VI. Inelegibilidade Reflexa e Renúncia do Detentor de Mandato Executivo:
Primeiramente, rezava o Tribunal Superior Eleitoral em sua súmula n° 6, "É inelegível para o cargo de prefeito, o cônjuge e os parentes indicados no § 7° do artigo 14 da Constituição, do titular do mandato, ainda que este haja renunciado ao cargo há mais de seis meses do pleito".
Essa foi a primeira posição que o TSE adotou, optava pela inelegibilidade absoluta. Segundo seu entendimento jurisprudencial, não importava o tempo em que havia ocorrido a desincompatibilização do titular do cargo executivo, pois seu cônjuge e parentes eram inelegíveis. Não produzia qualquer efeito a renúncia do titular do mandato Executivo para fins de afastamento da inelegibilidade reflexa.
Percebe-se que, anteriormente ao ano de 1997, data em que foi promulgada a Emenda Constitucional n. 16, o Tribunal Superior Eleitoral manifestava-se no sentido de não acolher a possibilidade de registro de candidatura de parentes do titular do chefe do Poder Executivo.
Observa-se, por conseguinte, as decisões proferidas em sede de Resolução por este colendo Tribunal.
Inelegibilidade. Prefeito eleito. Parentesco consangüíneo ou afim (CF, art. 14, parágrafo 7°). Reiterada a jurisprudência do tribunal no sentido da inelegibilidade dos parentes a cargo de Prefeito, no território de jurisdição do titular, ainda que tenha ocorrido afastamento definitivo do cargo, por qualquer motivo, a qualquer tempo, antes das eleições. (RESOLUÇÃO n.° 17.783, a 17-12-1991). (Precedentes. Resoluções n.° 13.693, 14.077, 14.288 e 14.494).
Inelegibilidade: O cunhado do Prefeito, parente por afinidade em segundo grau, é inelegível à sucessão dele. (CF, art. 14, parágrafo 7°). (RESOLUÇÃO n.° 17.901, a 10-03-1992).
Inelegibilidade absoluta e inafastável do cônjuge e parentes até o segundo grau dos Chefes do Poder Executivo, desde que candidatos aos mesmos cargos, no mesmo território de jurisdição do titular. (RESOLUÇÕES TSE n.° 15.120, de 21-03-89; 17.574, de 05-09-91; e 17.725, de 28-11-91).
Inelegibilidade absoluta que não se afasta ainda que tais parentes, consangüíneos ou afins, sejam filiados a diferentes partidos. (RESOLUÇÃO TSE n.° 11.319, de 15-06-82).
Inelegibilidade de cunhado de Governador (art. 14, § 7°, da Constituição). Condição a ser objetivamente verificada, sem caber a indagação subjetiva, acerca da filiação partidária das pessoas envolvidas, da animosidade ou rivalidade política entre elas prevalecente, bem como dos motivos que haveriam inspirado casamento gerador da afinidade causadora da inelegibilidade. (STF - RE n° 236.948/MA – Maranhão, RExtraordinário, Relator: Ministro Octávio Gallotti, Julagamento 24-09-98 – Tribunal Pleno).
Na Resolução n.° 18.117, relator Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, explicitou que não importava, para os efeitos de inelegibilidade de parentes ao mesmo cargo, a motivação do afastamento de quem exerceu o cargo, anotando-se: "O exercício da função, por qualquer tempo, no período imediatamente anterior às eleições, é o suficiente para o impedimento". (Precedente: Consulta n.° 8.689/87).
Colaciona-se recente decisão, proferida posteriormente à Emenda Constitucional n. 16/97. Assim, o TSE proclamou, porém hoje não mantém, na resolução n.° 19.973 (Consulta n.° 331-DF), a 23-09-1997, relator Ministro Maurício Corrêa, por unanimidade, que
O advento da Emenda Constitucional n. 16/97, que alterou o art. 14, § 5°, da Constituição Federal, para permitir a reeleição do titular do mandato de chefe do Poder Executivo, não produz modificação na disciplina constitucional referente ao seu cônjuge e parentes, que continuam inelegíveis no território de sua jurisdição.
Essa decisão foi proferida nos termos do § 7°, do art. 14, da Lei Maior, acolhendo-se entendimento quanto a não se haver, a evidência, revogada a norma em foco, com a superveniência da Emenda Constitucional n° 16/97.
A Emenda da reeleição em nada alterou a inelegibilidade decorrente do parentesco. Portanto, o filho de Governador, ao postular cargo eletivo, sujeita-se à inelegibilidade prevista no art. 14, parágrafo 7°, da Constituição Federal. (RESOLUÇÃO n.° 19.992, de 09-10-1997, relator Ministro Costa Leite).
Entretanto, o TSE não mais aplica a Súmula n° 6. Conforme destaca Alexandre de Moraes, o Tribunal optou pela afastabilidade da mesma e igualou a situação da renúncia do Chefe do Executivo seis meses antes do término do mandato para todas as eventuais candidaturas de seu cônjuge, parentes ou afins até 2° grau.
Posteriormente à Emenda Constitucional n° 16/97, é visível a mudança de pensamento dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral brasileiro. Ao que tudo indica, este tribunal vem pronunciando entendimento contrário aos preceitos estabelecidos pelo legislador constituinte originário, além de parecer legislar em matéria eleitoral, o que não se configura como de sua competência.
Diferentemente das lições que consagravam a inelegibilidade de cônjuges e parentes do Chefe do Poder Executivo, o Tribunal Superior Eleitoral reformulou seu pensamento, abrandando-o e consagrando que: "Mantinha-se a impossibilidade da candidatura de seu cônjuge e parentes consangüíneos ou afins até 2° grau para o idêntico (grifo nosso) cargo de chefe do Executivo". (TSE – Resolução n°20.114, de 10-3-1998 – Consulta n° 366 – Classe 5ª - Distrito Federal – rel. Min. Néri da Silveira, Diário da Justiça, Seção I, 3 jun. 1998, p. 63; TSE – Acórdão n° 192, de 3-9-98 – Recurso ordinário n° 192 – Classe 27ª - Tocantins – Palmas – Rel. Min. Edson Vidigal).
Conforme se verificou, essa proibição não alcançava todas as candidaturas para outros mandatos eletivos, mas apenas aquelas que pleiteavam o mesmo cargo de Chefe do Executivo.
Como decorrência de tais decisões, consagrou-se a possibilidade de candidatura do cônjuge ou parentes se o titular do cargo executivo renunciar até os seis meses anteriores ao pleito, porém para cargo diverso do que este ocupava. Começa-se, então, a interpretar de modo diverso o disposto constitucionalmente no artigo 14, § 7°.
Contudo, apesar de a rigorosidade acerca da inelegibilidade por parentesco ter sido abrandada pelo Tribunal Superior Eleitoral, não há como acatá-la em virtude de ter nascida eivada do vício inconstitucionalidade, uma vez que carrega interpretação contrária aos princípios e norma, expressa e proibitiva, constitucionais.
Colaciona-se jurisprudência do Colendo Tribunal Eleitoral que consolidaram este entendimento, dito intermediário, após a Emenda Constitucional n° 16/97.
I. O senador por um Estado pode, no curso do mandato, concorrer ao Senado por outro Estado, desde que satisfaça, no prazo legal, as condições de elegibilidade nesse último. II. É inelegível, para Senador, no Estado respectivo, o cidadão parente consangüíneo até o segundo grau do governador; não o livra da inelegibilidade – conforme a parte final do art. 14, § 7°, da Constituição - fato de ser Senador por Estado diverso, pois a hipótese não seria de reeleição; essa inelegibilidade cessa, contudo, se o governador renuncia ao mandato até seis meses antes das eleições para o Senado Federal. III. A circunstância de poder identificar-se, pelos dados da consulta, a situação individual que, no momento, corresponda com exclusividade à hipótese formulada, não impede o Eleitoral. IV Não é da Justiça Eleitoral – segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal – decidir sobre a perda de mandato eletivo por fato superveniente à diplomação: não cabe, assim, conhecer da consulta a respeito de ser ou não causa da perda do mandato de senador por um Estado a transferência do domicílio eleitoral para outro. (Consulta n° 706, Resolução n° 20.864, Sessão de 10-03-98)
CONSULTA. DEPUTADO FERAL. CÔNJUGE E IRMÃO DE GOVERNADOR REELEITO CUJO 2° MANDATO FOI CASSADO. POSSIBILIDADE DE CANDIDATURA A CARGO DIVERSO NA MESMA CIRCUNSCRIÇÃO. É possível a candidatura de cônjuge ou parente do titular de cargo executivo, a cargo diverso na mesma circunscrição, desde que este tenha sido, por qualquer razão, afastado do exercício do mandato, antes dos seis meses anteriores às eleições. (Consulta n° 748, Resolução n° 21.059, Sessão de 10-03-98).
Dessa maneira, parece terem surgido respostas e argumentos esdrúxulos, através dos votos proferidos pelos ministros eleitorais, a fim de que se garanta a presença de oligarquias familiares no poder.
À primeira vista, tais concessões parecem ser inofensivas, pois a Emenda Constitucional aludida foi publicada e vigora há pouco tempo. Mas daqui a alguns anos, tal entendimento poderá conceder uma espécie de "coronelismo moderno", onde as famílias se perpetuarão no poder mediante amparo da Constituição nacional.
Precedentes e julgados, hoje inócuos, podem fazer com que se multipliquem "Silvas, Souzas, Ferreiras..." e tantos outros grupos familiares no poder.
O TSE, como se não bastasse a avalanche de concessões que vinha fazendo a fim de perpetuar famílias no poder, consagra, atualmente, um terceiro entendimento. O que para este colendo tribunal é tido como "moderno", nada mais é do que um verdadeiro retrocesso.
O entendimento preconiza que, caso o chefe do Executivo renuncie até seis meses antes das eleições, seu cônjuge e parente ou afins até 2° grau, poderão, desprovidos de quaisquer óbices, candidatar-se a qualquer cargo eletivo, inclusive à chefia do Executivo até então por ele ocupada, desde que esse pudesse concorrer a sua própria reeleição. Opta, por conseguinte, pelo afastamento total da inelegibilidade reflexa.
Ocorre que, a reforma de 1997 modificou o § 5° - o da reeleição – mas em nada mudou o § 7° - o do nepotismo, deixando-o intacto. Este posicionamento foi consagrado em vários acórdãos, inclusive do Supremo Tribunal Federal. E intacto estava, por exemplo, nas eleições para prefeitos municipais ocorridas em 2000. Porém em agosto de 2001, o Tribunal Superior Eleitoral, mediante um recurso relatado pela Ministra Ellen Grecie, optou por ajustar um parágrafo ao outro.
Entendeu que, se o titular pode se reeleger, seus parentes também podem. Subscreveu o Procurador-Geral da República, Geraldo Brindeiro, "o cônjuge e os parentes do titular do cargo são inelegíveis apenas nas hipóteses em que o titular também for".
A Constituição Federal, de modo imperceptível, sofreu uma alteração informal e inconstitucional por parte do Tribunal Superior Eleitoral. Entretanto, mantinha-se viva a esperança de este entendimento vir a ser rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal, o que parece não ter se concretizado.
Baseiam-se eles, quando da aplicação do instituto das inelegibilidades por parentesco, na seguinte argumentação: Se os titulares de cargos executivos podem pleitear a reeleição, por que não poderiam seus parentes se candidatar ao mesmo cargo que aqueles ocupam?
Consideram, dessa forma, que não havendo óbices à reeleição para um único mandato subseqüente para aqueles que são chefes do Executivo Federal, Distrital, Estadual e Municipal, não haveria também entraves à candidatura de seus cônjuges e parentes consangüíneos ou afins até 2° grau.
Houve, portanto, por parte de muitos juristas e ministros dos tribunais pátrios uma interpretação ampliativa, extensiva do § 5° do artigo 14 da Constituição Federal, de modo a lhes permitir que alterassem o disposto no § 7° do citado artigo constitucional.
Ponto importante para que se entenda os institutos da reeleição e da inelegibilidade por parentesco é a averiguação da interpretação dada pelo Tribunal Superior Eleitoral à ressalva "salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição", disciplinada no § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal.
Salvo melhor juízo, essa interpretação foi equivocada, conforme se depreende da Instrução n° 55 do Tribunal Superior Eleitoral para as eleições de 2002, em seu artigo 9°, §§ 3° e 4°. Nota-se que o teor desses parágrafos não é encontrado em nenhuma legislação eleitoral, nem mesmo na Constituição Federal.
O equívoco dessa interpretação reside no fato de que tal ressalva refere-se ao candidato que é parente do chefe do Executivo. É àquele inerente, e não ao próprio titular ou suplente do cargo ao qual quer se candidatar o cônjuge ou parente.
Frise-se: a inelegibilidade reflexa é afastada com a renúncia do Chefe do Poder Executivo dentro do prazo legal de até seis meses antes do pleito cumulada com a possibilidade de reeleição desse mesmo Chefe, segundo jurisprudência dominante do Tribunal Superior Eleitoral.
Elegibilidade. Cônjuge. Chefe do Poder Executivo. Art. 14, § 7° da Constituição. O cônjuge do chefe do Poder executivo é elegível para o mesmo cargo do titular, quando este for elegível e tiver renunciado até seis meses antes do pleito. (TSE – Acórdão n° 19.442, decisão: 21-8-01).
ELEGIBILIDADE. CÔNJUGE E PARENTES. GOVERNADOR. ART. 14, §7°, DA CONSTITUIÇÃO. O cônjuge e os parentes de governador são elegíveis para sua sucessão, desde que o titular tenha sido eleito para o primeiro mandato e renunciado até seis meses antes do pleito. (Consulta n° 788, Resolução n° 21.099, Sessão de 10-03-98).
CONSULTA. FILHA DE PREFEITO REELEITO. DEPUTADA ESTADUAL. CANDIDATURA AO MESMO CARGO DO PAI NAQUELA JURISDIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Inadmissível à filha, deputada estadual, reeleita, concorrer ao cargo de prefeito municipal na jurisdição em que o pai é prefeito reeleito. (Consulta n° 848, Resolução 21.322, Sessão de 10-03-98).
Parece ser este o entendimento que possibilitou a candidatura, e subseqüente vitória, de Rosangela Barros Assed Matheus de Oliveira. À primeira vista desconhece-se tal vencedora, seu nome parece não fazer parte do cotidiano dos brasileiros. Mas se fosse proclamado o nome de Rosinha Matheus, todos, inegavelmente, reconheceriam a ex-primeira-dama que passou ao cargo de titular do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro.
Pergunta-se onde Rosinha Garotinho, que hoje além de ter levado o cargo do marido carrega também seu apelido, teria conseguido subsídios jurídicos capazes de embasar o registro de sua candidatura. No entanto, vê-se que sua candidatura à sucessão de seu marido foi facilmente registrada, conforme se confirma no Acórdão n° 20.239, 01-10-2002 em decisão ao Recurso Especial Eleitoral n° 20.239 – Classe 22ª - RJ, que assim concluiu:
ELEGIBILIDADE. CÔNJUGE E PARENTES. GOVERNADOR. ART. 14, § 7°, DA CONSTITUIÇÃO. O cônjuge e os parentes de governador são elegíveis para sua sucessão, desde que o titular tenha sido eleito para o primeiro mandato e renunciado até seis meses antes do pleito.
O principal argumento utilizado a fim de possibilitar a candidatura da esposa de Anthony Garotinho, foi o de que ele havia cumprido apenas um mandato eletivo, além do já consagrado entendimento de ter ele se desincompatibilizado do cargo antes dos seis meses que antecedem ao pleito.
Parece ser essa a asserção mais condizente de modo a embasar o registro da candidatura de Rosinha Matheus e, no mesmo ano eleitoral, impugnar a candidatura de Ricardo Murad, cunhado de Roseana Sarney, ao governo do Estado do Maranhão. Ocorre que esta, apesar de ter sido governadora do Estado do Maranhão, desincompatibilizou-se dentro do prazo legal dos seis meses que antecedem às eleições, como manda o Tribunal Superior Eleitoral, porém seu cunhado teve sua candidatura impugnada.
A objeção à candidatura de Ricardo Murad deu-se devido ao fato de que sua cunhada já havia cumprido dois mandatos eletivos executivos por dois períodos subseqüentes. Significa que, uma vez tendo sua cunhada esgotado o instituto da reeleição, não poderia ele, irmão do esposo da governadora, pleitear sua candidatura.
Entretanto, deve-se observar que a impossibilidade de os cônjuges e parentes postularem uma primeira e nova eleição surge em conseqüência da inelegibilidade reflexa prevista no § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal Brasileira, e não devido à invocação do § 5° desse mesmo artigo constitucional, que aborda o instituto da reeleição. Este, por sua vez, possui caráter personalíssimo. É considerado um prêmio, um bônus ao bom administrador e não é estendido aos cônjuges e familiares do titular do Chefe do Poder Executivo.
Ainda, deve-se salientar de maneira a justificar este último posicionamento que, se o Tribunal Superior Eleitoral não entendeu como necessária a renúncia do titular do Chefe do Poder Executivo do cargo que ocupa caso pleiteie a reeleição, também não poderá exigir tal renúncia caso o cônjuge ou parentes pleiteiem eleição para o mesmo cargo do titular do Executivo. Essa seria a interpretação mais acertada, caso se abarcasse o entendimento de que o instituto da reeleição não é intuitu personae.
Parece haver incongruência entre a exigência feita pelo Tribunal Superior Eleitoral se o chefe do Executivo for postular a reeleição e se cônjuge ou parente for pleitear a eleição ao cargo por aquele ocupado. Assim como a Carta Maior não exige desincompatibilização do Chefe do Poder Executivo caso queira se reeleger, também não poderá exigir que este renuncie para que seu parente possa se candidatar.
Afasta-se, desse modo, os dois principais argumentos utilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral nacional ao permitir a eleição do cônjuge e parentes consangüíneos ou afins do Chefe do Executivo ao mesmo cargo que este ocupava, pois o instituto da reeleição é próprio e destinado ao bom administrador.
Ainda, se fosse condizente tal argumento, não haveria necessidade de desincompatibilização do chefe do Executivo para que seu cônjuge ou parente pudesse se candidatar. Uma vez entendo-se que a reeleição os abrange, poderia o Chefe do Executivo permanecer no exercício de seu mandato até o termo final de sua legislatura. Se há o desejo por parte dos representantes do Poder Executivo de concorrerem ao mesmo cargo, não há, por conseguinte, necessidade da renúncia, pois a Constituição Federal não a exige expressamente. Aplica-se, desse modo, analogicamente, às candidaturas em que há casos de inelegibilidade reflexa. Por fim, vislumbra-se que o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral carece de subsídios legislativos, além de grave contradição, a fim de que possa prosperar.
Em ambos os casos mencionados algures, observa-se que houve desincompatibilização não com o intuito de que aqueles que eram submetidos à inelegibilidade reflexa, dela fossem desonerados, mas para que os titulares dos cargos executivos pudessem concorrer a cargos diversos dos que ocupavam anteriormente.
Seria uma mera coincidência tal argumento, pois a Constituição Federal, em seu artigo 14, § 6°, assim exige expressamente quando a candidatura pleiteada for para cargo diverso do ocupado anteriormente. Como essa assertiva foi insuficiente para impugnar a candidatura de Ricardo Murad, conforme mencionado, o Tribunal Superior Eleitoral foi além e legislou. Elaborou e consolidou, jurisprudencialmente, esses argumentos, convicto de que estava desempenhando seu papel, quando na verdade estava legislando, função precípua do legislativo enquanto ao TSE, integrante do Poder Judiciário cabe, tão-somente, proferir decisões aplicando corretamente a lei.
Diante de tais decisões judiciais que impugnaram a candidatura de Ricardo Murad e legitimaram a de Rosinha Garotinho, resulta evidente o desrespeito à atual Constituição Federal. O TSE, a fim de legitimar candidaturas até então tidas como proibidas, entendeu que a Emenda acerca da reeleição teve reflexos na norma constitucional que aborda a inelegibilidade decorrente do matrimônio e do parentesco.
Segundo o pronunciamento muito bem elaborado de Roberto Pompeu de Toledo (VEJA, Seção Ensaio), tem-se que
A emenda da reeleição, eis a chave da história, segundo o TSE. Ao permitir que presidente, governadores e prefeitos postulassem um segundo mandato, ela lhes deu um direito que, se não exercido, não pode ser negado aos parentes. Ou seja: se o titular de um desses cargos pode candidatar-se à reeleição, e não o faz, nada impede que um parente o faça.
Infere-se, destarte, a inconsistência de tais decisões, pois fizeram com que o direito à reeleição pudesse ser repassado de uma pessoa a outra, assim como, continua Toledo, se repassa um cheque, endossando-o atrás.
Contudo, deve-se ter presente que o § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal continua plenamente em vigor, servindo como meio de luta "contra o nepotismo ou a perpetuação no poder por meio de interposta pessoa", segundo a definição que o Supremo Tribunal Federal deu a este centenário princípio republicano.
Relata-se, conforme Caldeira (INSIGHT, 2002), que "o TSE interpretou o que era incontroverso".
...sob a presidência do Ministro Nelson Jobim, o TSE está mudando a Constituição, coisa que tribunal nenhum pode fazer. É tarefa para o legislativo e assim mesmo por três quintos dos votos, o quorum da reforma constitucional. Está em andamento uma mutação constitucional pela interpretação do TSE contra disposição expressa da Constituição Federal de 1988.
Diante dos fatos articulados, deve-se impedir que cônjuge de Chefe do Executivo seja votado, anulando o registro do candidato. Caso haja demora na decisão final, deve-se tornar insubsistente o mandato que já tenha sido expedido, excluindo-se da legenda os votos que tenham sido destinados ao candidato impugnado. Esclarece, ainda, Caldeira (REVISTA INSIGHT, 200) "a inelegibilidade sendo obstáculo à reeleição, anula-a por certo".
Muitos autores tomaram como exemplo os casos transcritos e salientaram que, no jogo eleitoral, Rosinha Garotinho derrotou a Constituição no TSE por um a zero.
Entretanto, esperava-se que o Supremo Tribunal Federal, como guardião maior da Constituição procedesse à revanche. Mas o que se verifica é que de sua parte houve acomodação ao resultado da "partida", parecendo confirmar as "técnicas do jogo" adotadas pelos Ministros do Tribunal Superior Eleitoral.
Muito embora, por longo período o Supremo tenha consolidado entendimento de que não era possível a elegibilidade de cônjuges e parentes do Chefe do Poder Executivo ao mesmo cargo que este ocupava, atualmente, em recente decisão, rendeu-se aos argumentos do Sr. Ministro Nelson Jobim e parece adotar diferente entendimento.
A esperança que se alimentava acerca da possibilidade de mudança de entendimento por parte do STF não durou muito tempo. Ocorre que este Egrégio Tribunal veio a consolidar uma espécie de "coronelismo moderno" e a regrá-lo conforme as normas da Constituição Federal. Aquilo contra o qual se lutou durante décadas, surge, agora, amparado pela Lei Maior. Há vários anos, os cidadãos, mediante o Poder Legislativo, tentam pôr fim à presença de oligarquias no poder, principalmente quanto às familiares, que efetuam "rodízios executivos" nos salões da República. Lutou-se, ao que parece, em vão.
Se possível a posição adotada por ambos os Tribunais, poderá haver situações em que, por exemplo, um governador eleito num Estado qualquer desse país, pela primeira vez no ano de 2002, seis meses antes das eleições de 2006, renuncia. Quem assume é o vice. Ocorre que este é de sua confiança, podendo ser facilmente manipulado pelo ex-governador, uma vez que se postularam a candidatura juntos, gozam de igual ou parecida ideologia e princípios.
Logo, candidata-se ao cargo de governadora a filha do ex-governador. Este, conforme o TSE, renunciara no tempo legal. Como o ex-governador era reelegível se não renunciasse, pois somente havia cumprido um único mandato, sua filha, segundo entendimento do TSE, poderia se candidatar ao mesmo cargo anteriormente ocupado pelo pai, desprovida de óbices legais. Vence as eleições, provavelmente impulsionada pela máquina administrativa, que está nas mãos do atual governador, e homem de confiança do ex-governador, com evidente vantagem em relação para os demais competidores e para a lisura do processo de escolha democrática. Toma posse, então. Como é o seu primeiro mandato, é também reelegível para o próximo.
Observe-se a inconsistência de tal entendimento. A filha pode postular a eleição porque o pai somente havia cumprido um único mandato eletivo. Porém o instituto da reeleição a ela também é válido, podendo postular uma recondução ao cargo no período subseqüente. Veja-se que, nesse exemplo, haveria a possibilidade de se pleitear um terceiro mandato subseqüente, o que é expressamente vedado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 14, § 5°.
Ainda, como se não bastasse, poderá essa então governadora chegar ao ano de 2006 e renunciar seis meses antes das eleições. Ocorre que a governadora renuncia para candidatar-se a outro cargo de maior relevância. Quem se candidata, não importando nesses casos se por igual ou diferente partido político, para sucedê-la? Ninguém mais, ninguém menos do que seu irmão. Como também poderia ter sido seu pai, aquele que começou a dinastia da família no poder, como também sua irmã ou seu marido.
Tem-se, dessa maneira, a possibilidade de, por vários anos seguidos, uma família gozar do poder livremente, desprovida de obstáculos legais, segundo interpretação do TSE e do STF. Logo, haveria a possibilidade de um "continuísmo familiar", alternando-se gerações familiares no poder.
Ao contrário do que se esperava, o STF não cumpriu sua tarefa de resguardar e proteger a Constituição da República Federativa do Brasil. Deveria ele, no exercício de sua função precípua, ter anulado os Acórdãos proferidos pelo TSE, em sede de inelegibilidades, que feriam dispositivos constitucionais.
Ocorre que o STF, resolveu adotar a interpretação do disposto no artigo constitucional 14, § 7°, em consonância com o preconizado no § 6° desse mesmo artigo. Parece ter tido seus olhos vendados quando da escolha de tal interpretação, pois procedeu a uma interpretação sistemática de somente esses dois dispositivos constitucionais, abandonando preceitos fundamentais que servem de base à constituição pátria e ao perfeito funcionamento de um Estado Democrático de Direito.
Salientou que se interpretado isoladamente o disposto no § 7°, do artigo 14, da Constituição Republicana de 1988, ter-se á a inelegibilidade absoluta de cônjuge e parentes dos Chefes do Executivo para o mesmo cargo por este ocupado ou para cargo diverso quando for candidato a primeira e nova eleição. Disse haver, nesse caso, uma interpretação literal da Constituição Federal, de modo que lhe pareceu mais condizente proferir uma análise constitucional sistemática.
No entanto, o STF ao consolidar seu entendimento no Recurso Especial n° 344.882 – BA, de 27-11-01, referiu-se ao recurso especial eleitoral n° 19.442 (Ibiraçu – ES), de 21-08-01, no qual se colhe
...Referiu S. Exa. ao temperamento que foi dado por este TSE ao § 7° do art. 14, quando o tribunal decidiu pela elegibilidade de cônjuge e parentes dos chefes do Executivo para outros cargos, desde que o titular tivesse renunciado até seis meses antes do pleito. Entendeu S. Exa., com rigor de lógica, que a inspiração para este tempero o tribunal buscou, sem dúvida, no § 6°, pois, se a renúncia viabiliza a candidatura do próprio titular a outro cargo, essa mesma renúncia deveria viabilizar a candidatura dos seus parentes.
O argumento principal para a solução da presente controvérsia, porém, emerge, de fato, da alteração das normas de inelegibilidade, introduzida pela EC n° 16/97, a qual, ao alterar a redação dada ao parágrafo 5° do mesmo art. 14, permitiu a reeleição dos chefes do Poder Executivo por um único período subseqüente. A interpretação sistêmica da nova realidade constitucional leva à necessária compatibilização desse dispositivo com aquele constante do § 7° do mesmo artigo.
Já a preocupação com o mau uso da máquina pública para finalidades eleitoreiras fica resguardada pelo afastamento daquele que, eventualmente, poderia desviar, em benefício de seu parente ou cônjuge, serviços ou recursos públicos. A regra de licenciamento, anterior a pelo menos seis meses do pleito, resguarda, como quis o constituinte, a lisura das campanhas.
Uma interpretação literal do § 7°, como se vê, gera situação paradoxal, na medida que impede a eleição dos parentes e do cônjuge para o cargo do titular, quando ele mesmo, por sua vez, pode candidatar-se para esse mesmo cargo.
Daí concluir que a única solução razoável é a que conjuga os ditames dos §§ 5° e 7° e lhes dá leitura condizente com os princípios que informaram a redação das normas constitucionais, sem desconsiderar a nova realidade, introduzida pela EC n° 16/97. A interpretação dada pelo tribunal Regional Eleitoral atende à finalidade da norma, que é evitar o uso da máquina administrativa pelo titular, por seu sucessor ou por seu substituto em benefício de seus familiares.
Seria uma falácia crer, como querem os Colendos Tribunais, que a máquina administrativa não irá trabalhar em prol do candidato parente do ex-chefe do Executivo. Ainda que não trabalhe, a imagem do ex-titular e do atual candidato sempre estará ligada, o eleitorado não a dissocia e, invariavelmente, elege o substituto em função de seu antecessor. Não é dada margem a novos pensamentos e novas ideologias que, muitas vezes, estão escondidas devido à falta de publicidade e conhecimento acerca daqueles que as defendem.
Apesar de rezar pela possibilidade da candidatura do cônjuge e parentes do Chefe do Poder Executivo, relata o Sr. Ministro Nelson Jobim, então acompanhado pelo Sr. Ministro Fernando Neves, no Recurso Especial n° 17.199 (Itapemirim) que a solução condizente para o "continuísmo familiar" não ter prosseguimento, em atendimento à finalidade das normas constitucionais, está na limitação imposta pela nova redação do § 5°, do artigo 14, da Constituição Federal, que estabelece o limite de eleição para "um único período subseqüente".
Diz ele, "esse é o limite constitucional para o ‘continuísmo’". Continua salientando que deve ser aplicado, também, em relação aos parentes e cônjuges. Ressalta-se esta vedação, pois foi por ele legislada, não estando contida na Constituição de modo expresso, ou seja, diz que "o parente eleito, nessas circunstâncias, não poderá concorrer á reeleição. E os parentes deste não poderão concorrer ao mesmo cargo, pois o titular não poderá concorrer à reeleição. Impede-se o continuísmo".
Solução bastante controvertida essa adotada pelo ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Primeiro, prevê a possibilidade de se ampliar o que a Constituição Federal expressamente proibiu. Logo, veda a possibilidade de reeleição dos parentes e cônjuge, após ter permitido que se elegessem em sucessão a seu marido, esposa e parentes, uma vez que não se permite a reeleição para um terceiro período subseqüente.
No entanto, observa-se que se o Constituinte assim desejasse, teria previsto constitucionalmente. Ou ainda, teria o constituinte derivado alterado essa norma constitucional, mas não os Tribunais nacionais, cuja única função é a aplicação da Constituição de modo a julgar os casos que lhes são colocados sob exame. Têm a função máxima de órgãos julgadores e não de legisladores. Ainda, vieram a legislar contrariamente à Constituição. Logo, transparece a falta de subsídios jurídicos em tais decisões preconizadas tanto pelo Tribunal Superior Eleitoral quanto pelo Supremo Tribunal Federal.
Podem eles, contudo, desejarem que assim seja tratada a inelegibilidade reflexa, mas daí a aplicarem o que bem entenderem na prática, há uma larga diferença. Devem esperar por uma nova Emenda Constitucional que venha a alterar expressamente o disposto no § 7°, do artigo 14, da Constituição Federal, de modo a permitir a elegibilidade de cônjuge e parentes e disciplinar o instituto da reeleição quanto a eles. Ainda, que seja aprovada, por no mínimo, três quintos dos membros da Câmara dos deputados e do Senado Federal, como dispõe o § 4°, do artigo 60, da Constituição Federal, e não pela vontade dos Senhores Ministros do TSE ou do STF.