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Artigo 299 do Código Eleitoral:

a corrupção eleitoral à luz do Tribunal Superior Eleitoral

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2. Tipologia do artigo 299 do Código Eleitoral

2.1. O artigo 299 do Código Eleitoral

Como visto, a atual redação do artigo 299 do Código Eleitoral é a seguinte:

“Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.”

O tipo penal, pois, será examinado pormenorizadamente.

2.1.1.  Núcleos do tipo

Diversas condutas configuram o crime de corrupção eleitoral – delito de ação múltipla, portanto –, conforme se denota por meio da simples leitura do tipo.

“Dar” pressupõe “uma atuação positiva, no sentido de entregar dinheiro, dávida ou qualquer outra vantagem com fins eleitorais” (GOMES, 2008, p. 242).

O núcleo “oferecer”, segundo Delmanto (citado por GOMES, 2008, p. 242), significa “pôr à disposição, apresentar para que seja aceito”.

Já o “prometer”  implica a “compreensão de obrigar-se verbalmente ou por escrito a dar, deixar, vedar, fazer ou não fazer alguma coisa ou solver dívida em dinheiro; induzir esperanças ou probabilidades”  (FILHO, 2012, p. 251).

Há, ainda, o vocábulo “solicitar”, o qual tem o sentido de “pedir, requerer, demandar, postular” (GOMES, 2015, p. 54).

Por fim, “receber” implica “auferir, obter, granjear, embolsar, entrar na posse ou detenção de uma coisa” (GOMES, 2015, p. 54).

As três primeiras condutas, “dar”, “oferecer” e “prometer” estão relacionadas à corrupção eleitoral ativa, na qual o agente busca o eleitor com o objetivo de obtenção do voto ou sua abstenção, ainda que a oferta não seja aceita.

As demais (“solicitar” e “receber”) referem-se à corrupção eleitoral passiva, que se perfaz no momento em que o eleitor – ao menos para a doutrina majoritária, como se verá no tópico 2.1.6.1 – pede ou aceita qualquer vantagem em troca do possível voto ou abstenção.

2.1.2. Elemento normativo

O elemento normativo do crime de corrupção eleitoral traduz-se no excerto “para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem”, visto que imprescindível uma interpretação valorativa sobre a situação de fato por parte do destinatário da lei eleitoral penal.

Pela pertinência e riqueza textual, cito José Jairo Gomes  (2015, p. 54-55):

“Dinheiro é por excelência instrumento de troca. Como tal deve-se entender moeda corrente ou papel-moeda, cédulas ou moedas empregadas como meio de pagamento. O dispositivo legal não impõe que o dinheiro seja o de circulação oficial no Brasil, donde se conclui que a conduta pode ter por objeto moedas estrangeiras, em curso, como dólar americano, euro etc. Nessa categoria, porém, não entram moedas sem valor corrente, mas meramente histórico ou comemorativo.

A seu turno, o termo dádiva é comumente empregado com o sentido de donativo, presente, recompensa ou gratificação. Trata-se de objeto de doação. Tecnicamente, doação é o contrato unilateral e gratuito em que há transferência de “bens ou vantagens” de um patrimôonio a outro (CC, art. 538). Os bens ou as vantagens transmitidas devem ter natureza econômica, incrementando o património do donatário. Assim, seu objeto pode ser qualquer coisa ou bem in commercio, e, pois, que tenha favor econômico e possa ser alienada. Conforme salienta Pereira (2009, p. 212), podem ser doados bens ‘imóveis, móveis corpóreos, móveis incorpóreos, universalidades, direitos patrimoniais não acessórios’. Assim, também pode ser objeto de dádiva direito de crédito, remissão de dívida (CC, art. 385). Por outro lado, a dávida pode referir-se a bens presentes e futuros. Como exemplo destes últimos, pense-se em coisas que ainda serão adquiridas, frutos pendentes que serão colhidos no tempo adequado, animal ainda prenhe.

Já a elementar típica qualquer outra vantagem constitui cláusula aberta, debaixo da qual podem ser compreendidos qualquer benefício, proveito, ganho, lucro, privilégio, direito, utilidade ou serventia. Sozinha, essa cláusula torna desnecessárias as duas outras que a precedem. Como a regra legal não especifica, não é mister que a vantagem tenha caráter patrimonial; pode, pois, ser de ordem pessoal, moral, religiosa ou política. Nesse sentido, imagine-se o eleitor que, para votar em certa candidata, lhe solicita que com ele pratique ‘conjunção carnal’ ou ‘outro ato libidinoso’ (CP, art. 213). Assim, nessa categoria também entram bens sem valor econômico corrente, mas meramente histórico ou comemorativo, tais como moedas antigas e selos, objetos de valor sentimental.

O dinheiro, a dádiva ou a vantagem dada, oferecida, prometida, solicitada ou recebida pode ser para si ou para outrem, ou seja: para o próprio corrompido ou para terceira pessoa. Exemplos: i) candidato dá dinheiro a eleitor para obter o seu voto; o corrompido recebe o dinheiro para si próprio; ii) para conseguir o voto de determinado eleitor, candidato promete entregar telhas ao seu genitor, custear tratamento médico de seu tio ou contratar sua irmã para trabalhar na Administração Pública, caso seja eleito; aqui a vantagem é prometida a terceiro.”

Como se verá no Capítulo 4 deste trabalho, existem infindáveis vantagens que se enquadram nas elementares típicas.

2.1.3. Elemento subjetivo do tipo

O elemento subjetivo do tipo (ou do injusto; ou, ainda, o “dolo específico” como é tratado até os dias atuais em muitos precedentes do Tribunal Superior Eleitoral) corresponde à vontade de corromper “para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita”.

Em sua ausência, a conduta será atípica.

A respeito, há dezenas de julgados da Corte Superior Eleitoral, dentre os quais, destaca-se o seguinte:

“RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CRIME. ARTIGO 299 DO CE. CORRUPÇÃO ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEL A ELEITORES. REALIZAÇÃO DE PASSEATA. ALEGAÇÃO. AUSÊNCIA. DOLO ESPECÍFICO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PROVIMENTO.

 1. Esta Corte tem entendido que, para a configuração do crime descrito no art. 299 do CE, é necessário o dolo específico que exige o tipo penal, qual seja, a finalidade de “obter ou dar voto” e “conseguir ou prometer abstenção”. Precedentes.

 2. No caso, a peça inaugural não descreve que a distribuição de combustível a eleitores teria ocorrido em troca de votos. Ausente o elemento subjetivo do tipo, o trancamento da ação penal é medida que se impõe ante a atipicidade da conduta.

 3. Recurso parcialmente provido e, nesta extensão, concedida a ordem para trancar a ação penal ante a atipicidade da conduta.”[3]

Frise-se que este entendimento está consolidado há muitos anos. Menciono, verbi gratia, o HC nº 224, em cujo julgamento, ainda na década de 1990, o Tribunal Superior Eleitoral concedeu a ordem aos pacientes – dentre eles, um advogado e um médico, candidatos ao exercício de mandato eletivo em um pequeno município do interior do país – que ofereceram carona e medicamento a dois eleitores na véspera da eleição.

Ocorre que não havia qualquer indício de que as condutas em questão foram praticadas para obter-lhes voto ou sua abstenção. Aliás, esses eleitores eram empregados e pacientes clínicos do candidato.

Assim, diante da ausência de demonstração do elemento subjetivo do tipo, o inquérito policial foi trancado[4].

Só é típica, portanto, a conduta dolosa. Não há previsão de modalidade culposa.

2.1.4. Classificação do crime

Antes de examinar a classificação do crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral, convém tecer breves considerações acerca da classificação dos delitos eleitorais como gênero.

Em linhas gerais, crimes eleitorais são todos aqueles tipificados pelo Código Eleitoral ou por legislação extravagante que descrevem condutas violadoras às normas que regem o processo eleitoral.

Quanto a sua natureza jurídica, a doutrina, há tempos, sem consenso, debruça-se sobre a questão.

Alguns estudiosos entendem que os crimes eleitorais “compõem subdivisão dos crimes políticos” (RIBEIRO, 1998, p. 620), porquanto sua objetividade jurídica remonta às instituições políticas do Estado, notadamente porque as condutas delituosas enquadradas como tais afrontam a liberdade do direito de sufrágio e a legitmidade do pleito (GOMES, 2008, p. 53). Ofendem, portanto, o interesse político do Estado ou do cidadão (HUNGRIA, 1968, p. 129).

Outros, no entanto, consideram-nos crimes comuns de natureza especial, uma vez que se restringem a tutelar bens jurídicos no âmbito eleitoral e partidário; não atingem diretamente a organização política do Estado, mas o processo eleitoral (RAMAYANA, 2010, p. 711). Aquele que comete um crime eleitoral não se volta à radical transformação da sociedade (GOMES, 2015, p. 9). Essa posicionamento doutrinário vingou tanto no âmbito do Supremo Tribunal Federal[5], quanto no Tribunal Superior Eleitoral[6].

Há, também, um terceiro entendimento, pelo qual os crimes eleitorais podem ou não ser políticos, na medida em que atentem ou não contra a existência do Estado Democrático de Direito. Assim, os crimes eleitorais puros – entendidos como aqueles cujos bens protegidos o são apenas na legislação eleitoral – são políticos e, como tais, não geram reincidência e impedem a extradição. Já os eleitorais acidentais – que são aqueles também previstos na legislação penal comum – seriam comuns de natureza especial (PONTE, 2008, p. 40-42).

Feito esse arrazoado, tem-se que o crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral pode ser classificado, de acordo com a doutrina e jurisprudência majoritárias, como:

a) de ação múltipla: pode ser realizado com a prática de diferentes ações (GOMES, 2015, p. 54);

b) de forma livre: pode ser praticado por diversos meios: falas, gestos, etc (GOMES, 2015, p. 54);

c) comissivo: exige a realização de uma conduta por parte do agente;

d) comum (na corrupção eleitoral ativa): pode ser praticado por qualquer pessoa[7]; ou próprio (na corrupção eleitoral passiva): o sujeito ativo é apenas o eleitor (STOCO, 2014, p. 594);

e) formal: o resultado naturalístico é desnecessário para sua consumação[8];

f) principal: possui existência autônoma; independe da prática de crime anterior;

g) unissubsistente: a conduta não pode ser fracionada; portanto, uma vez realizada, acarreta automaticamente a consumação (FILHO, 2012, p. 254).

2.1.5. Bem jurídico tutelado

Há farta doutrina acerca do bem jurídico tutelado pela norma penal em comento. E, nada obstante a existência de variações terminológicas, pode-se antecipar que, essencialmente, o objetivo da norma corresponde à proteção da liberdade do exercício do voto, o que engloba a possibilidade de abstenção. Fala-se, ainda, na lisura do processo eleitoral, notadamente quanto à objetividade jurídica da corrupção eleitoral passiva.

Para uns, o artigo 299 do Código Eleitoral “visa resguardar a liberdade do sufrágio, a emissão do voto legítimo” (GOMES, 2008, p. 242) ou “o livre exercício do voto” (CÂNDIDO, 2006, p. 180). Já outros afirmam que o tipo penal tutela “[n]as variedades ativa e passiva, a garantia da livre opção de voto, em sua pureza e lisura” (FILHO, 2012, p. 250). Merece destaque, ainda, o entendimento segundo o qual “é a liberdade do eleitor de escolher livremente, de acordo com sua consciência e seus próprios critérios e interesses, o destinatário de seu voto” (GOMES, 2015, p. 53).

De forma mais abrangente, sem ater-se exclusivamente à corrupção eleitoral, Antonio Carlos da Ponte (2008, p. 42-43) preleciona:

“A análise do bem jurídico-penal dos crimes eleitorais, do modo como estão dispostos na nossa legislação, sem qualquer concepção crítica acerca do modelo de Estado adotado, conduz à conclusão de que os mesmos são supraindividuais, na medida em que são formados por interesses jurídico-sociais coletivos, atinentes a toda sociedade, com reflexos individuais.

Ao punir os crimes eleitorais, o legislador busca salvaguardar, fundamentalmente, a liberdade do voto, que diz respeito a todas as pessoas que agregam o tecido social, e ao mesmo tempo, o voto livre de cada um dos eleitores. Objetiva também assegurar a lisura do processo eleitoral e alguns fundamentos da República, como a cidadania, na sua forma mais ampla; a dignidade da pessoa humana, princípio maior de nossa Carta Constitucional; e o pluralismo político.

Em síntese, na expressão de Beatriz Romero Flores, objetiva o legislador salvaguardar bens jurídicos de nova geração, integrados por objetos difusos, sem referente individual, ou seja, bens jurídicos coletivos puros, cujos direitos e interesses não recaem sobre uma única pessoa, mas sobre toda a coletividade.”

O Tribunal Superior Eleitoral, aparentemente encampando os trabalhos teóricos consagrados, esposou, em mais de uma oportunidade, o entendimento segundo o qual o bem jurídico tutelado pelo artigo 299 do Código Eleitoral é, de fato, “o livre exercício do voto ou da abstenção”[9].

Portanto, como adiantado, salvo diferenças de nomenclatura não significativas, há pouca controvérsia sobre o bem jurídico tutelado pela norma penal eleitoral estudada.

2.1.6. Sujeitos do crime

Este tópico destina-se a indicar quais são os sujeitos ativo e passivo do crime, tanto na modalidade ativa (“dar, oferecer, prometer”), quanto na passiva (“solicitar ou receber”).

2.1.6.1. Sujeito ativo

Na corrupção eleitoral ativa, o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa que realizar o núcleo do tipo, porquanto se trata de crime comum. Não há exigência de qualquer condição especial do agente, tal como a de candidato ou eleitor (STOCO, 2014, p. 594; GOMES, 2008, p. 243; CÂNDIDO, 2006, p. 180; COÊLHO, 2012, p. 493), conforme entendimento consolidado no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral[10]. A propósito, transcrevo elucidativo excerto da doutrina de José Domingues Filho (2012, p. 252).:

“Sujeito ativo do crime de corrupção eleitoral ativa pode ser qualquer pessoa, porquanto o tipo não exige qualidade nem condição especial do agente. Para sua configuração é suficiente o vínculo entre a dação, oferta ou promessa com a finalidade de ‘conseguir voto ou abstenção’, para si ou para outrem, independente de efetivação de resultado.

Deveras. Nos verbos de corrupção eleitoral ativa (dar, oferecer, prometer) o crime é comum. Qualquer humano pode cometê-lo, não exigindo o tipo que candidato propriamente dê, ofereça ou prometa contraprestação para eleitor votar ou abster-se. Logo, terceira pessoa (extraneus) pode cometer o delito, seja ela cabo eleitoral, simpatizante, eleitor de outro estado, estrangeiro ou conscrito. Enfim, a norma incriminadora antevê alguém, sem espeficidade, como agente da corrupção eleitoral ativa.”

Por outro lado, para boa parte da doutrina, será sujeito ativo da corrupção eleitoral passiva será exclusivamente o eleitor. Neste caso, cuida-se de crime próprio (FILHO, 2012, p. 252; STOCO, 2014, p. 294). De todo modo, admite coautoria ou participação de outros eleitores ou mesmo de pessoas que não ostentem essa condição, a teor do que dispõe o artigo 30 do Código Penal (PONTE, 2008, p. 106).

Contudo, José Jairo Gomes (2015, p. 53-54) diverge. Para o jurista,

“(...) essa interpretação é equivocada. Na modalidade passiva, a solicitação ou o recebimento de vantagem também pode ser ‘para conseguir ou prometer abstenção’, conforme registrado no próprio tipo legal. Uma pessoa cujos direitos políticos estejam suspensos, portanto um não eleitor, pode solicitar ou receber vantagem ou benefício (para si, para outrem, para si e para outrem) para obter voto de terceiro ou para conseguir abstenção de outrem. Isso, alias, aconteceu incontáveis vezes – e ainda hoje ocorre –, bastando pensar em situações em que alguém recebe vantagem não só para apoiar determinada candidatura, como também para obter o apoio de seus familiares.”

A despeito do posicionamento acima transcrito, e embora não se tenha encontrado algum precedente do Tribunal Superior Eleitoral que discorresse especificamente acerca do sujeito ativo da corrupção eleitoral passiva, a Corte Eleitoral tende a concluir que somente o eleitor o será.

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Tal inferência decorre da jurisprudência majoritária no sentido de que a conduta cujo destinatário seja não eleitor traduz-se em crime impossível, como se verá no tópico 2.1.8 deste trabalho.

2.1.6.2. Sujeito passivo

O sujeito passivo do crime de corrupção eleitoral é o Estado (CÂNDIDO, 2006, p. 180; STOCO, 2014, p. 594; COÊLHO, 2012, p. 493) e/ou a sociedade (PONTE, 2008, p. 104-105), e também, secundariamente, o eleitor que refuga a oferta (FILHO, 2012, p. 252; GOMES, 2015, p. 54; RAMAYANA, 2010, p. 738). A doutrina, portanto, não indica divergência importante neste tópico.

Conquanto tenha-se investigado, não foi encontrado um precedente específico do Tribunal Superior Eleitoral que tratasse acerca do tema.

2.1.7. Consumação e tentativa

Como mencionado no item 2.1.4, o crime de corrupção eleitoral é formal, ou seja, o resultado naturalístico (entenda-se: a aceitação da vantagem ou a atribuição do voto ou, ainda, a efetiva abstenção) é desnecessário para sua consumação. Ademais, é unissubsistente; a conduta se aperfeiçoa mediante um único ato de execução, suficiente para produzir a consumação.

Disso, embora haja vozes isoladas na doutrina que aceitem a possibilidade em todas (CÂNDIDO, 2006, p. 186) ou em algumas hipóteses (“dar” e “receber”) (STOCO, 2014, p. 595), conclui-se que não existe na modalidade tentada. A propósito, cito José Domingues Filho (2012, p. 254):

“(...) a infração se perfaz em um único ato e tanto, evidentemente, não autoriza fracionamento da fase executiva iter criminis. O agente pratica ou não a vedada maneira de se comportar. Exemplo: A simples policitação caracteriza oferta; e conhecendo seu destino o eleitor a recebe ou enjeita a oblação. Portanto, comete-se ou não se comete o crime. Inexiste meio termo.”

De todo modo, o Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou no sentido de que não se admite a corrupção eleitoral na modalidade tentada.[11]

2.1.8. Corrupção eleitoral impossível

Uma das outras tantas questões acerca do crime de corrupção eleitoral diz respeito à possibilidade de sua ocorrência em face do oferecimento de vantagens ao não eleitor. Como visto, prevalece na doutrina tratar-se de crime formal; portanto, bastaria a realização de um dos núcleos do tipo para sua consumação, sendo a obtenção do voto ou a abstenção, mero exaurimento do crime. Por todos, cite-se Nelson Hungria (1968, p. 135).

Contudo, na hipótese de o destinatário da ação ser/estar desprovido da capacidade eleitoral ativa, há questões de relevo que merecem destaque. Tal situação ocorre quando determinada pessoa oferece vantagem em troca de voto a outrem que não possua direitos políticos (v.g. o estrangeiro não naturalizado), ou tenho-os suspensos (v.g. o condenado por sentença criminal transitada em julgado), ou ainda seja eleitor – notadamente em pleitos municipais – em domicílio eleitoral diverso do corruptor.

Em circunstâncias como as descritas, Antonio Carlos da Ponte (2008, p. 104) defende tratar-se de crime impossível (artigo 17 do Código Penal), como corolário da absoluta impropriedade do objeto. Textualmente, “não se pode captar irregularmente o voto de quem não ostenta a condição de eleitor”. Ainda, segundo o jurista, a necessidade de o destinatário da ação ser eleitor, portanto, constituir-se-ia condição objetiva de punibilidade. No mesmo sentido, Joel J. Cândido (2006, p. 184):

“É verdade que o fato de o eleitor não ir votar não elide o crime, até porque a busca pela abstenção (que é́, exatamente, não ir votar) é uma das modalidades criminosas. Tampouco afasta o crime o fato de ele não cumprir o combinado com o corruptor, indo votar tendo prometido abstenção, ou votando em outrem diverso do candidato que lhe deu a vantagem e com o qual comprometera. Porém, não é menos verdade que a abstenção, o oferecimento ou a promessa de vantagem a quem não pode votar tal como quer o corruptor não caracteriza crime. É o caso, por exemplo, nas eleições municipais, do eleitor que vota em Zona Eleitoral diversa da do candidato corruptor. Ou, ainda que ambos da mesma Zona Eleitoral, quando o eleitor estiver impossibilitado de exercer o jus sufragii, de que é exemplo certo a suspensão de seus direitos políticos. Haverá, no caso, aqui como alhures, impropriedade absoluta do objeto (CP, art. 17).”

Afirma José Domingues Filho (2012, p. 256-257), por sua vez, que “corrupção eleitoral sem envolvimento de eleitor na sujeição de corrompido ou de corruptor traduz comportamento inofensivo ao bem/interesse jurídico especificamente tutelado pela norma penal”. E complementa: “tão somente haverá propriedade do objeto quando o agente viabilizar risco de venal interferência na vontade do votante ou orientando seu voto”.

Tal tese foi acolhida pelo Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu ser exigido, “para a configuração do ilícito penal, que o corruptor eleitoral passivo seja pessoa apta a votar”.[12] No caso, a pessoa que seria agraciada com benesses em troca do voto estava, à época dos fatos e do pleito, com seus direitos políticos suspensos em decorrência de condenação criminal transitada em julgado.

Posteriormente, o Tribunal revisitou a questão e confirmou a tese ao proclamar que

“Configuraria impropriedade absoluta do objeto se a oferta de pagamento de multas eleitorais tivesse ocorrido após o fechamento do cadastro eleitoral para as eleições de 2008, pois, nesse momento, não mais seria possível regularizar e transferir o título eleitoral e, consequentemente, ofender o bem jurídico tutelado pelo art. 299 do Código Eleitoral: o livre exercício do voto ou da abstenção.”[13]

No mencionado julgamento, o Tribunal afastou a tese da defesa relacionada ao crime impossível apenas para aquele caso específico, ao argumento de que, no momento em que o corruptor efetuara o pagamento de multas eleitorais do eleitor em troca do voto, o eleitor ainda poderia alterar seu domicílio eleitoral para o do corruptor, porquanto realizado antes do fechamento do cadastro eleitoral. Assim, tendo em vista ser o crime instantâneo, não haveria falar em absoluta propriedade do objeto, a despeito de o eleitor não ter realizado a tempo a aludida transferência. Daí a ressalva transcrita alhures.

Em arremate, extrai-se da respectiva ementa:

“Exige-se [para a configuração do crime do art. 299 do Código Eleitoral] (i) que a promessa ou a oferta seja feita a um eleitor determinado ou determinável; (ii) que o eleitor esteja regular ou que seja possível a regularização no momento da consumação do crime; (iii) que o eleitor vote no domicílio eleitoral do candidato indicado pelo corruptor ativo.”[14]

Merece destaque, contudo, julgado no qual o mesmo Tribunal Superior Eleitoral, de modo diametralmente oposto às decisões citadas, baseando-se no fato de o crime do artigo 299 do Código Eleitoral ser formal – logo, indiferente ao resultado naturalístico – consignou expressamente ser “irrelevante a capacidade eleitoral ativa (aptidão para votar) do destinatário da ação”[15]. Nessa decisão, os fatos que ensejaram o debate cingiam-se à realização de bingos com distribuição de prêmios atrelados a pedido de votos a eleitores.

Não obstante os respeitáveis fundamentos desse julgado, a desconsideração da aptidão para votar do eleitor corrompível/corrompido como condição objetiva de punibilidade merece alguma reflexão. O fato de o crime do artigo 299 do Código Eleitoral ser formal, de consumação instantânea, não implica, de modo direto e imediato, que há não hipótese de corrupção eleitoral impossível. Com efeito, ainda que determinado crime seja formal, deve-se perquirir acerca da eficácia absoluta do meio e da absoluta propriedade do objeto – artigo 17 do Código Penal.

Há, ainda, entendimento segundo o qual a situação estudada, na verdade, importaria erro sobre a pessoa. Este é o posicionamento do ex-Ministro Marcelo Ribeiro de Oliveira (2012, p. 504), que assim escreve:

“O Tribunal Superior Eleitoral estatui que o ato de corrupção há que ser eficaz, refutando, como se viu, tal ocorrência quando a vítima não se encontra com sua capacidade eleitoral ativa. Sustentou-se a ocorrência de situação de atipicidade. Sem embargo de uma maior reflexão e de um eventual reposicionamento quanto ao tema, haja vista a finalidade específica da conduta em obter voto, levanta-se a dúvida se a situação em tela não estaria contemplada no § 3o do art. 20 do Código Penal, por se tratar de erro quanto à pessoa da vítima. Nesses casos, a norma penal estatui que, na hipótese de erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado, não há isenção de pena, deixando de ser consideradas as condições ou qualidades da vítima e adotando-se as condições da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. Em outras palavras, o corruptor pretendendo promover o crime contra um eleitor estaria a cometê-lo ao praticá-lo, em erro, contra alguém que esteja com seus direitos suspensos.”

De todo modo, prevalece, na doutrina e na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o entendimento de que, ante a impropriedade absoluta do objeto (oferta destinada a não eleitor), está-se diante de crime impossível. Há, contudo, decisão em sentido contrário, já citada, bem como doutrina que aponta para outro norte, como visto.

2.1.9. Concurso de agentes

O concurso de agentes em se tratando do crime de corrupção eleitoral é amplamente aceito pela doutrina e penal jurisprudência. Destaque-se, ademais, que a ocorrência dessa figura é bastante comum.

Por óbvio, os requisitos legais do concurso de pessoas devem estar presentes. Não basta, para fins penais, que o candidato tenha se beneficiado do ato ilícito praticado por outrem. Nesta seara, a punição exige prévia comprovação de sua concorrência para o crime, seja como autor, coautor ou mesmo partícipe.

Assim, para a configuração do concurso de pessoas, devem ser observados os requisitos dos artigos 29 a 31 do Código Penal, quais sejam (MASSON, 2013, p. 516):

1) pluralidade de agentes culpáveis;

2) relevância causal das condutas para a produção do resultado;

3) vínculo subjetivo;

4) unidade de infração penal para todos os agentes;

5) existência de fato punível.

Sobre o tema, dois precedentes da Corte Superior Eleitoral:

“CORRUPÇÃO ELEITORAL (CE, ART. 299). INSTITUTO MANTIDO COM O FIM DE CONCEDER BENESSES EM TROCA DE VOTOS. CONCURSO DE AGENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE DE SUBORDINADOS DO CANDIDATO ENCARREGADOS DA ENTREGA DAS VANTAGENS INDEVIDAS AOS ELEITORES. CANDIDATO FUNDADOR E EFETIVO RESPONSÁVEL PELO INSTITUTO, EMPREGADOR DOS EXECUTORES MATERIAIS DO DELITO E ÚNICO BENEFICIÁRIO DOS ATOS ILÍCITOS. CARACTERIZAÇÃO DA AGRAVANTE DO ARTIGO 62, III, DO CÓDIGO PENAL.

1.  Reconhecida no acórdão recorrido a comprovação de que o candidato a vereador era o efetivo responsável por instituto voltado à concessão de vantagens a “associados” (eleitores) em troca de votos, era empregador dos executores materiais do delito de corrupção eleitoral e se constituiu no único beneficiário pelas práticas ilícitas, incide a agravante prevista no artigo 62, III, do Código Penal.

2.  Recurso especial provido.”[16]

“HABEAS CORPUS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. AFASTADA. FATOS APURADOS EM INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL E AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. JULGAMENTO. IMPROCEDÊNCIA POR FALTA DE PROVAS. INCOMUNICABILIDADE ENTRE AS INSTÂNCIAS. DENEGAÇÃO DA ORDEM.

I - Os fatos narrados na denúncia levam, em tese, a indicativos do crime de corrupção eleitoral em concurso de agentes (artigo 299 do CE c.c. o artigo 29 do CP), o que não permite afirmar, de pronto, a falta de justa causa.

II - A sentença declaratória de improcedência, por insuficiência de provas, proferida na ação de investigação judicial eleitoral e impugnação de mandato eletivo, não alcança a ação penal baseada nos mesmos fatos, em decorrência do princípio da incomunicabilidade entre as instâncias civil e penal.

III - Denegação da ordem.”[17]

2.2. Corrupção eleitoral (artigo 299 do Código Eleitoral) versus captação ilícita de sufrágio (artigo 41-A da Lei no 9.504/1997)

Corrupção eleitoral e captação ilícita de sufrágio constituem normas distintas.

Enquanto a primeira está prevista no Capítulo II (Crimes eleitorais) do Título IV (Disposições penais) do Código Eleitoral – norma de caráter penal-eleitoral, evidentemente; a segunda está inserida na Lei nº 9.504/1997, a qual estabelece normas para as eleições – regra de cunho cível-eleitoral, portanto. Ei-las:

Artigo 299 do Código Eleitoral

Artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990. (Incluído pela Lei nº 9.840, de 1999)

§ 1o Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.        (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 3o A representação contra as condutas vedadas no caput poderá ser ajuizada até a data da diplomação.        (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 4o O prazo de recurso contra decisões proferidas com base neste artigo será de 3 (três) dias, a contar da data da publicação do julgamento no Diário Oficial. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Estabelecida esta primeira diferença, já se constata que, embora ambas visem coibir a popularmente chamada “compra de votos”, seus requisitos, procedimentos e consequências não são os mesmos.

Como visto no tópico 2.1.5, o bem jurídico tutelado pelo artigo 299 do Código Eleitoral é, para a maioria da doutrina, a liberdade para o exercício do voto, o que coincide com o bem jurídico tutelado pelo artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997 (GOMES, 2012, p. 520). O Tribunal Superior Eleitoral, inclusive, já se manifestou no sentido de que norma tutela a “soberania da vontade popular”[18] ou, ainda, a “vontade do eleitor”[19].

Desse modo, uma única “compra de votos” pode ser sancionada tanto na seara cível-eleitoral quanto na penal, desde que satisfeitos os requisitos legais. Ressalte-se que essa “dupla responsabilização” não é nova no Direito brasileiro, haja vista que uma mesma conduta ilícita pode ser sancionada nas esferas cível, penal e administrativa, sem que haja configuração de bis in idem, como no caso do funcionário público que se apropria de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio (artigo 312 do Código Penal).

Há outra semelhança entre as normas, a saber, a desnecessidade de pedido explícito de voto para sua configuração.

Quanto à corrupção eleitoral, a questão será analisada de modo mais verticalizado no item 4.1.7 deste trabalho. Em relação à captação ilícita de sufrágio, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é remansosa no sentido de ser absolutamente desnecessário o pedido explícito de voto. A respeito, confira-se:

“Recurso. Especial. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A, da Lei nº 9.504/97. Prescindibilidade de pedido expresso de votos. Precedentes. Agravo regimental improvido. ‘Para a caracterização da conduta ilícita é desnecessário o pedido explícito de votos, basta a anuência do candidato e a evidência do especial fim de agir.’”[20]

No se refere ao instrumento processual cabível, a corrupção eleitoral, como cediço, é crime de ação penal pública incondicionada, a teor do que dispõe o artigo 355 do Código Eleitoral. Já a captação ilícita de sufrágio é aferida por meio da ação de investigação judicial eleitoral – AIJE, nos termos da Lei Complementar no 64/1990.

Relativamente ao rito processual, o crime previsto no artigo 299 do Código Eleitoral segue o disposto no artigo 357 e seguintes do mesmo Código, além de observar os artigos 394 e subsequentes do Código de Processo Penal, como será estudado no tópico 3.1.5. Já o procedimento da captação ilícita de sufrágio está previsto no artigo 22 da Lei Complementar no 64/1990.

Enquanto que a corrupção eleitoral dá ensejo à pena de reclusão de um a quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa (artigo 299 c.c. artigo 284 do Código Eleitoral), a captação ilícita de sufrágio implica as sanções de cassação do registro ou diploma, além de multa.

Como ação penal de iniciativa pública, cabe apenas ao Ministério Público Eleitoral propô-la quando houver a prática de corrupção eleitoral. Por seu turno, a investigação acerca da captação ilícita de sufrágio tem como legitimados ativos partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral (artigo 22, caput da Lei Complementar no 64/1990.

Podem ser réus na ação criminal qualquer pessoa física (na corrupção eleitoral ativa) ou o eleitor (na corrupção eleitoral passiva), conforme observado no tópico 4.6.1. Na investigação da captação ilícita de sufrágio, em tese, qualquer pessoa física ou jurídica pode figurar no polo passivo da demanda, na medida em que

“o artigo 41-A prevê a multa como sanção autônoma, cuja aplicação independe de o requerido ser candidato. Quanto à pessoa jurídica, não é difícil imaginar a situação em que partido político, por seu diretório, participe da ação ilícita levada a efeito pelo candidato.” (GOMES, 2012, p. 524).

Por fim, mister pontuar que, em ambos os casos, a desistência da ação não é admitida. A ação penal pública incondicionada, por sua própria natureza. A ação de investigação judicial eleitoral fundada na captação ilícita de sufrágio, por sua vez, ainda que proposta por partido político, coligação ou candidato, porque os fatos nela veiculados revestem-se de relevante interesse público, devendo o Ministério Público Eleitoral assumir a titularidade da ação conforme entendimento sufragado nos seguintes julgados:

“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO ART. 41-A DA LEI 9.504/97. DESISTÊNCIA TÁCITA. AUTOR. TITULARIDADE. AÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. POSSIBILIDADE. INTERESSE PÚBLICO. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA.

1.   No tocante à suposta omissão do acórdão regional, o agravante não impugnou especificamente os fundamentos da decisão que negou seguimento a seu recurso especial. Incidência, in casu, da Súmula nº 182 do e. STJ: ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’.

2.   O Ministério Público Eleitoral, por incumbir-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição Federal), possui legitimidade para assumir a titularidade da representação fundada no art. 41-A da Lei nº 9.504/97 no caso de abandono da causa pelo autor.

3.   O Parquet assume a titularidade da representação para garantir que o interesse público na apuração de irregularidades no processo eleitoral não fique submetido a eventual colusão ou ajuste entre os litigantes. Assim, a manifestação da parte representada torna-se irrelevante diante da prevalência do interesse público sobre o interesse particular.

4.   Não assiste razão ao agravante quanto ao alegado dissídio jurisprudencial, uma vez que não há similitude fática entre o acórdão recorrido e o acórdão paradigma.

5.   Não houve preclusão quanto à possibilidade de emendar a petição inicial para a composição do polo ativo da demanda, uma vez que a necessidade de citação dos suplentes de senador para compor a lide surgiu apenas no curso do processo, a partir do julgamento do RCED nº 703 pelo e. TSE, em 21.2.2008. Ademais, o Ministério Público Eleitoral requereu a citação dos suplentes na primeira oportunidade em que se manifestou nos autos após o abandono da causa pela autora originária.

6.   O Ministério Público Eleitoral, ao assumir a titularidade da ação, pode providenciar a correta qualificação das testemunhas a fim de que compareçam à audiência de instrução, mesmo porque isso não consubstancia, de fato, um aditamento à inicial.

7.   Agravo regimental desprovido.”[21]

“Representação. Art. 41-A da Lei nº 9.504/97. Candidato a vereador não-eleito. Sentença. Procedência. Recurso eleitoral. Pedido. Desistência. Tribunal Regional Eleitoral. Impossibilidade. Matéria de ordem pública. Peculiaridades. Processo eleitoral. Interesse público. Quociente eleitoral. Alteração. Interesse. Intervenção. Partido e candidato. Assistentes litisconsorciais. Recurso especial. Terceiro interessado. Art. 499 do Código de Processo Civil.

1. A decisão regional que indefere o pedido de desistência formulado naquela instância e que modifica a sentença para julgar improcedente representação, provocando a alteração do quociente eleitoral e da composição de Câmara Municipal, resulta em evidente prejuízo jurídico direto a candidato que perde a vaga a que fazia jus, constituindo-se terceiro prejudicado, nos termos do art. 499 do Código de Processo Civil.

2. A atual jurisprudência desta Corte Superior tem se posicionado no sentido de não ser admissível desistência de recurso que versa sobre matéria de ordem pública. Precedentes.

3. Manifestado o inconformismo do candidato representado no que se refere à decisão de primeira instância, que o condenou por captação ilícita de sufrágio, não se pode aceitar que, no Tribunal Regional Eleitoral, venha ele pretender a desistência desse recurso, em face do interesse público existente na demanda e do nítido interesse de sua agremiação quanto ao julgamento do apelo, em que eventual provimento poderia resultar na alteração do quociente eleitoral e favorecer candidato da mesma legenda.

4. O bem maior a ser tutelado pela Justiça Eleitoral é a vontade popular, e não a de um único cidadão. Não pode a eleição para vereador ser decidida em função de uma questão processual, não sendo tal circunstância condizente com o autêntico regime democrático.

5. O partido do representado e o candidato que poderá ser favorecido com o provimento do recurso eleitoral apresentam-se como titulares de uma relação jurídica dependente daquela deduzida em juízo e que será afinal dirimida com a decisão judicial ora proferida, o que justifica a condição deles como assistentes litisconsorciais.

6. A hipótese versa sobre pleito regido pelo sistema de representação proporcional, em que o voto em determinado concorrente implica sempre o voto em determinada legenda partidária, estando evidenciado, na espécie, o interesse jurídico na decisão oriundo do referido feito.

Recurso especial conhecido, mas improvido.”[22]

Para melhor compreensão da matéria, confira-se quadro comparativo entre os principais aspectos materiais e processuais das normas, de acordo com o arrazoado acima:

Artigo 299 do Código Eleitoral

Artigo 41-A da Lei nº 9.504/1997

Bem jurídico tutelado

Liberdade para o exercício do voto

Liberdade para o exercício do voto

Pedido explícito de voto

Desnecessário

Desnecessário

Ação cabível

Ação penal pública

Ação de investigação judicial eleitoral – AIJE

Rito processual

Artigo 357 e seguintes do Código Eleitoral c.c. artigo 394 e seguintes do Código de Processo Penal

Artigo 22 da Lei Complementar nº 64/1990

Sanções

Reclusão de um a quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa

Cassação do registro ou diploma e multa

Legitimidade ativa

Ministério Público Eleitoral

Partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral

Legitimidade passiva

Qualquer pessoa física (na corrupção eleitoral ativa) ou o eleitor (na corrupção eleitoral passiva)

Qualquer pessoa (física ou jurídica)

Desistência

Não se admite

Não se admite

Vê-se, portanto, que embora haja semelhanças, os artigos 299 do Código Eleitoral e 41-A da Lei no 9.504/1997 não se confundem.

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Sobre o autor
Pedro Luiz Barros Palma da Rosa

Bacharel em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Eleitoral pelo Centro Universitário UNI-BH e em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damásio. Analista Judiciário do TRE-MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Pedro Luiz Barros Palma. Artigo 299 do Código Eleitoral:: a corrupção eleitoral à luz do Tribunal Superior Eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4765, 18 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50355. Acesso em: 24 abr. 2024.

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