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Informante de boa-fé (wistleblower): pela regulamentação do wistleblowing no Brasil.

Informante ganhou US$ 30 milhões nos EUA

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26/08/2016 às 22:13
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7. Valor probatório da wistleblowing. Regra de corroboração.

O wistleblowing (a informação, por si só) constitui uma fonte de prova. Mas junto com a informação vários elementos probatórios podem ser fornecidos. Todas as informações estão sujeitas à regra da corroboração, ou seja, devem ficar evidenciadas em juízo (dentro do devido processo legal) por provas colhidas de acordo com o contraditório, ampla defesa etc. Se as várias provas encontradas (para além da dúvida razoável) corroborarem os relatos e assertivas do informante, fala-se em um conjunto probatório coeso e uniforme, suficiente para derrubar a presunção de inocência.

O que não é admissível é o juiz condenar alguém só com base nas palavras do informante. Por mais boa-fé que tenha, sua fala, isolada, tanto quanto a delação premiada, não serve de base para condenação penal. Havendo provas contundentes, essas informações valerão como argumento de reforço. As provas somente são suficientes para condenar quando não deixam dúvidas razoáveis.

Na regulamentação do wistleblowing vale a pena uma regra semelhante à do § 16 do artigo 4º da Lei 12.850/2013, que diz: “Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador”.

As informações do colaborador não passam de fontes de prova (elas servem para encontrar provas). Ao não se admitir a condenação baseada unicamente nas declarações do colaborador, há limitação ao livre convencimento do juiz.

De acordo com Gustavo Badaró (citado no nosso livro Organizações criminosas)): “o §16º do artigo 4º não tem por objetivo determinar qual meio de prova ou quantos meios de prova são necessários para que um fato seja considerado verdadeiro. Ao contrário, trata-se de um regime de prova legal negativa, em que se determina que somente que a delação premiada é insuficiente para a condenação do delatado”.

As informações do colaborador devem implicar em elementos de informação que culminem em provas capazes de confirmar suas declarações, ou ao menos, que auxiliem nas investigações, a exemplo de: fornecimento de dados bancários dos envolvidos, fornecimento de números de telefones dos envolvidos para a finalidade de futuras interceptações telefônicas, entrega de documentos, indicar a localização de bens, direitos e valores sujeitos a medidas de busca e apreensão, arresto e sequestro cautelar etc. Deve haver a incidência dessa regra de corroboração, portanto.

Nesse passo, nos moldes do que já decidiu a Corte Constitucional Espanhola, toda informação carece de consistência plena como prova acusatória quando, sendo única, não puder ser minimamente corroborada por outras provas. Sem corroboração mínima, não se pode falar em lastro probatório mínimo apto a vulnerar a presunção de inocência (ver nosso livro Organizações criminosas).

Quanto à corroboração mínima, o Tribunal Constitucional Espanhol não a definiu, entretanto, ela trilha os caminhos de que as declarações de um informante devem ser corroboradas por dados, fatos externos, o que faria com que ela apenas fosse alcançada caso a caso. Daí a impossibilidade de definição.

Ainda nas águas do direito comparado (que em muito nos serve), o Tribunal Supremo espanhol firmou o entendimento de que a credibilidade das declarações de um informante não necessita ser plena, mas deve ser corroborada objetivamente por meio de fontes extrínsecas à informação. Com isso, o Tribunal criou a figura da credibilidade objetiva (ver nosso livro Organizações criminosas).


8. O wistleblowing no Dodd-Frank Act sancionado por Obama.

Logo após a megacrise financeira de 2007-2008 (crise conhecida como sub-prime, que até hoje continua produzindo efeitos deletérios em todo planeta) foi editado um novo programa de incentivo ao informante de boa-fé (por Obama) chamado de “Whistleblower Incentives and Protection Program”. É o programa de incentivo, recompensa e proteção de informantes previsto no “Dodd-Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act” ou, simplesmente, Dodd-Frank Act.

Whistleblowers, no Dood-Frank Act, são as pessoas físicas (ou grupos de pessoas físicas) que, voluntariamente, levam à SEC “informações relevantes para uma investigação sobre infrações cometidas no âmbito da atividade empresarial, tais como a corrupção ativa de funcionários públicos estrangeiros, fraudes no mercado de valores mobiliários, condutas anticoncorrenciais, etc.; se as empresas são condenadas, a SEC fica autorizada a pagar ao informante um prêmio em dinheiro que varia entre 10% e 30% do valor da multa aplicada à empresa, desde que o valor da sanção seja igual ou superior a um milhão de dólares” (ver Eduardo Silva, Valor Econômico 13/6/13).

Já no relatório de 2012 da “United States Security and Exchange Comission” (SEC) sobre ilícitos comunicados à SEC apareciam três denúncias que se originaram no Brasil (no total, mais de 3 mil informantes se apresentaram nos EUA). Isso significa a imperiosa necessidade de as empresas sediadas no Brasil, independentemente da regulamentação do wistleblowing no nosso país, tomar as devidas cautelas de compliance (contempladas em janeiro de 2014 na Lei nº 12.846), para evitar as práticas ilícitas dentro delas (ver Eduardo da Silva, Valor Econômico 13/6/13).


9. Europa quer implantar o wistleblowing premial.

Depois da globalização do mercado e das finanças assim como das instituições jurídicas de tradição norte-americana (common law), nem a Europa ficou imune a essa influência.

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A União Europeia, indo na contramão da cultura europeia da não delação, acaba de regulamentar (3/7/16) o wistleblowing para permitir o pagamento de recompensas a quem delatar fraudes ou outros ilícitos nas empresas que atuam no seu âmbito territorial (ver Expansión-España¸19/7/16).

Está animando os países membros a adotarem tal regramento, com o pagamento de recompensas às informações exitosas. 


10. A economia está subordinada à política ou é a política que está subordinada à economia?

Nove de cada dez analistas da crise financeira Americana (2007-2008) afirmam que ela se deveu, sobretudo, à desregulamentação do setor financeiro, que tinha liberdade de ação em virtude da frouxidão dos mecanismos de controle. Aponta-se a era Bush (por exemplo) como uma das responsáveis por essa flexibilização normativa. Por detrás da polêmica está a velha disputa: dentro das oligarquias (das elites dominantes) quem manda em quem: é a economia que manda na política ou o contrário?

As democracias liberais ou tendencialmente liberais (a política: políticos e governantes) foram capturadas pelos interesses econômicos e financeiros que não agem, evidentemente, em favor no bem comum (eles não constroem hospitais nem escolas para a população, por exemplo). Não é fácil, nesse contexto, aprovar leis ou constituições contra os interesses das elites econômicas e financeiras dominantes. A regra é o que fez Bush: desregulamentou o mercado (sobretudo o financeiro) porque eles são os dominantes. A exceção é o que fez o governo Obama: aprovou programas e leis que permitem a delação de atos ilícitos (particularmente) do mundo empresarial.

O Estado está presente nos dois modelos (porque não existe mercado capitalista sem Estado). Mas ora o Estado serve a um senhor (economia, interesses particulares), ora serve a outro (política do interesse comum, que é o legítimo papel do Estado e da política). Esse é o jogo contínuo do exercício do poder. Desde logo e em primeiro lugar é preciso estar bem posicionado dentro do Estado.

A promulgação de leis e constituições que procuram controlar e limitar os poderes das elites econômicas e financeiras é alvissareira (nenhuma sociedade aceita eternamente os abusos do poder e as injustiças). Algumas leis chegam a ter eficácia exuberante (é o caso hoje da delação premiada frente à delinquência organizada dos donos do poder). Outras não “pegam”, porque são leis promulgadas dentro de um Estado de Direito projetado como unidade para proteger e defender os interesses das elites dominantes que tiveram força suficiente para estabelecê-lo e criaram um sistema de poder para sustentar suas posições de privilégio e de hegemonia.

Promulgar leis e constituições, leia-se, normas constitutivas de um novo Estado de Direito, sem empoderar órgãos que possam fazer valê-las para todos (eficácia “erga omnes”) não deixa de ser uma iniciativa que busca finalidades comuns louváveis, mas todo o projeto está condenado ao fracasso, porque sem empoderamento de quem não é hegemônico (em qualquer que seja a sociedade) o cenário vivido não se modifica.

A Lava Jato (que veio depois do mensalão) só ganhou a natureza de microrrevolução porque a polícia, o Ministério Público e os juízes foram concretamente empoderados (ou se empoderaram). Por força desse empoderamento hoje quase cem notáveis do mundo das elites dominantes e governantes estão encarcerados ou sob o regime da tornozeleira domiciliar. Isso significa mudar as relações sociais concretas (ou a frustração se torna inevitável). São dessas relações sociais concretas que temos que cuidar. Sem modificação delas as leis e as constituições bem intencionadas não passam de paisagens.

A nova lei do wistleblowing (se aprovada pelo Congresso Nacional) deve ser vista nesse contexto realístico: terá que enfrentar as resistências das forças hegemônicas e, depois, terá que ultrapassar o teste de fricção com a realidade. Se ninguém se sentir empoderado o suficiente para se tornar um informante de boa-fé a lei não vai “pegar”. É preciso que o ambiente microrrevolucionário da Lava Jato, que empoderou órgãos estatais como polícia, Ministério Público e juízes, continue com suas chamas acesas para que aconteça o subsequente empoderamento da cidadania vigilante. O que vai mudar o Brasil não é a vontade de mudar o Brasil (já manifestada por mais de 70% dosbrasileiros), sim, o concreto processo de empoderamento de quem não tem força hegemônica dentro da sociedade cleptocrata brasileira.

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Informante de boa-fé (wistleblower): pela regulamentação do wistleblowing no Brasil.: Informante ganhou US$ 30 milhões nos EUA. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4804, 26 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51263. Acesso em: 22 dez. 2024.

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