Capa da publicação O medo como elemento de controle social: Perspectiva analítica do filme “A Vila”
Capa: Touchstone Pictures

O medo como elemento de controle social: perspectiva analítica do filme “A Vila”

Exibindo página 2 de 3
Leia nesta página:

4.  Abordagem psicológica sobre o medo

Sempre ouvimos quando crianças: cuidado com o “bicho papão”, cuidado com o “velho do saco”, entre outras “máximas” que nos faz concluir que o medo sempre foi elemento de controle, e que o medo e sua sistemática, se dá por meio de um conjunto de fatores que constroem de forma individual ou não o medo e suas devidas implicações no contexto social, limitando muitas vezes propositadamente o agir do homem, pois o controle é sempre mais vantajoso para os que comandam.

É delicado e inviável tratar as particularidades na situação em comento, pois falar dos efeitos e intensidade que cada um é atingido por esse meio de controle social é praticamente impossível, se levarmos em conta a complexidade da natureza humana, e também as diferentes formas de atuação que levarão em conta outros fatores, como por exemplo localidade, idade, religião, entre outros.

Entendemos que mesmo emoções básicas como o medo não fogem à regra. São também socialmente construídas, a partir de experiências “empíricas”, são inúmeros os fatores responsáveis pela construção e aplicação do medo, levando-se em conta sempre padrões de diferentes culturas. Assim, culturas diferentes implicam variações na emergência de sentidos de determinadas emoções, bem como as emoções fundamentais para cada cultura.

Ressalte-se, o medo em questão é aquele “provocado”, para que de alguma forma a situação esteja sob controle de alguém, hoje se entende que a repetição do “bicho papão”, nada mais é do que uma forma encontrada pelo pais para disciplinar os filhos, mecanismo esse que muitas vezes é usado de forma involuntária, mas que atinge a finalidade para o qual foi criado[32].

Nas palavras de Ana Maria Jacó-Vilela, Antônio Carlos Cerezzo e Heliana de Barros Conde Rodrigues, a síndrome poderá ser dividida em diversas concepções: 1) de inspiração mais objetivista, que concebe a síndrome do pânico como uma entidade com substância própria, independente dos contextos sociais e culturais contemporâneos; 2) de orientação historicista e anti-essencialista, que concebe a síndrome do pânico como a expressão de uma cultura, de um universo social que lhe dá os elementos de sustentação[33].

Maria Graciete Carramate Lopes e Roseli A. Fígaro Paulino[34] mencionam que “a visão que se guarda da infância desses ‘perseguidores’ é realmente profunda e aterradora e que teria a função de amansar os rebeldes, embora possa ser contraproducente para a educação, produzindo um pavor estúpido”.

Karla Alessandra de Amorim D’Elía apud Elias Norbert [35] relata que “os pensamentos fantasiosos (...) ajudam-nas a aliviar uma situação de outro modo insuportável, na qual se encontram inteiramente expostas, como crianças pequenas, a forças misteriosas e incontroláveis”.

Pode-se traçar também, um paralelo ao filme “A vila” (The village), pois a única ferramenta de controle dos anciões para com aquela sociedade era o medo, por meio dele (empregando monstros fantasiosos), que os anciões conseguiam manter toda a vila sob seu controle, evitando com que os membros desrespeitassem a ordem de não ultrapassar os limites permitidos pelos “monstros”, não obstante, o que também levou os anciões a agirem dessa forma, foi o medo, pois todos os membros do conselho de anciões tinham sofrido de alguma forma com a violência urbana, e por medo dessa violência resolveram renunciar a sociedade que eles julgavam “contaminada”, e criar uma sociedade própria, nota-se portanto que o medo estará sempre presente de formas diferentes, no processo de “moldação” social, pois enquanto houver mandante e mandado, pensador e pensante, condutor e conduzido, haverá medo.

Nas palavras de Alice Atsuko Matsuda Pauli, Andrea Cristina Fontes Silva e Patrícia Martins Castelo[36]:

Cada cultura possui seus medos e ferramentas próprias para se defender deles e seria também na infância que os medos sofrem processo de intensificação pela sociedade. As famílias ou sociedades criam dispositivos de amedrontamento de suas crianças: lobisomem, bicho papão, homem do saco, monstros, bruxas, boi da cara preta, mulas sem cabeça, saci, etc. (...) trata-se de dispositivos de segurança e de doutrinamento.

Nós podemos lidar com aquilo que se materializa, mas é muito difícil lidar com algo que é desconhecido, que é uma projeção da nossa mente, nossa mente é extremamente vulnerável, e se coloca muitas vezes em situação de ameaça, e se a mente projeta ameaça, o medo é inevitável.

Zygmunt Bauman ressuscita as palavras de Lucien Febvre (século XVI),[37]quando o mesmo já dizia que se vivia uma época de “peur toujours, peur partout” (medo sempre e em toda parte), o medo a qual fazia menção era o medo do desconhecido principalmente nas navegações europeias, e a incerteza que do que aguardava era o que limitava, e ainda limita a atuação do homem.

Acredita-se ser possível reescrever o que sentimos, num processo histórico, e que essas descrições reproduzirão alterações dos afetos. Podemos resgatar nossa reflexão e autocontrole, não para negar nossas emoções, mas para dar-lhes um outro sentido. Eis a afirmação de Zygmunt Bauman[38]:

O “medo derivado” é uma estrutura mental estável que pode ser mais bem descrita como o sentimento de ser suscetível ao perigo; uma sensação de insegurança (o mundo está cheio de perigos que podem abater sobre nós a qualquer momento com algum ou nenhum aviso) e vulnerabilidade (no caso de o perigo se concretizar, haverá pouca ou nenhuma chance de fugir ou de se defender com sucesso; o pressuposto da vulnerabilidade aos perigos depende mais da falta de confiança nas defesas disponíveis do que do volume ou da natureza das ameaças reais).

Pode-se afirmar, contudo, que sem o medo esse controle não seria possível, tornando-se, portanto, elemento essencial a manutenção ou criação de uma sociedade, mesmo que de forma despercebida, o psicológico é induzido a sermos limitados de alguma forma, para conter a natureza humana.

Sergio Wollmann ao citar Thomas Hobbes[39] define que:

Porque as leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder capaz de levá-las a ser respeitadas, são contrárias a nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém.

Outro exemplo claro, e talvez o mais comum, é o medo que por muitos anos vem sendo utilizado por religiosos para evitar que as normas e doutrinas sejam desrespeitadas, é o medo do “inferno”, sem entrar na discussão da existência ou não, o fato é que muitos líderes religiosos se fazem valer desse medo cristão, para controlar os fiéis de sua igreja, e é por medo dele que muitas vezes os seres humanos deixam de praticar desejos que são inerentes a qualquer ser humano, por medo de uma condenação ao “fogo eterno”.

Desde o seu nascimento, durante império romano, a religião cristã tinha grande controle social e político, ditando a forma como pensar, agir, vestir, nascer, se tornando a mais poderosa das instituições na idade média, e claro que todo esse poder foi construído pelo medo, primeiro por que aquele que descordasse era tido como herege e condenado muitas vezes a morte, e quando isso não mais era possível, tinham que instalar o medo de alguma forma, e o terror psicológico usando o inferno intensifica-se, para manutenção desse poderio.

St. Laud de Angers citado por Gustavo Freitas[40] enfatiza que: “Deus quis que, entre os homens, uns fossem senhores e outros, servos, de tal maneira que os senhores estejam obrigados a venerar e amar a Deus, e que os servos estejam obrigados a amar e venerar o seu senhor”.

Esse comportamento adotado pelos líderes acabou se perpetuando no tempo, pois se percebia a eficácia e o efeito que surtia sob parte da sociedade, vistos de vários ângulos, pessoas que entregam muitas vezes tudo que possuem para cumprirem uma obrigação de cunho religioso, simplesmente por medo de não ser abençoado financeiramente; pessoas que negam os próprios desejos carnais, por acreditarem que praticar sexo antes do casamento irá conduzi-los ao inferno; pessoas que se vestem de forma a não se sentirem bem, por que a igreja tem como dogma aquelas vestimentas; pessoas que sequer questionam os seus líderes religiosos, por que ouviram que os “escolhidos” de Deus não podem ser questionados[41].

Tudo isso se deu por meio de um processo de “evolução”, onde se estuda a forma de controle social, através do medo, que é introduzido “imperceptivelmente” na mente humana. Lembremos que a Igreja sempre soube fazer isso muito bem. Nos dizeres de Augusto Cury[42], “quando usamos as palavras para compreender as raízes do medo e enfrentar os seus tentáculos, o medo é reeditado, pois novas experiências são acrescentadas às janelas da memória onde eles se encontram. O medo torna-se nutriente da coragem”.

Não temos, atualmente meios eficazes de lidar adequadamente com nossos medos. Quais medos? Qualquer medo que se apresente ao nosso inconsciente ou ao nosso consciente, muitas vezes medo que acreditamos ser comuns, como o medo do corpo “feio”, gordo, magro, como o medo do futuro, como o medo de não termos sucesso, etc. o medo irremediável gera a impotência sérias consequências.

O presente artigo se torna relevante por abranger um tema discutido em rodas de conversa, em todas as faixas etárias e pode de alguma forma, comprometer o convívio social.

O medo que apavora, paralisa muitas vezes se apresenta como queixa nos consultórios de psicólogos e psicanalistas. São diversos e é inviável citá-los um a um.

Muitos deles, inusitados e ocultos, que vem se tornando objeto de estudos e pesquisas sendo abordados sob diferentes óticas, e contextualizados sob diversas perspectivas.

Devemos conhecer o medo e nos adaptar a ele, nunca devemos fugir dele.


Conclusão

O presente artigo tratou sobre os aspectos do elemento medo, abordando a referida sensação em todas as suas possibilidades e formas, sempre pontuando as consequências de uma atuação demasiada do elemento em questão; falamos sobre a atuação do medo na sociedade, e trouxemos como análise o filme “A vila” (The village), que é um retrato fiel do poder limitador que o medo tem sobre as pessoas, pois ele é utilizado como principal elemento controlador naquela sociedade. Os anciões criaram monstros que não existiam para que as pessoas não ultrapassassem os limites impostos por eles, haja vista que se saíssem da “vila”, encontrariam um mundo ao qual os anciões julgavam impróprio, percebe-se também que foi justamente o medo que levou os anciões a agirem dessa forma, tendo em vista que eles também tinham sofrido medo psicológico e tinham medo da violência que assolava a cidade.

Depois fizemos uma análise do medo no “mundo cristão”, abordando os principais medos daqueles que seguem uma doutrina e os mecanismos usados pelos seus líderes para aprisionar a mente dos seus fiéis, e, por consequência, controlar o seu rebanho, pois se tiverem medo, existirá uma cultura ditada, uma forma padrão de viver, a forma que melhor convém a esses líderes.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Abordamos também o medo e a psicologia, como a mente humana funciona, como o medo é visto em suas diferentes formas, e por que é necessário conhecer a psicose humana para aprisionar a mente se utilizando do medo.

Passamos ainda pelas formas mais gravosas que o medo se apresenta, muitas vezes com sinônimos que funcionam como uma espécie de maquiagem, mas que na verdade surte o mesmo efeito.

O referido artigo foi pensado porque o medo, embora se apresente de diferentes formas no tempo, sempre estará presente nas conjecturas sociais, por ser algo atemporal, inerente à natureza humana e é um dos elementos mais poderosos utilizados como meio de controle social. É uma arma que permite a condução despercebida de uma massa sedenta por um líder, e que está muitas vezes disposta a ficar no seu mundo de inverdades, pois é ali que tudo é mais bonito, e o mundo é “cor de rosa”.

Vimos que a igreja tem se utilizado, e muito, desse elemento, é por meio dele que os cristãos estão se aprisionando e cedendo em muito a sua natureza, sempre por medo do inferno, de “lúcifer” ou qualquer outra “coisa” que fortaleça o controle dos líderes religiosos.

O presente artigo visa ampliar os horizontes e percepções para que possamos ser cada vez mais críticos quanto aquilo tudo que nos cerca, e percebamos que o mundo é muito mais do que aquilo que nos é apresentado, e que muitas vezes, os limites nos são dados propositadamente, pois o que interessa aos que comandam, é o controle sobre o máximo de pessoas que puderem.

É necessário entender que o medo é inevitável, diria até que é essencial, para que a prudência nos acompanhe, não obstante, é preciso que saibamos controlar esse medo para que ele não nos domine, e não nos impeça de alçar voos mais altos, pois o problema não está no medo, está na forma como nós o encaramos.

Precisamos compreender que o mundo a nossa volta é muito mais do que o visível aos olhos, não podemos fugir do inevitável, mas podemos aprender a lidar da melhor forma possível com o medo, e principalmente controlar as reações que ele nos causa, para que ele interfira da forma menos gravosa possível.

É necessário compreender o medo, suas causas, implicações, seus níveis, sua necessidade, suas formas, e a melhor maneira de equilibrar o que é inevitável, com o que pode nos limitar; é preciso que tenhamos uma percepção ampla e mais crítica do que está a nossa volta, é preciso identificar o medo e trabalhar os seus aspectos.

Durante todo o trabalho acadêmico foi discutido o medo e suas complexidades, e é de suma importância essa analise minuciosa, pois é a forma como somos conduzidos que está em questão, portanto se faz necessário um olhar mais atento para questões dessa natureza, para que possamos compreender os nossos medos e entender a nossa fraqueza.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Leonardo Barreto Ferraz Gominho

Graduado em Direito pela Faculdade de Alagoas (2007); Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade do Sul de Santa Catarina (2010); Especialista e Mestre em Psicanálise Aplicada à Educação e a Saúde pela UNIDERC/Anchieta (2013); Mestre em Ciências da Educação pela Universidad de Desarrollo Sustentable (2017); Foi Assessor de Juiz da Vara Cível / Sucessões da Comarca de Maceió/AL - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Foi Assessor do Juiz da Vara Agrária de Alagoas - Tribunal de Justiça de Alagoas, por sete anos, de 2009 até janeiro de 2015; Conciliador do Tribunal de Justiça de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito das Obrigações, das Famílias, das Sucessões, além de dominar Conciliações e Mediações. Advogado. Professor da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Professor e Orientador do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF -, desde agosto de 2014. Responsável pelo quadro de estagiários vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF - CCMA/FACESF, em Floresta/PE, nos anos de 2015 e 2016. Responsável pelo Projeto de Extensão Cine Jurídico da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF, desde 2015. Chefe da Assessoria Jurídica do Município de Floresta/PE. Coautor do livro "Direito das Sucessões e Conciliação: teoria e prática da sucessão hereditária a partir do princípio da pluralidade das famílias". Maceió: EDUFAL, 2010. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico I: discutindo o direito por meio do cinema”. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821832; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito civil e direito processual civil”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821749; Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 01. São Paulo: Editora Lexia, 2017. ISBN: 9788581821856. Coordenador e Coautor do livro “Coletânea de artigos relevantes ao estudo jurídico: direito das famílias e direito das sucessões”. Volume 02. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558019. Coordenador e Coautor do livro “Cine Jurídico II: discutindo o direito por meio do cinema”. Belém do São Francisco: Editora FACESF, 2018. ISBN: 9788545558002.

Wesley Clistenes da Silva Vargas

Acadêmico de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos