A recente lei nº 10.741/2003, que instituiu o denominado Estatuto do Idoso, determinou algumas modificações explícitas e implícitas na Parte Geral e Especial do nosso Código Penal e em Leis especiais.
Vejamos as modificações explícitas:
O artigo 61 diz que são sempre circunstâncias que agravam a pena, quando o crime for praticado contra a pessoa maior de 60 anos de idade.
No parágrafo 4º do artigo 121 estabeleceu que, em se tratando de crime doloso de homicídio, caso a vítima tenha mais de 60 anos, a pena será aumentada de 1/3 (um terço). No artigo 134, ao cuidar do "abandono de incapaz", acrescentou o parágrafo terceiro, determinando também, o aumento de 1/3 |(um terço) na pena caso a vítima tenha mais de 60 anos. No artigo 140, parágrafo 3º houve a inclusão, sem menção à idade, de uma circunstância agravadora da pena: se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à condição da pessoa idosa e no artigo seguinte (art.141), a pena também é aumentada se os crimes de calúnia e difamação forem praticados contra pessoa maior de 60 anos de idade.
Idêntico procedimento ocorreu no artigo 148, parágrafo 1º, inciso, artigo 159, parágrafo 1°,, artigo 183, inciso III (onde se nota a equiparação entre o que tem 60 anos e o que tem mais idade) e artigo 244 (abandono material), todos do Código penal vigente.
A alteração do critério de idade também se processou na Lei das Contravenções Penais em seu artigo 21, parágrafo único, no artigo 1º, inciso II, parágrafo 4º da Lei nº 9.455 de 7 de abril de 1977, no artigo 18 Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976 e no artigo 1º da lei nº 10.048, de 8 de novembro de 1980.
Pode-se sustentar, pois, que com o advento da lei que instituiu o Estatuto do Idoso, passamos a ter um critério não mais biológico para determinar maior apenação quando a vítima se encontra em certa faixa etária avançada, mas um critério legal pela vez primeira em nossa
legislação penal comum e especial. E mais, estabeleceu o referido Estatuto que é também idoso o que tem 60 anos completos, não, apenas, o que tem mais dessa idade, gozando de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata a lei especial, bem como tornando obrigatório ao Poder Público lhe assegurar a efetivação do direito de liberdade.
Três dispositivos permaneceram sem modificação: o artigo 65, inciso I, o artigo 77, parágrafo 2º e o artigo 115, todos se referindo ao critério biológico, ou seja, 70 anos de idade.
Os doutrinadores estão de acordo que o critério adotado pelo legislador de 1940, repetido em 1984, foi o critério biológico, que, com a devida vênia, não mais deve existir em nossa legislação diante do critério legal explicitamente adotado com o advento do Estatuto do Idoso. É o que chamamos de modificação implícita.
Deixando de lado o "sursis" etário e a circunstância atenuante, cuidemos da prescrição pela metade prevista no artigo 115 do Código Penal.
Com a ocorrência do crime nasce para o Estado o ius puniendi. Esse direito não pode, contudo, eternizar-se como uma espada de Dâmocles sobre a cabeça do indivíduo. Em decorrência disso o próprio Estado estabelece critérios que limitam o exercício de punir, e, levando em consideração a gravidade do crime e da pena, fixa lapso temporal dentro do qual estará legitimado a aplicar algum tipo de sanção.Escoado o prazo o direito de punir prescreve, vale dizer, o Estado não mais pode exercê-lo; pelo decurso de tempo, em razão de seu não exercício, dentro do prazo fixado, a pena não pode ser imposta ou cumprida.
A prescrição, segundo pensamos, é instituto de direito material, regulado pelo Código Penal e é matéria de ordem pública, devendo ser decretada de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do próprio interessado, constituindo preliminar de mérito que deve ser declarada em qualquer fase do processo.
O artigo 115 do Código Penal, que estabelece a idade de 70 anos para a contagem pela metade do prazo prescricional, deve sofrer uma nova interpretação, seja extensiva ou analógica, para fazer com que o maior de 60 anos de idade possa ser beneficiado. É que agora temos critério legal para conceituar quem é idoso, ao contrário do anterior, eminentemente biológico e até arbitrário.
A conseqüência mais importante dessa conclusão é que, em se cuidando de instituto de direito penal, tem inteira aplicação o princípio de que a lei que beneficia sempre retroage, isto é aplica-se aos casos em curso e não definitivamente julgados, que necessitarão de novos cálculos para se saber se o Estado perdeu o direito de punir ou de fazer
cumprir a pena. Repita-se, a conseqüência é maior do que se pensa, pois cumpre, agora, reexaminar a idade de todos os que respondem a processo penal para se saber se ocorreu a prescrição da pretensão punitiva propriamente dita, da prescrição intercorrente, da retroativa ou executória. E até mesmo dos que foram julgados, por força do parágrafo único do artigo 2º do Código Penal: novatio legis in mellius, que consagra retroatividade de maneira incondicional, mesmo diante da coisa julgada.Na novatio, ao contrário da abolitio criminis, o fato continua sendo típico, ocorrendo apenas a inclusão de circunstâncias favoráveis ao agente, como, por exemplo, a lei que reduz o prazo prescricional do delito.
Para melhor compreensão do leigo e do estudante ainda não afeito ao instituto prescricional, vejamos alguns exemplos práticos, seguidos de explicações teóricas de maneira perfunctória.
Caso no curso determinado lapso temporal (estabelecido pelo artigo 109 do Código Penal e que vai de 2 anos a 20 anos), o Estado não conseguir impor uma pena ao autor do crime, ocorrerá, grosso modo, a prescrição. O que irá determiná-la, pois, será a superação do prazo estabelecido em lei para a punição do culpado, que é estabelecido de maneira variável na proporção da gravidade do delito. Delito mais grave prescreve em maior tempo. O artigo 115 do Código Penal, contudo, estabelece que em se tratando de certa faixa etária, tais prazos serão calculados pela metade.
Assim, caso a pessoa tenha praticado um delito de lesão corporal (artigo 129, "caput"), cujo prazo prescricional é de 4 anos (artigo 109, inciso V), em 20 de abril de 1993, a prescrição ocorrerá em 19 de abril de 1997.
Todavia, se tiver 70 anos ou mais de idade, quando da sentença (pouco importa a idade que tinha ao tempo do crime), a perda do direito de punir ocorrerá dois anos antes, vale dizer, em 19 de abril de 1995. Lógico que o prazo pode ser interrompido, mas as dimensões desse trabalho não comportam tais explicações. A se contar o prazo segundo nosso entendimento, 60 anos de idade quando da sentença, haverá uma redução de 10 anos, beneficiando uma enorme faixa etária.
Tal raciocínio simplista pode ser aplicado a todos os casos de prescrição, seja da pretensão punitiva, executória, retroativa ou intercorrente, muito embora várias outras considerações possam ser aduzidas e, necessariamente, levadas na devida conta.
Importante ressaltar, que a oportunidade para a declaração da prescrição ocorre em qualquer fase do processo, sendo possível até a impetração de hábeas corpus para se obtê-la.
Não se trata de aplicar a analogia porque não há ausência ou lacuna da lei; na interpretação analógica, o fato está previsto na fórmula genérica da lei, inexistindo lacuna e na extensiva, que parece ter aplicação ao caso, o fato está previsto implicitamente no texto da lei, sem se falar em interpretação progressiva, também chamada adaptativa ou evolutiva, na qual se amolda a lei à realidade existente, ou seja, o intérprete deve adaptá-la às concepções atuais, pelo que não devemos esquecer que velho, idoso ou ancião são palavras sinônimas, dizendo a lei que todo o que tem mais de 60 anos de idade ou mais, é velho, queiramos ou não. E o critério adotado foi beneficiá-lo. Nelson Hungria usa até o vocábulo "ancião".
Pode-se argumentar que o Estatuto do idoso em revogando numerosos dispositivos e silenciando a respeito do artigo 115 do Código Penal, não pretendeu modificá-lo, permanecendo o critério biológico dos 70 anos de idade. Mas não seria caso de supor que dispondo em numerosos dispositivos do Código Penal e de Leis especiais que há um novo critério, ou seja, legal, todas as disposições que o contrariarem, estariam revogadas, implícita ou explicitamente? Não seria caso de revogação tácita, onde a nova lei apresenta-se incompatível com a anterior ?
É certo que a lei geral não revoga a especial, nem a especial revoga a geral. A lei especial só é revogada por outra lei especial, o mesmo se pode dizer quanto a lei geral. Caso, porem, sejam compatíveis devem conviver no ordenamento jurídico. Entretanto, caso a nova lei seja simultaneamente geral e especial, havendo incompatibilidade absoluta entre elas, ocorrerá a revogação da lei anterior na parte em que houver tal incompatibilidade.
A questão, pois, está posta.