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Transação fiscal

01/08/2016 às 11:23
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Somente poderá haver transação se existir previsão legal expressa autorizando o instituto, e prestando-se para a terminação do litígio que verse sobre a extinção do crédito tributário.

O ARTIGO 171 DO CTN E A TRANSAÇÃO FISCAL 

 O Código Tributário Nacional dispõe no art. 171: "A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe determinação de litígio e consequente extinção de crédito tributário. Parágrafo Único: A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso."

Conforme a redação do citado artigo, a disposição normativa não restringe o exercício da transação, estando a aplicação do instituto balizado pela Constituição, que, a seu turno, não impõe qualquer impedimento para a adoção de soluções conciliatórias em matéria tributária. Nesse sentido, transacionar é fazer um acordo, em que a Fazenda e o contribuinte inadimplente ajustam concessões mútuas.

Todavia, pelas particularidades de sua aplicação, resta claro que somente poderá haver transação se existir previsão legal expressa autorizando o instituto, e prestando-se para a terminação do litígio que verse sobre a extinção do crédito tributário.

Da lição de Paulo de Barros Carvalho refere-se: Os sujeitos do vínculo concertam abrir mão de parcelas de seus direitos, chegando a um denominador comum, teoricamente interessante para as duas partes, e que propicia o desaparecimento simultâneo do direito subjetivo e do dever jurídico correlato (Curso de direito tributário, 2010, pág. 532).

Assevera Hugo de Brito Machado: Geralmente, da transação decorre a extinção da relação obrigacional que albergava o litígio, mas tal extinção não constitui o objetivo da transação. O que há de ficar extinto pela transação é o litígio, potencial ou já instalado, vale dizer, a incerteza quanto à relação jurídica, que era incerta e por isso mesmo abrigava pretensões opostas. Com a transação desaparece a lide, vale dizer, a pretensão resistida. Não necessariamente a relação que dava ensejo às pretensões (Comentários ao Código Tributário Nacional, volume III, 2005, pág. 512).

Trata-se de negócio jurídico específico porque modifica e extingue obrigações preexistentes e não um contrato de direito público, uma vez que não cria tais obrigações. Essa a lição que deixou Aliomar Baleeiro (Direito Tributário Brasileiro, 5º edição, pág. 524).

A autoridade só pode celebrá-la com relativa discricionariedade administrativa, na apreciação das condições convenientes e oportunidades, se a lei lhe faculta e dentro dos limites ali estabelecidos.

A lei, segundo o Código Tributário Nacional, definirá a autoridade competente para tal.

Apresenta o instituto parentesco com o “concordato tributário” italiano, que propicia, por lei, um procedimento contraditório entre a autoridade fiscal e o sujeito para o lançamento. Se não há acordo, após os debates, a autoridade lança o tributo e o sujeito passivo usa das reclamações, defesas e recursos. Se o acordo, afinal, realiza-se, a autoridade tributária e sujeito passivo assinam um documento que toma o nome de “concordato fiscal” encerrada a possibilidade de recursos para o segundo, sendo que o lançamento passa a ser definitivo.


PRINCIPIOS QUE DEVEM LASTREAR A TRANSAÇÃO

Diversos são os princípios que devem lastrear essa transação fiscal:

a) Legalidade, pois toda a atividade fiscal tem base na lei;

b) Supremacia do interesse público sobre o interesse privado, que tem como limitador a discricionariedade administrativa, sempre voltada ao interesse público;

c) Eficiência, atrelada à devida proporcionalidade, de modo que se espera da Administração o melhor desempenho de suas funções, seja no campo econômico ou administrativo;

De toda sorte, há direitos e garantias individuais em discussão e essas, em hipótese alguma podem ser olvidadas.


O PROBLEMA DA RENÚNCIA DA RECEITA

Luiz Emygdio F. da Rosa Júnior (Manual de direito financeiro e tributário, 2005) elenca alguns artigos de lei referentes ao controle sobre as renúncias de receita presentes na Constituição Federal e expressas nos seguintes dispositivos: (No mesmo sentido, Láudio F. Camargo. op. cit., p. 302. 67 Ricardo Lobo Torres, op. cit., p.194, Kiyoshi HARADA, Direito Financeiro e Tributário. São Paulo: Atlas, 2005. p. 111, Luiz Emygdio F. da.Rosa Júnior, Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 48. 70 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Ibidem., p. 49. )

a) art. 70, pelo qual a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder; (grifo nosso)

b) art. 150, § 6o, que exige lei específica do ente político titular da competência tributária e que regule exclusivamente a matéria, para a concessão de renúncia de receita, relativas a impostos, taxas ou contribuições; (grifo nosso)

c) art. 155, § 2o, XII, g, exigindo lei complementar para regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais em matéria de ICMS serão concedidos e revogados;

d) art. 156, § 3o, III, dispõe da mesma forma no que toca ao ISS;

e) art. 165, § 6o, determina que o projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

Cumpre observar que a transação tributária tem como semelhança, a essas espécies de renúncia fiscal, a obediência à lei, ou seja, para aplicar a transação é necessária lei específica, condição também exigida para a realização da anistia, da isenção, da alíquota zero, da imunidade e da remissão. Há diferença no tocante aos benefícios recebidos pelo sujeito passivo, pois na transação o beneficiado é um particular, e não uma coletividade, mesmo que difusa. Dentre as modalidades que se caracterizam como renúncia fiscal, a transação é uma das que pode ocorrer no campo administrativo, e essa, justamente, é a principal questão, pois a Administração não tem autonomia para gerir e decidir sobre o Erário, senão conforme disposição legal.

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O doutrinador não associa transação com renúncia fiscal, enfatizando que a finalidade da limitação que abrange a redação do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal é apenas impedir que o legislador conceda vantagens a determinados contribuintes sem motivo razoável, deixando, por essa razão, a Fazenda Pública de arrecadar a exação devida.

Heleno Taveira Torres, da mesma forma, entende que a transação cabe apenas nos casos de efetiva incerteza, geradora do litígio, podendo ser aplicada quando a Administração não tenha segurança da ocorrência ou interpretação dos fatos jurídicos tributários, ou seja, nos casos submetidos a presunções, quando existir.

Hugo de Brito Machado (op.cit., p. 521), Nadja Araújo (op.cit., p. 53) Rubens Miranda de Carvalho (Transação tributária, arbitragem e outras formas convencionadas de lides tributárias, ed. Juarez de Oliveira) comentam que, devido à subordinação que a Administração Pública sofre pelos Princípios constitucionais da Legalidade e da Indisponibilidade do Interesse Público, essa não tem, desde que ocorrida objetivamente uma hipótese de incidência tributária, a faculdade de escolher entre tributar ou não, o que não significa uma certa margem de discricionariedade de atuação permitida em lei, não quanto ao seu poder e dever de tributar (que trata-se de atribuição constitucional), mas no que se refere às circunstâncias atinentes à liquidação do crédito tributário (que pode incluir a discussão sobre a base de cálculo, ou até mesmo do critério material da obrigação tributária, como acontece em relação ao IPTU, por exemplo, na apuração de que se trate, ou não, de imóvel construído), como também em relação à arrecadação, que pode vir a indicar a conveniência de uma solução convencionada entre a Administração e o contribuinte, ou até mesmo uma renúncia fiscal pontual e parcial por parte do Fisco, na composição de um recebimento parcial do crédito.

Rubens de Miranda Carvalho (op. cit., p.128) alude à dificuldade de delimitação dos conceitos fáticos ou quando não houver provas, ou estas sejam insuficientes. O autor observa: “Não se daria qualquer espécie de “renúncia” de crédito tributário, ao contrário, serviria para reforçar o princípio da verdade material, como meio para se alcançar, conjuntamente, solução célere e econômica para controvérsia que poderia ocupar lustros em pendências administrativas ou judiciais.” (Transação, arbitragem e conciliação judicial como medidas alternativas para resolução dos conflitos entre administração e contribuintes).


CONSEQUÊNCIAS DE INFRAÇÕES ÀS NORMAS SOBRE TRANSAÇÃO FISCAL

A uma, a improbidade administrativa, à luz dos artigos 10, 11 e 12 da Lei 8.429; a duas, a consequência de incidir em responsabilidade fiscal por desobediência às regras orçamentárias.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Transação fiscal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4779, 1 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50990. Acesso em: 20 abr. 2024.

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