O caso do Casal Perfeito

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O Direito à Privacidade e Intimidade. A Internet não deve servir como ferramenta de abuso ou vingança privada.

Nos últimos dois meses a polêmica sobre o intitulado “casal perfeito” foi alvo de muitas manchetes e artigos fora ou dentro das redes sociais. 

O casal Bianca Toledo e Felipe, pastores evangélicos e acostumados à intensa exposição pelo seu engajamento em oferecer aos jovens cristãos uma nova forma de relacionamento de namoro, noivado e casamento se tornaram alvo de uma enorme polêmica de precedentes jurídicos, filosófico e religioso.

No início do mês, Bianca chocou os usuários das redes virtuais com sua explosiva declaração de que o seu marido (Felipe) havia praticado crime de abuso sexual com o seu filho de cinco anos e que haveria assumido sua homossexualidade.

Informou ainda que devido uma tentativa de suicídio foi internado em clínica psiquiátrica e após isso acautelado (preso) em razão do possível crime de abuso sexual de menor.

Não obstante a tais declarações, informou sua vontade de “cancelar” o seu casamento em razão da confissão do seu marido sobre sua homossexualidade.

Vinte dias após esta publicação, o marido de Bianca (Felipe) da mesma forma, em certo direito de resposta, desmentiu as acusações feitas e defendeu a justiça sob o seu ponto de vista.

E o caso que deveria limitar-se ao julgamento pelo Judiciário, transformou-se em julgamento público virtual, em razão da atual liberdade de postagens em redes sociais sem qualquer validação prévia.

Adianto que este artigo não promoverá um tribunal público sobre este assunto.

Também é conhecido que as novas tecnologias colidem com os diretos e garantias fundamentais desde o avanço da Internet e que é necessário o estudo contínuo sobre o tema.

Sob o ponto de vista histórico e prático, devido à repercussão do tema e de sua abrangência envolvendo as redes sociais, este artigo tem como meta informar as consequências jurídicas das manifestações virtuais.

Um pouco de história pode ser necessário para compreender como evoluímos.

Nos tempos da idade média, os direitos da personalidade já existiam, apesar de não codificados.  Inclusive as medidas eram mais completas e eficazes do que as que temos atualmente ou recompensando em caso de agressão.

Assim o direito da personalidade seguia através de outras ferramentas sociais para transparecerem na sociedade.

Em grosso resumo, o que chamamos de direito privado da personalidade também era público, porque a sociedade encontrou este meio para estabelecer sua organização social onde a lei natural (inspiração divina) era o reflexo da vontade divina sobre toda a sociedade, coisa que ninguém ousaria desagradar. Falamos sob a ótica de uma Europa Cristã.

Diogo Leite de Campos afirma: “Portanto, o que cada um fazia, pensava e dizia, respeitava a todos os outros, pois todos estes eram interessados. Assim, todos controlavam o comportamento dos outros, em todos os aspectos; naquilo que hoje diremos que é público, mas também, nos recônditos mais íntimos daquilo que hoje concebemos como privado”.

Com a evolução da sociedade o conceito do individualismo substituiu a ideia anterior, e a cada homem destinou-se seguir o seu próprio caminho, através de suas escolhas pessoais.

Este homem evoluído, que escolhe através de sua vontade, sem respeito a qualquer situação também estava em sociedade, haveria a necessidade de dominá-lo através de mecanismos sociais que por sua vez, transcendam sua manifesta vontade individualista frente a vontade coletiva da sociedade em que está inserido.

O espaço do ser humano invariavelmente era limitado até o espaço do outro indivíduo, cuja parametrização e regramento social tornava-se em responsabilidade dos mecanismos existentes.

Do movimento individualista decorrem as codificações, os costumes e as leis, hoje responsáveis por orientar o limite do espaço de cada indivíduo, repará-lo e devolvê-lo em caso de perda de sua garantia fundamental.

Mecanismos sociais regrados, ajustados a uma realidade física e material, sem qualquer enlace com o mundo virtual existente nos dias atuais.

O caso do casal perfeito é o exemplo clássico de como as redes sociais servem para apresentar, divulgar e atrair público em suas diversas interações, boas ou más.

O próprio casal utilizou-se das redes sociais para a divulgação de seu trabalho através das novas tecnologias disponíveis na expectativa de gerar alcance múltiplo, de baixo custo e veloz a todos os interessados.

No entanto com a declaração da esposa nas redes sociais sobre a conduta do marido deu-se início a uma discussão sobre a violação dos direitos à intimidade e a vida privada.

Ainda que despretensiosamente tenha sido o seu desabafo, as consequências para a outra parte foram avassaladoras, eis que infelizmente o julgamento público antecipado dos usuários é cruel e implacável e sem a análise profunda das provas.

Em outro artigo cito: “As redes sociais venceram o judiciário, ao menos no julgamento social antecipado que os usuários praticam àqueles acusados por alguma prática delituosa. Direitos, outrora entregue pelo povo ao poder estatal, como medida de proteção à imparcialidade, foi inescrupulosamente devolvido àquele que deseja vingança privada. Se o exercício do princípio do contraditório e da ampla defesa são apenas atores do processo, regredimos a 1788 quando a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão (1789) não passavam de utopia, sangue e violência tirana.”

Esther Dyson resume a importância das redes sociais no atual cenário da sociedade: “Ela tem importância porque as pessoas a usam como um lugar para se comunicar, fazer negócios e compartilhar ideias, e não como como uma entidade mística em si mesma. Ela é uma poderosa ferramenta para integrar economias locais na economia global e estabelecer sua presença no mundo”.

Como havia predito no início deste artigo, o objetivo não é apontar um culpado ou defende-lo.

Os fins não poderão jamais justificar os meios.

É importante o esclarecimento a todos sobre o quão nocivo pode ser uma rede social nas mãos de quem a qualquer custo busca dividir suas angústias visualizando o seu próprio interesse; sem observar sua responsabilidade perante terceiros e que as declarações em sua grande maioria são insanáveis ou esquecidas pelos outros usuários das redes sociais.

Bárbara Slavov em seu artigo Novas Tecnologias e a colisão com os direitos fundamentais nos dá clareza sobre o mau uso das redes sociais: “Os problemas que ocorrem envolvendo o Orkut giram em torno não do site em si, mas dos usuários mal-intencionados, com perfis falsos (fakes), comunidades polêmicas e difamatórias, conteúdos pedófilos, preconceituosos, entre outros.”

Todo o ser humano, em regra, possui direitos que chamamos de direitos da personalidade.

O direito à intimidade constitui-se em não permitir que os aspectos da vida íntima do indivíduo se tornem públicos. É o direito que o indivíduo tem de preservar os fatos de sua relação social perante os outros indivíduos.

No caso concreto, a violação à intimidade de um dos cônjuges está caracterizada.

Ainda que sejam provadas todas as acusações contra o Felipe, a utilização das redes sociais para manifestação de pensamento gerará inúmeros dissabores àquele, que por sua vez, ficará propenso aos ataques virtuais de fãs, intolerantes e fundamentalistas, além de tornar-se inesquecível por todos devido a vídeo que percorreu o mundo inteiro por sua suposta prática de pedofilia.

Elimar Szaniawski introduz importante pensamento sobre o assunto: “Direito à intimidade é o direito de se resguardar dos sentidos alheios principalmente da vista e ouvidos dos outros”.

Todo o conteúdo lançado na Internet passa a ser do conhecimento de pessoas alheias aquela relação que em caso de desacordo, agressão ou ameaça deverão buscar o legítimo Poder Judiciário para solucionar e punir agressores.

A publicação do vídeo gerará o direito de Felipe reclamar reparação por Bianca, em razão do dano à imagem, prejuízo e sofrimento pelas acusações que sequer ainda foram julgadas pelo Poder legitimado.

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Os famosos também possuem direito a intimidade e podem buscar o afastamento da sua vida privada dos holofotes da mídia.

O fato de alcançar a fama não implica na recusa dos direitos fundamentais. O que ocorre com os famosos é que são mais expostos a críticas ou curiosidade das pessoas pela notória exposição pública que possuem em razão de seus trabalhos divulgados pela mídia.

No caso do “casal perfeito” a violação da intimidade deu-se em momento de profunda paixão de um dos cônjuges, inconformado com razões que não são possíveis descrever neste texto, levando a proporção da discussão em audiências maiores, ilegítimas e incautas para um julgamento hábil a promover verdadeira justiça.

Os fins nunca justificarão os meios.

Se assim queremos e compreendemos como melhor Direito, retornaremos a tempos não civilizados onde o Direito era analisado, julgado e executado pelo próprio elemento de convicção do agredido, parcial e sob a justiça de si mesmo.

Da forma como o vídeo foi publicado quer nos parecer que enfrentamos uma crise, em parte pelo descrédito da população na celeridade e coerência do Poder Judiciário. Mas em outra parte, vemos a indução através do depoimento emocionado para estimular o público virtual a posicionar-se em favor de um sem observar o lado do outro, que por sua vez não perderá ouvidos em razão de que em defesa rebaterá apenas o que já foi dito preliminarmente.

Lembremos que nossa sociedade democrática elegeu e legitimou o estado, através do Poder Judiciário, para conferir julgamento imparcial e técnico, observando todas as condicionantes existentes em cada caso que necessita do amparo dos Juízes.

Todavia, sabemos que na atualidade, as relações são regidas exclusivamente pela opinião pública, muitas vezes leiga e sem provas contundentes.

Essa manipulação pública que ocorre através das postagens e vídeos impede a boa administração do direito e inflama a sociedade sem qualquer necessidade.

A conclusão lógica é que não são as redes sociais o problema e sim o discernimento daqueles que a utilizam. A coerência, o bom senso e a boa-fé devem ser presentes em cada postagem e/ou opinião afim de não caracterizar uma afronta aos direitos fundamentais.

É clara a dificuldade da legislação em conter os abusos virtuais contra a intimidade de cada indivíduo.

Sob a égide do direito a liberdade de expressão, não são raros os equívocos e afrontas em redes sociais, os quais causam dor e sofrimento.

Como bem dissemos ao início deste texto e sem qualquer pretensão de ingressar na questão polêmica dos fins que levaram o “casal perfeito” nesta atitude, o fato é que os direitos à intimidade foram violados e a considerar as graves acusações de ambos os lados, fatalmente inflamará a sociedade, transformando a útil plataforma virtual em uma espécie de Tribunal de Exceção sem precedentes.

Eis aí o que não prevíamos, Tribunais de Exceção instaurados ao preço de um singelo clique.

Nossa revolução estimulou o que mais temíamos: - O Julgamento precipitado das ações de cada indivíduo, sem pudor, sem respeito e sem temor.

BIBLIOGRAFIA

CHINELLATO, Silmara Juny de Abreu. Pessoa natural e novas tecnologias. Aula magna na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo. Nova série. Ano 14. N.27. Jan/jun/2011, p.45-56.

SLAVOV, Bárbara. Colisão dos direitos fundamentais com as novas tecnologias, RDPriv 40/60.

SIQUEIRA, Paulo Hamilton. Direito Informacional: direito da sociedade da informação. RT 859/743

CAMPOS, Diogo Leite de. O direito e os direitos da personalidade: In:.Nós. Estudos sobre os direitos das pessoas. Lisboa: Almedina, 2004.

FRANÇA, R. Limongi. Direitos da personalidade. Coordenadas fundamentais. Revista dos Tribunais, São Paulo, v.72, n.567, p.9-16, jan 1983.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: parte geral, 16. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2016, p.181-195.

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Sobre o autor
Felipe Oliveira Castro Rodriguez Alvarez

Advogado | Gestor | para estratégia Jurídica, Litígios Multidisciplinares e Consultivo. Mestrando em Direito CivilMBA em Gestão de Departamentos Jurídicos e Escritórios de Advocacia. Pós graduado em Processo Civil e Direito do Trabalho. Facilitador entre as Áreas Corporativas. Orientador de negócios utilizando indicadores de Contencioso e Jurimetria.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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