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O Ministério Público:

ônus da prova e a dignidade humana

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15/05/2004 às 00:00
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INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 elevou a dignidade humana como um dos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito, o que vale dizer que qualquer ser nascido de mulher é digno, não podendo o Estado negar-lhe esta condição: de ser humano.

Assim, não se pode permitir a pena de morte porque é negar-lhe o direito a existência, tratando-o como um objeto do processo a ser destruído; não se pode prendê-lo perpetuamente, pois é característica do ser humano ansiar pela liberdade e um dia voltar a usufruí-la, isto é, as penas corporais e capitais foram banidas, salvo a pena de morte em caso de guerra externa declarada.

O sistema de culpabilidade baseada na exigibilidade de conduta diversa, nega a condição humana ao acusado, transformando-o em um objeto do processo, em um ser ético e moral, sendo que a moral e a ética são incompatíveis com o Direito em um Estado Democrático, que não nega a existência de valores conflitivos na sociedade.

Em uma sociedade conflitiva como a nossa, industrializada, praticamente estagnada economicamente por décadas, com recessão, desemprego, falta de políticas básicas de moradia, de educação e de saneamento básico, além de uma péssima distribuição de renda, o discurso jurídico-penal tende a ser preventivo, com o intuito de atingir o indivíduo tido como "perigoso", havendo uma intolerância contra os "maus criminosos", que são os que perpetuam violência e grave ameaça às pessoas, notoriamente com o fim de alcançar o patrimônio móvel. Pouco relevante no Direito Penal Brasileiro é o de atingir, por exemplo, aquele que desviou o dinheiro público destinado a construir uma escola, fazendo com que muitos jovens, sem perspectivas, se tornassem "maus criminosos"(violentos).

No processo penal brasileiro, onde vigora o superado dogma da busca da verdade real, de origem totalitária, a pessoa humana é transformada em um verdadeiro objeto do processo, com prisões preventivas que visam muito mais uma antecipação de pena do que a segurança do Juízo, sob as estritas condições do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Se o objetivo do Direito Penal é aplicar uma pena criminal e o processo penal brasileiro serve como forma de controle social dos mais pobres, a busca da "verdade" se torna um dogma intocável, pois todo fato típico e antijurídico que se prove a sua existência e, que tenha sido praticado por um indivíduo culpável, receberá indubitavelmente uma pena, sem qualquer análise se a conduta é socialmente relevante, se o resultado da conduta possui relevância social, se a construção da conduta típica não visa impor valores éticos e morais de um grupo ético-social e religioso dominante sobre os demais grupos minoritários. Como exemplos de imposição de conduta ética e moral de grupo religioso majoritário, temos as construções típicas dos crimes de "sedução", de "adultério" e de "bigamia", além da construção da ficção jurídica da "presunção de violência" nos crimes contra a liberdade sexual; além disto, possuímos o termo pseudo-moralista "mulher honesta" nos crimes de rapto; a punição pelo modo de vida como a "contravenção por vadiagem", etc. Não verifica-se ainda, se há ou não violação do princípio da lesividade, da proporcionalidade, etc.

Transforma-se, dessa forma, o Direito Penal em um direito controlador dos excluídos e mantenedor do status social vigente, mesmo que injusto, fazendo dos operadores do Direito Penal, não em agentes políticos de um Estado Democrático de Direito, que é racional, mas sim, em colaboradores de grupos elitistas que querem a prevenção contra condutas que atinjam seus interesses, embora as elites perpetuem delitos muito mais graves do que os cidadãos de baixa renda, lavando dinheiro do crime organizado, apropriando-se do dinheiro público, sonegando grandes somas de tributos, utilizando-se da informática para a prática de delitos diversos, além de corromperem autoridades do Estado; insinuam-se na política partidária, passando a ocupar cargos importantes e valem-se de tais cargos para cometerem delitos vários, geralmente envolvendo cifras vultuosas!

Falar do ônus da prova do Ministério Público em um Direito Processual Penal Constitucional não é tão simples se atentarmos para o espírito democrático e para o senso do dever funcional que incumbe ao membro do Ministério Público, em face dos artigos 127, 129, I, da Carta Magna, respeitando-se, sobretudo, o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.

Devemos desde já refletirmos, antes de buscarmos o ônus da prova, do que realmente temos que provar? Autoria? Materialidade? Existe o ônus da busca da verdade real? Já possuímos noção de qual seja o conceito de verdade? Provada a autoria e a materialidade, ensejará sempre a obrigatoriedade de pedirmos uma condenação e aplicação de uma pena?

São essas questões que tentaremos desenvolver de um modo simples em singelas páginas, a fim de contribuirmos com a defesa da dignidade humana e sobretudo na defesa do Estado Democrático de Direito.


TÍTULO I

A BUSCA DA VERDADE – UM SISTEMA ILEGÍTIMO.

O sistema de culpabilidade baseado na reprovabilidade da conduta do autor, qual seja, sendo o réu imputável e possuindo potencialmente a consciência da ilicitude, é exigível outra conduta do mesmo, isto é, exigi-se que o acusado obedeça a norma. Baseado em quê? Em sua liberdade. Mas essa liberdade em nada tem haver com sua conduta, pois esta é analisada antes da culpabilidade e da antijuridicidade. Na verdade, o fato de estar consciente e ter agido voluntariamente, nada tem haver com a exigibilidade de conduta diversa, mas sim com o próprio conceito de conduta. Então, em qual liberdade de agir que nos baseamos para exigirmos que tivesse o réu o dever de fazê-lo de forma diversa da praticada? Certamente que em uma liberdade moral e ética.

Nesse sistema(da reprovabilidade, da responsabilidade penal e da exigibilidade de conduta diversa), entende-se que o autor delituoso possuía motivos morais para convencer-se a si mesmo à obedecer a norma. Assim, todo agente que pratica um fato típico, antijurídico e culpável estará fadado a receber uma pena e a passar a ter um rótulo estigmatizante de "criminoso", de "culpado".

Em um Estado Democrático de Direito, com o preceito da dignidade humana, não se pode exigir moralmente que um cidadão aceite uma norma penal ou extrapenal como válida. Ao contrário, é característica do Estado de Direito Democrático a possibilidade do cidadão não aceitar a norma, sendo lícito que em uma suposição empírica, tanto em face da conduta de outros cidadãos, quanto em um monólogo, que a pessoa entenda que a norma não é válida.

O Estado Democrático de Direito entende e aceita o conflito social e de valores e faz tudo para diminuir tais conflitos, através do controle primário da criminalidade(lazer, educação, saúde, distribuição de renda e de oportunidade, empregos, etc.), deixando a intervenção secundária ou estatal em última ratio, pois sabe que o Direito Penal é simbólico, somente alcançando cerca de 5% da realidade criminal, devendo, então, priorizar a criminalização das condutas relevantes, tais como, a criminalidade difusa, como a do crime organizado e lavagem de dinheiro, ou o narcotráfico, além dos crimes cujas condutas são praticadas mediante violência ou grave ameaça à pessoa. É o Direito Penal Mínimo, ou abolicionismo moderado.

Se o Estado não promove socialmente o bem-estar de seu povo, então a democracia é meramente formal, ou uma expectativa de democracia, uma promessa para o futuro, com práticas reais de ditaduras, tais como o emprego da tortura, execuções sumárias por grupos de extermínio, etc.

Em um autêntico Estado Democrático de Direito(democracia real e não apenas formal), o cidadão somente é obrigado a obedecer a norma quando encontrar-se diante de uma situação fática em que esteja obrigado a obedecê-la, não porque encontram-se presentes todos os elementos da culpabilidade e ausentes quaisquer excludentes, mas porque deverá respeitar os demais cidadãos que aderem a norma, que a reconhecem como válida. Dessa forma, uma pessoa que desista de matar outra porque não encontra meios adequados para planejar e executar um crime de homicídio que torne o crime perfeito e, temendo por sua liberdade, não exterioriza a conduta típica, obedece a norma contida implicitamente no artigo 121 do Código Penal como qualquer outro cidadão que jamais pensou em matar alguém.

Em um Estado Democrático de Direito, o cidadão poderá pelos meios lícitos e válidos, lutar para que os demais cidadãos compreendam que a norma não deva mais prevalecer, seja através de discursos, de diálogos, manifestações escritas, seja através dos pleitos eleitorais, votando e sendo votado.

Cidadão, portanto, será aquele que participa dos processos de elaboração das normas, tendo a oportunidade de votar e de ser votado, de discursar e de externar suas opiniões(liberdade de expressão). Esse mesmo cidadão que em uma autocrítica, possui a liberdade de contestar a validade da norma, possui o dever de obedecê-la não por uma obrigação ética e moral, mas porque deve respeitar outros cidadãos que aceitam a norma, podendo por seus próprios e legítimos meios, convencê-los da ilegitimidade de um mandamento(conforme ensinamento de Klaus Günter, "A culpabilidade no presente e no futuro", Revista Ciências Criminais, RT, Publicação oficial do IBCrim, ano 6, nº 24, 1998, pgs. 79/92). Caso delibere em violar a norma, o cidadão será uma pessoa deliberativa, comunicando à vítima e à sociedade que não aceita a norma como válida, estabelecendo-se, assim, um conflito entre a pessoa que deliberou violar a norma e os demais cidadãos que acatam a norma como válida.

Com essa definição de cidadão, entendemos que aquele que for totalmente excluído do processo de formação da norma, não tem o dever de observância, até mesmo por ignorá-la; lembrando-se que falamos da norma e não da ignorância da lei. Aliás, ZAFFARONI & PIERANGELLI, na obra "Manual de Direito Penal", RT, diz que nos casos de exclusão social deverá haver a atenuante inominada do artigo 66 do Código Penal, a denominada co-culpabilidade(co-responsabilidade da sociedade), por inobservância dos direitos sociais dos cidadãos, nos termos dos arts. 6º a 11 da Constituição Federal.

A culpabilidade no Estado Democrático de Direito não deverá ser somente baseada no sistema de excludentes de elementos normativos (imputabilidade, consciência potencial da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa), mas também(o ideal seria tão somente) constituída de um juízo de imputação subjetiva, onde o membro do Ministério Público atentará, independentemente do fato estar provado e de encontrarem-se presentes os elementos normativos da culpabilidade, se a norma é válida, isto é, se a pessoa deliberativa(que não aceita a norma e, em uma situação fática, a viola), ao atentar contra um bem jurídico protegido pela norma, não encontra respaldo nos demais membros da sociedade, isto é, se a sociedade já não retirou a validade normativa. Por exemplo: se a sociedade entende ou não que as normas que estão implícitas nas condutas típicas dos artigos 217 e 240 do Código Penal, ainda estão em vigor; se ainda protegem algum bem jurídico penalmente relevante. Havendo um consenso de que não estão mais em vigor, deverá o réu ser absolvido, devido ao fato de que ao deliberar violar a norma, o povo, único detentor do poder em uma democracia(art. 1º, parágrafo único da CF), de forma consensual ou pelo menos de forma majoritária, entende que ambas condutas já deveriam ter sido descriminalizadas por ausência de bem jurídico a ser tutelado pela norma penal, visto que o Direito de Família já consegue solucionar os conflitos advindos de tais condutas(a de seduzir uma jovem ou a de cometer adultério). Perceberá o membro do Ministério Público que não estará sendo um Promotor de Justiça, mas sim um órgão fiscalizador de "costumes morais" de grupos conservadores, caso persista na atitude de estigmatizar um cidadão que pratique condutas irrelevantes e que estará impondo ao réu valores éticos e morais em um Estado Democrático, onde aceita-se que grupos sociais possuam valores diferenciados e conflitivos.

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Concluindo o exemplo, a lei continua formalmente em vigor, mas já não é relevante para a proteção do bem jurídico tutelado, não encontrando-se mais a norma vigente, revogada pela soberania popular, através do consenso, ou, pela vontade da maioria. Isto é, rotular um jovem ou uma pessoa como "criminosa", estigmatizando-a no rol dos culpados, com todas as conseqüências maléficas daí decorrentes em sua vida, por sedução, adultério, bigamia, contravenções penais, etc., é transformá-la em uma pessoa ética e moral e não respeitá-la como um ser humano, causando um mal social muito maior à sociedade do que um benefício, pois ausentes em tais casos a necessidade da prevenção geral ou específica da pena, pois as pessoas cometem adultério(incentivadas até mesmo por novelas, filmes e revistas) e namoram, mesmo sendo menores de 18 anos, com a permissão dos pais, que permitem que suas filhas cheguem altas horas da noite, adentrem e circulem nos veículos de seus namorados, que depois serão estigmatizados como se criminosos fossem.

Seguindo por essa linha de raciocínio, não se pode esquecer que a pessoa que deliberou violar a norma(pessoa deliberativa), comunicou à vítima(agir comunicativo da pessoa deliberativa) que não aceita a norma como válida(art. 217 do Código Penal); a vítima aceitou consensualmente que igualmente não aceita a norma insculpida no artigo 217 do Código Penal como válida, não aceitando, inclusive, a norma paterna como válida("permaneça sem manter conjunção carnal enquanto menor de 18 anos"). Dessa forma, há um consenso comunicativo entre autor e vítima. Se há consenso entre autor e vítima quanto à conduta, não há crime a ser apurado, mesmo que o fato encontre-se provado e seja formalmente típico.

A pessoa deliberativa, igualmente comunicou à sociedade, que a norma do artigo 217 não é válida. Hoje, as pessoas entendem que os jovens menores de 18 anos podem iniciar a vida sexual, alegando igualmente que é muito salutar para o seu desenvolvimento, desde que se previnam contra gravidez precoce, doenças sexualmente transmissíveis e a Aids. Assim, a norma(e não a lei) está revogada, pouco importando que a "verdade" encontra-se provada. E a lei não é o objeto de proteção da norma, mas sim, bens jurídicos relevantes.

Quando uma pessoa deliberativa viola a norma e esta é aceita como válida pela sociedade(como p. ex., arts 121, 157, 213, 214, 312, do Código Penal, etc.), deverá receber pena pelos fins preventivos desta. A prevenção geral para que a sociedade entenda que o bem jurídico é relevante e que possui valor social, encontrando-se de fato protegido pela norma(provocar a consciência normativa da sociedade); já a prevenção específica, tem por finalidade demonstrar à pessoa deliberativa, que o bem jurídico encontra-se protegido e a norma é válida e, que mesmo tendo direito de não acatá-la, não possui o direito de violá-la quando se vê faticamente obrigado a cumpri-la, por respeito aos demais cidadãos que aderem a norma e que são a maioria e, que através de sua conduta, houve um dissenso entre o seu agir comunicativo(não aceitar a norma como válida e violá-la) e os demais membros da sociedade, que não aceitaram a violação do bem jurídico, por ser este relevante para a vida social.

Não será o objetivo do Ministério Público Democrático, o de provar a verdade real dos fatos e buscar punir o autor por não aceitar a norma como válida, porque lhe era exigível outra conduta(o que é uma postura moral neokantista), mas sim, provar formalmente, nos autos, a existência e a autoria de um fato típico, antijurídico e culpável, bem como, que a norma protege um bem jurídico relevante e que encontra-se em vigor pela vontade da soberania popular. Jamais servir o órgão ministerial de proteção de quem possui bens móveis contra aqueles que não possuem bens! Ao contrário, o Ministério Público deverá equipar a Instituição de órgãos de investigação e de combate ao crime organizado, lavagem de dinheiro, desvio de dinheiro público e sonegação fiscal, a fim de que milhares de brasileiros tenham acesso a bens de consumo, acesso à educação, moradia, renda, etc. Aí sim teremos uma atuação relevante no Direito Penal, como já possuímos, por exemplo, na defesa dos direitos difusos e coletivos.


TÍTULO II

"VERDADES" APRIORÍSTICAS SOBRE A PRISÃO –

Quando nós, operadores do Direito, negamos a existência de valores conflitivos na sociedade, passamos a agir moralmente, conforme nossos valores e, atuando mediante nossas atribuições em uma instituição governamental, que deveria agir sempre racionalmente, acabamos impondo nossos valores éticos e morais aos acusados, durante o processo e após este, já na fase de execução penal. Nesta fase, são chamados de reeducandos. Ora, o termo reeducando é ideológico, pois seria o indivíduo que era educado, deixou de sê-lo e necessita de voltar aos valores que possuía anteriormente, como alguém que necessita passar por uma reforma íntima: era um homem educado, deixou de sê-lo, sendo necessário a prisão para reeducá-lo.

Na realidade, o réu recebeu os valores da sociedade em que vive(de consumo), introjectou que consumir é bom e traz bem-estar e felicidade e, vendo-se privado da capacidade de consumir, percebendo que a escola pública não fará com que consiga ascensão social, embora a vida toda ouviu que ascensão social é possível nesse tipo de sociedade(de capital e de consumo), passou, então, a buscar os bens de consumo através da grave ameaça e violência à pessoa humana. Assim, o autor de um delito, jamais foi educado com valores positivos(honestidade, seriedade, honradez, desprendimento dos bens materiais) e, agora, na prisão, não o será certamente. Não necessita de reeducação: a educação que recebera, em sua bolha social, de que os valores de consumo são corretos, foram essenciais para a formação de sua personalidade e que assumisse as atitudes violadoras das normas penais contra o patrimônio.

A prisão, igualmente, não será um local de educação(ou "reeducação"), visto que, trata-se de uma instituição totalizadora, onde o tratamento dispensado aos internos é massificado, com horários rígidos para acordar, dormir, ir ao banheiro, alimentar, ou ainda, sem direito a estar sozinho. Enfim, a prisão promove, de forma violenta, a destruição do "eu".

A realidade prisional é tão diversa, que quem possui status entre os presos são justamente os mais violentos, isto é, quanto mais violento for, quanto mais demonstrar que é perigoso, o detento merecerá maior respeito dos companheiros de cela e de seu pavilhão; "ser do crime" é um status no mundo prisional. Dessa forma, a exteriorização de um comportamento gentil e educado nos presídios, sujeitará ao detento que quer "reeducar-se" a suportar a rejeição dos companheiros de cela e a sofrer violência psíco-física que o destruirá interiormente.

Na realidade quem é submetido a um regime institucional totalizador, tende a introjectar seus valores, até mesmo para poder sobreviver no mundo hostil em que se encontra, isto é, a repetir o comportamento padrão do local. Se para viver um pouco melhor é necessário aceitar a posição de um líder e de um grupo de cela, mesmo que para isso, tenha que se tornar agressivo para com outro grupo rival, certamente o fará, com o intuito de não ser massacrado pela subcultura delinqüente, dominante no ambiente. É essa subcultura, com regras definidas de violência, crueldade e desumanidade, que possui gestos e expressão corporal próprios e linguajar peculiar, que emerge dos sistemas prisionais, formando um novo tipo de sociedade, tratando-se da vida social prisional.

A aceitação do rótulo de delinqüente e do estigma de criminoso, levará o preso a repetir no interior da prisão e, quando fora dela, os valores que recebera e que introjectara quando no cárcere. Portanto, a prisão nos moldes atuais é um fator de produção de reincidência(fator criminógeno) e não de "reeducação" humana.

A reeducação, portanto, é um dogma, criado para negar o conflito social, a fim de ratificar a existência de uma sociedade burguesa virtuosa de valores éticos e morais consensuais.

O processo penal democrático não comporta nenhum "a priori", prevenção baseada em "verdades" pré-concebidas e estereótipos, dogmas e deduções.

A prisão, portanto, não é para reeducar, mas sim para demonstrar à sociedade(prevenção geral) e ao autor do delito(prevenção especial) que o bem jurídico afetado é relevante e encontra-se protegido pela norma, criando-se uma consciência normativa na maioria dos grupos sociais, mesmo que conflitivos.

Sendo um fator de geração de delinqüência, a prisão somente deveria ser prevista para crimes graves contra a pessoa e os que causassem violação a bens jurídicos difusos e coletivos, de forma relevante, ampliando-se o leque das penas restritivas de direitos e alternativas, aumentando-se a competência originária para juizados especiais criminais, notoriamente nos crimes sem violência ou grave ameaça à pessoa, desde que atingissem bens jurídicos individuais.

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Sobre o autor
Sérgio Abinagem Serrano

Promotor de Justiça- Titular da 13ª Promotorial de Justiça de Goiânia, Especialista em Direito Penal, Processual Penal e Criminologia, Membro da banca examinadora de concurso para ingresso na carreira do Ministério Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SERRANO, Sérgio Abinagem. O Ministério Público:: ônus da prova e a dignidade humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 312, 15 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5189. Acesso em: 25 abr. 2024.

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