Tradicionalmente, há duas escolas que discutem como deve ser feita a divisão do tributo em espécies: a escola dicotômica e a escola tricotômica. Segundo a primeira, as espécies tributárias seriam apenas duas: os impostos e as taxas. Já a segunda escola, acrescenta a essas duas espécies a contribuição de melhoria.
Há pontos comuns entre as duas escolas referidas, pois ambas fundamentam suas teorizações a partir do fato gerador da obrigação tributária e da base de cálculo do tributo. Disso pode se concluir que as duas escolas se reportam à teoria dos tributos vinculados ou não a uma atuação estatal.
Explicitando melhor: os tributos são instituídos e cobrados basicamente tendo por fato gerador um fato do contribuinte, independentemente de qualquer atuação estatal a ele referida ou são instituídos tendo por fato gerador uma prevista atuação do Estado, específica e especial, referida ao contribuinte. No primeiro caso, o fato gerador do tributo é desvinculado de qualquer atuação estatal, sendo que o legislador em verdade escolheu um fato do contribuinte, tal como a renda ou a propriedade de imóveis urbanos porque representam signos presuntivos da capacidade contributiva das pessoas. A esse tipo de tributo, baseado na capacidade econômica do contribuinte, tanto a escola tricotômica quanto a dicotômica chamaram de "imposto". No segundo caso, o fato gerador do tributo é uma atuação do Estado, específica, divisível, pessoal, imediata ou mediata, em favor do contribuinte, não mais se falando aqui em capacidade econômica do contribuinte para cobrança da referida exação.
No que tange aos impostos, são harmônicas as escolas, entretanto, no que se refere aos tributos vinculados às atuações estatais elas divergem. Para a escola dicotômica, o Estado sempre cobra "taxas", pouco importando que a atuação do Estado seja serviço, obra, ato de poder de polícia ou de intervenção econômica. Já para a escola tricotômica, o Estado cobra "taxas" quando há serviços do poder de polícia e de utilidade pública e cobra "contribuições de melhoria" quando se tratar de obra pública.
Ao lado dessas escolas clássicas, há outras teorias formuladas, tais como a teoria quinquipartida dos tributos, que além de taxas, impostos e contribuição de melhoria, reconhece os empréstimos compulsórios e as contribuições especiais como espécies autônomas.
Feitas essas observações iniciais, iremos expor sucintamente a teoria de alguns autores acerca das contribuições. Sacha Calmon Navarro Coelho nega autonomia às contribuições especiais. Assevera o emérito professor que a teoria do tributo vinculado ou não vinculado a uma atuação estatal relativamente à pessoa do contribuinte está correta e que a divisão do tributo em espécies somente pode se basear na tese acima referida: da vinculação ou não a uma atividade estatal, sendo bizantina a discussão sobre dicotomia ou tricotomia. Isso ocorre porque a quantidade nominal de espécies tributárias é predeterminada pela teoria dos tributos vinculados ou não a uma atuação estatal. Todavia, no caso específico do Brasil, na espécie dos tributos vinculados a atuações do Estado há dois tipos impositivos: taxas e contribuições de melhoria. (2) Seriam essas, em outras palavras, subespécies da espécie dos tributos vinculados a atuações estatais. Sacha Calmon, pois, dá um enfoque diferente à questão, mantendo incólume a teoria dos tributos vinculados ou não a uma atuação estatal, e, ao mesmo tempo, não desconsiderando a contribuição de melhoria. Parece-nos que Sacha Calmon adota a teoria dicotômica em linhas gerais, reconhecendo, todavia, a contribuição de melhoria ao lado das taxas, nos tributos vinculados.
Dispõe o artigo 149 da Carta Magna que:
"Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art.195, par. 6, relativamente às contribuições a que alude o dispositvo.
Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social" (3)
O artigo 195, por sua vez, determina que:
"A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sócias:
I-dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;
II-dos trabalhadores;
III-sobre a receita de concursos de prognósticos." (4)
Assevera Sacha Calmon que a novidade que trouxe a Constituição de 1988 foi a técnica dos impostos afetados a finalidades específicas dando-lhes o nome de contribuições. O discurso constitucional faz referência a duas figuras nominalmente refratárias à tricotomia até então utilizada: são eles os empréstimos compulsórios e as contribuições, cujo texto a elas relacionado foi transcrito linhas atrás.
Em virtude dessa novidade, parte da doutrina defende que as contribuições sociais seriam tributos autônomos, o que, ao lado dos empréstimos compulsórios, possibilitaria uma teoria quinquipartida dos tributos.
Para se classificar as contribuições especiais, entende Sacha Calmon que se deve indagar se o seu fato gerador está vinculado ou não a uma atuação estatal referida ao contribuinte, de modo pessoal, mediata ou imediatamente. Assim deve se entender porque a natureza jurídica da espécie de tributo é encontrada pela análise do seu fato gerador.
Não nega o ilustre autor sob comento que as contribuições especiais têm finalidades específicas. Todavia, a finalidade, por si só, não as autonomiza como espécie tributária. Não há nenhum óbice a que um determinado imposto ou taxa seja afetado a finalidades específicas se a Constituição assim dispuser. Todavia, essa finalidade específica em nada influencia a determinação de qual espécie tributária é a contribuição, pois o momento jurídico para a apreensão do conceito de tributo é o da imposição do dever, verbis:
"O que importa é analisar o fato gerador e a base de cálculo do tributo, para verificar se o mesmo esta ou não vinculado a uma atuação estatal, específica, relativa a pessoa do contribuinte, indiferentes o nomen júris, características jurídico-formais e o destino da arrecadação. Agora, se temos em mira não a natureza jurídica específica do tributo, mas o controle do Estado, do seu poder de tributar, o destino da arrecadação e importantíssimo. O fim, em si, não serve para definir a natureza jurídica especifica do tributo. Tributos afetados a finalidades especificas sempre existiram." (5)
Data venia, não concordamos com esse argumento. Senão vejamos, ao citar impostos propriamente, o ilustre autor cita o imposto de importação e exportação destinados a formação de reservas cambiais, todavia sob a égide de Constituições anteriores a de 1988. Além disso, faz menção a taxa judiciária em Minas Gerais, que evidentemente não é imposto, não sendo a ela, pois, imposta a vedação do artigo 167, inciso IV da Constituição Federal.
A contradição que se nos afigura incontornável na teoria de Sacha Calmon é a impossibilidade de conciliação entre o art. 167, IV e a afirmação que ele faz de serem as contribuições impostos finalísticos. Ora, se as contribuições são impostos, não podem ser destinadas a nenhum fundo, despesa ou órgão por expressa vedação constitucional.
"Art.167. São vedados:
(...)
IV- a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts.158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde e para manutenção e desenvolvimento do ensino, como determinado, respectivamente, pelos arts.198, par.2º e 212, e a prestação de garantias as operações de credito por antecipação de receita, previstas no art.165, par.8º, bem como o disposto no par.4º deste artigo" (6)
Para Sacha Calmon, a afetação parafiscal não decide sobre a natureza jurídica da espécie tributária. Estes aspectos constitucionais (afetação parafiscal) têm apenas a função de conferir matizes secundários que singularizam, para fins de regulamentação jurídica, as contribuições sociais.
A análise das contribuições sociais comportaria dois níveis de análise: o da Teoria Geral do Direito Tributário e o jurídico-positivo. No nível da Teoria Geral do Direito Tributário é que se deve perquirir o conceito de tributo e de suas espécies. No nível jurídico-positivo, o que importa são as disciplinações legais, a partir da Constituição, que regem especificamente as contribuições:
"Agora note-se: o que do ponto de vista da Teoria Geral do Direito Tributário é acidental: restituibilidade e afetação, do ponto de vista jurídico-positivo é fundamental, daí que são plasmadas normas específicas para regrar os compulsórios e as parafiscais, em razão justamente das causas que justificam a criação dos primeiros e dos fins que sustentam a existência das segundas. (7)
Ora, mas se tais normas específicas são instituídas constitucionalmente e se o próprio autor afirma que a afetação é "fundamental" do ponto de vista jurídico-positivo, entendemos que não há como negar que essa afetação é sim relevantíssima quando da análise da eventual autonomia das contribuições.
Ressalta Sacha que o conceito de tributo deve, pois, basear-se nos arts. 3º, 4º e 5º do Código Tributário Nacional. Há notas de acidente no conceito de tributo que são desimportantes, tais como o nome do tributo e o destino da arrecadação. O art. 4º do Código Tributário Nacional merece ser transcrito pelo suporte inegável que ele dá à teoria defendida por Sacha Calmon:
"A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:
I- a denominação e demais características formais adotadas pela lei
II- a destinação legal do produto da sua arrecadação."
O que o ilustre Professor Sacha Calmon sustenta pode ser assim esquematizado:
1) a análise do artigo 3º do Código Tributário Nacional permitirá averiguar se determinada situação é ou não é tributo. Não resta dúvida de que as contribuições especiais são tributos, vez que se amoldam exatamente ao texto do referido artigo que conceitua tributo. Nesse ponto, concordamos com a opinião de Sacha Calmon acerca da natureza tributária das contribuições especiais.
2) para se saber de que espécie tributária se trata, cabível é a verificação da atuação estatal específica ou não. Para Sacha Calmon, as contribuições sociais tanto podem ser impostos quanto podem ser verdadeiras contribuições.
Sustenta Sacha Calmon que as contribuições sociais, em sua maioria, são impostos. Utiliza o referido mestre como fundamento de sua teoria o artigo 195, parágrafo 4º, da Constituição Federal, que trata das contribuições sociais, e enuncia que:
"A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art.154, I." (8)
Pois bem, o art. 154, inciso I, dispõe exatamente sobre a competência residual da União para a instituição de impostos. Aduz Sacha Calmon que a possibilidade de serem criadas contribuições previdenciárias novas com a utilização da regra da competência residual da União para impostos denota a visão do constituinte quanto a serem impostos as contribuições sociais.
Cabe aqui ressalvar que essa interpretação do autor referido não é o entendimento majoritário dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, conforme voto do Ministro Carlos Velloso no RE 228.321:
"Quando do julgamento dos REEE 177.137-RS e 165.939-RS, por mim relatados, sustentamos a tese no sentido de que, tratando-se de contribuição, a Constituição não proíbe a coincidência de sua base de cálculo com a do imposto, o que e vedado relativamente as taxas. (...) porque, quando o par.4º do art.195, da CF, manda obedecer a regra da competência residual da União- art.154, I- não estabelece que as contribuições não devam ter fato gerador ou base de cálculo de impostos. As contribuições, criadas na forma do par.4º, do art.195, da C.F., não devem ter, isto sim, fato gerador e base de cálculo próprios das contribuições já existentes." (9)
Além disso, Sacha Calmon lança outros argumentos que corroboram sua teoria. Nas contribuições sociais pagas pelos empregadores (COFINS, por exemplo), os fatos jurígenos são lucro, faturamento, pagamento de salários e receita de jogos. Como pode se perceber, são fatos do contribuinte e não há atuação estatal a ele voltada pois a receita vai para o Caixa da Seguridade Social para atender às pessoas generalizadamente. (10) Além disso, verifica-se que é aplicado o princípio da capacidade contributiva, próprio dos impostos, conforme assinala o artigo 145, parágrafo primeiro da Constituição Federal. De fato, o lucro e o faturamento indicam que a base de cálculo desse tributo mede a materialidade do fato gerador e, ainda, que essa base de cálculo liga-se a fatos que são signos presuntivos de capacidade contributiva. Ademais, a retribuição do Estado em favor do contribuinte não constitui o fato jurígeno dessas exações especiais, exatamente como ocorre com os impostos em geral.
Assim sendo, as contribuições especiais devem, quase sempre, serem classificadas como impostos, pela análise dos seus fatos jurígenos. Como já afirmado, são tributos cujos fatos geradores são constituídos de uma realidade (um ser, fazer, estar) própria do contribuinte, independente de qualquer atuação estatal.
Todavia, há algumas contribuições específicas que, para Sacha Calmon, não têm natureza de impostos. As contribuições previdenciárias, pagas por todos os segurados proporcionalmente aos seus ganhos, para garantirem serviços médicos, auxílios diversos e aposentadorias são espécie de tributos vinculados a uma atuação específica do Estado relativamente à pessoa do contribuinte. (11)
Diante disso, essas contribuições não podem ser classificadas como impostos, vez que há nelas manifesto caráter sinalagmático. Entende Sacha Calmon, seguindo a doutrina de Geraldo Ataliba, que para esse caso específico a natureza jurídica é de "verdadeira contribuição", devendo essa ser entendida como o tributo que, no plano ideal das categorias científicas, tem hipótese de incidência diferente do imposto e da taxa, no sentido de que a materialidade de sua hipótese de incidência consiste numa atuação estatal mediata ou indiretamente referida ao obrigado. Ainda com base em Geraldo Ataliba, refinado argumento foi trazido à baila como traço essencial da figura da contribuição: pode-se afirmar que é ela tributo diferente do imposto e da taxa e de seus princípios informadores, pois está afastada, de um lado, a capacidade contributiva (salvo a adoção da hipótese de incidência típica e exclusiva de imposto) e, de outro, a estrita remunerabilidade ou comutatividade relativamente à atuação estatal (traço típico da taxa).
Logo, para o ilustre mestre, há contribuições que são impostos finalísticos (COFINS e PIS por exemplo) e há outras que são contribuições verdadeiras, como é o caso das previdenciárias.
O Professor Werther Botelho vê nas contribuições uma espécie autônoma, baseando sua teoria fundamentalmente na atual Carta Magna e nas funções constitucionalmente postas aos tributos, que não seriam meramente fiscais mas também instrumentos de política socioeconômica por parte do Estado. Assim sendo, os tributos teriam um novo papel: instrumento financiador e indutor das modificações sociais.
Um dos argumentos lançados pelo emérito Professor é a consagração das contribuições especiais em artigo próprio na Constituição Federal: art. 149, artigo esse distinto do artigo 145 que tradicionalmente "definiria" as espécies tributárias. Werther Botelho critica a teoria que se baseia tão-somente no fato gerador para classificar os tributos, in verbis:
"Não se pode admitir que, em razão do fato gerador eleito pelo legislador, tenhamos que aplicar a uma contribuição ora o regime jurídico de um imposto, ora o de uma taxa. Em Direito, como já dito em outro lugar, "as coisas são ou não são". Ademais, como veremos adiante, tanto as contribuições especiais como os empréstimos compulsórios possuem o produto de sua arrecadação afeto a despesa específica, o que é vedado aos impostos por expressa disposição constitucional (art.167, IV)." (12)
Destarte, o emérito professor assevera que os tributos podem se dividir em fiscais (não-afetados) e finalísticos (afetados). A novidade de sua teoria é o acréscimo, na estrutura da norma tributária, de um novo aspecto a ser inserido no mandamento para fins de identificação da espécie tributária:
"Quanto às contribuições especiais e aos empréstimos compulsórios, em razão de a HIPÓTESE descrever um fato ou situação do contribuinte, tal qual nos impostos, será pelo destino da arrecadação explicitado no MANDAMENTO que identificaremos sua natureza específica." (13)
Pela estrutura tradicional da norma tributária, não seria possível distinguir um imposto de uma contribuição, vez que muitas vezes a contribuição tem como fato gerador uma manifestação de riqueza do contribuinte. Daí a relevância da afetação constitucional para uma correta divisão das espécies tributárias, sendo que na estrutura da norma, Werther Botelho a denomina de aspecto finalístico (indicação do destino a ser dado ao produto da arrecadação).
Helenílson Cunha Pontes, por sua vez, enfoca a questão das contribuições sob o prisma da competência. Com lastro no modelo finalístico que as contribuições devem seguir, aduz que nas contribuições o exercício da competência tributaria está condicionado constitucionalmente pela busca das respectivas finalidades que marcam cada umas das espécies constitucionais de contribuições, in verbis:
"A busca das respectivas finalidades constitucionais, compõe, assim, a norma de competência tributária das contribuições, de modo que a instituição de contribuição, que não almeje quaisquer dos desideratos constitucionalmente atribuídos a cada respectiva espécie de contribuição, incidirá em inconstitucionalidade, por desatendimento à norma de competência constitucional." (14)
O foco da questão é colocado, pois, na norma de competência tributária e não na estrutura da norma tributária em si. A finalidade é analisada na própria norma de competência como requisito de validação desta. E essa verificação de observância da aplicação de recursos especificamente nas áreas de atuação respectivas deve ser constantemente realizada. E a isso Helenilson Pontes denomina de "critério dinâmico de validação da norma de competência tributaria".
Destarte, o brilhante Doutor assevera que as contribuições exigem uma certa releitura da teoria do fato gerador, que sempre marcou a doutrina do Direito Tributário no Brasil. (15) Assim se deve proceder pois as contribuições, diferentemente das demais espécies tributárias, não têm a materialidade da sua hipótese de incidência prevista constitucionalmente. Não se trata, pois, de meramente verificar se determinado fato se amolda a hipótese de incidência prevista. Tal exercício lógico e estático não mais é suficiente quando a espécie em questão é uma contribuição especial, vez que esse critério, denominado condicional, é valido somente para as espécies tributárias do artigo 145.
Diferente é o critério previsto no artigo 149 da Constituição:
"O artigo 149 da Constituição Federal adota outro critério de determinação da competência tributaria relativamente as contribuições. A Constituição, ao contrário do critério adotado em seu artigo 145, não atribui a competência tributária para a instituição de contribuições, em função da ocorrência de determinado fato jurídico, (realizado pelo Estado ou pelo sujeito passivo), cuja materialidade encontra-se prevista na própria Constituição, mas, sobretudo, para que tal exação seja um instrumento de uma atuação estatal destinada a alcançar determinados objetivos constitucionalmente previstos. Os critérios de atribuição da competência tributaria são substancialmente diferentes." (16)
Desta feita, deve haver um controle constante acerca da aplicação dos recursos de uma dada contribuição, vez que a afetação de sua receita em prol das finalidades ensejadoras de sua instituição é condição inafastável de sua validade constitucional. Isso se evidencia justamente porque a Constituição optou por estabelecer as finalidades das contribuições ao invés de estabelecer as materialidades possíveis de seus fatos imponíveis.
Vale lembrar que, em alguns casos, a Constituição faz menção a materialidades, tais como o lucro e o faturamento (art. 195), mas essa não é a regra que permeia as contribuições de um modo geral na Carta Magna. O que prevalece é a definição das finalidades que essas devem alcançar.
Esses dois critérios de aferição de constitucionalidade dos tributos nos são apresentados por Marco Aurélio Greco, in verbis:
"Há, a meu ver, na própria Constituição Federal, a consagração de dois modelos básicos de validação das normas instituidoras de exações pecuniárias compulsórias:
a)o modelo condicional, de caráter eminentemente "causalista" no sentido de que a exigência só será validamente exigida se (daí a condição) atrelada a um determinado evento que, não se verificando, invalida a exação e, se esta ocorreu antecipadamente, os valores recebidos devem ser devolvidos por não terem fundamento de validade, e
b)o modelo finalístico, de caráter eminentemente "modificador", no sentido de que justifica-se pela vinculação a busca de um finalidade ou objetivo. Neste segundo caso, cria-se a exigência para obter certo resultado." (17)
Helenílson Pontes define a contribuição da seguinte forma:
"Portanto, a contribuição é tributo, cuja hipótese de incidência legalmente prevista, estabelece a previsão de ato, fato ou situação que, uma vez ocorridos no mundo fenomênico, geram o dever para o sujeito passivo de recolher determinado montante aos cofres públicos para que tais recursos sejam aplicados na atividade estatal especial consistente na busca de uma finalidade também prevista na regra legal." (18)
Conclui o emérito professor que a aplicação dos recursos das contribuições especificamente nas atividades constitucionalmente previstas é elemento que compõe a relação jurídico-tributária. O desvio na aplicação de tais recursos configura inconstitucionalidade da referida exação.
A particularidade da análise feita por Helenilson Pontes está em que ele se concentra na "norma de competência", nela inserindo o elemento finalidade. Deixa, pois, intacta a estrutura da norma tributária referente à hipótese de incidência e conseqüência. Assim sendo, parece-nos que, para ele, nas contribuições, a finalidade seria mais importante que a norma tributária em si. Senão vejamos, a inobservância da finalidade pretendida pela norma de competência leva a inexorável inconstitucionalidade. Já a inobservância da materialidade do fato imponível, por vezes, ensejara meramente uma ilegalidade, salvo, é claro, quando essa materialidade estiver prevista no próprio corpo da Constituição.
Passemos agora à análise da nova redação do artigo 149 da Constituição Federal.
Dispõe o artigo 149-A da Constituição:
"Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação publica, observado o disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo Único. E facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica." (19)
Parece-nos que a contribuição para o custeio do serviço de iluminação publica dever-se-ia encaixar em uma das três modalidades doutrinaria e constitucionalmente existentes, todavia tal encaixe não se nos afigura concretamente possível.
Como vimos de ver, as contribuições podem ser sociais, corporativas ou interventivas. As contribuições sociais, ora ligam-se a Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social), ora ligam-se ao âmbito social em si, de uma forma mais geral. E esse o entendimento do Ministro Carlos Velloso, para quem as contribuições sociais desdobram-se em contribuições de seguridade social (art.195, I, II e III da CR), outras de seguridade social (art.195, par.4) e contribuições sociais gerais (art.149) tais como o FGTS e o salário-educação. (20)
As contribuições sociais gerais são por muitos entendidas como aquelas constantes do Capítulo, excluídas obviamente as de Seguridade Social.
Contribuições corporativas, tais como as devidas ao CREA e a OAB, são evidentemente em prol de categorias profissionais e econômicas especificas. Ligam-se, pois, a sindicatos de empregados e empregadores.
As contribuições interventivas, por sua vez, referem-se a intervenção estatal sobre o domínio econômico em uma área de atuação reservada a iniciativa econômica do setor privado. Assevera Helenilson Pontes que a intervenção do Estado no domínio econômico pode ser viabilizada por uma série de medidas, sendo que a instituição de contribuição de intervenção no domínio econômico é apenas uma das opções cabíveis. Prossegue o ilustre autor:
"A formulação legislativa da hipótese de incidência da contribuição interventiva deve guardar estrita consonância material com os objetivos da intervenção estatal sobre o domínio econômico que, de resto, conferem-lhe supedâneo constitucional." (21)
Pois bem, pensamos que essa nova "contribuição" que servira para o custeio da iluminação publica não é verdadeiramente uma contribuição, e mais, é inconstitucional. Senão, vejamos. Pela breve definição que fizemos das três espécies de contribuições resta evidenciado que a contribuição sob exame em nenhuma delas se amolda.
O serviço de iluminação publica é serviço publico de responsabilidade do Estado. Assim sendo, não seria possível uma CIDE nesse caso, pois essa somente é cabível em relação a serviços da esfera privada. Ademais, a CIDE visa a interferir no âmbito econômico quando tal é necessário para combater desigualdades no mercado, questões de competitividade, preços excessivos, entre outros.
Além disso, como assevera Helenilson Pontes, a CIDE deve visar a um grupo determinado, especifico que ira se beneficiar da referida exação. Ora, no caso da contribuição para custeio da iluminação publica, todos os pedestres estarão sendo beneficiados, no entanto, certamente não serão todos que contribuirão, devido até mesmo a dificuldade técnica que resultaria em tal tipo de cobrança.
Como exemplo do que já ocorre na pratica, o Município de São Paulo insitituiu a contribuição para custeio da iluminação publica pela Lei 13.479/02, que em seu artigo dispõe que contribuinte é todo aquele que possua ligação de energia elétrica regular ao sistema de energia. Sobre essa questão, vale registrar a opinião de Kiyoshi Harada:
"No caso de iluminação pública, pergunta-se, onde a particular vantagem propiciada aos contribuintes, se todos os munícipes são beneficiários desse serviço público? Seria legítimo considerar a população normal, como beneficiários específicos, em confronto com o contingente de pessoas cegas a quem o serviço público não estaria trazendo os mesmos benefícios." (22)
Essa questão do grupo específico,registre-se, para muitos autores é característica não só das contribuições de intervenção no domínio econômico, mas sim de todas as contribuições. Já Geraldo Ataliba nos falava da peculiaridade dos sujeitos passivos nas contribuições, verbis:
"Os sujeitos passivos das contribuições são pessoas cuja situação jurídica tenha relação direta, ou indireta, com uma despesa especial, a elas respeitantes, ou alguém que receba da ação estatal um reflexo que possa ser qualificado como especial" (23)
Também adota genericamente a idéia de grupo, Marco Aurélio Greco:
"Nestas várias categorias, as contribuições tem sempre atendido a um modelo de concepção. Este modeloée composto por quatro elementos:
a)um grupo, que pode ser um grupo profissional, social ou um setor econômico.
bum motivo ou razão, que pode ser uma desigualdade interna ao grupo, uma necessidade de desenvolver o grupo, ou uma necessidade de protegê-lo,
c)uma entidade, que será responsável por cuidar daquele setor, que pode ser uma autarquia federal, um órgão público, enfim, uma entidade, e
d)a contribuição, que pode assumir a condição de fonte de recursos para aquela entidade desenvolver sua função ou pode servir, ela própria, como instrumento de equalização de preços, neutralização de distorções econômicas, e assim por diante." (24)
Contribuição corporativa também não poderia ser essa nova contribuição sendo que pela própria denominação daquela espécie tributária resta notório que não se amolda ao caso em tela.
Por fim, há as contribuições sociais. As de seguridade social tem um campo delimitado pelo art.194 da Constituição Federal:
"A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos a saúde, a previdência e a assistência social." (25)
As contribuições sociais gerais, por sua vez, tampouco poderiam abrigar a iluminação pública como uma de suas destinações, pois é esse um serviço de utilidade pública e não propriamente social. Concordamos com o entendimento de Misabel Derzi no sentido de que as contribuições sociais gerais somente poderiam abrigar as áreas mencionadas nos Capítulos do Titulo VIII, da ordem social, da Constituição Federal, excepcionando-se, obviamente, a previdência, saúde e assistência social que já se encontram no conceito de contribuições para a seguridade social.
Ademais, trata-se de um serviço uti universi, na classificação do festejado administrativista Hely Lopes Meirelles, cujas linhas a seguir antecipam nosso posicionamento acerca da suposta contribuição sob comento:
"Serviços uti universi ou gerais: são aqueles que a Administração presta sem ter usuários determinados, para atender a coletividade no seu todo, como os de policia, iluminação publica, calcamento e outros dessa espécie. Estes serviços satisfazem indiscriminadamente a população, sem que se erijam em direito subjetivo de qualquer administrado a sua obtenção para seu domicilio, para sua rua ou para seu bairro. Estes serviços são indivisíveis, isto e, não mensuráveis na sua utilização. Daí por que, normalmente, os serviços uti universi devem ser mantidos por imposto (tributo geral), e não por taxa ou tarifa, que e remuneracao mensuravel e proporcional ao uso individual do serviço." (26)
Diante do exposto, concluímos que a pretensa contribuição para custeio da iluminação pública é um imposto mascarado de contribuição. E assim pensamos porque tal tributo beneficiara um amplo grupo e liga-se a um serviço publico não considerado propriamente social, nos termos que entendemos tal conceito. Em outras palavras, o custeio do serviço da iluminação pública não é uma despesa especial provocada por um grupo específico de pessoas, mas, sim uma despesa geral que a todos diz respeito, vez que toda a populacao se beneficia da iluminação publica.
Em sendo imposto, consoante o artigo 167, IV da Constituição Federal, forçosamente infere-se que se trata de imposto inconstitucional, pois não poderia ter sua despesa vinculada.