam naquele apartamento não eram recentes. Ao contrário, o sofrimento e a agonia daquela criança eram antigos. Não seria possível que vizinhos achassem normal o choro de agonia e desespero daquela criança.

Nenhum ser humano, com um mínimo de discernimento e humanidade, poderia achar que os gritos da madrasta seriam o exercício regular do “direito de educar”.  Mas ninguém, repito, ninguém denunciou!

Todos se calaram, omitiram-se, de uma forma covarde, tornando-se, assim, cúmplices da violência que aquela criança sofreu durante sabe-se lá quanto tempo.

Onde estavam as pessoas quando a criancinha era espancada de forma violenta? Por que ninguém denunciou? Medo? Covardia? Ou estavam no Facebook discutindo hipoteticamente sobre violência doméstica?

Por que, em uma rede social, em um mundo virtual, todos se transformam em super-heróis e paladinos da Justiça?

Longe de ser um caso isolado, a violência doméstica acontece o tempo todo e muitos, simplesmente, assistem e escutam, mas fecham suas janelas, olhos e ouvidos, fingindo que não é com eles. Em muitos e muitos casos, estas cenas ocorrem, literalmente, ao lado das pessoas, que nada fazem.

Se algum ato de violência estiver, neste momento, acontecendo perto de vocês, omitir-se é algo de que deveriam se envergonhar. E isso aplica-se a todos os tipos de violência, como a praticada contra mulheres, idosos e deficientes.

Denunciem, ainda que de forma anônima, pois sei que há casos em que, denunciar, de forma aberta, pode colocar em risco a vida da pessoa e de sua família.

O silêncio, entretanto, tornará vocês cúmplices do crime e os forçará a conviver o resto de suas vidas com a própria covardia!

Pensem nisso antes de fingirem que os choros e gritos de desespero alheios não são problemas seus ou de perderem suas vidas no Facebook, discutindo teoricamente sobre problemas que poderiam ajudar a resolver!

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Sobre o autor
André Mansur Brandão

Advogado da André Mansur Advogados Associados (Minas Gerais). Administrador de Empresas. Escritor.Saiba mais sobre nossa empresa em: http://andremansur.com/portfolio/

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANDÃO, André Mansur. Um crime chamado omissão: cúmplices da violência!. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4841, 2 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50075. Acesso em: 22 dez. 2024.

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