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Reflexões jurídicas sobre a PEC nº 65/2012, que propõe a supressão de parte do licenciamento ambiental para obras públicas

Leia nesta página:

Não obstante seja de todos conhecida a relevância do licenciamento ambiental como mecanismo de efetivação dos princípios da prevenção e do desenvolvimento sustentável, há um projeto de PEC que visa mitigá-lo quando da realização de obras públicas.

Introdução

O licenciamento ambiental é um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente, sendo um dos principais mecanismos para a efetivação dos princípios jurídico-ambientais da prevenção e do desenvolvimento sustentável.

É durante o procedimento administrativo do licenciamento ambiental que o órgão licenciador (federal, estadual ou municipal) terá conhecimento do empreendimento que se pretende implantar e operar.

Trata-se de momento de suma importância para o Poder Público, pois terá conhecimento do projeto de obra ou de empreendimento, com todas as suas técnicas e processos de instalação e operação, materiais a serem empregados, enfim, todas as etapas e processos de instalação e operação, de modo que terá condições de recomendar técnicas, processos e/ou métodos que sejam ambientalmente adequados, de modo a minimizar e até mesmo evitar danos ambientais (atuais e futuros).

Eis, em síntese, a importância deste instrumento para a concretização dos princípios da prevenção e do desenvolvimento sustentável.

No entanto, apesar de sua importância, há uma proposta de PEC (nº 65/2012) para suprimir parte do licenciamento ambiental no caso de obras públicas, fazendo-o encerrar, tão logo se apresente, pelo Poder Público, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental correspondente. É sobre esta PEC e sua (in)constitucionalidade, que discutiremos nas linhas seguintes. A referida PEC está, atualmente (25 de julho de 2016), em trâmite no Senado Federal.


1. Breves considerações sobre o princípio da prevenção e sua relação com o licenciamento ambiental.

Como ensina Machado (2008, pág. 89), o princípio da prevenção está expresso como Princípio 8 da Declaração do Rio de Janeiro/92, que diz:

"A fim de conseguir-se um desenvolvimento sustentado e uma qualidade de vida mais elevada para todos os povos, os Estados devem reduzir e eliminar os modos de produção e de consumo não viáveis e promover políticas demográficas apropriadas"

Este mesmo autor continua a afirmar que:

"A prevenção não é estática; e, assim, tem-se que atualizar e fazer reavaliações, para poder influenciar a formulação de novas políticas ambientais, das ações dos empreendedores e das atividades da Administração Pública, dos legisladores e do Judiciário".

A ideia é que o Estado deve empreender esforços para evitar, ao máximo, a ocorrência de danos ambientais (mesmo que tais danos sejam cometidos pelo consumo insustentável), até porque muitos destes danos são irreversíveis ou de difícil reparação. Para tanto, os Estados devem-se valer de políticas públicas, legislações e decisões judiciais que sejam aptas a alcançar tais objetivos.

Vale destacar a compreensão de Milaré (2004, pág. 144), para quem:

"O princípio da prevenção é basilar em Direito Ambiental, concernindo à prioridade que deve ser dada às medidas que evitem o nascimento de atentados ao ambiente, de modo a reduzir ou eliminar as causas de ações susceptíveis de alterar a sua qualidade".

A relação do princípio da prevenção com o licenciamento ambiental é a de que este funciona como um dos principais mecanismos concretizadores daquele, uma vez que realiza, diante de uma proposta concreta de intervenção no meio ambiente (através de uma obra ou de um empreendimento) o controle dos processos que efetivam a instalação da(o) obra/empreendimento e/ou sua operação (para empreendimentos).


2. PEC nº 65/2012 

A PEC de nº 65 de 2012 está em tramitação no Congresso Nacional e tem por objetivo acrescentar o §7º ao art. 225 da Constituição Federal para assegurar a continuidade de obra pública após a concessão da licença ambiental e dispor que a apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente (SENADO, 2016).

O texto original da PEC, dispõe em seu artigo 1º:

Art. 1º. O art. 225 da Constituição passa a vigorar acrescido do seguinte § 7º.

Art. 225. ..........................................................................
..........................................................................................
§ 7º A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente. (NR) (SENADO FEDERAL, 2016).

Neste momento, convém destacar que o texto da PEC em comento não faz referência apenas a obras públicas, mas a toda e qualquer obra, o que se revela, no entanto, como má técnica legislativa, uma vez que na justificação do projeto consta que sua idealização é voltada para obras públicas.

Convém, por oportuno expor e comentar o teor da justificação da PEC nº 65/2016, de autoria de Acir Gurcacz:

"Uma das maiores dificuldades da Administração Pública brasileira, e, também uma das razões principais para o seu desprestígio, que se revela à sociedade como manifestação pública de ineficiência, consiste nas obras inacabadas ou nas obras ou ações que se iniciam e são a seguir interrompidas mediante decisão judicial de natureza cautelar ou liminar, resultantes, muitas vezes, de ações judiciais protelatórias. Como Senador da República, ouvimos diuturnamente as reclamações de prefeitos municipais, governadores de estados e mesmo representantes do Poder Executivo federal no sentido de que uma obra fundamental para atender às necessidades da sociedade brasileira se encontra paralisada por muito tempo, resultando muitas vezes em severo prejuízo para a prestação de serviços públicos fundamentais, como educação e saúde, como também em obras importantes para a sociedade, como pontes e rodovias. Nesses procedimentos, perde-se muito tempo e desperdiçam-se recursos públicos vultosos, em flagrante desrespeito à vontade da população, à soberania popular, que consagrara, em urnas, um programa de governo, e com ele, suas obras e ações essenciais. Um chefe de Poder Executivo, como um prefeito municipal, tem quatro anos de mandato. Caso não consiga tornar ágeis as gestões administrativas respectivas, inclusive as licitações, licenças ambientais e demais requisitos para a realização de uma obra pública de vulto, encerrará o seu mandato sem conseguir realizar as medidas que preconizara em seu programa de governo, por maior que seja a boa vontade que o anima. Pior do que isso: muitas vezes chega a iniciar a obra, mas a conclusão é frustrada por uma decisão judicial que, não raro, resulta da inquietude da oposição diante dos possíveis efeitos positivos, junto à cidadania, de uma dada obra pública. Tudo isso ocorre em flagrante prejuízo não ao prefeito ou à prefeitura, apenas, mas para todos os habitantes do lugar. Ademais disso, é sabidamente custoso manter uma obra pública paralisada, e esses custos são muito mais do que financeiros, pois até mesmo a democracia e a representação são desgastadas quando estamos diante de quadros dessa natureza. Por isso, a proposta que ora apresentamos assegura que uma obra uma vez iniciada, após a concessão da licença ambiental e demais exigências legais, não poderá ser suspensa ou cancelada senão em face de fatos novos, supervenientes à situação que existia quando elaborados e publicados os estudos a que se refere a Carta Magna. Estamos convencidos de que a adoção desta medida contribuirá para a afirmação dos mais respeitáveis princípios da administração pública, a eficiência e a economicidade inclusive."

Entende-se em parte a preocupação do Senador Acir Gurcacz, apesar de pensarmos que o caminho mais adequado não é a supressão da parte de análise e controle ambiental do licenciamento ambiental, como ele propõe.

É fato que há atrasos, em obras públicas, em decorrência da realização do licenciamento ambiental, e que tais atrasos geram, não raras vezes, a descontinuidade na execução das obras, com prejuízos à conclusão do projeto e até mesmo prejuízos financeiros que escapam aos orçamentos dos entes públicos.

No entanto, outras medidas, que não a supressão da etapa de análise e controle do ente licenciador, poderiam ser sugeridas e adotadas - sobre o que trataremos no item seguinte.

A etapa de análise e controle ambiental é a etapa que se segue à apresentação (pelo autor do projeto de obra ou empreendimento) do estudo prévio de impacto ambiental que fora solicitado desde o início, logo após a concessão da licença prévia (LP). É neste momento, que o órgão ambiental licenciador analisará os métodos, técnicas, equipamentos, materiais, enfim, todos os processos a serem empregados nas fases de instalação e operação, momento em que não raras vezes identifica processos ou técnicas inadequadas e/ou proibidas pela legislação ambiental brasileira e toma as medidas cabíveis para evitar a ocorrência do dano ambiental. Clara está a importância da fase de análise e controle do licenciamento ambiental para a efetivação do princípio da prevenção, pois o Estado consegue enxergar, com antecedência, o risco de dano e atua no sentido de evitá-lo. 


3. Alternativas à supressão da etapa de análise e controle no licenciamento ambiental de obras públicas. 

Como alternativas à supressão da fase de análise e controle ambiental nos licenciamentos ambientais, podemos propor: a) o estabelecimento de prazos razoáveis para a conclusão das fases de análises e controles ambientais; b) o estabelecimento de sanções aos agentes públicos que protelarem, injustificadamente, a análise em curso; c) criação de licenciamentos ambientais simplificados para obras públicas, sem que haja, no entanto, a supressão da fase de análise e controle ambiental; entre outras que podem ser criadas em face das peculiaridades de cada região.

Quanto à possibilidade de concessão de liminares na justiça para se embargar obras públicas sempre que eventuais danos ou riscos de danos estejam em pauta, não há como se evitar, pois, como assegura o Texto Constitucional, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça à direito, assim como dispõe o artigo 5º, inciso XXXV, abaixo transcrito:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

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Convém, ainda, asseverar que o texto da PEC que visa acrescentar o §7º ao art. 225 da Constituição de 1988, faz confusão entre licença e autorização, ao afirmar que a apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente. 

O que o legislador quis dizer é que, após a apresentação do estudo prévio de impacto ambiental, o órgão ambiental licenciador deve emitir a licença ambiental, tornando-a um ato vinculado à (apenas e tão somente) apresentação do estudo ambiental. Esta ideia fere de morte toda a dogmática do direito ambiental que entende a licença ambiental como sendo de natureza sui generis, pois se trata de um misto de ato vinculado e ato discricionário (uma vez que há, no licenciamento ambiental, uma fase de análise e controle ambiental, onde se exerce um pouco de discricionariedade administrativa, com análise da oportunidade e conveniência que serve à defesa do patrimônio ambiental).


4. (In)constitucionalidade da supressão de parte do licenciamento ambiental para obras públicas 

Pelo teor do exposto, percebe-se a inconstitucionalidade da PEC em questão, uma vez que não se pode suprimir a parte mais importante de um licenciamento ambiental. Aliás, a PEC em questão não visa apenas enfraquecer um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (instituída pela Lei nº 6.938/1981), mas extinguir a avaliação de impactos ambientais (AIA), que por sinal é também um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (art. 9º, inciso III). Vejamos o teor do artigo 9º da lei 6.938/1981:

Art. 9º - São Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente:

(...)

III - a avaliação de impactos ambientais;

IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras;

 Como se percebe, a proposta de Emenda à Constituição é claramente inconstitucional, em especial porque torna-se incompatível com os incisos IV e V, do §1º, do art. 225 da Constituição Federal de 1988, abaixo transcritos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;  

V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; 

Pelo teor do exposto até então, percebe-se que, na fase de análise e controle ambiental de um licenciamento ambiental, é quando o Poder Público, através do órgão licenciador, poderá controlar o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para o meio ambiente, e é justamente esta etapa que a presente PEC visa suprimir. Eis a sua flagrante incompatibilidade com o Texto Constitucional vigente.


5. Conclusões.

As conclusões em que chegamos, ao final deste breve ensaio, as quais já apontamos ao longo do texto, é que a presente PEC é completamente descontextualizada em relação ao espírito da Constituição brasileira de 1988. Neste sentido, há flagrante incompatibilidade com o Texto Magno ao se propor a supressão da parte mais importante em um licenciamento ambiental, qual seja, a fase de análise e controle ambiental, que ocorre logo após a apresentação, pelo interessado, do estudo prévio de impacto ambiental que lhe foi solicitado logo após a concessão da Licença Prévia (LP).

Pode-se concluir, ainda, que legislação alguma pode afastar da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, por força do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição de 1988. Neste sentido, mesmo que a presente PEC fosse aprovada (o que acreditamos que não ocorrerá), na eventualidade da ocorrência de dano ambiental ou do risco de dano ambiental, em decorrência da execução de um projeto de obra pública, o Poder Judiciário continuaria apto a determinar a suspensão da obra, caso de comprovasse a materialidade do dano ou o risco de sua ocorrência.


6. Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 6.938/1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm>. Acesso em 24 de julho de 2016.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 24 de julho de 2016.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed. São Paulo Malheiros, 2008.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. 3. ed. São Paulo: Editora revista dos Tribunais, 2004.

SENADO FEDERAL. PEC nº 65/2012. Disponível em:  <https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/109736>. Acesso em 24 de julho de 2016.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Reflexões jurídicas sobre a PEC nº 65/2012, que propõe a supressão de parte do licenciamento ambiental para obras públicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4775, 28 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50917. Acesso em: 22 nov. 2024.

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