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A contribuição de melhoria à luz da jurisprudência atual

19/08/2016 às 10:42
Leia nesta página:

Diante das dificuldades enfrentadas especialmente pelos Municípios para a cobrança da contribuição de melhoria, procuramos fornecer as orientações de acordo com o entendimento atual do Judiciário.

A contribuição de melhoria é um tributo cuja competência para a sua instituição é comum a todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), previsto no artigo 145, III, da Constituição Federal, que pode ser exigido em face da realização de obras pelo poder público que gerem efetiva valorização para os imóveis confrontantes ou adjacentes a ela.

Trata-se, portanto, de tributo classificado como contraprestacional, pois serve para ressarcir o Estado dos valores (ou parte deles) gastos com a realização da obra.

O exercício da referida competência por cada um desses entes políticos, assim como, via de regra, ocorre com relação às demais espécies tributárias, está condicionado à edição de lei, a qual deve ser publicada no ano anterior ao da cobrança da contribuição e com noventa dias de antecedência, por força dos princípios constitucionais da legalidade, anterioridade e noventena (artigos 150, I e III, “b” e “c”).

Embora a Constituição de 1988 não faça referência expressa à valorização imobiliária, como fazia a Constituição de 1967 (artigo 18, II), tal elemento é requisito que está impresso no ânimo dessa espécie tributária. Aliás, a nomenclatura do próprio tributo nos transporta para essa direção.

Como bem frisado por Hugo de Brito Machado, contribuição de melhoria é “espécie de tributo cujo fato gerador é a valorização de imóvel do contribuinte, decorrente de obra pública, e tem por finalidade a justa distribuição dos encargos públicos, fazendo retornar ao Tesouro Público o valor despendido com a realização de obras públicas, na medida em que destas decorra valorização de imóveis”1.

Em face do que dispõe o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da atual Carta Política, no seu artigo 34, § 5º2, predomina o entendimento de que continuam vigentes as disposições da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional – arts. 81 e 82, e as do Decreto-lei nº 195, de 24 de fevereiro de 1967).

Tendo em vista o conteúdo dos referidos diplomas legais, a Constituição Federal de 1988, ao recepcioná-los, imprimiu-lhes o status de leis complementares, conformando-os, assim, com o disposto no texto do seu artigo 145, inciso III. Ambos estabelecem, portanto, normas gerais para o referido tributo.

Pois bem. Em estrita consonância com a Constituição, de acordo com essas normas, o fato gerador da contribuição de melhoria é a valorização imobiliária que decorra da execução de obra pública (art. 81 do CTN e art. 1º do referido Decreto-lei) e o seu sujeito passivo (contribuinte) é o proprietário do imóvel valorizado (art. 8º do Decreto-lei), conforme restou pacificado pelos nossos Tribunais.3

Decorre, assim, que não é qualquer obra pública que dá ensejo à sua cobrança, mas apenas a que determine a valorização dos imóveis circunvizinhos, cabendo ao ente tributante comprová-la4.

Extrai-se, ainda, da leitura desses dispositivos que a contribuição de melhoria tem como limite o custo da obra pública (limite geral), devendo ser observada, todavia, a valorização proporcional, individual e particular de cada imóvel, abrangendo, inclusive, os imóveis situados nas áreas indiretamente beneficiadas (limite individual)5. Ou seja: o custo da obra deve ser dividido proporcionalmente entre todos os imóveis beneficiados e calculado de forma que a obrigação do pagamento de cada proprietário tenha como limite o acréscimo do valor incorporado ao respectivo bem.

Ressalte-se que a contribuição é devida no caso de valorização de imóveis em virtude da realização das obras públicas previstas no artigo 2º do Decreto-lei nº 195/67 e que, segundo precedente do Supremo Tribunal Federal, o recapeamento de via pública já asfaltada não enseja a cobrança da contribuição de melhoria, uma vez que há nesse caso simples serviços de manutenção e conservação que não acarretam uma sensível valorização do bem6, diante do que conclui-se que a obra pública ensejadora da referida contribuição deve ser nova, pois, segundo a Corte Suprema, a conservação ou o refazimento de obra não autorizam a sua cobrança.

Para efeito de definição da valorização individual, deve a Administração promover uma avaliação dos imóveis antes da obra e depois da obra mediante a abertura de processo administrativo próprio, sendo importante que essa seja realizada por profissional técnico habilitado para tanto ou por comissão em que, pelo menos, um dos membros possua essa habilitação.

Diante da dificuldade enfrentada pelos entes tributantes para alcançar o quantum correspondente à valorização individual dos imóveis beneficiados pela obra pública, muitos adotaram em suas legislações a testada do imóvel como critério para o rateio do valor cobrado como contribuição de melhoria, mas essa metodologia de cálculo não reflete o real acréscimo de valor do bem resultante da obra pública, conforme necessário, tendo a jurisprudência, assim, consolidado entendimento pela sua ilegitimidade7.

Não se pode olvidar, ainda, que o valor da contribuição não poderá exceder 3% (três por cento) do valor venal do imóvel a cada ano, atualizado à época da cobrança. O valor que exceder deverá ser cobrado no ano seguinte (art. 12 do Decreto-lei nº 195/67).

O artigo 82, I, do Código Tributário Nacional e o artigo 5º do Decreto-lei preveem publicação prévia de edital contendo, no mínimo, os elementos previstos nos seus incisos.

Há discussão a respeito do momento em que esse edital deve ser publicado, se antes da obra ou da cobrança da referida contribuição. Embora se tenha ciência de decisão do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “A partir do Decreto-lei nº 195/67, a publicação do edital é necessária para cobrança da contribuição de melhoria, mas não para a realização da obra pública8”, julgados mais recentes sinalizam que a cobrança desse tributo deve ser precedida da publicação de dois editais, o primeiro para anunciar a obra, abrindo aos futuros contribuintes o prazo de 30 dias para a impugnação de qualquer dos elementos dele constantes (delimitação da área beneficiada e relação dos imóveis nela compreendidos, memorial descritivo do projeto, orçamento de seu custo e determinação da parcela do custo a ser ressarcido pela contribuição com o correspondente plano de rateio entre os imóveis atingidos), conforme artigo 82 do CTN e artigos 5º e 6º do Decreto-lei nº 195/67, e o segundo para publicar o demonstrativo de custos, dando por concluída a obra (artigo 9º do referido Decreto-lei), de modo a justificar o início da cobrança mediante prévia notificação do seu lançamento ao contribuinte9.

Ademais, ainda que não haja expressa disposição nesse sentido na norma geral, sugere-se que no primeiro edital sejam publicados os valores iniciais atribuídos aos imóveis que serão beneficiados e no segundo (após a obra), a valorização individual de cada um deles, como forma de dar ampla publicidade a todo esse processo, fazendo-se menção ao processo administrativo responsável por estas apurações e colocando-o à disposição dos interessados.

Convém lembrar também que a contribuição, como regra, somente pode ser exigida após a conclusão das obras ou quando da conclusão parcial seguramente já tenha decorrido valorização imobiliária do contribuinte; por exemplo, em se tratando de obra de pavimentação asfáltica, desde que essa já esteja concluída em relação ao contribuinte lançado (artigo 9º do Decreto-lei nº 195/67).

No tocante à notificação do lançamento da contribuição, frise-se que essa poderá ser feita por edital somente se o contribuinte se encontrar em local incerto e não sabido, devendo, nos demais casos, ser realizada pessoalmente e por escrito, segundo inteligência do artigo 145 do Código Tributário Nacional, o qual exige a notificação regular do contribuinte. Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça no AgRg no Agravo em REsp nº 42218-MS.10

Por último, cumpre-nos abordar o aspecto que, se, por ventura, levado ao crivo do Judiciário, poderá, de fato, trazer prejuízo à cobrança da contribuição de melhoria, haja vista o entendimento desfavorável aos entes tributantes que vem sendo majoritariamente por aquele adotado. Vejamos.

Os nossos Tribunais, amparados inclusive em julgados do Superior Tribunal de Justiça, vêm exigindo a edição de lei prévia e específica para cada obra a ser realizada como condição para a incidência da contribuição de melhoria. A posição é fundamentada, sobretudo, no princípio constitucional da legalidade, previsto no artigo 150, I.11.

A maior parte dessas decisões referem-se aos Municípios, tendo em vista serem estes entes os que mais se utilizam da contribuição de melhoria para custeio de obras públicas e, segundo esse entendimento do STJ, a previsão genérica desse tributo no Código Tributário Municipal não seria suficiente para a sua cobrança.

Adiante-se não ser esta a nossa posição. Não há qualquer exigência constitucional ou legal de uma lei para cada obra, de sorte que se a lei já existe e é anterior à obra, é possível a cobrança do tributo.

A simples reprodução das normas gerais pelo Código Tributário do Município, de fato, não torna possível a sua exigência, porém, via de regra, não é isso o que ocorre. Como lembra o Professor Kiyoshi Harada, na prática, os Municípios, por meio do referido código, não apenas fixam normas gerais, mas, efetivamente, criam tributos.

Sobre o assunto são oportunas as suas lições12:

Existem julgados exigindo a instituição por lei específica relativa à obra à qual se refere o tributo, sob o fundamento de que o Código Tributário Municipal que faça remissão genérica das normas fixadas no art. 82 do CTN não cumpre as exigências nele contidas.

É preciso atentar para o fato de que o chamado Código Tributário Municipal editado pelos diversos municípios, na verdade, contém o Sistema Tributário do Município, instituindo todos os tributos de sua competência constitucional. De todos os Códigos que eu examinei até hoje nenhum deles se limitou a instituir normas gerais aplicáveis no âmbito municipal, mesmo porque essas normas não poderiam ser diferentes das normas gerais previstas no CTN de aplicação no âmbito nacional (art. 146, III, da CF). Não faria sentido um Código Municipal que reproduzisse as normas gerais do CTN.

(…) Para legitimar a cobrança da contribuição de melhoria basta que a situação fática, decorrente de execução de determinada obra pública, se subsuma à hipótese legal prevista no Código Tributário Municipal ou na lei específica.

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Nem o artigo 82 do Código Tributário Nacional leva à conclusão diversa. Esse dispositivo, combinado com o artigo 5º do Decreto-lei nº 195/67, simplesmente dispõe que a lei instituidora da contribuição deve estabelecer a necessidade de prévia publicação por edital dos requisitos ali previstos (memorial descritivo da obra, orçamento do custo da obra etc.) e não que estes devem constar de lei a ser editada para cada obra.

Não parece fazer sentido a exigência de prévia publicação de lei para cada obra contendo esses requisitos previstos no artigo 82 e outra publicação posterior destes mesmos requisitos por meio de edital nos termos previstos no artigo 5º do Decreto-lei. Para conciliar ambas as disposições, é forçoso concluir que o artigo 82 se refere à publicação prévia daqueles elementos por edital.

Desnecessária, portanto, a nosso ver, a instituição de lei específica para cada obra, bastando existir lei disciplinando detalhadamente a contribuição de melhoria em cada ente político; não obstante, conforme mencionado, não é essa a posição que vem sendo acolhida hoje pelo Judiciário.

A exigência de lei específica e prévia para cada obra torna a cobrança da contribuição de melhoria ainda mais difícil do que ela já é. Referido tributo, aliás, tem sido pouco utilizado nos dias atuais até mesmo pelos Municípios, especialmente em face da dificuldade de se definir a zona de influência dos imóveis beneficiados e a valorização de cada imóvel, aliada, muitas vezes, à falta de estrutura e pessoal qualificado para tanto, sobretudo nos Municípios de pequeno porte.

Imaginem, agora, terem os entes tributantes que harmonizar isso tudo com a necessidade de edição de lei específica e prévia a cada obra, portanto, editada no ano anterior à sua realização (e com noventa dias de antecedência). Sim, porque a instituição por lei da contribuição de melhoria, como já afirmado, está adstrita aos princípios da anterioridade e da noventena. Ademais, existe, ainda, o risco de o respectivo projeto de lei não ser aprovado como uma tentativa de inviabilizar a própria obra, caso o Legislativo discorde da sua realização ou de algumas das informações a ela relativa s que, na linha da jurisprudência atual, dele deverão constar e, portanto, indiretamente, também serão levadas ao crivo desse Poder.

Lamentamos essas decisões, haja vista que a contribuição de melhoria é um dos tributos mais justos, porquanto permite que aqueles poucos que tiveram o seu imóvel valorizado em razão da realização de obra pública financiada, em princípio, por todos, arquem com o pagamento da exação como forma de retribuir o ganho auferido.


Notas

1Machado, Hugo de Brito: Curso de Direito Tributário, 23ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2003.

2 Art. 34 (…)

§ 5º Vigente o novo sistema tributário nacional, fica assegurada a aplicação da legislação anterior, no que não seja incompatível com ele e com a legislação referida nos § 3º e § 4º.

3 STF, RE 114.069/SP, AI 694836/AgR/SP.

4 Nesse sentido, veja-se trecho de decisão da 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferida em sede de Apelação (nº 0131915-37.2007.8.26.0000):

“(...) deve haver a valorização dos imóveis situados na zona beneficiada pela obra pública e tal valorização deve ser comprovada pela Municipalidade, assim como devem ser preenchidos os requisitos mínimos para a cobrança, disciplinada no artigo 82, do CTN.”

5STJ, REsp 200.283/SP, REsp 362.788/RS, entre outros.

6 RE nº 115.863/SP

7TJ/SP: Apelação nº 0115881-50.2008.8.26.0000, julgada em 15/12/2012, e Apelação nº 0006408-42.2006.8.26.0472, julgada em 10/03/2016, entre outras.

8 REsp nº 143996/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 06/12/1999.

9 STJ, REsp nº 739.342/RS, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 04/05/2006 e TJ/SP, Apelação nº 1000874-33.2014.8.26.0048.

10“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. LANÇAMENTO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇAO DE ENVIO DE NOTIFICAÇAO AO ENDEREÇO DECLARADO PELO CONTRIBUINTE. IRREGULAR A NOTIFICAÇAO POR MEIO DE EDITAL. SÚMULA 83 DO STJ. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATOS, PROVAS E DO DIREITO LOCAL. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 7 DO STJ E 280 DO STF. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A notificação por edital do lançamento do crédito tributário só se justifica quando o sujeito passivo se encontra em local incerto e não sabido, devendo, nos demais casos, ser realizada pessoalmente e por escrito, segundo inteligência do artigo 145 do CTN, o qual exige a notificação regular do contribuinte (AgRg no Ag 670.408/MG, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJU 08.08.2005).

2.A reapreciação da controvérsia, tal como lançada nas razões do Recurso Especial, demandaria, inevitavelmente, não só a análise do direito local, mas também o revolvimento das circunstâncias fáticas e do conjunto probatório constante dos autos, o que é vedado, na via eleita, a teor das Súmulas 7 do STJ e 280 do STF.

3.Agravo Regimental do ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL desprovido.”

11 “CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA. LEI ESPECÍFICA PARA CADA OBRA. NECESSIDADE. PRECEDENTES. SÚMULA 83/STF. AGRAVO NÃO PROVIDO.

(…)

A jurisprudência desta Corte Superior, firmou entendimento, em ambas as Turmas integrantes da Primeira Seção, no sentido de que a contribuição de melhoria é tributo cuja fato imponível decorre da valorização imobiliária que se segue a uma obra pública, ressoando inequívoca a necessidade de sua instituição por lei específica, emanada do Poder Público construtor, obra por obra, nos termos do artigo 82 do CTN, uma vez que a legalidade estrita é incompatível com qualquer cláusula genérica de tributação.” (AREsp 672405, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Data da Publicação 07/04/2015).

Ainda nesse sentido, vejam-se as seguintes decisões do TJ/SP: Apelações nºs 0377403-60.2009.8.26.0000, 1001281-39.2014.8.26.0048 e 1000745-28.2014.8.26.0048.

12 “Contribuição de Melhoria. Aspectos Controvertidos”, artigo extraído do site www.conteudojuridico.com.br.

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Sobre a autora
Daniela Marcellino dos Santos

Advogada, especialista em direito tributário pelo Centro de Extensão Universitária, mantido pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais, sob a coordenação de Ives Gandra da Silva. Curso de Pós-Graduação em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atuação na área de Direito Municipal, com ênfase para Tributos Municipais. Consultora e responsável pelo Departamento de Tributos Municipais da Empresa Conam - Consultoria em Administração Municipal Ltda. Artigos publicados em revistas diversas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Daniela Marcellino. A contribuição de melhoria à luz da jurisprudência atual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4797, 19 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51440. Acesso em: 5 nov. 2024.

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