A teoria do risco criado e a responsabilidade objetiva do empregador em acidentes de trabalho

17/07/2016 às 17:58

Resumo:


  • O novo Código Civil brasileiro trouxe a novidade da responsabilidade objetiva do causador do dano, em substituição à responsabilidade subjetiva.

  • No Direito brasileiro, a Constituição Federal prevê a duplicidade de indenizações em caso de acidente de trabalho, com responsabilidade objetiva do INSS e responsabilidade subjetiva do empregador.

  • A evolução histórica da responsabilidade civil passou por diferentes estágios, desde a vingança privada até a consolidação da responsabilidade civil ao lado da responsabilidade penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Após uma longa história de adesão quase total à responsabilização subjetiva, encontramos agora previsão expressa no novo texto civil de responsabilidade objetiva do causador do dano.

INTRODUÇÃO

O novo Código Civil brasileiro trouxe significativa novidade sobre o tema responsabilidade civil. Em verdade, após uma longa história de adesão quase total à responsabilização subjetiva, encontramos agora previsão expressa no novo texto civil de responsabilidade objetiva do causador do dano. É claro que a tradição de apego à teoria subjetiva não foi rompida. Entretanto, em situações especiais, nas chamadas atividades com risco inerente, há uma troca de critério, passando o legislador a adotar a teoria objetiva, muito provavelmente em razão do grande número de acidentes nesses setores, pautado na teoria secular do risco criado, em atenção à dificuldade de prova por parte da vítima.

  O desafio de nosso trabalho é aferir a aplicabilidade do artigo do novo Código Civil aos acidentes decorrentes do trabalho, quando a pretensão indenizatória é deduzida em face do empregador. A tarefa de pesquisa engloba a verificação de validade do dispositivo legal civil, na hipótese de acidente de trabalho, ante os ditames contidos no inciso XXVIII do art. 7º da CRFB, que claramente segue a regra da responsabilidade subjetiva.

No Direito brasileiro, a Constituição Federal criou a possibilidade de duplicidade de indenizações em caso de acidente de trabalho. De uma forma objetiva, responde o INSS pela indenização tarifada devida ao empregado, seja qual for a causa do acidente. Aqui a responsabilização é integral, vale dizer, adotou o nosso sistema a teoria do risco integral, sendo certo que, mesmo que o evento tenha sido causado exclusivamente pelo empregado, remanesce o direito à indenização. Por outro lado, o empregado acidentado pode ser beneficiado por uma segunda indenização caso reste provado que o empregador agiu com culpa ou dolo, responsabilização subjetiva.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Aguiar Dias informa que, a princípio, o dano escapava ao âmbito do direito, dominava a vingança privada. Em um segundo passo, o uso consagra em regra jurídica o talião, tendo-se apropriado o legislador da iniciativa particular, intervindo para declarar quando e em que condições tem a vítima o direito de retaliação. Em um terceiro momento, vem o período da composição, mais conveniente do que cobrar a retaliação seria entrar em composição com o autor da ofensa. Posteriormente, veio a concepção de responsabilidade, o Estado assumiu, sozinho, a função de punir, surgindo a ação de indenização. A responsabilidade civil passou a ter lugar ao lado da responsabilidade penal.1

Segundo Caio Mário da Silva Pereira

“a maior revolução nos conceitos jus-romanísticos em termos de responsabilidade civil é com a Lex Aquilia, de data incerta, mas que se prende aos tempos da República. Tão grande a revolução que a ela se prende a denominação de aquiliana para designar-se a responsabilidade extracontratual em oposição à contratual. Foi um marco tão acentuado, que a ela se atribui a origem do elemento ‘culpa’, como fundamental na reparação do dano. A Lex Aquilia, bem assim a conseqüente actio ex lege Aquilia, tem sido destacada pelos romanistas e pelos civilistas, em matéria atinente à responsabilidade civil.”

Os tratadistas destacam que a Lex Aquilia foi resultado de um plebiscito proposto pelo tribuno Aquilio, trazendo como novidade a ausência de um enunciado geral, a possibilidade de indenização proporcional ao dano, substituindo as multas fixas.

No Brasil, sobre o tema, num primeiro estágio, sob autorização da Lei da Boa Razão (1769), aplicava-se o direito romano de forma subsidiária. Em um segundo estágio, a partir do Código Criminal de 1830, a idéia de ressarcimento é pautada no instituto da satisfação. Em um terceiro estágio, destacam-se os estudos de Teixeira de Freitas, dissociando a responsabilidade civil da criminal. O Código Civil de 1916 seguiu essa linha, consagrando em seu artigo 159 a teoria da culpa.

FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Alois Brinz fez a distinção entre obrigação e responsabilidade, visualizando dois momentos distintos na relação obrigacional: o momento do débito (Shuld) consistente na obrigação de realizar prestação e dependente de ação ou omissão do devedor; e o da responsabilidade (Haftung), no qual se faculta ao credor atacar e executar o patrimônio do devedor a fim de obter a correspondente indenização pelos prejuízos em virtude do descumprimento da obrigação originária.3

O novo Código Civil classifica o dever de indenizar como uma obrigação. Trata-se de obrigação legal. O dever de indenizar nasce do ato ilícito e de algumas excepcionais hipóteses de atos lícitos.

De acordo com Sérgio Cavalieri Filho,

“o anseio de obrigar o agente causador do dano a repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça. O dano causado pelo ato ilícito rompe

  • equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima. Há uma necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio,
  • que se procura fazer recolocando o prejudicado no statu quo ante. Impera neste campo o princípio da restitutio in integrum, isto é, tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão.”

Com o passar dos anos, ganhou força a idéia de que o verdadeiro fundamento da responsabilidade civil era a quebra do equilíbrio econômico-jurídico provocada pelo dano e não pela culpa.

RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL

É sabido que a responsabilidade pode decorrer da lei ou do contrato. De acordo com Ricardo Pereira Lira

“o dever jurídico pode surgir da lei ou da vontade dos indivíduos. Neste último caso, os indivíduos criam para si deveres jurídicos, contraindo obrigações em negócios jurídicos, que são os contratos e as manifestações unilaterais de vontade. Se a transgressão se refere a um dever gerado em negócio jurídico, há um ilícito negocial comumente chamado ilícito contratual, por isso que mais freqüentemente os deveres jurídicos têm como fonte os contratos. Se a transgressão é pertinente a um dever jurídico imposto pela lei, o ilícito é extracontratual, por isso que gerado fora dos contratos, mais precisamente fora dos negócios jurídicos.”

Devemos ficar atentos aos princípios do Direito do Trabalho, em especial à

regra da norma mais favorável e ao princípio da irrenunciabilidade, que acabam

limitando a autonomia da vontade das partes.

É de Orlando Gomes a seguinte afirmação:

“O Direito do Trabalho fornece o mais eloqüente exemplo das transformações por que tem passado o Direito das Obrigações.

Outrora descansava no princípio da autonomia da vontade. Os contratantes

modelavam a seu gosto seus direitos e obrigações. O Estado não intervinha

senão para assegurar o respeito às convenções. Hoje, a concepção dominante é completamente diferente. A autonomia da vontade é considerada a expressão de um individualismo superado; tem-se assistido a uma reação, quiçá desmedida, aos princípios tradicionais. [...] O Direito do Trabalho é dominado, amplamente, pelas normas ditas de ordem pública, conforme a seu espírito.”

Comentando as fontes das obrigações, de acordo com a teoria dualista

pautada em lei ou contrato como elementos geradores, Caio Mário da Silva Pereira

assim se posiciona:

“Diante destas considerações, podemos mencionar duas fontes obrigacionais,

tendo em vista a preponderância de um ou de outro fator: uma, em que a

força geratriz imediata é a vontade: outra, em que é a lei. Não seria certo

dizer que existem obrigações que nascem somente da lei, nem que as há

oriundas da só vontade. Em ambas trabalha o fato humano, em ambas atua

o ordenamento jurídico, e, se de nada valeria a emissão volitiva sem a lei,

também de nada importaria esta sem uma participação humana, para a

criação do vínculo obrigacional. Quando, pois, nos referimos à lei como

fonte, pretendemos mencionar aquelas a que o reus debendi é subordinado,

independentemente de haver, neste sentido, feito uma declaração de

vontade: são obrigações em que procede a lei, em conjugação com o fato

humano, porém fato humano não volitivo. Quando, ao revés, falamos na

vontade como fonte e discorremos de obrigações que provêm da vontade,

não queremos significar a soberania desta ou sua independência da ordem

legal, senão que há obrigações, em que o vínculo jurídico busca

mediatamente sua explicação na lei, nas quais, entretanto, a razão próxima,

imediata ou direta é a declaração de vontade.”

Assim, podemos concluir que muitas previsões legais e constitucionais serão

verdadeiras cláusulas contratuais legais obrigatórias. Embora tenham nascimento

na lei, não têm aplicação senão no bojo de uma relação contratual de emprego, daí

por que o contrato (fato humano volitivo) é que será a fonte imediata das obrigações,

sendo a lei fonte mediata, preponderando o caráter contratual sobre o legal.

RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA

A responsabilidade subjetiva está ligada à idéia de culpa, seu principal

pressuposto. O novo Código Civil, em seu artigo 186, manteve a responsabilização subjetiva como regra geral.

Caio Mário da Silva Pereira destaca:

“A essência da responsabilidade subjetiva vai assentar, fundamentalmente,

na pesquisa ou indagação de como o comportamento contribui para o

prejuízo sofrido pela vítima. Assim procedendo, não considera apto a gerar o efeito ressarcitório um fato humano qualquer. Somente será gerador daquele efeito uma determinada conduta, que a ordem jurídica reveste de certos requisitos ou de certas características.

Assim considerando, a teoria da responsabilidade subjetiva erige em

pressuposto da obrigação de indenizar, ou de reparar o dano, o

comportamento culposo do agente, ou simplesmente a culpa, abrangendo

no seu contexto a culpa propriamente dita e o dolo do agente.”

De Page afirma que na responsabilidade civil “a irresponsabilidade é a regra; a responsabilidade, a exceção.”

O mesmo Caio Mário da Silva Pereira destaca que

“A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja

resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade

entre uma e outro) assenta na equação binária cujos pólos são o dano e a

autoria do evento danoso. Sem cogitar da imputabilidade ou de investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou prejuízo. Em tal ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável.”

A TEORIA DO RISCO COMO RESPALDO PARA O DESENVOLVIMENTO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Destacam os doutrinadores que foram a Revolução Industrial, a explosão demográfica e o progresso científico os fatores que ensejaram uma nova concepção de responsabilidade civil.

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O maquinismo que desenvolveu a indústria gerou também um grande número de acidentes de trabalho. O progresso científico colocou diversos veículos nas ruas, advindo daí muitos acidentes. A explosão demográfica é decorrência da Revolução Industrial.

Em razão do crescimento da indústria e com a mecanização da produção, grande foi o número de acidentes de trabalho, sendo que o operário não tinha nenhum amparo. Mesmo após o acidente, a situação do trabalhador era de desamparo, porque não havia meios para provar a culpa do empregador. Foi quando os juristas perceberam que a teoria subjetiva não mais atendia à demanda surgida com a transformação social, principalmente ante o pesado ônus da prova que recaía sobre os trabalhadores.

Assim, em final do século XIX, destacam-se os trabalhos dos juristas Raymond Saleilles e Louis Josserand, que, buscando um fundamento para a responsabilidade objetiva, desenvolveram a teoria do risco.

Segundo Maria Helena Diniz,

“A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de eqüidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda).”

A idéia é de que o fundamento desta responsabilidade está na atividade exercida pelo agente, pelo perigo que pode causar dano à vida, à saúde ou a outros bens, criando risco de dano para terceiros. São da mesma autora os exemplos das atividades destinadas à produção de energia elétrica ou de exploração de minas; à instalação de fios elétricos, telefônicos e telegráficos; ao transporte aéreo, marítimo e terrestre, à construção e edificação de grande porte.

Segundo Savatier,

“a responsabilidade, fundada no risco, consiste, portanto, na obrigação de

indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja nenhuma indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é, na relação de causalidade entre o dano e a conduta do causador.”

A teoria do risco teve diversas vertentes, destacando-se a do risco-proveito, a do risco profissional, a do risco excepcional, a do risco integral e a do risco criado.

Pela teoria do risco-proveito, responsável é aquele que tira proveito; onde está o ganho, aí reside o encargo- ubi emolumentum ibi onus.

Pela teoria do risco profissional, o dever de indenizar está presente quando o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou da profissão do lesado.

Pela teoria do risco excepcional, a responsabilidade está presente, quando o dano decorre de situação anormal, escapando da craveira comum da atividade da vítima.

Pela teoria do risco integral, admitida no âmbito do Direto Administrativo, a responsabilidade decorre da própria atividade, sendo uma forma de repartir por todos os membros da coletividade os danos atribuídos ao Estado, ainda que o dano seja decorrente da atividade da vítima.

Por derradeiro, conforme destaca Caio Mário, temos a teoria do risco criado, sendo a que melhor se adapta às condições de vida social, fixando-se na idéia de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que essa atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, a um erro de conduta.

Jean Carbonnier cita as razões da receptividade da teoria do risco:

“Além do desenvolvimento da máquina e da correspectiva multiplicidade de acidentes e dos acidentes anônimos cuja causa não se pode atribuir a

nenhuma ação humana, acresce a circunstância de que, para quem vive de seu trabalho o acidente corporal significa a miséria. É, então, preciso

organizar a reparação.”

Carlos Henrique Bezerra Leite, comentando a responsabilidade objetiva do empregador em razão do fato da gravidez, explica:

“Ademais, é sabido que o risco da atividade empresarial corre por conta do empregador (CLT, art. 2º), máxime se atentarmos para o princípio

constitucional determinante de que a propriedade atenderá a sua função

social (cf, art. 5º, XXIII).”

Caio Mário da Silva Pereira sintetizou:

“aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo, [...] A teoria do risco criado importa em ampliação do conceito do risco proveito. Aumenta os encargos do agente, é, porém, mais eqüitativa para a vítima, que não tem de provar que o dano resultou de uma vantagem ou de um benefício obtido pelo causador do dano.”

Em nosso ordenamento jurídico a responsabilidade objetiva está presente em legislação especial, podendo ser citados o Decreto n. 2.681/12, que dispõe sobre as estradas de ferro; a Lei n. 7.565/86; O Código Brasileiro de Aeronáutica; o Decreto-lei n. 227/67; Código de Mineração; o Código de Defesa do Consumidor e o Código de Trânsito Brasileiro.

Há também hipóteses de responsabilização objetiva em nível constitucional, como a responsabilidade extracontratual da Administração Pública, prevista no § 6º do art. 37 da CRFB, e a responsabilidade em acidentes nucleares, prevista em seu art. 21, XXIII, “c”.

O ACIDENTE DE TRABALHO

Segundo a Lei n. 8.213/91, em seu artigo 19, acidente de trabalho

é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Há também, de acordo com os artigos 20 e 21, situações que, por equiparação legal, também se consideram acidentes de trabalho, merecendo destaque a doença ocupacional e o acidente in itinere.

Segundo a Constituição Federal, art. 7º, inc. XXVIII, o trabalhador faz jus à indenização por acidente de trabalho, que no Brasil será arcada pela Previdência Social, sem prejuízo de indenização devida pelo empregador, nas hipóteses de culpa e dolo.

Em relação à indenização devida pela Previdência Social a regra é da responsabilidade objetiva, pautada pela teoria extrema do risco integral, vale dizer:

ainda que o trabalhador tenha dado causa ao acidente, fará jus à indenização.

Por outro lado, a Constituição deixou garantida a possibilidade de o empregador, em hipótese de responsabilização subjetiva, ser responsabilizado por indenização adicional. A possibilidade constitucional de dúplice indenização encontra respaldo lógico na idéia segundo a qual a indenização busca a maior reparação possível, sendo certo que a indenização devida e paga pela Autarquia oficial, a partir de um sistema de seguro obrigatório devido pelos empregadores, em razão de ser um critério tarifado, em grande parte das vezes não consegue atingir o ideal da reparação plena.

A questão que merece enfrentamento é a natureza contratual da obrigação de reparar presente no inciso XXVIII do art. 7º da CRFB.

É sabido que a lei trabalhista traz regras de observância obrigatória nos contratos. Não se pode negar a existência de verdadeiras cláusulas contratuais mínimas previstas em lei. Assim, não se pode apenas adotar o critério da origem para classificar a obrigação em contratual ou extracontratual. A liberdade de pactuação no tocante ao conteúdo dos contratos sofre interferência das imposições de ordem pública, em situações nas quais prevalece o interesse coletivo sobre o individual. São as chamadas cláusulas coercitivas, definindo direitos e deveres dos contratantes, em termos insuscetíveis de derrogação, sob pena de nulidade ou punição criminal, como no contrato de trabalho, art. 9º da Consolidação. Há um dirigismo contratual.

De acordo com Délio Maranhão,

“as condições contratuais mínimas, determinadas pela lei, convenção coletiva, acordo coletivo ou da sentença normativa formam, conseqüentemente, o substrato básico do pacto laboral.”

José Cairo Júnior afirma que,

“analisadas todas as premissas supramencionadas, como a cláusula de incolumidade implícita no contrato de trabalho, a questão do conteúdo mínimo legal do pacto laboral, formado por cláusulas determinadoras da obrigação de segurança, os fatores criados ou potencializados pelo empregador, que aumentam o risco do acidente do trabalho, forçoso é concluir que a responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho, prevista na Carta Magna, é de natureza contratual.”

A VALIDADE DO CONTEÚDO DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 927DO NOVO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO EM CONFRONTO COM O INCISO XXVIIIDO ART. 7º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Adotamos o conceito garantista de validade, divulgado no Brasil por Sérgio Cadermartori, segundo o qual

“uma norma é válida quando está imunizada contra vícios materiais; ou seja, não está em contradição com nenhuma norma hierarquicamente superior.”

Não se pode negar que a prescrição constitucional sobre a responsabilidade subjetiva do empregador se insere nos contratos de trabalho como cláusula obrigatória, integrando o chamado conteúdo mínimo dos contratos. Trata-se de responsabilidade contratual, porque, como previsão constitucional, não teria eficácia social senão em razão da existência de um contrato de trabalho. A previsão, embora constante da Constituição, não se apresenta como hipótese de responsabilidade extracontratual, pois não tem aplicação senão havendo uma relação contratual de emprego. Enquanto responsabilidade contratual não se pode negar que a hipótese é de responsabilidade com culpa.

Por outro lado, veio o novo Código Civil trazer a nova hipótese de responsabilização sem culpa, que também se aplica às relações de emprego, haja vista que se trata de hipótese distinta, sendo extracontratual. Tal hipótese tem respaldo na teoria do risco criado.

A responsabilidade extracontratual tem uma dimensão de aplicação maior, porque será a aplicada às mais variadas situações, sem a necessidade de existência de uma relação contratual entre responsável e lesado.

A questão da validade do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil brasileiro em confronto com o inciso XXVIII do art. 7º da CRFB encontra-se resolvida, porque a Constituição trata de hipótese de responsabilidade contratual, ao passo que o Código Civil trata da responsabilidade extracontratual.

Se o empregador desenvolve atividade econômica que traz o risco como inerente, responderá de forma objetiva, ante a adoção da teoria do risco criado, em relação a todos os lesados, inclusive àqueles que sejam seus empregados.

Não se poderia pensar que, em um acidente que atingisse diversas pessoas, dentro do exercício de uma atividade empresarial com risco inerente, a empresa respondesse objetivamente em relação a todos, à exceção dos seus empregados.

ATIVIDADES COM RISCO CRIADO

Resta evidente que dois caminhos, que não se excluem, poderão definir as atividades com risco inerente, na forma preconizada pelo novo Código Civil, art.

927, parágrafo único, que assim dispõe:

Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O primeiro caminho, mais demorado e que restringe a aplicação imediata do preceito, é o que deixa para a lei o papel de identificar tais atividades. O segundo que, como dissemos, não exclui o primeiro, indica a possibilidade imediata de aplicação da norma, no âmbito trabalhista, naquelas atividades em que o trabalhador, por força de lei ou norma coletiva, seja beneficiário de algum adicional salarial em razão dos riscos da atividade que ocorrem com aqueles que recebem adicionais como insalubridade, periculosidade e risco portuário. Na mesma linha, se a empresa responde objetivamente em relação a qualquer lesado, da mesma forma deverá responder em relação aos seus empregados, como ocorre com os particulares no exercício de função pública, desde que o evento danoso tenha ocorrido por ser a atividade, além de pública, com risco inerente.

Comentando a disparidade de tratamento, conforme o lesado seja qualquer pessoa ou um empregado (para o primeiro seria responsabilidade objetiva, para o segundo, subjetiva), Rodolfo Pamplona Filho diz:

“Ao aceitar tal posicionamento, vemo-nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador pela atividade exercida responderia objetivamente pelos danos por si causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a responsabilização objetiva, teria um direito a responder subjetivamente...

Desculpe-nos, mas é demais para nosso fígado.”

Comentando as expressões “atividade normalmente desenvolvida” e “implicar, por sua natureza, risco”, diz Cavalieri:

“Estas expressões, a toda evidência, terão que ser trabalhadas pela doutrina e jurisprudência até chegarmos a uma inteligência consentânea com a realidade social.”

Na Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal (Brasília, setembro de 2002), essa questão foi o objeto do Enunciado n. 38, de seguinte teor:

“A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano causar à pessoa determinada um ônus maior do que os demais membros da coletividade.”

PRESSUPOSTOS DA PRETENSÃO RESSARCITÓRIA

10.1         Evento danoso

Só haverá responsabilidade civil, se houver dano a reparar. Segundo Yussef Said Cahali,

“é do direito comum o princípio segundo o qual o dano se insere como pressuposto da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual.”

10.2   Nexo causal

Nexo causal é o elo entre a atividade ou omissão e o dano. É o vínculo entre prejuízo e a ação. Em nível processual, recai sobre o empregado o ônus de provar o dano e o nexo causal.

EXCLUDENTES E ATENUANTES DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA

A partir da identificação do dano e do nexo causal como pressupostos para a responsabilização do empregador, cumpre destacar os motivos atenuantes e excludentes de tal responsabilidade.

Celso Antônio Bandeira de Mello, ao abordar a responsabilidade do Estado, também extracontratual objetiva, aduz que

“o Estado só se exime de responder se faltar o nexo entre seu comportamento comissivo e o dano. Isto é: exime-se apenas se não produziu a lesão que lhe é imputada ou se a situação de risco inculcada a ele inexistiu ou foi sem relevo decisivo para a eclosão do dano.”

Entendemos que o mesmo ocorre com a responsabilidade da empresa pautada na teoria do risco criado.

De forma geral, se o nexo causal não for configurado, não há falar em responsabilidade da empresa. Assim, não haverá nexo causal se o evento se der por culpa exclusiva da vítima, por força maior ou caso fortuito.

Como atenuantes, a culpa concorrente e a culpa comum poderão atenuar a responsabilidade do empregador, influindo na extensão da reparação, mas não serão excludentes.

CONCLUSÃO

Demonstrada a aplicabilidade da responsabilidade objetiva, pautada pela teoria do risco criado, no bojo das relações de emprego, em hipóteses de acidente de trabalho quando presente o risco inerente, acreditamos que não há obstáculos jurídicos à imediata aplicação do preceito contido no parágrafo único do art. 927 do Código Civil brasileiro. A legislação trabalhista, ao regular questões como periculosidade, insalubridade e risco portuário, já fornece critérios para efetividade.

Estamos em um momento de “viragem paradigmática”, expressão cunhada por Clèmerson Merlin Clève,citado por João Pedro Gebran Neto, que significa

“a mudança de modelo, de paradigma do pensamento jurídico até então prevalente. Essa mudança representa significativo avanço no desenvolvimento científico, porque opera com a ruptura de determinado paradigma para outro, num salto epistemológico.”

Por derradeiro a lição de Lourival Vilanova:

“Altera-se o mundo físico mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas do Direito.”

Aos aplicadores do Direito competirá a tarefa de dar aplicação ao preceito. Não se pode olvidar que a reparação do lesado é garantia fundamental, sendo o modelo objetivo de responsabilização um passo ao encontro de tal ideal.

BIBLIOGRAFIA

- BRINZ, Alois apud WALD, Arnoldo. Direito das obrigações. 15. ed. São Paulo:Malheiros, 2001.

- BUEN LOZANO, Néstor. Derecho del trabajo. México: Editorial Pórrua,1999, tomoII.

- CADERMATORI, Sérgio. Estado de direito e legitimidade: uma abordagemgarantista. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

- CAIRO JÚNIOR, José. O acidente do trabalho e a responsabilidade civil doempregador. 2. ed. São Paulo: Editora LTr, 2005.

- CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do Estado. 2. ed. São Paulo:Malheiros.1996, p. 77.

- CARBONNIER, Jean. Droit civil. v. 4, Les obligations.

24 CLÈVE, Clèmerson Merlin apud GEBRAN NETO, João Pedro. A aplicação imediata dosdireitos e garantias individuais; a busca de uma exegese emancipatória. São Paulo: Ed.RT, 2002, p. 92.

25 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1977, p. 3-4.110

Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.41, n.71, p.97-110, jan./jun.2005

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