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A interpretação doutrinária e jurisprudencial acerca da inelegibilidade reflexa

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07/05/2004 às 00:00
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I. Introdução:

O presente estudo, de cunho estritamente acadêmico, não tem o condão de exaurir a matéria relativa à inelegibilidade reflexa. Busca-se, a partir de questionamentos surgidos em sala de aula e devido à leitura da Constituição Federal, examinar o instituto da inelegibilidade advinda do parentesco mediante a análise de sua origem, seus objetivos, sua efetividade e sua evolução jurisprudencial nos Tribunais pátrios.

Desse modo, muitas vezes, far-se-á necessário um estudo sistemático com as demais inelegibilidades presentes entre os Direitos Políticos, elencados no artigo 14 da Carta Maior.

Salienta-se que essa pesquisa não tem o fim precípuo de eliminar as interpretações contrárias. Almeja, no entanto, demonstrar as bases teóricas, bem como os subsídios embasadores da interpretação aqui escolhida.

Tentar-se-á demonstrar a vasta gama de interpretações decorrentes da leitura do dispositivo que aborda a inelegibilidade do cônjuge, parentes e afins do titular de cargo Executivo Federal, Distrital, Estadual ou Municipal. Ainda, abordar-se-á a impossibilidade da influência da Emenda Constitucional n° 16/97 na interpretação da norma constitucional presente § 7° do artigo 14.

Por fim, far-se-á uma interpretação da inelegibilidade reflexa em consonância com os princípios constitucionais fundamentadores de um Estado Democrático de Direito.


II. Histórico das Inelegibilidades e seu Surgimento nas Constituições Federais Brasileiras:

As inelegibilidades são uma série de circunstâncias impeditivas do exercício do sufrágio passivo criadas pelo texto constitucional.

Conforme disposição de Paulino Jacques (1983, p. 384-385), as inelegibilidades são impedimentos à capacidade eleitoral passiva (de ser eleito), que visam a assegurar a independência e a dignidade do eleitorado. Diz ele que "as inelegibilidades são impedimentos de ordem pública, cujo principal objetivo é proteger o eleitorado e o mandato e não, os votantes e os votados. É o interesse social que está em jogo, e o qual a lei ampara".

A fim de defender a democracia contra prováveis e possíveis abusos, surgiu o instituto das inelegibilidades. Em sua origem, as inelegibilidades surgiam como

medida preventiva, ideada para impedir que principalmente os titulares de cargos públicos executivos, eletivos ou não, se servissem de seus poderes para serem reconduzidos ao cargo, ou para conduzirem-se a outro, assim como para eleger seus parentes. Para tanto, impediam suas candidaturas, assim como a de seus cônjuges ou parentes, por um certo lapso de tempo. (FILHO, 1996, p. 101).

Deve-se observar, no entanto, que as inelegibilidades não se confundem com as inalistabilidades, pois estas são impedimentos à capacidade eleitoral ativa (direito de ser eleitor), nem mesmo com as incompatibilidades, uma vez que estas são impedimentos ao exercício do mandato.

Enfim, para que alguém, entre nós, possa concorrer a uma função eletiva, é necessário que preencha certos requisitos gerais, denominados condições de elegibilidade, e não incida em nenhuma das inelegibilidades, examinadas adiante, que precisamente constituem impedimentos à capacidade eleitoral passiva. (SILVA, 2002, p. 365).

Consoante dispõe Alexandre de Moraes (2003, p. 239), sua finalidade é proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso de exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta, conforme expressa previsão constitucional (art. 14, § 9°).

As inelegibilidades possuem, assim, um fundamento ético evidente, tornando-se ilegítimas quando estabelecidas com fundamento político ou para assegurarem o domínio do poder por um grupo que o venha detendo, como ocorreu no sistema constitucional revogado. Demais, seu sentido ético correlaciona-se com a democracia, não podendo ser entendido como um moralismo desgarrado da base democrática do regime que se instaure. (SILVA, 20002, P. 387).

Analisando-se o histórico das inelegibilidades, tem-se que elas nasceram simultaneamente às elegibilidades, pois desde que havia indivíduos elegíveis, devia haver os inelegíveis, ou seja, aqueles que não satisfaziam as condições de elegibilidade.

Na Grécia e em Roma, observa Glotz (La cite grecque, p. 254) e Momsen (Le Droit public Romain, vol. II, p. 247), os requisitos do eleitorado eram em menor número que os da representação, não só quanto à idade, como quanto à classe social (os senadores romanos, p. ex., haviam de ser "patrícios", como os arcontes atenienses, "eupátridas"). Os Estados Gerais (nobreza, clero e burguesia) tinham os seus requisitos, não só de classe, mas de bens materiais (Funck-Brentano, Ancient Regime, vol. II, p. 165 e s.). A própria Grande Revolução manteve, em parte essas distinções; impunha a condição de contribuinte dos cofres públicos, não só para eleger, mas para ser eleito (M. Duverger, Cours de Droit Constitutionnel, p. 150 e s.). As Constituições de 1848, 1852, 1870 e 1875, entretanto, instituíram o sufrágio universal e as inelegibilidades sem restrição, a não ser a da idade. (apud JACQUES, 1983, p. 385).

Estudou Henry Nézard (Éléments de Droit Public, p. 188 apud JACQUES, 1983, p. 385) duas espécies de inelegibilidades: as absolutas e as relativas. As primeiras consistem no impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo e independem de qualquer condição para que se verifiquem. Esta espécie refere-se à determinada característica da pessoa que pretende pleitear algum mandato eletivo, e não ao pleito ou mesmo ao cargo pretendido. Ensina Alexandre de Moraes (2003, p. 240) que a inelegibilidade absoluta é excepcional e somente pode ser estabelecida, taxativamente, pela própria Constituição Federal. Destacam-se os inalistáveis e os analfabetos como casos de inelegibilidades absolutas no ordenamento jurídico pátrio.

Enquanto isso, as inelegibilidades relativas sujeitam-se à condição resolutiva.

As inelegibilidades relativas, diferentemente das anteriores, não estão relacionadas com determinada característica pessoal daquele que pretende candidatar-se, mas constituem restrições à elegibilidade para certos pleitos eleitorais e determinados mandatos, em razão de situações especiais existentes, no momento da eleição, em relação ao cidadão. (MORAES, 2003, p. 240).

Podem ser examinadas quanto à natureza: funcionais, as oriundas de função pública; familiais, as resultantes de casamento, parentesco ou afinidade; militares e, ainda, as decorrentes de previsões de ordem legal.

Desse modo, seguindo as divisões acima estampadas, as inelegibilidades foram introduzidas na esfera jurídica nacional. Na Constituição Brasileira do Império de 1824 já se encontrava tanto a inelegibilidade absoluta como a relativa, o que também estava determinado nas leis eleitorais da época.

Entretanto, apesar de a legislação imperial introduzir casos de inelegibilidades, deixou a desejar quanto ao fato de não aludir em seus artigos a inelegibilidade por parentesco. Ou seja, os parentes gozavam de uma "doce vida política no Império". (FERREIRA, 1998, 9ª ed., p. 182).

A primeira Constituição republicana, promulgada em 1891, estabeleceu o princípio da inelegibilidade absoluta ao determinar que "são inelegíveis os cidadãos não alistados", determinando a inelegibilidade relativa de natureza familial para o presidente e o vice-presidente da República. Após esta Constituição, consta como a primeira lei eleitoral da República, a Lei n. 35, de 26-01-1892, Lei Cesário Alvim, Ministro da Justiça, que previa as demais inelegibilidades relativas para os membros do Congresso. Já existia, no entanto, antes da promulgação da Constituição de 1891, o decreto n. 511, de 26-06-1890, que era destinado a regular as inelegibilidades.

Em 1932 foi publicado o Código Eleitoral. Até então, inúmeras leis, regulamentos e instruções eleitorais, em caráter federal e estadual, foram promulgadas sem maiores inovações. Esse Código previu que a inelegibilidade fosse promulgada por lei especial. Posteriormente, surgiu o Decreto n. 22.364, de 17-01-1933, objetivando regular as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933. Sua essência assemelhava-se à da Lei n. 35, pois tinha como fito impedir que os altos agentes do Poder Executivo, civis e militares, ou os do Judiciário, se prevalecessem de sua autoridade para constranger ou seduzir eleitores.

A Constituição de 1934, bem como o Código Eleitoral de 1935, constante da Lei n. 48, de 04-05-1934, regulou casos de incompatibilidade e inelegibilidade, que não eram outros senão que os das leis anteriores.

Em 1937, a carta Magna previu um caso de inelegibilidade absoluta – a inalistabilidade e não mais a qualidade de eleitor, como também o queria a Constituição de 1934.

A Constituição de 1946 e a de 1967, com a respectiva Emenda n. 1/69, também aludiam ao problema da inelegibilidade, ainda prevista em lei complementar.

Quanto à proibição em determinadas condições de cessação de funções e de jurisdição, a inelegibilidade dos parentes vem de longa data. Quanto à Velha República, tinha-se a Lei n. 3.208, de 27-12-1916, e o Decreto n. 3.423, de 19-12-1917, ambos regulavam o processo eleitoral e tratavam das inelegibilidades, inclusive a decorrente do parentesco, e tiveram a sua vigência à época do Presidente Venceslau Brás.

Menciona-se também o Decreto Legislativo n. 4.215, de 20-12-1920, bem como o Decreto Legislativo n. 4315, que regulavam o problema das inelegibilidades à época do Presidente Epitácio Pessoa.

Observa-se que a Constituição de 1946 restaurou, em relação às inelegibilidades relativas ao parentesco, o já tradicional entendimento da doutrina brasileira, reduzindo o grau de parentesco por consangüinidade ou afim, ao 2° grau, salvo para deputado ou senador, se já tivessem exercido o mandato, ou fossem eleitos simultaneamente com o presidente ou vice-presidente da República, quando desapareceria o impedimento, conforme se infere das lições de Paulino Jacques. (1983, p. 390).

Por sua vez, a Constituição de 1967, estabeleceu o parentesco até o 3° grau quanto às inelegibilidades dele decorrentes, tendo-se incluído a adoção, inclusive para deputados, senadores e governadores. Na mesma esteira seguiu a Constituição de 1969, a qual manteve essas prescrições, porém enumerou as normas que a "lei complementar de inelegibilidades" deveria observar.

Por fim, a partir da vigência da Constituição Federal de 1988, restou estabelecido no artigo 14 e seus parágrafos as condições de elegibilidade e as hipóteses de inelegibilidade. Esta regulamentação visou, indubitavelmente, à preservação do regime democrático, da probidade administrativa e da normalidade e legitimidade das eleições, bem como surgiu contra o abuso de poder econômico e do exercício dos cargos ou funções públicas.


III. A Eficácia das Normas sobre Inelegibilidades:

A aplicabilidade das normas constitucionais pode ser vista como "a qualidade da norma de poder ser aplicada". (DINIZ, 1998, p. 227).

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Para Jorge Miranda, por sua vez, as normas constitucionais classificam-se em auto-executáveis ou não-auto-executáveis.

Analisando-se sob o critério da intangibilidade e da produção dos efeitos concretos, pode-se, sob a ótica da aplicabilidade, distinguir as normas constitucionais em normas de eficácia plena, contida e limitada, seguindo a tradicional classificação de José Afonso da Silva. (1982, p. 89-91).

Conforme preconizam os ensinamentos do aludido autor, as normas constitucionais de eficácia plena são:

aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular.

Maria Helena Diniz (1998, p. 227) preconiza que as normas com eficácia plena

são as que podem ser imediatamente aplicadas, por serem idôneas, desde sua entrada em vigor, para disciplinar as relações jurídicas ou o processo de sua efetivação, uma vez que contêm todos os elementos imprescindíveis para que haja a possibilidade da produção dos efeitos previstos.

Por sua vez, as normas de eficácia contida ou, segundo a classificação adotada por Diniz, as normas com eficácia relativa restringível, podem ser aplicadas imediatamente, porém sua eficácia pode ser reduzida, nos casos e na forma que a lei estabelece. O legislador constituinte deixou uma margem de atuação ao legislador ordinário quando da elaboração dessas normas a fim de que elas possam ter seu alcance restringido por atividade legislativa futura.

Há, também, as normas constitucionais de eficácia limitada. São normas que possuem aplicabilidade indireta ou reduzida, pois somente incidem totalmente sobre esses interesses, após serem objeto de normatividade que lhes desenvolva o poder de aplicabilidade.

Normas com eficácia relativa complementável são aquelas que "têm aplicação mediata, por dependerem de norma posterior, ou seja, de lei complementar ou ordinária, que lhes desenvolva a eficácia, permitindo o exercício do direito ou do benefício consagrado". (DINIZ, 1998, p. 228).

Por fim, há normas com eficácia absoluta, segundo o critério de classificação adotado por Maria Helena Diniz (1998, p. 227). São as denominadas de inatingíveis pelo fato de contra elas não haver o poder de emendar, pois contêm uma "força paralisante total de toda a legislação que, explícita ou implicitamente, vier a contrariá-las".

As hipóteses de inelegibilidade previstas na Carta Maior, artigo 14, § 4° a 7°, são de aplicabilidade imediata e eficácia plena. Significa que não precisam de lei complementar posterior a fim de regularizá-las. Desse modo, dispensam a elaboração de lei complementar, prevista no § 9° do referido artigo para que possam incidir.

Nada impede, no entanto, que lei complementar posterior estabeleça outros casos de inelegibilidades com a mesma finalidade das acima descritas. Dessa maneira, a lei complementar referida no § 9°, do artigo 14, da Lei Maior, está autorizada a regulamentar outros casos de inelegibilidades e os prazos de sua cessação, a fim de que sejam protegidos os valores originários do regime democrático.

Entretanto, deve-se salientar que não apenas essas futuras normas acerca das inelegibilidades é que terão como intuito proteger os valores previstos no § 9°, do artigo 14, da Lei suprema, mas também as inelegibilidades já dispostas no corpo do texto constitucional.

Embora sempre se tenha preconizado a inserção das inelegibilidades no texto original da constituição federal pelo fato de elas serem restritivas de direitos fundamentais, ou seja, do direito de ser eleito (direito à elegibilidade), parece que o constituinte assim não desejou. "Optou por deixar à lei complementar a possibilidade de criação de outros casos com o só limite de indicativos não muito definidos". (SILVA, 2002, p. 388).

Observa-se que se já foi expressamente disciplinada na Carta Maior as condições de elegibilidade, deveriam também estar insertas no seio da atual constituição, de modo exaustivo, as hipóteses de inelegibilidades, pois estas são mais importantes que aquelas. Isso se deve ao fato de as inelegibilidades conter restrições ao direito político de cidadão, como dispõe José Afonso da Silva (2002, p. 388) ao analisar a eficácia das normas acerca das inelegibilidades.

No entanto, cumpre ressaltar que eventuais normas que venham a disciplinar outros casos de inelegibilidades não poderão alterar as regras já disciplinadas pelos parágrafos do artigo 14. Nesse caso, elas poderão somente inserir novos casos, mantendo os existentes intactos, uma vez que são vistos como normas de eficácia plena e aplicação imediata.

Unicamente através de emenda à constituição, desconsiderando-se, nesse caso, os direitos políticos como garantias e direitos fundamentais, é que poderão ser modificadas as hipóteses de inelegibilidades disciplinadas no texto constitucional. Ocorre que, dentre a classificação das constituições, a Constituição Brasileira de 1988 é classificada como rígida. A rigidez e, portanto, a supremacia constitucional, repousam na técnica de sua reforma (ou emenda), que importa em estruturar um procedimento mais dificultoso para modificá-la, conforme as lições de José Afonso da Silva. (2002, p. 63). Significa dizer que requer, para sua alteração, procedimento diverso do adotado pelas demais normas jurídicas do ordenamento estatal.


IV. As Normas Constitucionais e sua Interpretação:

Ao se estudar a Constituição Federal Brasileira, não se deve esquecer de apontar os precedentes que a conduzem quando da análise interpretativa, como seus princípios fundamentais que balizam a forma de governo adotada, qual seja, a República Federativa, bem como a enunciação dos Direitos e Garantias Fundamentais.

Aponta, com precisão, Raul Machado Horta (1995, p. 239-204)

(...) A precedência serve à interpretação da Constituição, para extrair dessa nova disposição formal a impregnação valorativa dos Princípios Fundamentais, sempre que eles forem confrontados com atos do legislador, do administrador, do julgador (...)

A interpretação da Constituição Federal sempre deve ocorrer de modo que se proceda à confrontação do que dispõe a letra fria (grifo nosso) da lei com as características históricas, políticas e ideológicas do momento, a fim de que se encontre o melhor sentido da norma jurídica, em confronto com a realidade sociopolítico-econômica e se obtenha sua plena eficácia.

Dentre alguns princípios e regras interpretativas das normas presentes na constituição, destaca-se a justeza ou a conformidade funcional, segundo critério de classificação de Canotilho.

Significa que os órgãos encarregados de interpretação da norma constitucional não poderão chegar a uma posição que subverta, altere ou perturbe o esquema organizatório-funcional constitucionalmente estabelecido pelo legislador constituinte originário. (CANOTILHO, 1994)

Não se poderia se deixar de enunciar a força normativa da constituição entre os princípios de sua interpretação. Dessa forma, deve-se adotar, entre as interpretações possíveis, aquela que seja capaz de garantir maior eficácia, aplicabilidade e permanência das normas constitucionais.

Deve-se, assim apontar a "necessidade de delimitação do âmbito normativo de cada norma constitucional, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e extensão". (CANOTILHO e MOREIRA, 1993, p. 136). Assim, faz-se necessário observar que as normas constitucionais desempenham uma função útil no ordenamento jurídico, vedando-se, dessa maneira, qualquer interpretação que lhes suprima ou reduza a finalidade, ou melhor, o objetivo almejado.

Por fim, destaca Moraes (2003, p. 45):

a aplicação dessas regras de interpretação deverá, em síntese, buscar a harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas, adequando-as à realidade e pleiteando a maior aplicabilidade dos direitos, garantias e liberdades públicas.


V. A Inelegibilidade por Motivo de Casamento, Parentesco ou Afinidade na Constituição Federal de 1988:

Ocorre que a matéria relativa às inelegibilidades está prevista no texto fundamental da Constituição Brasileira de 1988, além de, também, estar sujeita à disciplina de lei complementar.

Confrontar-se-ão, neste tópico, as possíveis interpretações dadas ao disposto constitucionalmente no artigo 14, § 7°, e sua melhor forma de inserção no ordenamento jurídico nacional, após a Emenda Constitucional n. 16/97, a fim de que não sejam ampliados direitos nem suprimidas garantias por vias não legais ou inconstitucionais.

A grande questão, surge da averiguação minuciosa do disposto na Constituição Federal, em seu artigo 14, § 7°, que estabelece o seguinte:

São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição. (grifo nosso)

Perquire-se, num primeiro momento, o que se entende por parentesco, uma vez que configura como causa de inelegibilidade na Constituição Federal Brasileira.

Parentesco, para Cunha Gonçalves (apud FERREIRA, 1998, 9° ed., p. 10), "É uma relação entre pessoas que descendem umas das outras ou todas de autor comum: funda-se, pois, na comunidade de geração". Não deixa de ser, por sua vez, a relação que vincula pessoas que descendem do mesmo tronco ancestral.

Como se não bastasse, colaciona-se a definição trazida por Maria Helena Diniz (1998, v. 3, p. 519), conforme a sociologia jurídica, significa "relação entre pessoas, baseada em ascendência comum, real ou suposta, ou em certa forma de afinidade que liga um dos cônjuges aos parentes do outro". Continua relacionando que, conforme o direito civil, é "relação vinculatória existente não só entre pessoas que descendem umas das outras ou de um mesmo tronco comum, mas também entre o cônjuge e os parentes do outro e entre adotante e adotado".

Dentre as formas possíveis de parentesco, tem-se: civil; em linha colateral, oblíqua ou transversal; em linha reta e por afinidade. A Constituição Federal vigente alude, ao tratar das inelegibilidades derivadas do parentesco, também aquela que é derivada da afinidade. Cabe, portanto, definir-se tal expressão.

Segundo Cunha Gonçalves (apud FERREIRA, 1998, 9ª ed., p. 181), "afinidade é laço que se estabelece, por efeito do matrimônio, entre um dos cônjuges e os parentes do outro, em linha reta ou colateral". Ele ressalta que entre os cônjuges não há afinidade.

A afinidade é um vínculo estritamente pessoal, e não se estende além dos limites fixados na lei, por isso: 1°. os afins de um cônjuge não são afins entre si, embora na linguagem vulgar se usem as expressões co-sogros e concunhados; 2°. quem é afim de um cônjuge, por força do seu primeiro matrimônio, não fica sendo afim da pessoa com quem aquele contraiu segundas ou terceiras núpcias; 3°. os parentes de um cônjuge e os do outro não ficam ligados entre si por afinidade. (GONÇALVES apud FERREIRA, 1998, 9ª ed., p. 181).

Destarte, tem-se que a viúva do Chefe do Poder Executivo não está submissa à inelegibilidade por casamento, uma vez que com a morte ocorre a dissolução da sociedade conjugal.

Da mesma forma, será inelegível para o mandato de Chefe do Poder Executivo alguém que viva maritalmente com o Chefe do Executivo, ou mesmo com seu irmão (afim de segundo grau). Isso se deve ao fato de a Constituição Federal estender o conceito de entidade familiar, nos termos do artigo 226, § 3°. (TSE – Consulta 12.626 – DF – Classe 10ª - Rel. Min. Marco Aurélio – Diário da Justiça, Seção I, 12 jun. 1992).

Ainda, observa-se que essa inelegibilidade também atinge o casamento eclesiástico, pois neste

há circunstâncias especiais, com características de matrimônio de fato, no campo das relações pessoais e, às vezes, patrimoniais, que têm relevância na esfera da ordem política, a justificar a incidência da inelegibilidade. (RTJ 148/844-845. Precedentes do STF – RE n.° 106.043-BA; RE n.° 98.935-8-PI e RE n.° 98.968-PB).

Uma vez esclarecida as possíveis questões em torno de o que é parentesco e como ocorre o parentesco por afinidade, não se poderia olvidar de esclarecer que o padrasto e a madrasta são parentes em primeiro grau dos enteados e, caso o cônjuge de primeiras núpcias faleça, não terá parentesco com o filho do segundo casal do outro cônjuge.

Assim, tem-se que a inelegibilidade por parentesco visa a impedir a formação de oligarquias vinculadas ao parentesco, ao sangue e à afinidade, conforme dispõe Ferreira (1998, 9ª ed., p. 180).

Antes do advento da Emenda Constitucional n. 16/97, a inelegibilidade por parentesco não suscitava dúvidas, como agora também não deveria suscitar, pois essa emenda não alterou a previsão do § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal Brasileira.

Percebe-se, diante da análise dos fatos que, após o advento da referida Emenda Constitucional, criou-se um problema desnecessário, ou seja, foram levantados questionamentos acerca de questões já pacificadas jurisprudencial e doutrinariamente.

Vislumbra-se, com a publicação da mesma, a não alteração da previsão contida § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal. Ocorre que tal emenda veio a possibilitar o instituto da reeleição, que é considerado um prêmio àquele que exerceu uma boa administração durante os quatro anos em que esteve à frente do Executivo.

Quando da análise do dispositivo, tem-se, àqueles que assim almejam, a hipótese de eleição dos cônjuges, parentes consangüíneos e afins do titular do Poder Executivo se este houver renunciado ao cargo até os seis meses anteriores ao pleito. (grifo nosso)

Tal assertiva não pode prosperar, pois, independentemente do tempo que o chefe do Executivo exerceu seu mandato, as pessoas próximas a ele, seja pelo casamento ou pelo parentesco, não poderão se candidatar ao mesmo cargo que aquele ocupa ou ocupava. Essa desincompatibilização, em consonância com as exigências expressas em outros dispositivos, em nada implica na possibilidade de eventual candidatura do cônjuge ou parente.

Quando a lei menciona "ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito" estipula não a necessidade de renúncia ou desincompatibilização dos chefes do Executivo nesse interregno, mas prevê que possam querer candidatar-se a outros cargos diversos do executivo Federal, Distrital, Estadual ou Municipal.

Infere-se da leitura do dispositivo que não há como haver desincompatibilização pelo chefe do Poder Executivo para que o parente se candidate e, possa, futuramente, se eleger. Tal desincompatibilização surge em função de sua própria eleição (ocupação de cargo diverso do anteriormente ocupado) ou, se ainda preferir, pois a Constituição pátria não exige, para sua própria reeleição (recondução ao mesmo cargo).

Ainda, as regras constantes no artigo 14, da Constituição Federal, são destinadas a garantir a normalidade e a legitimidade das eleições, contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. No § 7° do referido artigo, a Constituição prevê a inelegibilidade reflexa que surgiu de modo a evitar que ocorresse o chamado "continuísmo familiar".

Além disso, ao contrário do que muitos preconizam, parece não ser possível a extensão do instituto da reeleição àqueles vedados pela inelegibilidade reflexa, uma vez que este "instituto carrega a idéia de continuidade administrativa". (ARAÚJO, 1998, p. 150).

Diante da inelegibilidade reflexa surgem duas regras: a primeira, como norma geral e proibitiva, e a segunda, como norma excepcional e permissiva. Como expõe Alexandre de Moraes (2003, p. 251), a norma geral e proibitiva traduz-se na expressão constitucional

...no território da jurisdição significa que o cônjuge e parentes consangüíneos e afins até segundo grau do prefeito municipal, por exemplo, não poderão candidatar-se a vereador e/ou prefeito do mesmo município. O mesmo ocorrendo no caso do cônjuge, parentes ou afins até segundo grau do governador, que não poderão candidatar-se a qualquer cargo no Estado (vereador ou prefeito de qualquer município do respectivo Estado; deputado federal e senador nas vagas do próprio estado, pois conforme entendimento do TSE ‘em se tratando de eleição para deputado federal ou senador, cada Estado e o Distrito Federal constituem uma circunscrição eleitoral’, por sua vez, o cônjuge, parentes e afins até segundo grau do Presidente, não poderão candidatar-se a qualquer cargo no país. Aplicando-se as mesmas regras àqueles que os tenham substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito.

Observa-se que não se perquire o tempo de mandato exercido pelo Chefe do Executivo anteriormente, podendo variar entre meses a anos. O que se perquire, acertadamente, é se na legislatura anterior houve o exercício do mandato por pessoa casada, parente consangüíneo ou afim de quem, no pleito subseqüente, pleiteie o mesmo cargo.

Ainda, a inelegibilidade reflexa se faz presente quando há a criação de Município por desmembramento, conforme dispõe a Constituição Federal em seu artigo 18, § 4°, pois o irmão do prefeito do Município-mãe não poderá candidatar-se a Chefe do Executivo do Município recém-criado.

O Supremo Tribunal Federal salientou, como se pode vislumbrar:

O regime jurídico das inelegibilidades comporta interpretação construtiva dos preceitos que lhe compõem a estrutura normativa. Disso resulta a plena validade da exegese que, sorteada por parâmetros axiológicos consagrados pela própria Constituição, visa a impedir que se formem grupos hegemônicos nas instâncias políticas locais. O primado da idéia republicana – cujo fundamento ético-político repousa no exercício do regime democrático e no postulado da igualdade – rejeita qualquer prática que possa monopolizar o acesso aos mandatos eletivos e patrimonializar o poder governamental, comprometendo, desse modo, a legitimidade do processo eleitoral. (STF – RE 158.314-2 – PR – 1ª T. –Rel. Min. Celso de Mello – Diário da Justiça, Seção I, 12 fev. 1993. Nesse mesmo sentido: Súmula n° 12 do TSE).

Seguindo-se a distinção adotada por Moraes, encontra-se a segunda regra presente na inelegibilidade por casamento ou parentesco, que se traduz na norma excepcional e permissiva.

Ocorre que se o cônjuge, parente ou afim já for detentor de mandato eletivo, não haverá qualquer impedimento para que ele pleiteie a reeleição, mesmo que dentro da circunscrição de atuação do Chefe do Poder Executivo. A exceção prevista constitucionalmente refere-se à reeleição para o mesmo cargo na mesma circunscrição eleitoral.

Caso não se trate de reeleição, haverá a incidência da inelegibilidade reflexa. Ou seja, ocorrendo nova e primeira eleição por uma nova circunscrição, o cônjuge, parente ou afim ficará sob a égide da norma constitucional proibitiva. Constata-se igual entendimento em decisão prolatada pelo Egrégio Tribunal Superior Eleitoral ao afirmar que:

O conceito de reeleição de Deputado Federal ou de Senador implica renovação do mandato para o mesmo cargo, por mais um período subseqüente, no mesmo Estado ou no Distrito Federal, por onde se elegeu. Se o parlamentar federal transferir o domicílio eleitoral pra outra Unidade da Federação e, aí, concorrer, não cabe falar em reeleição, que pressupõe pronunciamento do corpo de eleitores da mesma circunscrição, na qual, no pleito imediatamente anterior se elegeu. Se o parlamentar federal, detentor de mandato por uma Unidade Federativa, transferir o domicílio eleitoral para Estado diverso ou para o Distrito Federal, onde cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, até o segundo grau, ou por adoção, seja Governador, torna-se inelegível, no território da respectiva jurisdição, por não se encontrar, nessas circunstâncias, em situação jurídica de reeleição, embora titular de mandato. (TSE – Resolução n° 19.970 – Consulta n° 346/DF – Rel. Min. Costa Porto – Relator designado: Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 21 out. 1997, p. 53.430).

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Sobre a autora
Marianna Martini Motta

Acadêmica do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria- UFSM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOTTA, Marianna Martini. A interpretação doutrinária e jurisprudencial acerca da inelegibilidade reflexa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 304, 7 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5177. Acesso em: 28 mar. 2024.

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