Lei Maria da Penha:origem e representação

12/07/2016 às 17:15
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Este artigo tem como escopo esclarecer peculiaridades do artigo 16 da Lei 11.340/06, que trata da representação, bem como da retratação da vítima de violência doméstica e familiar contra a mulher.

Origem da Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha:

                        A Lei nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”, refere-se à violência doméstica e familiar contra a mulher, vigendo desde 22 de setembro de 2006. Esta Lei ficou conhecida como Lei Maria da Penha em virtude da grave violência de que foi vítima Maria da Penha Maia Fernandes, em 29 de maio de 1983, na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará.

                        O professor universitário de economia, Marco Antônio Herédia Viveiros, marido da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes e pai de suas três filhas, tentou matá-la por duas vezes. Na primeira tentativa de assassinato, em 29 de maio de 1983, Marco atirou nas costas de Maria da Penha, enquanto ainda dormia, alegando que tinha sido um assalto. Simulou um assalto, utilizando-se de uma espingarda. Após o disparo, foi encontrado na cozinha gritando por socorro. Alegava que os ladrões haviam fugido pela janela. Maria da Penha foi hospitalizada, ficando internada durante quatro meses, retornando ao lar paraplégica e submetida a regime de isolamento completo. Foi nessa época que aconteceu a segunda tentativa de homicídio, quando o marido a empurrou da cadeira de rodas e tentou eletrocutá-la embaixo do chuveiro.

                        Tais fatos aconteceram em Fortaleza, Ceará. As investigações começaram em junho de 1983, mas a denúncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o Réu foi condenado pelo Tribunal do Júri a oito anos de prisão. Entretanto, não só teve o direito de recorrer em liberdade, como também conseguiu a nulidade de seu julgamento. Em 1996, como consequência de novo julgamento, teve a condenação de dez anos e seis meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente dezenove anos e seis meses após os fatos, em 2002, é que Viveros foi preso. Cumpriu apenas dois anos de prisão.

                          A repercussão foi tão grande, que o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), bem como o Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Apesar de, por quatro vezes, a Comissão ter solicitado informações ao governo brasileiro, nunca recebeu nenhuma resposta. O Brasil foi condenado internacionalmente em 2001. Além de ter que pagar indenização no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, foi responsabilizado por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Recebeu, também, a recomendação de adoção de várias medidas, inclusive no que condiz à simplificação dos procedimentos judiciais penais, com fins de dar maior celeridade aos processos.                   

                        Vale lembrar, ainda, que o artigo 226, §8º, da Constituição Federal determina que o “Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Mas, apesar do mandamento Constitucional do artigo 226, §8º, e dos diversos Tratados Internacionais firmados pelo Brasil, a Lei 11.340/06 foi surgir apenas no ano de 2006, exclusivamente para atender à recomendação da OEA, decorrente de condenação imposta ao Brasil no caso que ficou conhecido como Maria da Penha.

                        Peculiaridades do artigo 16 da Lei 11.340/2006:

                        É sabido que a Ação Pública Incondicionada é a regra no Direito Penal Brasileiro, ou seja, é desnecessária a autorização da vítima para que o ofensor se veja processado pela Justiça.

                        O artigo 16 da Lei 11.340/06 trata dos casos em que a Ação é Pública condicionada à representação da vítima. Todavia, reserva peculiaridades que merecem alguns comentários.

Artigo 16: Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

                        Em detida leitura deste artigo, é possível verificar uma impropriedade técnica, pois o dispositivo menciona “renúncia” quando, na verdade, está se tratando de “retratação”.  

                        Ciente de que renúncia significa abdicação do exercício de um direito, resta clara a impropriedade terminológica utilizada pelo legislador, que na verdade haveria de se referir à retratação. Isto porque renúncia significa abdicação do direito de representar.

                        No que condiz à representação, vigora o princípio da oportunidade ou da conveniência, significando que o ofendido, ou seu representante legal, pode optar pelo oferecimento (ou não) da representação. A partir desta autonomia da vontade, a Lei prevê a possibilidade de retratação da representação, que, segundo o CPP, poderá ser feita enquanto não oferecida a denúncia pelo Ministério Público.

                        Tem-se, portanto, que a retratação poderá ocorrer somente até o oferecimento da denúncia, marco temporal este que não se confunde com o recebimento da peça acusatória pelo magistrado. Importa lembrar o teor do artigo 102 do Código Penal e do artigo 25 do Código de Processo Penal, que preveem que a representação será irretratável, depois de oferecida a denúncia. Todavia, referidos artigos mereceram nova leitura, de tal maneira que a retratação, nos casos de violência doméstica e familiar, passa a ser admitida mesmo após a oferta da denúncia.

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                        Retratar-se significa voltar atrás, arrepender-se, pressupõe o prévio exercício de um direito. Renunciar é abrir mão de um direito que ainda não fora exercido.

                        Cumpre notar, ainda, que, se a Lei Maria da Penha fala em audiência a ser designada antes do recebimento da denúncia, é porque já teria ocorrido o oferecimento da representação, condição de procedibilidade para o oferecimento da peça acusatória.

                        A partir da decisão do STF, na ADIn 4.424/DF e na Ação Direta de Constitucionalidade 19/DF, julgadas em 09 de fevereiro de 2012, encerrou-se a polêmica que girava em torno dos crimes de lesões corporais de natureza leve. É que se entendia, de forma quase unânime, inclusive na jurisprudência do STJ, que a ação penal era condicionada à representação da vítima. Com a decisão do Pretório Excelso, firmou-se o entendimento de que, nos crimes de lesões corporais leves, que envolvam violência doméstica, a ação penal é pública incondicionada.

                        Poder-se-ia imaginar, portanto, que o artigo 16 teria perdido seu conteúdo, redundando em verdadeira letra morta. Entretanto, não é este o caso. O artigo 16 continuará eficaz em relação a todos os crimes em que o Código Penal e legislação esparsa exija a representação como condição de procedibilidade. Os casos mais comuns, ou seja, de maior ocorrência prática é o delito de ameaça (artigo 147 CP), mas também dependem de representação os crimes contra a liberdade sexual, previstos nos artigos 213 a 218-B do Código Penal, desde que a vítima não seja menor de 18 anos ou pessoa vulnerável, na dicção do artigo 225 e parágrafo, do mencionado códex.

                        Prosseguindo os exemplos, tem-se o crime de injúria (artigo 140 do CP), que no caso de retorsão imediata (inciso II) ou na hipótese da injúria importar “na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência” (§3º), reclama a previa representação da vítima (art. 145, parágrafo único). Embora em pouca frequência, tem-se, ainda, os delitos do artigo 130 (perigo de contágio venéreo) e os crimes contra o patrimônio em geral, que, perpetrados nas condições do artigo 182 do CP, necessitam da manifestação de vontade do ofendido no sentido de ver processado seu ofensor.

                        Desta forma, para os delitos em que a Ação é Pública Condicionada à representação, a retratação é admitida, antes do recebimento da denúncia, devendo ser realizada a audiência para tanto. Interessante observar que, apesar de a representação ser ato informal, quis o legislador dotar sua reconsideração da máxima formalidade, ao exigir ratificação da vontade negativa perante o juiz, em audiência designada especialmente para essa finalidade.

                        Feitas tais considerações, constata-se que a Lei 11.340/06 é um instrumento jurídico para que a sociedade possa evoluir no tratamento das mulheres, que vinham sendo alvo de agressões, humilhações e até mesmo descaso por parte dos órgãos públicos. Buscou-se dar tratamento isonômico às partes na medida em que tratou a mulher hipossuficiente na relação com garantias que a colocasse em igualdade com o homem. É a máxima tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual.

Referências bibliográficas:

-          CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Violência doméstica: lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) comentada artigo por artigo. 4ª ed. rev. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

-          LIMA, Renato Brasileiro. Legislação Criminal Especial Comentada. 3ª ed. rev., amp. e atual. Editora jusPODIVM.

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Sobre o autor
Rosemeire Gomes Medeiros

Oficiala do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.<br>Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora.<br>Pós-graduada em Direito Civil - lato sensu – em Direito Pùblico e em Direito Penal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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