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Papel do Legislativo em face do parcelamento salarial dos servidores públicos.

Breves reflexões acerca da realidade Sergipana

22/09/2016 às 14:29
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O parcelamento salarial dos servidores, atualmente praticado em alguns Estados, demanda, além do enfrentamento direto, a busca por instrumentos de salvaguarda a serem consolidados pelo Legislativo, em conformidade com matéria pacificada no STF.

Há 26 anos (16/03/1990) o então presidente Fernando Collor de Melo, sob o pretexto de combater a crise econômica, anunciou o confisco do dinheiro depositado nas cadernetas de poupança. Algo até então impensável. Revoltada, numa perspectiva imediata, a sociedade passou a lutar pela restituição dos seus bens, numa pendenga de décadas em nosso moroso judiciário.

Contudo, ciente de que não bastava combater o mal praticado, fazendo-se necessário blindar-se contra os males futuros, restou aprovada a Emenda Constitucional nº 3 de 1993, inserindo em nossa carta magna a vedação à edição de medida provisória “que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro”, protegendo a população contra a repetição de tal medida.

Atualmente (2016), aqui em Sergipe, também se adotando o discurso da crise como legitimador de condutas outrora impensáveis, o Poder Executivo passou a atrasar e parcelar o pagamento dos seus servidores, bem como a atrasar o repasse das verbas devidas ao Poder Judiciário e ao Ministério Público.

Ocorre que, após sucessivos empréstimos como o Sergipe Cidades, PROINVESTE e PROREDES, cujos milagrosos efeitos, propagados à época das respectivas celebrações, nem de longe chegaram a ser saboreados pelo povo, Sergipe sinaliza para a decretação de estado de calamidade financeira, caso não consiga mais dinheiro junto à União.

Revoltados, os servidores públicos, numa perspectiva imediata, iniciaram movimentos paredistas cobrando o pagamento integral e em dia dos merecidos vencimentos e, frente ao desespero, parando até de reclamar dos sucessivos anos sem a revisão anual constitucionalmente assegurada, sem prejuízo ao acompanhamento, no STF, do RE 565089, com repercussão geral reconhecida, em que se discute o direito à indenização a servidores públicos em face da ausência de revisões anuais em seus vencimentos.

Contudo, até o momento, carecem medidas voltadas ao enfrentamento mediato do problema, de modo a evitar que no futuro o salário dos servidores volte a ser retido para sanar as sangrias decorrentes de falhas na gestão, sobretudo no que concerne ao endividamento decorrente da obtenção de empréstimos de controversa necessidade e questionável retorno social, sobretudo diante dos prejuízos ocasionados às contas públicas e, consequentemente, comprometimento da prestação dos serviços ordinários.

Para este fim, se de um lado a luta imediata volta-se contra o Executivo, devem os esforços focarem no Poder Legislativo. Não obstante a ciência de que este, por não exercer a contento seu papel fiscalizador e por autorizar o endividamento estatal muito mais com base em conchavos políticos do que tendo em vista os reais interesses da população, também é responsável direto pelo problema. Porém, há de se reconhecer que, tal como se dá em relação às cobras, de onde vem o veneno também pode vir a cura.

Ocorre que, ao contrário da realidade sergipana, diversos Estados têm em suas respectivas constituições estaduais a garantia de pagamento dos respectivos salários dentro do mês trabalhado, destacando-se, a título de exemplo, os artigos 35 e 36 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em cuja redação[1] consta, literalmente:

Art. 35. O pagamento da remuneração mensal dos servidores públicos do Estado e das autarquias será realizado até o último dia útil do mês do trabalho prestado.

Parágrafo único. O pagamento da gratificação natalina, também denominada décimo terceiro salário, será efetuado até o dia 20 de dezembro.

Art. 36. As obrigações pecuniárias dos órgãos da administração direta e indireta para com os seus servidores ativos e inativos ou pensionistas não cumpridas até o último dia do mês da aquisição do direito deverão ser liquidadas com valores atualizados pelos índices aplicados para a revisão geral da remuneração dos servidores públicos do Estado.

Objeto de polêmica, a matéria foi enfrentada no STF, através da ADI 657[2], e declarada, unanimemente, constitucional, destacando-se do inteiro teor do voto do relator, Ministro Néri da Silveira a ponderação de:

(...) não tratarem as regras impugnadas de qualquer privilégio discutível em face dos preceitos ou princípio s da Constituição Federal, mas, apenas, de disciplina geral para o bom funcionamento das relações de administração, qual seja, a pontual contraprestação do Estado àqueles que lhe prestam serviços, com pagamento dos espêndios em data certa e não entregue à Administração o momento de fazê-lo.

Registrando-se, ainda, a exaltação ao óbvio promovida pelo Ministro Moreira Alves, que, a respeito da gratificação natalina, consignou em seu voto:

Ora, se não pagar o que é devido depois de vencido o mês e prestados os serviços, quando então será pago? Com relação ao 13º, que se estipula o respectivo pagamento para até o dia 20 de dezembro, se se pagar depois dessa data já deixa de ser gratificação natalina para ser outra coisa.

Oportunamente, insta salientar que a constituição gaúcha não está isolada no que se refere à imposição de normas defensivas da moralidade financeira no trato dos servidores e que tais dispositivos também foram enfrentados pela Corte Suprema com idêntico desfecho, destacando-se, a título de exemplo:

  • ADI 144[3]: constitucionalidade da fixação de data para o pagamento dos servidores públicos estaduais, corrigindo-se monetariamente os seus valores pagos em atraso, constante no art. 28, § 5º da Constituição do Estado do Rio Grande de Norte.
  • ADI 175[4]: constitucionalidade do art. 27, parágrafo 7º da Constituição do Estado do Paraná que prevê a correção monetária dos vencimentos pagos em atraso.
  • ADI 176[5]: constitucionalidade do art. 147, §§ 2º ao 4º da Constituição do Estado do Mato Grosso que prevê o dever de pagamento da remuneração dos servidores públicos estaduais até o décimo dia subsequente ao mês vencido.
  • ADI 278[6] – constitucionalidade do art. 2º da Lei nº 1.031/90 que garante a correção monetária dos vencimentos dos servidores públicos, quando pagos em atraso.
  • ADI 544[7]: constitucionalidade do art. 27, VIII da Constituição do Estado de Santa Catarina que assegura aos servidores o direito à percepção dos vencimentos e proventos até o último dia útil do mês trabalhado.

Mas nem só no âmbito dos estados a matéria possui salvaguardas, já que normas similares às referidas existem também na legislação federal, a exemplo do artigo 64 do Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/90), que impõe até o dia 20 de dezembro o prazo para pagamento da gratificação natalina.

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Ao passo que, sobre a data limite para o pagamento dos salários, se de um lado a previsão constante no art. 6º da Lei 8.627/93 de que deveria acontecer até o último dia útil do mês laborado foi revogada pela Medida Provisória nº 2.165-36/2001, esta, em seu art. 9º, caput e inciso I, dispôs que o pagamento dos servidores dar-se-á segundo regulamento a ser editado pelo Poder Executivo, delimitando, ainda, em seu parágrafo 1º, que tal regulamentação “não poderá estabelecer data de pagamento posterior ao segundo dia útil do mês subsequente ao de competência”.

Bem se vê que, diante da natureza alimentar e de sua vinculação direta ao princípio da dignidade da pessoa humana, injustificável que a data de pagamento das remunerações e proventos dos servidores públicos seja mantida em aberto, como ato discricionário administrador.

Note-se que tal situação de atrasos reiterados no pagamento da remuneração, no âmbito da Justiça Trabalhista, é pacificamente compreendido como ilícito ensejador de indenização por danos morais in re ipsa. Nesse sentido, o AIRR 1495-07.2014.5.11.0051, julgado no TST em 14/09/2016. Lógico que a primeira vista pode-se imaginar como incabível a referência à Justiça Laborativa em comparação aos servidores públicos estaduais, cabendo destacar que tal entendimento não decorre unicamente da aplicação da CLT (Decreto-Lei nº 5.452/43), mas de inequívoco viés constitucional em favor da defesa do direito à subsistência do trabalhador enquanto desdobramento da dignidade da pessoa humana.

No mais, em casos como o de Sergipe que, por inércia do legislador, não existe previsão de data limite para o pagamento das remunerações e proventos, razoável a interpretação analógica, da prevista no parágrafo 1º, do art. 459, da CLT, qual seja, “o quinto dia útil do mês subsequente ao vencido”. Estando tal exercício hermenêutico em conformidade com o aplicado no julgamento dos mandados de injunção nº 670, 708 e 712 de que, na ausência de lei federal específica, aplicar-se-á, no que couber, a lei que regulamenta o direito de greve aos trabalhadores celetistas (Lei nº 7.783/89) nos movimentos paredistas dos servidores públicos em geral, bem como com o espírito da Súmula Vinculante nº 33, ao determinar que, na ausência de regulamentação específica para os servidores públicos, aplique-se em favor destes, no que couber, as regras do regime geral de previdência social sobre aposentadoria especial.

Por fim, e em síntese, temos que, apesar da necessidade e urgência da luta contra o problema imediato dos atrasos e parcelamentos salariais, também se faz necessária a atuação em outra frente, buscando a sensibilização da Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe, para que aprove, com brevidade e em favor dos servidores públicos estaduais, emenda constitucional, estabelecendo data limite para o pagamento de salários, proventos, além da gratificação natalina, bem como o dever de atualização monetária de ofício nos casos de pagamento destas em atraso.


Notas

[1] - Disponível em: http://www2.al.rs.gov.br/dal/LinkClick.aspx?fileticket=9p-X_3esaNg%3d&tabid=3683&mid=5358.  Acesso em 18/09/2016.

[2] ADI 657, Relator(a):  Min. NÉRI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em 10/10/1996, DJ 28-09-2001 PP-00037 EMENT VOL-02045-01 PP-00058

[3] - ADI 144, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/2014, DJe-066 DIVULG 02-04-2014 PUBLIC 03-04-2014 EMENT VOL-02724-01 PP-00001.

[4] - ADI 175, Relator(a):  Min. OCTAVIO GALLOTTI, Tribunal Pleno, julgado em 03/06/1993, DJ 08-10-1993 PP-21011 EMENT VOL-01720-01 PP-00001

[5] - ADI 176, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 21/08/1992, DJ 09-10-1992 PP-17481 EMENT VOL-01679-01 PP-00001 RTJ VOL-00143-01 PP-00017

[6] - ADI 278 MC, Relator(a):  Min. PAULO BROSSARD, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/1990, DJ 11-09-1992 PP-14712 EMENT VOL-01675-01 PP-00023 RTJ VOL-00142-01 PP-00011

[7] - ADI 544, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Tribunal Pleno, julgado em 01/04/2004, DJ 30-04-2004 PP-00027 EMENT VOL-02149-01 PP-00031 RTJ VOL-00191-03 PP-00773

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Sobre o autor
Ricardo Reis

Bacharel em Direito e pós graduando em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Estácio de Sergipe - FASE,

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Ricardo. Papel do Legislativo em face do parcelamento salarial dos servidores públicos.: Breves reflexões acerca da realidade Sergipana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4831, 22 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52200. Acesso em: 24 abr. 2024.

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