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Convite: uma modalidade licitatória (in)conveniente?

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06/09/2016 às 08:57

Resumo:


  • O convite como modalidade licitatória permite certa escolha por parte do Administrador em relação aos eventuais contratados

  • Essa modalidade pode ser uma "faca de dois gumes", podendo gerar práticas escusas como propostas "cartas marcadas"

  • É fundamental que a utilização do convite seja feita com cautela e transparência, evitando direcionamentos ilícitos que prejudiquem o interesse público

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

7 A MODALIDADE LICITATÓRIA CONVITE

De acordo com o artigo 22, § 3º da Lei nº 8.666/93, convite é a modalidade de licitação entre interessados do ramo pertinente ao seu objeto, cadastrados ou não, escolhidos e convidados em número mínimo de 3 (três) pela unidade administrativa, a qual afixará, em local apropriado, cópia do instrumento convocatório e o estenderá aos demais cadastrados na correspondente especialidade que manifestarem seu interesse com antecedência de até 24 (vinte e quatro) horas da apresentação das propostas.

JUSTEN FILHO (2011) explica que o convite é o procedimento mais simplificado dentre as modalidades comuns de licitação, contudo com uma peculiar característica: a possibilidade da Administração escolher potenciais interessados em participar da licitação, questão que é de extrema relevância para este trabalho.

Outrossim, vale ressaltar que o artigo 23 da Lei de Licitações faculta a utilização desta modalidade para contratação de obras e serviços de engenharia até o valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) e compras e serviços (que não sejam de engenharia) até o limite de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).

Aqui não podemos deixar de registrar que tais valores são os mesmos desde 1998, quando da edição da Lei nº 9.648, estando completamente defasados pela inflação, forçando o Gestor Público a utilizar as demais modalidades licitatórias, o que nem sempre traz os melhores resultados.

Mas prossigamos com nossa digressão, desta vez abordando a questão dos critérios utilizados para a seleção dos convidados.

7.1 A DISCRICIONARIEDADE NA SELEÇÃO DOS CONVIDADOS

A Administração detém alguma possibilidade de escolha quanto a eventuais destinatários do convite, desde que tal discricionariedade seja exercida com isonomia e imparcialidade, sem qualquer critério de ordem subjetiva.

Por exemplo, um prefeito não poderá convidar empresas só porque os proprietários das mesmas são seus compadres... Estando adstrito a fazer apenas o que a lei determina, o administrador deverá – em regra – formular os convites aos interessados previamente cadastrados no ramo pertinente ao objeto a ser licitado em número mínimo de três.

No entanto, se algum interessado – cadastrado ou não – do convite tomar ciência e manifestar seu interesse em participar na forma prescrita em lei, tal direito lhe será estendido. Em outras palavras, preenchidos tais pressupostos, sequer o administrador poderá negar o pedido de extensão do convite feito tempestivamente.

Por outro lado, não significa que deverá aceitar qualquer proposta apresentada por licitante não-convidado que não tenha previamente manifestado seu interesse, sob pena do convite se tornar uma tomada de preços, como bem pontuado por JUSTEN FILHO (2011).

7.2 PROBLEMÁTICA DA SÚMULA Nº 248 DO TCU

Questão tormentosa diz respeito à quantidade de convidados e propostas válidas.

Com efeito, o artigo 22, § 3º da Lei de Licitações exige pelo menos três convidados para a validade do certame, mas nada dispõe sobre o que fazer se – no decorrer do procedimento – não houver pelo menos três propostas válidas.

Nesse sentido, veio a orientação da Súmula nº 248 do TCU:

Não se obtendo o número legal mínimo de três propostas aptas à seleção, na licitação sob a modalidade Convite, impõe-se a repetição do ato, com a convocação de outros possíveis interessados ressalvados as hipóteses previstas no parágrafo 7º, do art. 22, da Lei nº 8.666/1993.

Assim, podemos afirmar que o convite que não contar com três propostas válidas (independente do número de convidados geralmente maior) somente não será repetido se devidamente justificada a limitação de mercado ou o manifesto desinteresse dos convidados.

No entanto, JUSTEN FILHO (2009), argumenta com propriedade:

“A inexistência de, no mínimo, três potenciais interessados ou o não comparecimento de licitantes em tal número mínimo não se constitui causa de invalidação do procedimento licitatório não obstante a insistência dos Tribunais de Contas em adotar interpretação distinta. Mas a Administração deverá justificar, por escrito, a ocorrência.

Não é compatível com a Lei o entendimento de que o número mínimo de três deverá ser apurado em relação às propostas válidas. Alguns têm afirmado que, inexistindo número igual ou superior a três propostas válidas, a licitação deverá ser repetida. Ou seja, o problema não seria de dirigir o convite a três licitantes, mas de ser por eles atendido.

Em primeiro lugar, não é possível subordinar a validade da licitação à escolha, totalmente subjetiva e arbitrária, dos participantes a quem foi dirigido o convite. Se os particulares não desejarem apresentar proposta ou se o fizerem em termos inadequados, não se pode atribuir a consequência da automática invalidação do certame.”

Esta última observação é interessante e gera uma indagação no mínimo polêmica:

Se o sucesso do convite depende da boa vontade dos convidados em participar, não estaria então o interesse dos particulares acima do interesse público?

De forma alguma. Entendo que o referido verbete do TCU busca apenas enfatizar a questão da competitividade entre os convidados, pois que sentido há em se convidar três empresas sabendo que apenas uma tem efetivas condições de atender ao objeto contratual?

Teleologicamente falando, é aquela velha história de que a lei disse menos do que pretendia dizer. Assim, deve-se buscar a interpretação que melhor atenda ao interesse público. De modo geral, incentivar a disputa entre os licitantes significa tentar buscar o melhor preço possível, a proposta mais vantajosa para a Administração.


8 CONCLUSÃO

Por mais que prezemos a legalidade e segurança jurídica, é certo que a lei jamais conseguirá prever todas as situações possíveis no mundo dos fenômenos (atos e fatos jurídicos).

No entanto, com a evolução do próprio Direito,cada vez mais a própria lei deixa “janelas”, isto é, possibilidades de integração a depender do caso concreto.

Em nosso trabalho vimos que a modalidade licitatória convite permite certa margem de discricionariedade ao administrador público, que – como uma “faca de dois gumes” – pode ser boa ou má.

Quando benéfica, significa que o administrador procurou, de forma proba, contratar um serviço ou adquirir um produto de um fornecedor de boa reputação, a um preço justo e de boa qualidade. E quando nos referimos a probidade queremos dizer “com observância à ética e aos princípios da Administração Pública”.

Por outro lado, quando esta discricionariedade revela-se maléfica, sabemos que houve um desvio de finalidade, isto é, o administrador colocou o interesse particular, muitas vezes escuso, acima do interesse público. O exemplo sempre lembrado é o “convite de fachada”, com propostas previamente combinadas, onde a “competição simulada” nada mais é do que um “jogo de cartas marcadas”, sendo a grande perdedora toda a coletividade.

Nesse sentido:

PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. REJEIÇÃO DE DENÚNCIA. FRAUDE NO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. CARÁTER COMPETITIVO. PREGÃO. COMBINAÇÃO OU AJUSTE. 1. O delito do art. 90 da Lei nº 8.666/93 – frustração ou fraude do caráter competitivo da licitação – consiste em frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o que poderá ocorrer mediante cláusulas discriminatórias ou ajuste entre os participantes. 2. Consistem as condutas em algum tipo de manobra ardilosa que impeça ou burle o caráter competitivo do procedimento licitatório, aquilo que se chama vulgarmente de “jogo de cartas marcadas”, isto é, hipótese em que o desfecho já está previamente estabelecido em favor de um dos jogadores: “os demais licitantes estariam concorrendo apenas por concorrer (cientes ou não de tal circunstância), pois que o objeto do certame já estará previamente adjudicado a um deles”(Jessé Torres). 3. A virtude maior do pregão é justamente a de dificultar sobremaneira a fraude licitatória, vez que ou todos os participantes estão mancomunados ou, na falta de apenas um deles, o conluio resulta inútil. 4. A mera possibilidade, não comprovada, de dois participantes de um pregão conhecerem as propostas iniciais um do outro não configura, necessariamente, combinação ou ajuste entre eles tendente a fraudar a licitação, vez que, em se tratando da modalidade pregão, uma vez excluídos do conluio um ou alguns dentre os demais licitantes, inviável se torna a fraude ao caráter competitivo da licitação e, por conseqüência, a configuração do tipo penal. 5. O único interesse patrimonial que restou ferido, com a efetiva participação das duas empresas nos dois pregões foi o da vencedora de ambos os certames, que se viu compelida a reduzir sua margem de lucro para vencê-los (até por isso mesmo, inconformada, noticiou os fatos, com vistas a impedir a continuidade de seu prejuízo). 6. Recurso em sentido estrito desprovido.(TRF-2 - RSE: 1595 ES 2005.50.01.010425-7, Relator: Desembargador Federal MESSOD AZULAY NETO, Data de Julgamento: 14/08/2007,  SEGUNDA TURMA ESPECIALIZADA, Data de Publicação: DJU - Data::17/09/2007 - Página::509)

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Daí porque esta modalidade licitatória é vista com certa reserva, mormente pelas Cortes de Contas, uma vez que nem sempre são tomadas as cautelas necessárias, tais como a realização de pesquisas prévias de valores de mercado; ampla publicidade; extensão do convite a eventuais interessados não convidados; justificação quanto à limitação de mercado e manifesto desinteresse dos convidados etc.

Outrossim, não podemos deixar de tecer severas críticas aos membros de Comissões de Licitaçao que, quando não pedem, aceitam propinas para “dar um jeitinho” de determinado licitante vencer. E a sociedade paga caro pela corrupção e desídia: contratos superfaturados e prejuízo ao Erário Público.

Então, lembrando da “pegadinha do examinador”, podemos concluir que convite é uma modalidade licitatória a ser evitada?

O estudante mais atento responderá “depende”. E acertará metade da questão.

E acertará o restante se disser algo mais ou menos assim:

“Se o administrador for honesto, primando pela justiça e transparência, o direcionamento aos eventuais convidados pode ser a garantia de um contrato vantajoso ao interesse público. Mas, se o administrador for desonesto, a realização do convite pode dar margem a práticas corruptas, com resultados altamente danosos aos cofres públicos.”

Assim, concluímos que a conveniência de se optar pela modalidade convite, a par da questão dos valores e procedimentos mais simplificados, está intimamente atrelada à índole de quem detém a competência para tomar tal decisão, que determinará os motivos subjacentes tanto para o bem quanto para o mal.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 19. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.

BARROSO, Luis Roberto. Interesses Públicos versus Interesses Privados: desconstruindo o princípio de supremacia do interesse público. 2ª tiragem. Editora Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2007.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 22. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 13. ed. – São Paulo: Dialética, 2009.

______. Curso de Direito Administrativo – 7. Ed. Rev. e Atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011.p. 35.

LENZA, Pedro.  Direito Constitucional Esquematizado. 16 ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Convite: uma modalidade licitatória (in)conveniente?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4815, 6 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51033. Acesso em: 23 dez. 2024.

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