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Um não à censura

13/07/2016 às 11:23
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Em ato político, foram colocados nas ruas bonecos infláveis do Ministro do STF Ricardo Lewandowski e do Procurador-Geral da República Rodrigo Janot. Sob o argumento de defesa da ordem pública e de atentado à credibilidade do Judiciário, houve pedido de investigação. Há nisso censura?

O STF pediu à PF que investigue o responsável por bonecos infláveis do presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, e do procurador-geral Rodrigo Janot em ato anti-PT na Avenida Paulista. A justificativa é "grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade" do Judiciário.

 O documento foi assinado pelo secretário de Segurança do Tribunal, Murilo Maia Herz, e teve o aval de Lewandowski.

 Trecho do ofício diz que “Tais condutas, no entender desta Secretaria, que atua no estrito exercício de suas atribuições funcionais, representaram grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade de uma das principais instituições que dão suporte ao Estado Democrático de Direito, qual seja, o Poder Judiciário, com o potencial de colocar em risco – sobretudo se forem reiteradas – o seu regular funcionamento. Configuram, ademais, intolerável atentado à honra do chefe desse poder e, em consequência, à própria dignidade da Justiça Brasileira, extrapolando, em muito, a liberdade de expressão que o texto constitucional garante a todos os cidadãos, quando mais não seja, por consubstanciarem, em tese, incitação à prática de crimes e à insubordinação em face de duas das mais altas autoridades do País”.

E continua: “Em face do exposto, solicito sejam tomadas, em caráter de urgência, as medidas pertinentes para que os responsáveis por tais atos sejam chamados à responsabilidade, pedindo se envidem todos os esforços da Corporação (Polícia Federal) no sentido de interromper a nefasta campanha difamatória contra o Chefe do Poder Judiciário, de maneira a que esses constrangimentos não mais se repitam. Solicito, ainda, a atuação da PF no âmbito das redes sociais, em que o endereço residencial do senhor presidente do STF foi amplamente divulgado”.

Como bem disse o Desembargador Edison Vicentini Barroso, do TJSP, em artigo sob o título “Direito de crítica e ordem pública”: “mas, em sã consciência, como dizer que um boneco ameace o regular funcionamento do Judiciário ou atente contra a honra do presidente do STF e à dignidade da própria Justiça Brasileira? Como afirmar que o ato corresponde à incitação ao crime? Que crime?”.

Onde está o direito de opinião?

 Bem disse o Desembargador Edison Vicentini Barroso: “Se a só aparição dos tais bonecos, os chamados pixulecos, não equivale à prática ou incitação a crimes, as pessoas, que deles se sirvam, têm o direito de pensar o que lhes der na telha. Posição diferente terá forte cheiro de censura!”

Não há qualquer incitação criminosa na conduta(artigo 286 do CP), mas sim o livre exercício de um direito de opinião.

 Exige-se a seriedade na incitação que deve resultar das palavras e dos gestos empregados. .

 Como bem assevera Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, Rio de Janeiro, Forense, volume II, 5ª edição, pág. 274), a tutela penal exerce-se com relação a paz pública, pois a instigação á prática de qualquer crime traz consigo uma ofensa ao sentimento de segurança na ordem jurídica e na tutela do direito, independentemente do fato a que se refere a instigação e as consequências que possam advir.

 O crime de incitação, crime contra a paz pública, pode ser praticado por qualquer meio idôneo de transmissão de pensamento (palavra, escrito ou gesto). Não basta uma palavra isolada ou uma frase destacada de um discurso ou de um escrito. A incitação deve referir-se a prática de um crime(fato previsto pela lei penal vigente como crime) e não mera contravenção. Deve a incitação se referir a um fato delituoso determinado, exigindo o dolo genérico, sendo crime formal que se consuma com a incitação pública, desde que seja percebida ou se torne perceptível a um número indeterminado de pessoas, independentemente de qualquer outro resultado ou consequência da incitação.

 Repita-se que é indispensável que se trate de fato determinado (e não de instigação genérica a delinquir.

 Que fato determinado é esse? Para o caso, nenhum.

Sampaio Dória (Direito Constitucional, volume III) ensinava que liberdade de pensamento é “o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”. É forma de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contato do indivíduo com seus semelhantes.

 A liberdade de opinião resume a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Daí que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida de outras, sendo a liberdade do indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha, quer um pensamento intimo, quer seja a tomada de uma posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se creia verdadeiro, como dizia José Afonso da Silva (Direito Constitucional positivo, 5ª edição, pág. 215).

De outro modo, a liberdade de manifestação de pensamento constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião. A Constituição Federal, no artigo 5º, IV, diz que é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, e o art. 220 dispõe que a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou veiculação, não sofrerá qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística.

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A liberdade de manifestação de pensamento que se dá entre interlocutores presentes ou ausentes, tem seu ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir, de forma clara, a autoria do produto do pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros.

 Ainda se fala em liberdade de expressão intelectual, artística e cientifica e direitos conexos, de forma que não cabe censura, mas classificação para efeitos indicativos (artigo 21, XVI).

Deve-se respeitar a liberdade de expressão, o direito de se expressar livremente, a faculdade de apresentar um pensamento, um dos pilares da democracia.

Lamentável, em todos os sentidos, em confronto ao primado da democracia, a medida tomada objetivando a um pedido de investigação por um crime que sequer existiu.

Deve-se dar um não à censura.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um não à censura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4760, 13 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50510. Acesso em: 26 dez. 2024.

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