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Da impenhorabilidade de bens, modificação e renovação da penhora

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01/09/2016 às 17:05
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O NCPC esclarece não ter caráter absoluto a ordem legal de preferência para a penhora, de modo a permitir sua alteração pelo juiz de acordo com as circunstâncias do caso.

I – A possibilidade de não penhora de bens

A penhora é o ato pelo qual são apreendidos bens para empregá-los, de maneira dieta ou indireta, na satisfação do crédito que se executa. Podem constituir objeto da penhora bens pertencentes ao próprio devedor ou, ainda, por exceção, pertencentes a terceiro que suportem a a responsabilidade executiva.

Penhora é uma apreensão judicial por parte de um solicitador de bens, geralmente o credor, dados pelo devedor como garantia de execução de uma dívida face a um credor.

Está superada a tese que via a penhora como pignus, penhor, do direito romano, discutida por Buzaid.

A lei torna imunes à execução, e, portanto, à penhora, em caráter absoluto ou relativo, determinados bens, e os torna impenhoráveis.

Obstáculos ilegais para que esses bens possam ser alienados ou a falta de razoabilidade de privar o devedor do estritamente necessário para que subsista com sua família, em razão do princípio da dignidade da pessoa humana, princípio constitucional impositivo, nem de bens que só para ele, por motivos personalíssimos, tenham valor apreciável com o fim de evitar uma perturbação excessiva a sua vida social.

Soma-se a isso o artigo 5º, XXVI, da Constituição que determina que “a pequena propriedade rural assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva”.

Impenhoráveis são apenas os bens que a lei, de forma taxativa, enumera como tais, pois a regra é a da penhorabilidade e as exceções devem ser expressas.


II - Dos Bens Absolutamente Impenhoráveis (art. 649): o Código de 1973

Vamos à análise bens absolutamente impenhoráveis antes da vigência da Lei nº 11.382/2006.

O artigo 649 do CPC dispunha que:

“Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II – as provisões de alimento e de combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família durante um mês;

III – o anel nupcial e os retratos de família;

IV – os vencimentos dos magistrados, dos professores e dos funcionários públicos, o soldo e os salários, salvo para pagamento de prestação alimentícia;

V – os equipamentos dos militares;

VI – os livros, as máquinas, os utensílios e os instrumentos, necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão;

VII – as pensões, as tenças ou os montepios, percebidos dos cofres públicos, ou de institutos de previdência, bem como os provenientes de liberdade de terceiro, quando destinados ao sustento do devedor ou da sua família;

VIII – os materiais necessários para obras em andamento, salvo se estas forem penhoradas;

IX – o seguro de vida;

X – o imóvel rural, até um módulo, desde que este seja o único de que disponha o devedor, ressalvada a hipoteca para fins de financiamento agropecuário[11]”.

O inciso I, que não foi alterado com a Lei 11.382, trata de bens inalienáveis. Se são inalienáveis, não podem ser expropriados. Portanto, de nada adianta penhorá-los, uma vez que não podem ser alienados (expropriados).

“Os bens penhorados, como de sabença, destinam-se à alienação (expropriação). Ora, se no futuro não poderão ser alienados, de nada servem penhorá-los. Assim, v. g., são impenhoráveis, posto inalienáveis os bens do domínio público, assim considerados os bens das pessoas jurídicas de direito público interno[12]”.

O inciso II é colocado devido a grande quantidade de pessoas que usavam combustíveis, como querosene, no dia a dia; além dos alimentos que eram estocados em armazéns.

Ernane Fidélis dos Santos[13] afirma que “por razões de ordem humanitária não se penhoram as provisões de alimento e de combustível, necessárias à manutenção do devedor e de sua família durante um mês (art. 649, II)”.

O inciso III também não é penhorado por razões de ordem humanitária, uma vez que o anel nupcial é o símbolo do casamento, e, para uma sociedade onde não existia o divórcio, o anel nupcial tinha ainda mais valor. Para alguns autores, como Ernane Fidélis[14], é possível que o anel nupcial seja penhorado, desde que o valor esteja muito acima do valor razoável. Já os retratos de família, qualquer que seja o valor, não podem ser penhorados.

O inciso IV só é impenhorável se os vencimentos estiverem em poder da fonte pagadora, pois caso já tenha sido recebido ele se torna penhorável.

O inciso V foi criado, a meu ver, mais em decorrência da época de criação do CPC (ditadura militar), uma vez que o militar se equipa às custas do Estado.

Para que os objetos elencados no inciso VI não sejam alvos de penhora, necessário é que tais bens sejam, essencialmente, úteis ou necessários para o exercício da profissão. Devem se relacionar com a profissão habitual do devedor, sendo que o magistrado deve fazer a análise de cada caso concreto.

“Os bens que não se sujeitam à penhora, por serem úteis ou necessários ao exercício profissional, devem, realmente, relacionar-se com a profissão habitual do devedor. Pode um fazendeiro, por exemplo, através de terceiro, manter estabelecimento que produza sorvete. Nada impede penhora de máquinas, no caso, já que seu proprietário, na realidade, delas faz tão-somente fonte de renda e não exercício profissional”[15].

O caso do inciso VII se assemelha ao inciso IV, pois, uma vez transferido para o patrimônio do devedor, pode ser penhorado.

Penhorar materiais necessários ao andamento de uma obra seria, consequentemente, prejudicial ao andamento da mesma. Sendo assim, o inciso VIII só admite a penhora quando a obra for penhorada em sua totalidade.

O inciso IX não pode ser penhorado porque o prêmio que o segurado paga ao segurador já não é do devedor e, por isso, não é bem penhorado. A Lei 11.382 não revogou o seguro de vida, somente alterou a ordem, colocando-o no inciso VI.

Por fim, o inciso X é impenhorável devido à necessidade do bem para a subsistência do devedor.

O CPC de 1973 criou casos de verdadeira impenhorabilidade provisória no artigo 594 do CPC: se o credor estiver no direito de retenção, na posse de coisa pertencente ao devedor, os outros bens deste, não poderão ser penhorados, “senão depois de excutida a coisa” que se acha em poder do credor. A proibição não prevalecerá se, avaliada a coisa sob retenção, o quantum se revelar inferior ao crédito exequendo, inclusive acessórios (artigo 685, II). A regra cede ante à concordância do executado em que, desde logo, penhora-se outro bem.

Assim, qualquer bem do credor pode, a princípio, ser penhorado, quer se encontrem em suas mãos ou em mãos de terceiro. Bens do devedor são tanto aqueles que pertencem a sua pessoa como aqueles que figurem no título executivo, base da execução, mais ainda o de todo aquele que lhe haja sucedido, causa mortis ou por ato inter vivos, na posição de sujeito passivo da obrigação.

Pode acontecer que a penhora incida sobre bens de terceiros, como é o caso do responsável tributário, definido no Código Tributário Nacional, como do sócio em hipóteses legalmente previstas. É bom lembrar que os bens do fiador contratual (civil ou comercial) só ficam sujeitos à execução caso haja ele sido condenado, em se tratando de execução de título judicial, ou quando figure, como solidariamente responsável, em título extrajudicial, pois a solidariedade só vem de lei ou da vontade das partes.


III - A LEI 11.382/2006

Após a criação da Lei 11.382/2006, a redação do artigo 659 se deu da seguinte forma:

“Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

I - os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não sujeitos à execução;

II - os móveis, pertences e utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

III - os vestuários, bem como os pertences de uso pessoal do executado, salvo se de elevado valor; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

V - os livros, as máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos ou outros bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

VI - o seguro de vida; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

VII - os materiais necessários para obras em andamento, salvo se essas forem penhoradas; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

VIII - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

IX - os recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social; (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

X - até o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, a quantia depositada em caderneta de poupança. (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).

§ 1o A impenhorabilidade não é oponível à cobrança do crédito concedido para a aquisição do próprio bem. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).

§ 2o O disposto no inciso IV do caput deste artigo não se aplica no caso de penhora para pagamento de prestação alimentícia. (Incluído pela Lei nº 11.382, de 2006).”

O inciso I desse artigo já foi analisado, pois ele não foi alterado pela Lei 11.382/2006.

O inciso II protege os bens domésticos, sendo impenhoráveis, portanto, bens como fogão, geladeira etc., ressalvando-se os bens considerados de alto valor econômico. Esta ressalva se dá devido ao grau de utilidade e necessidade que um bem de alto valor possui, devendo o magistrado fazer a análise de acordo com o caso concreto.


IV – A Penhorabilidade de salários e afins

O Código de processo revogado trouxe um verdadeiro exagero de bens impenhoráveis no CPC/1973. Não se compreende que o executado, auferindo remuneração expressiva e que lhe garanta um padrão de vida elevado, não possa ter parte dela afetada para o pagamento de dívidas objeto de execução.

Essa inovação foi trazida ao NCPC ao final da tramitação legislativa no Senado presidencial. Cuidados se faziam necessários, isso porque, por ocasião da reforma promovida pela Lei 11.382/2006 ao CPC/1973, proposta semelhante para admitir a penhora de até 40% do total recebido mensalmente acima de vinte salários-mínimos sofreu veto presidencial.

A justificativa foi de que, embora razoável, “a tradição jurídica brasileira é no sentido da impenhorabilidade, absoluta e ilimitada, da remuneração”, pelo que seria conveniente “opor veto ao dispositivo para que a questão volte a ser debatida pela comunidade jurídica e pela sociedade em geral”.

Esta possibilidade da penhorabilidade de vencimentos, salários e afins, desde que superior a 50 salários-mínimos mensais, é encontrada no art. 833, § 2º:

“Art. 833. São impenhoráveis:

(...)

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2o;

X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

(...)

§ 2oO disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais , devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8o, e no art. 529, § 3o”.

V Possibilidade de penhora de veículo por termo nos autos

Tradicionalmente, os veículos eram penhorados por diligência do oficial de justiça, que deveria localizar o bem, o que, atualmente, não mais se justifica. No NCPC, é possível penhorá-lo por simples termo nos autos, com anotação da restrição através do sistema eletrônico Renajud, disponibilizado pelo Denatran. É possível, inclusive, determinar não apenas a restrição à transferência do veículo por esse sistema, mas até mesmo impedir sua circulação.

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O NCPC contém dispositivo que, de forma expressa, esclarece não ter caráter absoluto a ordem legal de preferência para a penhora, de modo a permitir sua alteração pelo juiz “de acordo com as circunstâncias do caso concreto”.

Embora a nulidade de execução (arts. 618) encontre respaldo no Codex vigente, a doutrina é pacífica ao reconhecer que se trata de matéria a ser conhecida pelo juiz ex officio, como bem explicita o disposto no novo código, em seu artigo 727, parágrafo único: “A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução.”.

No que tange à responsabilidade patrimonial, houve uma ampliação do rol de bens que podem estar sujeitos à execução, por meio da inclusão do inciso VI no art. 748: aqueles bens gravados por ônus real, alienados a terceiros; e também aqueles em relação aos quais houve reconhecimento posterior de fraude contra credores.

A penhora, aliás, poderá ser modificada ou renovada.

Via de regra, quando é realizada a penhora sobre o bem do executado, é sobre esse mesmo bem que recairão todos os atos executivos até a fase final. Porém, o Código de Processo Civil estabelece a possibilidade de que, mesmo após a realização da penhora, o objeto desta pode ser modificado. A modificação se dá de duas formas: quantitativa e qualitativa.

A modificação quantitativa diz respeito à “ampliação” ou “redução” do objeto penhorado. Por exemplo, se, após a avaliação, o juiz verificar que o bem penhorado é insuficiente para saldar o crédito devido, será necessária uma “ampliação” dessa penhora ou, se for verificado que é um valor superior, deverá ser “reduzida”.

Assim, só é possível a redução ou aumento do bem penhorado, se, e somente se, houver uma distorção tal entre o valor da avaliação e o valor do crédito exequendo e acessórios que justifique a alteração, posto que, se assim não o fosse, haveria enorme desperdício de atividade jurisdicional. Como os arts. 745, II (embargos do executado), e 475-L, III (impugnação do executado) preveem a possibilidade de alegação de penhora incorreta e avaliação errônea, já que penhora e avaliação serão feitas pelo oficial de justiça ao cumprir o mesmo mandado (Art. 475-J, §1°, e 689 c/c art. 652, §1°), é justamente do resultado de julgamento desses embargos que será verificada a referida distorção entre a avaliação, supostamente errônea, e o verdadeiro valor do bem. Admitida essa distorção, e, para evitar que exista aprisionamento indevido de bens do executado (redução do bem penhorado), ou que o exequente seja compelido a refazer um novo itinerário executivo para cobrar o que ficou faltando receber (aumento do bem penhorado), é que existe a possibilidade de sua alteração. (grifo nosso)[31]

Já a modificação qualitativa diz respeito a substituição ou transferência do objeto penhorado para outro bem que faz parte do patrimônio do executado. Segundo Abelha, a transferência:

deverá recair sobre bem ou bens que se situem no mesmo ou em patamar superior na ordem de preferência prevista no art. 655 do CPC, justamente para evitar prejuízos ao exequente (art. 668 do CPC). Assim, verifica-se que a alteração qualitativa do objeto penhorado é uma via alternativa à impossibilidade de redução ou reforço da penhora, tal como se infere da redação do art. 685, I e II, do CPC.[32]

A segunda penhora só era admitida nesses termos:

“Não se procede à segunda penhora, salvo se:

I - a primeira for anulada;

II - executados os bens, o produto da alienação não bastar para o pagamento do credor;

III - o credor desistir da primeira penhora, por serem litigiosos os bens, ou por estarem penhorados, arrestados ou onerados” (SP, pg. 308).

Segundo Pontes de Miranda, a penhora será desfeita quando foi inválida ou ilegal.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Da impenhorabilidade de bens, modificação e renovação da penhora . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4810, 1 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51149. Acesso em: 28 mar. 2024.

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