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Uma análise crítica à execução penal:

a partir do estudo de uma penitenciária no Rio Grande do Sul

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21/04/2004 às 00:00
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao findarmos a exposição dos resultados obtidos em nossa pesquisa, constatamos uma situação extremamente inquietante para todos aqueles que se preocupam com os problemas sociais contemporâneos. Pois, a crise histórica do Sistema Penitenciário, que para muitos atingiu sua completa falência (BITENCOURT, GARCIA, HERKENHOFF, entre tantos outros), alcança não só o apenado e seus familiares, mas toda uma sociedade, a qual já não se encontra mais em condições de ignorar tal situação.

Entretanto, as penitenciárias brasileiras, em geral, desenvolvem um trabalho empírico, com uma visão exacerbadamente fragmentada da realidade social. Ao que nos parece, todas as poucas atividades desenvolvidas em prol do apenado e, conseqüentemente, para o restante do corpo social, tem unicamente por escopo uma maior facilitação da administração da massa carcerária. Ora, isto nada mais seria do que a inescrupulosa inversão do homem enquanto sujeito de direitos para mero objeto que está sob a tutela penal do Estado. Um espantoso e inadmissível retrocesso social! Pois o oferecimento dos serviços penitenciários devem ser concebidos "...como una oportunidad de reintegración y no como un aspecto de la disciplina carcelaria" (BARATTA, 1991, p.256).

Como exemplo disto (dentre tantos outros), podemos mencionar, além do caso da assistência judiciária supra citado, a execução do trabalho prisional orientado como mera terapia ocupacional, ou seja, o "manter a cadeia calma"... Para nós este trabalho não-desenvolvimentista oportunizado demonstra-se como um dos fatores coerentes com a ideologia de que a função prisional é, unicamente, de mera segregação de uma criminalidade localizada e útil. Assim, continua atualíssima a crítica de que "A prisão, conseqüentemente, em vez de devolver à liberdade indivíduos corrigidos espalha na população delinqüentes perigosos" (FOUCAULT, 1998, P.221).

Ademais, o "ex"-apenado retornará a uma sociedade impregnada por uma concepção de dualismo social de bom/mau, onde o mau, é claro, é sempre o eterno apenado. E não obstante os incontestáveis efeitos maléficos de uma instituição total como a prisão (GOFFMAN, 2001), não há o que se falar em ressocialização sem a participação de uma sociedade comprometida em receber o egresso de volta ao seio social (BITENCOURT, 1990, p.247-255).

Como podemos observar no decorrer do texto, há uma inegável discrepância entre nossa realidade prisional e aquilo que é preconizado em nossas legislações, que, em que pesem suas falhas, são suficientes para garantirem um mínimo de dignidade humana ao apenado. Caso contrário, obtemos, de imediato, todo o comprometimento estrutural de uma sociedade.

Juntamente com a maioria dos Doutrinadores da atualidade, também sustentamos a tese da utilização da pena privativa de liberdade apenas como ultima ratio, e clamamos pela efetiva aplicação de penas alternativas como melhor tratamento ressocializador e respeitador dos direitos fundamentais. Além, é claro, de um Sistema que não ignore, e sim, respeite as legislações vigentes em nosso País.

Destarte, devemos "... nos obrigar a extremar [...] esforços para que a meta do discurso se aproxime da realidade ou que, ao menos, não seja negada ou subvertida em seu resultado social" (ZAFFARONI e PIERANGELI, op. cit., p. 170). Ou seja, trabalharmos para que o preso e o egresso não se deparem com um quadro aviltante de descaso, desamparo, falta de expectativas de futuro, e tantos outros conceitos negativos e abstratos (os quais inegavelmente enfrenta aquele que retorna do cárcere) que, mais do que nunca, se concretizam e tornam-se mais sólidos do que as grades e muros que outrora o prendiam; pois temos de convir que muito sôfrego é ter a liberdade privada, mas não há o que seja mais aflitivo do que se tornar prisioneiro do Nada!


NOTAS

[1] Penitenciária de segurança média com capacidade para 265 apenados, localizada na cidade de Rio Grande, RS.

[2] Dentre as mais relevantes cita-se: Lei 7.210 de 11-7-84 (Lei de Execução Penal); Declaração Universal dos Direitos Humanos; Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Civis, Desumanos ou Degradantes; e Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Reclusos, além de preceitos constitucionais de garantias da proteção dos Direitos Fundamentais (CF, art.5).

[3] Embora estabelecido no § 6º do art. 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos – vigente no Território Nacional – que a finalidade essencial da pena privativa de liberdade é "a reforma e a readaptação social dos condenados".

[4] A delegacia Regional é o órgão da Superintendência de Serviços Penitenciários (SUSEPE) que coordena os serviços penitenciários de uma região. Para os serviços da PERG localiza-se em Pelotas, onde estão lotados os funcionários do quadro de serviços técnicos, o que nos parece dificultar o atendimento em Rio Grande.

[5] Não é permitido que os presos punidos permaneçam em tal cela por mais de trinta dias (art. 58, LEP), o que nos foi assegurado pelo pessoal da PERG, embora um jornal local traga notícias de um detento que estava "... de forma permanente no local". (CABRAL, Descoberto plano de fuga no presídio, 24 de julho de 2002, p.11).

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[6] Neste período registrou-se um episódio de fuga em massa de sete apenados do interior da PERG (CABRAL, sete apenados fogem do presídio, 24 e 25 de agosto de 2002, p.3).


4. BIBLIOGRAFIA

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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; e PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

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Sobre o autor
Rodrigo dos Santos Adorno

Acadêmico do curso de Direito na Fundação Universidade Federal do Rio Grande- FURG, Coordenador do grupo de auxílio às instituições de abritagem ao menor -GAIAM, Pesquisador do Centro de Estudos Psicológicos de meninos e meninas de rua do Rio Grande do Sul-CEP RUA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADORNO, Rodrigo Santos. Uma análise crítica à execução penal:: a partir do estudo de uma penitenciária no Rio Grande do Sul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 288, 21 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5115. Acesso em: 25 abr. 2024.

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