A aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial

Exibindo página 2 de 2
04/07/2016 às 23:06
Leia nesta página:

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O princípio da insignificância é um instrumento de interpretação, que está ganhando cada vez mais estudos na seara penal. Verificamos, através da pesquisa, que o referido princípio já era aplicado no direito romano, no ramo do direito civil, sob o brocardo mínima non curat praetor. Porém foi com o jurista alemão Claus Roxin, em 1964, que o princípio da insignificância foi aplicado na seara penal para excluir a tipicidade material e retirar a conduta do direito repressor.

O trabalho iniciou-se com o conceito do princípio da insignificância, a natureza jurídica e a relação com os princípios. Assim, foi possível constar que o princípio em estudo tem o condão de excludente de tipicidade material.

Com base em pesquisa bibliográfica apresentamos a posição da doutrina quanto à viabilidade de utilização do referido princípio no contexto do Direito Penal contemporâneo. Neste contexto, o trabalho buscou justificar que é plenamente legal a aplicação do princípio do princípio da insignificância pela autoridade policial na fase pré processual.

Destacamos também a diferença entre a polícia judiciária e a autoridade investigativa. Neste diapasão, com base texto constitucional e na legislação, a primeira atua no cumprimento de determinações do Poder Judiciário, como, por exemplo, o cumprimento de mandado de prisão e busca e apreensão. Já a segunda, é identificada quando as policias federal e civil atuam na investigação, angariando elementos de informação, para elucidar determinada infração penal. Tal distinção é extremante importante, uma vez que o delegado de polícia atuando como policia judiciária pode aplicar o princípio da insignificância para retirar do âmbito penal condutas que não lesam ou expõem o bem jurídico.

Por meio da pesquisa jurisprudencial, destacamos o julgado do Supremo Tribunal Federal, que em o Ministro Celso de Mello utilizou quatro requisitos para aplicação do princípio da insignificância para excluir a tipicidade material e retirar o fato da seara penal, qual sejam:a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Tais critérios,são postulados do garantismo penal, o qual é uma formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Direito Penal.

A partir da analise contextualizada, fundamentamos que a autoridade policial pode aplicar, de oficio, o princípio da insignificância na fase pré-processual da persecução penal. Isto foi exposto pela doutrina e em julgados, quando o delegado tem a discricionariedade de lavrar ou não o flagrante, observando se que o fato é atípico, pois há tipicidade material. De fato, a determinação da lavratura do auto de prisão em flagrante pelo delegado de polícia não se constitui em um ato automático, a ser por ele praticado diante da simples notícia do ilícito penal pelo condutor. Em face do sistema processual vigente, o delegado de polícia tem o poder de decidir da oportunidade ou não de lavrar o flagrante.

Diante do exposto, é plenamente sustentável, à luz do sistema jurídico, que é um conjunto de leis e de princípios que se entrelaçam sob a égide dos ditames maiores lançados na Constituição Federal, que a Autoridade Policial possa, por meio da sua discricionariedade, analisando o caso concreto, não lavrar autos de prisão em flagrante acerca de infrações que são, em tese, materialmente atípicas.

Portanto, podemos concluir que cabe ao Delegado de Polícia, como operador do Direito, utilizando-se de princípios de política criminal tais como a exclusiva proteção de bens jurídicos, da intervenção mínima, da proporcionalidade, da falta de lesividade ou ofensividade ao bem jurídico, além dos requisitos utilizados pelo STF e STJ para formar o convencimento jurídico, no caso concreto, fins de aplicar ou não o princípio da insignificância na seara penal.


REFERÊNCIAS 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral, volume 1. 8 ed. Saraiva, São Paulo: 2003.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal, 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1984.

FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

FILHO, Francisco Bissoli. Estigmas da criminalização: dos antecedentes à reincidência criminal. Florianópolis: ed. Obra Jurídica, 1998.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; GOMES, Abel Fernandes.Temas de direito penal e processo penal. Rio de janeiro: Renovar. 1999.

GOMES, Luiz Flávio. Princípio da insignificância e outras excludentes de tipicidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Direito Penal, volume 2, parte geral. São Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 2007.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. 9 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

_______________. Direito Penal do Equilíbrio: uma visão minimalista do Direito Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

LOPES, Mauricio Antonio Ribeiro. Princípio da insignificância no Direito Penal: análise à luz das Leis 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais), 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000.

MAÑAS, Carlos Vico. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1994.

MARTINS, Tiago do Carmo. Contrabando e Descaminho e o Princípio da Insignificância. 

MIRABETE, Julio Fabbrini . Código de Processo Penal Interpretado. 5, ed. São Paulo: Atlas, 1997.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal - O Direito de Defesa: Repercussão, Amplitude e Limites, ed. Forense, 1 ed., 1986.

PRESTES, Cássio Vinicius D. C. V. Lazzari. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no Direito Penal. São Paulo: Memória Jurídica, 2003.

QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal: lineamentos para um direito penal mínimo. 2ª ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2002.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

ROXIN, Claus. Política criminal e sistema jurídico penal. Trad. Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

SILVA, Ivan Luiz. Princípio da Insignificância no Direito Penal. Curitiba: Ed Juruá, 2004.

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Curso de direito processual pena. Teoria (constitucional) do processo. Rio de janeiro: Renovar, 2008.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994.

WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal. Tradução, prefácio e notas de Luiz Regis Prado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. Volume 1. 5 ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2004.

Publicações periódicas (Artigos de revistas ou disponíveis em meio eletrônicos) 

Acórdão. Princípio da insignificância. Atipicidade. Parâmetros e critérios. Material da 1ª aula da Disciplina Princípios constitucionais penais e teoria constitucionalista do delito, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais - Universidade Anhanguera- Uniderp |REDE LFG.

BITENCOURT, Cezar Roberto; PRADO, Luiz Régis. Princípios fundamentais do Direito Penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 4, n. 15, jul.-set. 1996, p. 81-88.

BRUTTI, Roger Spode. O princípio da insignificância frente ao poder discricionário do delegado de polícia. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1230, 13 nov. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9145>. Acesso em: 05 jan. 2012

Furto de algumas peças de roupa. Princípio da insignificância. Objetos de pequeno valor, porém relevante. Inaplicabilidade do princípio da insignificância. Material da 1ª aula da Disciplina Princípios constitucionais penais e teoria constitucionalista do delito, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Ciências Penais - Universidade Anhanguera- Uniderp |REDE LFG.

LUISI, Luiz. O princípio da insignificância e o Pretório Excelso. Boletim IBCCRIM, ano 6, fev. 1998, p. 227.

MAHMOUD, Mohamad Ale Hassan. O princípio da insignificância e o crime continuado, sob uma angulação processual. Boletim IBCCRIM, Rio de Janeiro, RJ, ano 15, n. 182, p. 14-15, jan. 2008.


Notas

[1] O cargo de Delegado de Polícia é carreira jurídica nos estados de São Paulo, Maranhão, Paraná, etc.

[2] Infração bagatelar própria é a que já nasce sem nenhuma relevância penal: ou porque não há desvalor da ação (não há periculosidade na ação) ou porque não há o desvalor do resultado (não se trata de ataque intolerável ao bem jurídico).

[3] A jurisprudência não menciona o dispositivo de lei quando aplica o princípio da insignificância, em um caso concreto. Entretanto, no Código Penal Militar o art. 209, § 6º, por exemplo - em caso de lesão levíssima, autoriza que o juiz considere o fato como mera infração disciplinar. Na forma, o art. 240, § 1º, para o furto insignificante.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Alexandre Cesar dos Santos

Delegado de Polícia Civil do Estado de Alagoas. Professor de Direito Penal da Faculdade da Cidade de Maceió (FACIMA) . Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco- UFPE (2006). Pós-graduado em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera-Uniderp - LFG. Especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública pela Universidade de Federal de Rondônia/SENASP. (Delegado de Polícia do Estado de Rondônia 2011-2014).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos