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Da aplicabilidade do incidente de deslocamento de competência

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CONCLUSÃO

Inicialmente, convém destacar que, para o Estado brasileiro, se mostra essencial o papel da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, responsáveis por averiguar a responsabilidade do Brasil em decorrência da omissão ou ação de atos por agentes estatais que violem os direitos humanos.

A presente possibilidade de responsabilização, corroborando com a expressa aceitação do Brasil à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, implica em um novo modo de agir em relação aos atos externos, incorporando ao cotidiano nacional o respeito às obrigações internacionalmente assumidas. Submetem a este crivo, os atos dos Três Poderes, não importando na seara internacional, como se organiza o Estado, pois o mesmo é considerado uno e indivisível não podendo utilizar suas dissonâncias para fugir do compromisso assumido internacionalmente. Neste diapasão. É patente que o compromisso externo, mesmo que indiretamente, reforça o compromisso interno, pois a atuação internacional requer a insuficiência dos meios internos, impondo um esgotamento dos recursos locais de proteção aos direitos humanos. Tal esgotamento representa o reconhecimento de que a instância internacional somente deve atuar após ter dado ao Estado a chance de fazer valer suas regras internas, coibindo e corrigindo as graves violações aos direitos humanos.

Neste diapasão, a possibilidade de deslocamento de competência introduzida pela Emenda Constitucional nº 45 recebeu diversas críticas, as quais sustentavam ofensas a determinados princípios constitucionais. Tais ponderações evocam dois alertas importantes: o primeiro se refere ao excesso de críticas pelo uso de expressões indeterminadas; o segundo se faz necessário pelo suposto entendimento de que os princípios do juiz natural, do pacto federativo e do devido processo legal teriam um grau de proteção que inviabilizaria uma nova leitura no sistema constitucional, pautada pela razoabilidade e pela proporcionalidade. Contudo, ressalta-se que os conceitos indeterminados, por vezes tão criticados, visam garantir que o texto constitucional seja maleável ao avanço social.

Por todo o exposto, é patente que não há violação ao princípio do pacto federativo, uma vez que o federalismo contemporâneo busca um modelo de cooperação entre seus entes, relembrando que a União é que será responsabilizada internamente pelas violações que forem praticadas dentro de seus estados-membros.

Não se verifica, também, qualquer violação ao princípio do juiz natural, eis que não há a criação de um juízo de exceção, mas sim, a possibilidade de deslocamento para um Tribunal previamente conhecido. Ademais, o princípio do juiz natural visa garantir um julgamento imparcial dentro das regras previamente conhecidas. Ora, mesmo com o deslocamento para a Justiça Federal, não há de se falar em julgamento parcial, tampouco em ofensa à legislação pátria em vigor. O que se verifica é apenas uma redistribuição da competência por critérios assumidos previamente pela Constituição Federal.

No que atine ao devido processo legal e a ampla defesa, tais princípios estarão resguardados diante da suscitação do incidente de deslocamento, tendo em vista que o requerido ou investigado terá interesse legítimo a ser defendido e deverá ser ouvido pelo Superior Tribunal de Justiça.

Por conseguinte, o uso da expressão “grave violações aos direitos humanos”, considerada por alguns como genérica em demasia, não se diferencia de tantos outros conceitos indeterminados presentes no texto Constitucional, pois a Constituição Federal empregou um termo cujo conteúdo deverá ser analisado diante do caso concreto, evitando seu uso indiscriminado, mas assegurando a sua utilidade. Destarte, analisando a constitucionalidade da federalização, deve-se ater ao seu elemento diferencial, o ponto de inflexão que demande a extraordinária necessidade de alteração de competência.

Verificou-se que o incidente de deslocamento de competência se baseia em três sustentáculos, três requisitos: a identificação da grave violação aos direitos humanos; o compromisso internacional assumido; a incapacidade do estado-membro em oferecer resposta oportuna e adequada. Assim sendo, não se trata de medida banal, vez que para o efetivo deslocamento é imperioso que os aludidos requisitos coexistam no caso concreto.

Não sem razão, pode-se realizar uma comparação do incidente de deslocamento a um sistema de freios e contrapesos, onde o controle recíproco acaba por induzir atuações preventivas, que evitam a ocorrência do ilícito. A mera possibilidade de deslocamento tem o condão de forçar o estado-membro a adotar medidas efetivas, visando evitar a perda da competência.

Por derradeiro, pelo sucinto estudo dos casos concretos, mormente o IDC-1 e o IDC-2, infere-se que as características do incidente derivam da conjugação de várias situações, como o contexto em que atuava a vítima em defesa dos direitos humanos, a vinculação da ofensa a uma reiterada atuação estatal ilícita ou, até mesmo, atos constantes de racismo ou xenofobia. Todos estes exemplos denotam que o conceito de graves violações se limita aos fatos que se subtraem à normalidade, ao conjunto de situações rotineiras, impedindo que a federalização seja banalizada.

Nesse comentos, impende salientar que o instituto em análise não tem o escopo de ser um instrumento salvacionista de todos os problemas do judiciário brasileiro. Não serão a Justiça Federal, a Policia Federal e o Ministério Público Federal que irão acabar com a crescente impunidade no Brasil. É cediço que os estados-membros possuem plena capacidade para investigarem e julgarem os casos de graves violações aos direitos humanos, sendo inegável que têm juízes capacitados, policiais preparados e promotores atuantes. Entrementes, toda regra possui sua exceção, e a experiência concreta do país demonstra que a transferência para a Justiça Federal é recomendada face à impunidade, à excessiva demora e ao envolvimento de agentes estatais nos crimes.

Por derradeiro, é oportuno que o incidente de deslocamento de competência seja considerado como um instrumento de fortalecimento dos esforços conjuntos dos estados-membros e da União, na busca incessante e essencial para a concretização dos direitos assegurados pela Constituição, tornando realidade o ideal preconizado como dignidade da pessoa humana em seu mais amplo escopo, não permitindo a banalização ou vulgarização o incidente, devendo ser utilizado apenas quando não houver no plano local, meios hábeis ou eficazes para a apuração, persecução e processamento de graves crimes contra os direitos mais básicos do ser humano.


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Sobre o autor
José Gabriel Pontes Baeta Costa

Graduado em Direito pela PUC/MG, campus Poços de Caldas. Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera/UNIDERP. Advogado inscrito na OAB/MG, atuante nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Penal e Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, José Gabriel Pontes Baeta. Da aplicabilidade do incidente de deslocamento de competência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4795, 17 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51254. Acesso em: 5 nov. 2024.

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