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Desapropriação para fins de reforma urbana e o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001)

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Resumo:


  • A desapropriação para reforma urbana é um instrumento jurídico que permite ao Poder Público municipal transferir um bem do patrimônio particular para o público ou para outro particular, em casos de descumprimento da função social da propriedade urbana, com indenização em títulos da dívida pública.

  • O Estatuto da Cidade (Lei n.º 10.257/2001) regulamenta a desapropriação para fins de reforma urbana, exigindo procedimentos preliminares como notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsórios e cobrança de IPTU progressivo por cinco anos antes de recorrer à desapropriação.

  • A efetiva aplicação da desapropriação para reforma urbana enfrenta barreiras práticas, como a necessidade de legislação prévia e autorização do Senado Federal para emissão de títulos da dívida pública, o que pode retardar sua utilização para enfrentar problemas habitacionais urbanos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana possui caráter sancionatório, que se manifesta pelo pagamento da indenização não em dinheiro, mas em títulos da dívida pública.

Sumário: Introdução: A desapropriação como instrumento urbanístico. 1. Função social da propriedade urbana. 1.1. Função social da propriedade: considerações preliminares. 1.2. A função social da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro. 1.3. A propriedade urbana e sua função social. 2. A Constituição Federal de 1988 e a questão urbana. 2.1. Competências em matéria urbanística. 2.2. A política urbana. 3. O Estatuto da Cidade. 3.1. O Estatuto da Cidade e os instrumentos constitucionais de política urbana. 3.2. Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios. 3.3. IPTU progressivo no tempo. 4. Desapropriação para fins de reforma urbana. 4.1. Objeto. 4.2. Competência expropriatória. 4.3. Pressupostos. 4.4. Indenização. 4.5. Destinação do bem expropriado. 4.6. Procedimento expropriatório. Conclusões: A inaplicabilidade prática da desapropriação para reforma urbana. Bibliografia.


Introdução: A desapropriação como instrumento urbanístico.

Desde o século XIX, quando a Revolução Industrial foi o ápice de um processo de mutação da sociedade para o modelo capitalista, a civilização ocidental vem presenciando profundas transformações não apenas econômicas, mas, principalmente, sociais e políticas. A transposição do modo de produção agrícola pelo industrial propiciou uma gama de mudanças como a alteração na distribuição territorial da população. De fato, as pessoas deixaram o campo, passando a viver próximas aos aglomerados industriais, onde havia mais e "melhores" oportunidades de trabalho, não restritas às próprias indústrias, mas também em todas as atividades e serviços que com elas se relacionavam. Eis o surgimento das grandes cidades.

No entanto, o adensamento populacional em áreas urbanas ocorreu de forma desordenada, ensejando, em contrapartida, a eclosão de problemas estruturais como a precariedade das vias de acesso, do saneamento e dos meios de transporte, a degradação do patrimônio histórico e paisagístico, a inexistência de áreas de lazer, a ocupação irregular do solo e, ainda, o déficit habitacional. Na tentativa de disciplinar o planejamento urbano, o uso e ocupação do solo e a ordenação urbanística da atividade edilícia, desenvolveu-se o Direito Urbanístico, como "ramo do direito público que tem por objeto expor, interpretar e sistematizar as normas e princípios reguladores da atividade urbanística" [1]. E, nesse mister, foram desenvolvidos diversos instrumentos de atuação e intervenção do Poder Público na organização e na atividade urbana.

Dentre os instrumentos de intervenção, destacam-se as limitações ou restrições urbanísticas à propriedade privada. São elas formas de adequação do direito de propriedade às bases da ordenação da realidade urbana, ao planejamento e aos projetos urbanos fixados em lei, ou seja, trata-se da conformação à função social urbana. José Afonso da Silva [2], costuma apontar como espécies de limitação à propriedade privada, as restrições, as servidões e a desapropriação, conforme atinjam, respectivamente, o caráter absoluto, exclusivo ou perpétuo da propriedade.

Dentre esses instrumentos, a desapropriação é, certamente, o mais drástico, pois se traduz na transferência compulsória de um bem do patrimônio particular para o patrimônio público municipal ou para outro particular, mediante uma reposição financeira. A conceituação do instituto em muito se assemelha à desapropriação tradicional. No entanto, o traço distintivo gira em torno dos fins a que se destina. Com efeito, em matéria de Direito Urbanístico, a desapropriação tem por escopo a conformação da propriedade privada ao planejamento urbanístico, ora porque determinado bem imóvel encontra-se em área integrante de projeto de urbanificação, ora porque seu proprietário está remisso no cumprimento da função social que lhe é legalmente atribuída.

A desapropriação urbanística, em seu dúplice aspecto, foi constitucionalmente prevista no art. 182 da Carta Magna de 1988 [3], que tratou da desapropriação para urbanificação no § 3º, fazendo, ainda, expressa menção à desapropriação por descumprimento da função social da propriedade urbana no § 4º, do mesmo dispositivo, atribuindo-lhe caráter sancionatório que se verifica pelo pagamento da indenização não em dinheiro, mas em títulos da dívida pública.

E é acerca dessa desapropriação de feição sancionatória que se ocupará este trabalho, por ser modalidade ainda pouco difundida e apreciada pela doutrina pátria, mas que, no entanto, após a edição do Estatuto da Cidade [4], em julho de 2001, recebeu a regulamentação infraconstitucional de que carecia para ser efetivamente utilizada como instrumento de conformação da propriedade aos interesses urbanísticos.

De fato, já é assente na disciplina da propriedade em geral, que não mais detém ela o caráter absoluto de outrora. Ao contrário, se lhe atribui hoje uma função, uma finalidade, qual seja a de produzir riquezas para o crescimento e o desenvolvimento da coletividade. Não é diferente com a propriedade urbana. Não pode ser utilizada de acordo com o "bel prazer" do seu titular ou, pior, não pode ser inutilizada ou mesmo manter-se inerte com objetivos egoísticos de mera especulação imobiliária. O imóvel urbano deve fazer parte de um projeto maior, adequar-se a interesses meta-individuais no sentido de auxiliar na expansão da urbanificação, visando, sempre, o bem-estar e o interesse coletivo.

Assim é que a desapropriação para fins de reforma urbana torna-se instrumento imprescindível do administrador municipal para, penalizando o proprietário negligente, atribuir ao bem o seu aproveitamento adequado.

No entanto, conforme se demonstrará a seguir, a disciplina conferida ao instituto em exame pelo Estatuto da Cidade lhe impõe características particulares e requisitos específicos, cuja inobservância impossibilitarão sua utilização e lhe esvaziarão o conteúdo.

Realmente, a edição da Lei n.º 10.257/2001, intitulada Estatuto da Cidade, era ansiosamente aguardada pelos estudiosos do Direito Urbanístico e pelos próprios administradores pois, não só criou instrumentos inéditos no ordenamento brasileiro, como também trouxe a regulamentação de diversos institutos constitucionais que careciam de disciplina legal para serem amplamente difundidos. Dentre esses últimos encontra-se a desapropriação sanção para fins urbanísticos, que foi disciplinada pelo art. 8º do Estatuto [5], e em cuja direção nos voltamos a partir de agora.


1. Função social da propriedade da propriedade urbana.

A análise de qualquer instrumento de intervenção do Estado na propriedade privada, como o é a desapropriação e, mais especificamente aquela destinada à reforma urbana, não pode prescindir de prévio estudo acerca da caracterização da função social e de sua evolução no Direito.

1.1.Função social da propriedade: considerações preliminares.

A relevância conferida ao direito de propriedade não é uma característica do estágio atual da civilização. É bem verdade, que em uma sociedade capitalista como a atual, a questão da propriedade dos bens e dos meios de produção é indissociável do próprio conteúdo ideológico e das formas de opressão e de concentração de riqueza e poder. No entanto, ao estudarmos os mais diversos períodos da história da Humanidade, deparamo-nos com um dado irrefutavelmente presente, qual seja, a importância atribuída ao direito de propriedade, o qual sempre esteve intrinsecamente ligado à divisão da sociedade em classes e à detenção do poder político e social.

Contudo, apesar de sua presença constante, a noção de propriedade não tem conteúdo estático, imutável. Ao contrário, como bem salientado por José Carlos de Moraes SALLES, "o direito de propriedade tem sido entendido de maneira diversa pelos povos, no tempo e no espaço, em razão das diferenças existentes entre os sistemas econômicos, políticos e jurídicos que adotaram" [6].

Com efeito, a noção de propriedade evoluiu bastante desde os contornos que ostentava no Império Romano até os dias atuais.

De fato, na Roma Antiga, detinha a propriedade caráter absoluto [7], o dominus soli poderia não apenas usar, gozar e dispor da coisa, como também não usar, não gozar e não dispor dela, até mesmo abandonando-a sem utilidade. Na Idade Média, por seu turno, devido à acentuada intervenção do Estado na esfera patrimonial do indivíduo, o exercício do direito de propriedade passou por profundas restrições quanto aos caracteres de exclusividade e extensão.

Na tentativa de insurgir-se contra esse modelo de intervenção estatal desmedida, eclodiu a Revolução Francesa e o pensamento liberal, cuja Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em seu art. 17, consagrou a propriedade como inviolável e sagrada, somente permitindo que alguém fosse dela privado nos casos de manifesta necessidade pública e mediante justa e prévia indenização.

Durante esse período, a caracterização da propriedade como direito absoluto parecia ser a noção mais coerente, "talhada para garantir um modelo econômico e uma conseqüente necessidade prática: a de proteger o indivíduo contra o excessivo poder do Estado, permitindo-lhe o desempenho, totalmente autônomo, de sua atividade" [8]. Qualquer interferência sobre o direito de propriedade somente poderia ser justificada pelo regular exercício do poder de polícia.

Tal concepção sucumbiu em face da necessidade crescente de harmonização entre o direito de propriedade, enquanto exercício da autonomia da vontade, com o interesse social e com as prioridades de uma sociedade cada vez mais dividida entre aqueles poucos que detêm grande parte dos bens, e aqueles que, ao contrário, não possuem riqueza alguma.

Foi então que surgiu a teoria da função social da propriedade, idealizada, dentre outros, por Leon DUGUIT, o qual assim a justificava:

Pero la propiedad no es um derecho; es uma función social. El propietario, es decir, el poseedor de una riqueza, tiene, por ele hecho de poseer esta riqueza, una función social que cumplir; mientras cumple esta misión sus actos de propietario están protegidos. Si no la cumple o la cumple mal, si por ejemplo no cultiva su tierra o deja arruinarse su casa, la intervención de los gobernantes es legítima para obligarle a cumplir su función social de propietario, que consiste en asegurar el empleo de las riquezas que posee conforme a su destino. [9]

Ademais, toda a ideologia social surgida no contexto da Revolução Industrial, no século XIX, refletiu no conteúdo do direito de propriedade, convergindo para o estágio em que se encontra na atualidade.

O direito individual de propriedade continua protegido. Contudo, passa a apresentar uma função social, qual seja, a de possibilitar o crescimento econômico do Estado, diminuindo as desigualdades sociais e regionais. A função social, portanto, delimita o direito de propriedade, condiciona-o ao interesse da sociedade e lhe confere a definição e o conteúdo.

Assim, a noção de função social é parte integrante do próprio conceito de propriedade, não se confundindo, porém, com os diversos sistemas de limitação. Estes, como bem diferenciou José Afonso da SILVA, "são externos ao direito de propriedade, vinculando simplesmente a atividade do proprietário, interferindo tão-só com o exercício do direito, e se explicam pela simples atuação do poder de polícia" [10]. A função social, ao revés, diz respeito à estrutura interna do direito mesmo, à propriedade e ao conteúdo que ela encerra.

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Por outro lado, o conteúdo desta função social dependerá, como afirmado anteriormente, das necessidades e escolhas do próprio ordenamento jurídico. A ele assiste a faculdade de, submetendo a propriedade aos objetivos sociais, fazer emergir certos deveres e obrigações consistentes em uma atuação positiva do proprietário para utilização do bem em prol da coletividade.

Conseguintemente, o descumprimento das imposições legais, pelo uso nocivo ou, simplesmente, pelo não uso, confere ao Poder Público o dever de sujeitar o proprietário a penalidades, dentre as quais a mais drástica é, sem dúvidas, a desapropriação.

1.2. A função social da propriedade no ordenamento jurídico brasileiro.

A sujeição da propriedade ao interesse público adentrou no ordenamento brasileiro por meio da Carta de 1934 a qual, em seu art. 113, § 17, embora sem fazer expressa menção ao princípio da função social, garantia o direito de propriedade, destacando que o seu uso não poderia ser exercido em contraposição ao interesse social ou coletivo [11].

A Constituição de 1946, por sua vez, também se inspirou no princípio em comento quando da criação da, até então inédita, modalidade de desapropriação por interesse social, a qual, conforme redação que lhe foi dada pela Emenda n.º 10 de 1962, passou a prever a possibilidade dessa forma expropriatória como sanção ao proprietário rural que não adequasse a utilização de seu imóvel ao bem-estar social, assegurando-lhe, em contrapartida, indenização a ser paga em títulos da dívida pública.

A função social da propriedade, de forma geral, desatrelada do instituto da desapropriação, só foi mencionada expressamente pela Constituição de 1967, cujo art. 157, III, elencou-a como um dos princípios da ordem econômica e social [12].

No entanto, foi somente o Constituinte de 1988 que tratou de definir o conteúdo da função social da propriedade. E o fez não só quanto à propriedade rural [13] (art. 186), mas, também, quanto ao cumprimento da função social pela propriedade urbana (art. 182, §2º) [14].

1.3. A propriedade urbana e sua função social.

A questão urbana começou a ganhar relevo nas discussões jurídicas após a Revolução Industrial. De fato, a industrialização impôs, à sociedade da época, profundas alterações quanto à distribuição populacional. Aos poucos as pessoas foram se fixando nas proximidades das indústrias, formando os primeiros grandes aglomerados urbanos.

A elevação da concentração populacional fez, então, emergir problemas típicos de grandes cidades, como escassez de espaços habitáveis, precariedade do saneamento e do transporte e elevação dos índices de poluição. A necessidade de organizar o desenvolvimento e o crescimento urbano e de diminuir o déficit habitacional, deu ensejo à criação de políticas públicas, realizadas por meio do planejamento urbanístico e de normas quanto ao uso e à ocupação do solo, direcionadas às áreas consideradas prioritárias e à solução dos problemas derivados da urbanização moderna.

Como parte da política implantada, são atribuídas aos proprietários de imóveis situados nessas áreas, certas obrigações, que passam a imprimir à propriedade urbana significação pública específica. Não mais se admite o não uso do imóvel com fins meramente especulativos ou sua utilização para satisfação de interesses exclusivamente privados.

Trata-se da submissão da propriedade urbana a uma função social, como bem sumariado por Antonio Carceller FERNÁNDEZ:

Los propietarios de toda clase de terrenos y construcciones deberán destinarlos a usos que no resulten incompatibles con el planeamiento urbanístico y mantenerlos en condiciones de seguridad, salubridad y ornato público. Quedarán sujetos igualmente al cumplimiento de las normas sobre protección del medio ambiente y de los patrimonios arquitectónicos y arqueológicos y sobre rehabilitación urbana. [15]

Desta forma, a função social da propriedade urbana está vinculada ao conteúdo dessas políticas de planejamento e ordenação urbana, que são delimitadas e especificadas no denominado plano diretor do Município.


2. A Constituição Federal de 1988 e a questão urbana.

No Brasil, como de resto em todo o mundo moderno, o problema da superlotação das grandes cidades sempre preocupou os administradores e estudiosos, que clamavam por normatização e desenvolvimento de políticas públicas nesse sentido. A escassez de moradia e a favelização constituem alguns dos maiores problemas enfrentados pelos urbanistas brasileiros e, na verdade, constituem apenas uma vertente do problema maior que é a miséria em que se encontra grande parte da população nacional.

A estiagem no Nordeste, bem como a automação da produção agrícola, têm expulsado o homem do campo e o levado em direção às cidades, onde anseiam obter melhores empregos. No entanto, esse "êxodo rural" tem causado, desde a década de 70, o inchaço das capitais brasileiras, as quais, não possuindo infra-estrutura para absorver essa população excedente, marginaliza-a, ensejando o surgimento das denominadas favelas. Assim é que a constitucionalização de normas de direito urbanístico no País era mais do que necessária, era imperiosa.

No entanto, não obstante o Município, enquanto ente da Federação, já fosse objeto de disciplinamento pelas Constituições anteriores, a questão urbana [16] só recebeu regramento constitucional por meio da Carta de 1988, que, de forma inédita, não só repartiu as competências legislativas e executivas em matéria urbanística, como também dedicou um capítulo específico à política urbana.

2.1. Competências em matéria urbanística.

Em relação ao direito urbanístico, o Constituinte de 1988 atribuiu competências às três instâncias da Federação, o que foi bastante salutar porque a todas elas interessa obter a adequada ordenação do espaço urbano. A princípio, reservou à União Federal a competência para a edição de normas gerais (art. 24, I) e das "diretrizes para o desenvolvimento urbano" (art. 21, XX), resguardando aos Estados e ao Distrito Federal a competência suplementar, por se tratar de competência concorrente, nos termos do art. 24, §§ 1º e 2º.

Por outro lado, aos Municípios, por serem eles os entes políticos mais próximos dos problemas e das realidades dos cidadãos, a Constituição assegurou a competência legislativa urbanística, nos termos do art. 30, inciso I. Assiste-lhes, também, o encargo de "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano" (art. 30, VIII).

A repartição de competências, nos moldes em que procedida pelo Texto Constitucional pátrio, obedece a uma divisão lógica e coerente, em que cabem à União os assuntos de repercussão e interesse nacional, atribuindo, por seu turno, aos Estados e Municípios, os assuntos de interesse regional e local, conforme salientou Hely Lopes MEIRELLES:

[...] competem à União o estabelecimento do Plano Nacional de Urbanismo e as imposições de normas gerais de Urbanismo que assegurem ao país a unidade de princípios essenciais à integração e ao desenvolvimento nacionais, dentro do regime federativo, mas que permitam a flexibilidade das normas de adaptação das normas de adaptação dos Estados-membros e Municípios para atendimento das peculiaridades regionais e locais, no uso de suas autonomias político-administrativas (CF, arts. 21, XX, 24 e §§, c/c arts. 25 e 30, VIII, e 182). [17]

2.2. A política urbana.

Consoante ressaltado em páginas anteriores, a política urbanística tem por escopo ordenar o meio urbano, propiciando condições adequadas de habitação, trabalho, recreação e circulação humana. Assim é que a Constituição Federal de 1988 disciplina a política nacional de expansão urbana, cujo objetivo é a ordenação do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes (art. 182, caput) e, cujo instrumento de implantação é o plano diretor (art. 182, § 1º).

Por outro lado, o § 2º do mesmo art. 182 define o conteúdo da função social a ser cumprida pela propriedade urbana, remetendo-a às exigências de ordenação expressas no plano diretor.

Para implantação da política instituída pelos dispositivos citados, o Constituinte conferiu ao Município instrumentos para compelir o proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, a promover o seu adequado aproveitamento. Desae modo, de acordo com o art. 182, § 4º, poderá impor-lhe o parcelamento ou edificação compulsórios e, sucessivamente, o IPTU progressivo no tempo. Se, contudo, ainda assim persistir o descumprimento da função social atribuída ao imóvel, poderá determinar a respectiva desapropriação, cujo pagamento será realizado em "títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais" (art. 182, § 4º, III).

Da análise das prescrições constitucionais acerca da questão urbanística, uma primeira conclusão resta evidente: a necessidade de edição de uma lei federal (no exercício da competência definida no art. 24, I da CF/88), não apenas para fixar as diretrizes gerais referidas no caput do art. 182, mas também para regulamentar a utilização dos instrumentos instituídos pelo parágrafo 4º do mesmo artigo.

A imprescindibilidade da edição da mencionada norma federal foi, de início, questionada por alguns autores, os quais alegavam que o Poder Público Municipal poderia, fundamentando-se unicamente no preceito do art. 182, § 4º, valer-se dos instrumentos mencionados, ainda que não houvesse lei federal regulamentando-os. Nesse sentido posicionavam-se Carlos Ari SUNDFELD [18], bem como Vitor Rolf LAUBÉ, o qual justificava sua posição:

"Todavia, valendo-se de uma interpretação sistemática do Texto Constitucional, de logo se percebe que a falta dessa norma federal não constitui óbice à aplicação da desapropriação ‘para fins de reforma urbana’, já que, com base no artigo 30, II, combinado com o artigo 24, § 3.º, I, poderá o Município, valendo-se de sua competência suplementar, regular a matéria [...] [19]

No entanto, tal posição restou ultrapassada tendo em vista a edição da Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, o Estatuto da Cidade.

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Sobre a autora
Maria Carolina Scheidgger Neves

pós-graduanda em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Pernambuco–UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEVES, Maria Carolina Scheidgger. Desapropriação para fins de reforma urbana e o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 284, 17 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5084. Acesso em: 27 dez. 2024.

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