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Especificidades da participação do Município no Sistema Único de Saúde

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Resumo:


  • O dever do Estado quanto à prestação dos serviços de saúde é repartido entre a União, os Estados e os Municípios, cada um com responsabilidades definidas e diferenciadas, de acordo com as políticas estaduais.

  • Os Municípios só são obrigados a fornecer os medicamentos que constam em sua lista, elaborada conforme a política estadual e baseada na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, sendo os medicamentos especiais e extraordinários de responsabilidade dos Estados ou da União.

  • O SUS é um sistema público que atende a todos com igualdade, não sendo admissível que médicos ou clínicas privadas encaminhem pacientes para internação em unidades de saúde públicas ou receitem medicamentos a serem fornecidos pelo poder público, devendo o acesso ocorrer exclusivamente por meio do SUS.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4.O SUS como sistema público

Quando alguém necessita de cuidados médicos e recorre ao SUS, procura, salvo exceções, uma unidade de saúde municipal. Essa unidade tem o dever de prestar o atendimento e de fornecer os medicamentos receitados. Se o Município não puder prestar o serviço cabível, tendo em vista as obrigatoriedades assumidas, nos termos de seu nível de inserção ao SUS, o que está definido na política estadual, ou não contar com o medicamento exigível, por não se encontrar incluído na sua relação de medicamentos, elaborada com base na RENAME, ou por não tê-los recebido do Estado, se medicamento especial contra a AIDS ou medicamento excepcional, deve o Município encaminhar o paciente ao Estado ou requisitar, do Estado, o medicamento.

Como o SUS é um sistema hierarquizado, essa é a forma de participação solidária do Município. Encaminhado ao Estado ou requisitado o medicamento da instância superior, cessam as obrigações do Município, salvo quanto à continuidade de atendimento do paciente, dentro de suas possibilidades, e quanto à cobrança das ações a serem desenvolvidas pelo Estado. É por isso que são absolutamente incabíveis as imposições de obrigação solidária e conjunta da União, do Estado e do Município. E repita-se, não se pode aceitar o argumento simplista de que, estando o Município em gestão plena, é obrigado a tudo. Não é. A gestão plena é submetida aos condicionamentos constantes da política estadual e, de outra parte, o Estado e a União, que integram o sistema, possuem competências determinadas.

Cabe aduzir que a prestação de serviços de saúde, nos termos da CF, é um dever do Estado (art. 196) a ser cumprido "nos termos da lei...diretamente ou através de terceiros" (art. 197), podendo as instituições privadas participar complementarmente do SUS, "segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio" (art. 199, § 1º).

As mesmas regras constam da Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/90), onde está dito que o SUS é o conjunto das ações e serviços de saúde prestados pelo Poder Público (art. 4º), podendo haver participação complementar da iniciativa privada (art. 4º, § 2º), mediante contrato ou convênio (art. 24, parágrafo único).

A assistência à saúde é prestada através de um sistema complexo, que engloba os Postos de Saúde, os Ambulatórios de Referência, os Hospitais e os terceiros credenciados, contratados ou conveniados.

As internações hospitalares são feitas através da AIH – Autorização de Internação Hospitalar, procedimento regulado desde a Resolução nº 227,de 27.07.90, do antigo INAMPS. O fluxo de internação encontra-se regulado no Manual do SIH-SUS. Diz o Manual:

"5 – Fluxo da internação

5.1. Consulta

A consulta médica que gerou a internação poderá ocorrer em:

a)Consultório médico credenciado ou cadastrado no SUS;

b)Unidades Ambulatoriais (Públicas Federais, Estaduais, Municipais, Privadas Filantrópicas ou Lucrativas) integrantes do Sistema Único de Saúde – SUS.

c)Em ambos os casos o médico que realizou a consulta solicitará a AIH através do Laudo Médico".

A norma é precisa e ampla. Só exclui internações solicitadas por médicos não vinculados ao SUS. Visa-se, assim, manter a organização do sistema e impedir internamentos de usuários que, por disponibilidade financeira, apadrinhamento, indicação política ou qualquer outra via anômala, venham a ser internados, não através do SUS, mas através de médicos privados.

Não fosse assim, ocorreriam duas formas de acesso ao SUS: uma através das unidades próprias, credenciadas, contratadas ou conveniadas, que fazem parte de um sistema, e outra, aleatória, proveniente de consultórios privados desvinculados do SUS. Ora, o SUS é um sistema público, que deve atender a todos com absoluta igualdade (CF, caput dos arts. 5º e 37), sem privilégios de qualquer natureza. A porta de entrada a internações hospitalares é a consulta realizada no âmbito do SUS, onde é praticado o princípio da impessoalidade.

De outra parte, permitir que médicos privados emitam a AIH, significa permitir que pratiquem uma usurpação de função pública, o que é vedado pelo Código Penal.

O SUS atende a todos com igualdade, praticando o princípio da impessoalidade. Por isso determinar que esse ou aquele paciente deve ser atendido antes de outros ou com preferência, significa quebrar esse princípio, o que é abominável, face ao contido no art. 5º da Constituição.

Considerações do mesmo teor podem ser feitas com relação aos medicamentos. Todos têm direito de recebê-los, desde que sejam receitados por médicos integrantes do SUS. Permitir que qualquer médico privado emita receitas de remédios a serem fornecidos pelo SUS significa uma interferência indevida da atividade privada na atividade pública.


5.Conclusão

De tudo o que foi dito, extrai-se:

Primeiro, que o dever do Estado, quanto à prestação dos serviços de saúde, é repartido entre a União, os Estados e os Municípios, cada qual com responsabilidades próprias e definidas, diferenciadas por Estados e Municípios, segundo as políticas estaduais respectivas. Assim sendo, cada Município, mesmo que se encontre em gestão plena, só é obrigado a prestar os serviços a ele atribuídos pela política de saúde do Estado ao qual se encontra vinculado.

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Segundo, que os Municípios só estão obrigados a fornecer os medicamentos que constarem de sua relação, elaborada nos termos da política estadual e com base na RENAME – Relação Nacional de Medicamentos Essenciais. Os medicamentos especiais e extraordinários devem ser fornecidos pelos Estados ou pela União.

Terceiro, que o SUS é um sistema público, que atende a todos com igualdade, sendo inadmissível admitir-se a possibilidade de médicos ou clínicas privadas encaminharem pacientes para internação nas unidades públicas de saúde ou receitarem medicamentos a serem fornecidos pelo Poder Público. As internações, os atendimentos e o fornecimento de medicamentos só pode ser admitido através de encaminhamentos feito pelo SUS, seja por profissionais integrantes de cargos públicos de carreira, seja por terceiros credenciados, contratados ou conveniados.

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Sobre o autor
Affonso de Aragão Peixoto Fortuna

Consultor Jurídico do IBAM, Procurador-Geral Adjunto do Município de Joinville,SC

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FORTUNA, Affonso Aragão Peixoto. Especificidades da participação do Município no Sistema Único de Saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 297, 30 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5133. Acesso em: 18 dez. 2024.

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