Diante da crescente onda de desemprego que se instalou em nosso País, a abertura de novos postos de trabalho pelo Poder Público ganha extrema importância, o que se observa nas filas gigantescas formadas quando um novo Edital é publicado, independentemente da remuneração oferecida.
Nesse contexto, cumpre observar que as regras para a contratação de pessoas pela Administração Pública se revelam diametralmente opostas àquelas que incidem sobre a iniciativa privada, a qual não necessita cumprir maiores formalidades. Destarte, como se sabe, essas diferenças estruturais se devem aos diversos interesses que estão sendo representados, pois, enquanto o particular representa a si mesmo, o Poder Público representa a coletividade. Dessa forma, as regras de contratação pelo Poder Público devem submeter-se aos princípios constitucionais, os quais comandam toda a sua atividade, visando preservar o interesse público, única finalidade, aliás, que deve ser perseguida.
Essas considerações iniciais, por mais óbvias que possam parecer, assumem fundamental importância diante das inúmeras distorções que têm sido verificadas quando da abertura desses concursos. Com efeito, pode-se verificar, com muita freqüência, a formulação de exigências a serem cumpridas pelos candidatos, as quais não têm a menor justificativa à luz desses princípios. De resto, cumpre salientar ainda que, por força das inúmeras atrocidades praticadas pelo Administrador, viu-se o Supremo Tribunal Federal na necessidade de emitir novas súmulas a partir de setembro de 2003, com o intuito de pacificar o entendimento acerca de algumas matérias delicadas.
Uma passada de olhos por esses Editais irá nos revelar algumas dessas impropriedades levadas a efeito pelo Administrador no momento de selecionar candidatos para ingresso em carreiras públicas. Assim é que se verifica, com uma habitualidade impressionante, o estabelecimento de requisitos para ingresso nessas carreiras por meio de um Edital, o que materializa um grave equívoco por não constituir ele instrumento hábil para este mister.
A Constituição Federal, em seu art. 37, II, preconiza que o ingresso em carreiras públicas dar-se-á pela aprovação prévia em concurso público de provas ou provas e títulos na forma prevista em lei, encontrando a mesma diretriz em seu art. 39, § 3.º, no qual mais uma vez se vê que só ela poderá estabelecer requisitos para a admissão. Não bastasse a clareza desses dispositivos, uma interpretação sistemática da Lei Maior revela que regra dessa natureza já foi estabelecida no art. 5.º, XIII, o qual preconiza ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais fixadas em lei. As exigências contidas nos Editais, portanto, só serão consideradas legítimas se tiverem anterior previsão em lei regulamentadora da carreira.
Em outras palavras, Edital de concurso é ato infralegal, não se confundindo, por conseguinte, com a lei e não servindo de instrumento hábil para inovar no ordenamento jurídico, criando obrigações para os candidatos em concurso público. Pode-se, outrossim, concluir que o estabelecimento de regras por um Edital sem que exista lei anterior regulamentando a matéria fere, também, o princípio da separação entre os Poderes. Com efeito, estar-se-ia transferindo, de forma indevida, competências que a Constituição atribuiu ao Legislativo para os demais Poderes, o que não se admite.
De outra parte, ainda que exista lei anterior disciplinando a carreira, é curial que se verifique em qual medida as exigências nela contidas revelam-se compatibilizadas com os princípios constitucionais pertinentes. Assim é que a exigência de limite máximo e mínimo de idade em concursos públicos só será considerada constitucional se restar comprovada sua razoabilidade em vista da natureza e da complexidade dos cargos e empregos oferecidos. Essa conclusão, que já encontrava respaldo nos arts. 37, II, e 39, § 3.º, ambos da Constituição Federal, ganhou repercussão, ainda maior, com a recente Súmula n. 683 da Suprema Corte, a qual prescreveu ser o limite de idade legítimo somente quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.
Revela-se, dessa maneira, inconstitucional a limitação de idade para cargos que demandem apenas atividade intelectual e não força física. Isso porque o esplendor da atividade intelectual atinge-se quando ela é aliada à experiência de vida, o que, convenhamos, independe de idade.
Inquestionavelmente, a publicação do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003) também contribuiu para um melhor encaminhamento da questão, ao preconizar, em seu art. 27, a vedação quanto à discriminação por idade em concursos públicos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo exigir.
De outra parte, revela-se também passível de questionamento a exigência de aprovação em teste psicotécnico que não tenha anterior previsão em lei, a teor da Súmula n. 686 do STF. A exigência de aprovação em exames dessa natureza, portanto, só se legitima diante de anterior previsão em lei e se os critérios adotados para a avaliação forem objetivos.
Ao abordar esse tema, o eminente Ministro Francisco Rezek averbou: "Não é exame, nem pode integrá-lo, uma aferição carente de qualquer rigor científico, onde a possibilidade teórica do arbítrio, do capricho e do preconceito não conheça limites" [1].
Em razão ainda do princípio da razoabilidade, afigura-se inconstitucional a exigência de limite de altura quando a natureza do cargo oferecido não requer o cumprimento desse requisito. No mesmo sentido, é inconstitucional a exigência de cumprimento desses requisitos no momento da inscrição do candidato, eis que, além de desarrazoada, não se presta também a aferir a sua eficiência. Destarte, essas exigências têm por objetivo apurar a eficiência do candidato para o exercício do cargo e não para a inscrição no concurso, o que não pode ser ignorado sob pena de causar inúmeros prejuízos.
Imagine-se, a título de exemplo, que um Edital exija do candidato a comprovação, no mínimo, de dois anos de bacharelado, no momento da inscrição. Diante dessa exigência, candidatos que completassem esse período alguns dias após o término da inscrição, os quais poderiam estar aptos a ocupar a função, estariam alijados do certame sem razão lógica.
De resto, não foi por outra razão que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento segundo o qual o momento adequado para cobrança dessas exigências é o da posse, a teor da Súmula n. 266.
Por fim, oportuno registrar que qualquer atitude tomada pelo Poder Público durante o transcorrer dos concursos, que venha atingir direitos dos candidatos, deverá vir acompanhada das razões as quais lhe deram origem sob pena de inconstitucionalidade, não sendo outra a orientação contida na Súmula n. 684 do STF. Sendo assim, ao contrário do que se poderia imaginar, o candidato, em relação ao preenchimento de vagas em carreiras públicas, não está à mercê dos desmandos praticados pelo Administrador, encontrando, nos princípios constitucionais, resguardo para as suas aspirações.
Notas
1 STF, 2.ª T., RE n. 112.676/MG, rel. Min. Francisco Rezek, v. u., j. em 17.11.1987, DJU de 18.12.1987, p. 977.