Inicialmente, o artigo não tem cunho político, isto é, defender Lula. Pontua sobre o uso da máquina administrativa para uso pessoal, contrariando a supremacia do interesse público. Faz comparações entre o poder do voto e as atuações das instituições democráticas em relação aos crimes praticados pelos agentes públicos.
A HONESTIDADE DO POLÍTICO LADRÃO NO DISCURSO DE LULA
O ex-presidente da República tem oratória, fato. Causa, também, espanto, aos que lhe odeiam. Lula, pela liberdade de expressão, que NÃO É ABSOLUTA, já que até seus advogados pediram "cautela" no discurso, asseverou:
“Eu, de vez em quando, falo que as pessoas achincalham muito a política. Mas a profissão mais honesta é a do político. Sabe por quê? Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir para a rua encarar o povo, e pedir voto. O concursado não. Se forma na universidade, faz um concurso e está com emprego garantido o resto da vida. O político não. Ele é chamado de ladrão, é chamado de filho da mãe, é chamado de filho do pai, é chamado de tudo, mas ele tá lá, encarando, pedindo outra vez o seu emprego."
Usarei esse discurso de Lula para fazer considerações. Usarei meu artigo Suspensão de concurso público. A crise econômica e a EC nº 19/98 para dissertar. Isso não quer dizer que seja o pensamento de Lula, e não estou preocupado se é. O artigo abordará o Estado e sua máquina administrativa.
MONARCAS ABSOLUTISTAS E O POVO
Mesmo com a Carta Política de 1891 [promulgada], a estrutura da máquina administrativa no Brasil sempre protegeu interesses pessoais. Todo aparato da máquina atendia aos interesses da aristocracia, sendo seus tentáculos extensíveis em todos os meandros, possíveis, à máquina. Favores pessoais possibilitavam enriquecimentos ilícitos. O Interesse público vigorava no papel, mas os agentes políticos, dentro de uma hierarquia, dividiam as riquezas geradas pelo povo. Mesmo com as Reformas Administrativas, o povo ficava delegado à sorte. Antes de 1988, ingressar em cargo público não era difícil, qualquer um entrava. Porém, a atratividade não era tanta, já que o Estado pagava mal quando comparado com a inciativa privada. Com a promulgação da atual Constituição Federal, de 1988, o Estado passou a remunerar, muito bem, os agentes públicos. A partir da década de 1980, pelo liberalismo, e consequentemente o Livre Mercado, a empregabilidade na inciativa privada diminuiu. Transnacionais usavam mão de obra barata em países cujas legislações trabalhistas eram mais brandas, ou quase não existiam; a corrupção nos países que sediavam as transnacionais também proporciona lucros maximizados às transnacionais. No Brasil, o setor privado exigiu administração gerencial, a máxima eficiência com os recursos disponíveis pela empresa. A tecnologia proporcionou redução da mão de obra, somada também ao uso de mão de obra externa, nas transnacionais. Enquanto a inciativa privada contratava menos, a máquina administrativa se insuflava de mão de obra. Somente com a EC nº 19/98, a ciranda Reis e Vassalos começou a mudar. Era necessário concurso público para ingressar em carreira pública. Além disso, exigências como avaliações de desempenho foram exigidas. Houve mudança drástica. O PA [Passeio e lazer], dentro dos órgãos públicos, não foi mais possível. O agente teria que cumprir horário e funções. Antes, o servidor só aparecia uma vez por mês para assinar o ponto, nas melhores das hipóteses. E isso aconteceu também no militarismo. Com a liberdade de expressão, a imprensa passou a denunciar servidores públicos que compareciam, mas saiam logo após assinar a folha de ponto. E em plena vigência da EC nº 19/98. Nepotismo, ascensão e transferência [formas de provimento], o Circo Brasil dos monarcas absolutistas. Dentro dos órgãos públicos, as condenações aos insubordinados [regime disciplinar], para o povo acreditar que alguma condenação acontecia, era simples advertência. Em alguns casos, o servidor era transferido como forma de condenação. E o povo acreditava que algo “eficiente” estava sendo feito. Se alguns brasileiros acham que a “justiça gratuita” é lenta, não reclame, mesmo com a vigência da EC nº 19/98, eficiência administrativa ou administração gerencial, pura noção confinada no papel. Reclamar de abuso de poder e de autoridade? Cobrar indenizações do Estado por bala perdida, ou por construções de casas populares em terreno perigoso? Espere o clone de Steven Spielberg com os novos episódios de Star War. Reclamou do péssimo atendimento? Desacato! Quieto, e suporte o ônus dos monarcas absolutistas concursados. Noticiará sobre os vencimentos dos juízes e promotores? Cuidado, vai ser processado: o caso dos magistrados e promotores do Paraná. Quer montar algo e ter licença da Prefeitura? Pegue uma cadeira para não envelhecer em pé. Teve seu carro rebocado pela Prefeitura? Reze para saber o local do depósito. As informações dos concursados serão desencontradas e tediosos. Ou você toma algum ansiolítico, ou dê o seu automóvel.
A HONESTIDADE DOS POLÍTICOS E DOS CONCURSADOS
Por que o político ladrão é honesto quando comparado com concursados? Porque os concursados ficam inatingíveis pelo povo. Já o político, em épocas de eleições, tem que estar em contato com o povo, mesmo que seja ex-ficha limpa, dizendo que não fez o que fez, ou justificando o que fez: “Fui condenado por guerra política suja”. O concursado não precisa pedir para os cidadãos desculpas pelo que fez, muito menos terá que olhar nos olhos dos verdadeiros soberanos, o povo. Além disso, os holofotes da imprensa estão mirados nos políticos, que estão mais expostos ao público. O péssimo político sabe que não tem volta, pois o povo não o elegerá. O péssimo concursado sabe que poderá continuar no cargo, caso faça alguns favores para seus superiores. E povo nada saberá. A não ser que a imprensa denuncie, o que motivará o povo a exigir punição severa para o concursado. Logo, o político é mais honesto do que o concursado. O que Immanuel Kant diria do político que fala a verdade, de que lesou os cofres públicos, mas está arrependido? Age pelo imperativo categórico. E quanto ao concursado, que se aproveita de sua situação, geralmente encoberto pelo anonimato, longe dos olhos do povo, e ainda se aproveita da máquina para se dar bem? Kant diria que a desonestidade do concursado viola o imperativo categórico.
Alguns dirão, mas se o político e o concursado lesam os cofres públicos, não há diferença. Concordo, porém, o povo verá que algo está errado. Existe o político, a localidade não tem infraestrutura, o povo lhe cobra por melhorias, prometidas; o político diz que faltam verbas públicas, o povo, sem ajuda da imprensa, não tem como provar se há ou não dinheiro. Digamos que o político esteja lesando, e digamos que o concursado também esteja. A imprensa investigará quem primeiramente? O político ou o concursado? O povo irá investigar o político ou o concursado? Imprensa e povo cobraram explicações do político ou do concursado? Em relação ao concursado, quando a imprensa ou o povo descobrem que o concursado está lesando os cofres públicos, o órgão diz que está tomando as devidas providências. E é o que acontece: tomando providência. O político, por estar mais em evidência, já que cidade suja, índice de violência alta etc., é má gestão, o povo e a imprensa lhe acusarão de péssimo gestor, não o concursado que age ineficiente. Pelo seguinte motivo, se o concursado é ineficiente, a culpa é do político, o gestor público. A cobrança será maior ao político, não ao concursado. Quantos políticos existem, e quantos concursados existem? Nas repartições públicas, com os avisos de “Cuidado, desacatar dá prisão”, dificilmente algum administrado irá dizer que o concursado não está exercendo sua função adequadamente [cortesia, rapidez etc.]. O povo se sente mais corajoso em acusar o político, por ser prática usual. Ao Rei, a culpa de tudo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso que a cultura brasileira tenha em mente que tanto o político quanto qualquer concursado devem agir pelo imperativo do Estado Democrático de Direito. Presencio nas repartições públicas o silêncio dos administrados, ninguém se atreve dizer que o servidor está conversando, está pintando as unhas, está vendo Youtube. Todos os administrados ficam quietos, por medo de ser processado por desacato. O reclamar é baixinho, inaudível aos ouvidos dos servidores. Bem diferente quando é político. Se agiu errado, quando alguém do povo começa a bravejar, um coro surge. Está mudando, o povo está agindo em devesa de seus direitos constitucionais, mesmo diante de servidores, sejam civis ou militares. Não há honestidade para qualquer político ou concursado que usam a máquina administrativa, as instituições democráticas para se locupletarem. É preciso promover a cultura da vigilância. A indisponibilidade dos bens públicos, sejam carros, maquinários etc., deve ser garantida pelas denúncias dos administrados. No entanto, ao denunciar, na maioria dos casos, nada acontece.
O político depende do voto. Mesmo lesando os cofres públicos sabe que a punição exemplar é do povo, através do sufrágio, não da punição do Judiciário. E a história do Judiciário brasileiro demonstra que já falhou muito com a democracia, desde a primeira democracia [1891]. Para que o concursado seja demitido, necessita da eficiência, do Estado Democrático de Direito, tanto do Judiciário quanto do próprio órgão público. Ora, se as instituições estão corrompidas, o concursado jamais será demitido. O que o povo fará? Ficará na dependência das instituições públicas. Já através do sufrágio, se não houver fraudes nas eleições, o povo tem o poder de “demitir” o péssimo ou corrupto político. Sem democracia, pior ficaria. O povo não teria como “demitir” o péssimo ou corrupto político. Por isso, o político, mesmo ladrão, é mais honesto do que o concursado.
Por exemplo, quem se lembra do voto secreto na Câmara dos Deputados antes das manifestações de 2013? Pelo uso da máquina administrativa, muitos parlamentares se safarão de cassações. Sendo o voto secreto, a cleptocracia agia vorazmente. Somente com o voto aberto, os deputados ficaram envergonhados de protegerem péssimos representantes. Por isso, quanto mais transparente os atos dos agentes públicos, menores serão as patifarias.
P. S.: nas eleições, demita o péssimo candidato que queira se reeleger. Não eleja candidato que aceitou em seu partido ex-ficha limpa — ficha limpa é condenação ao político. Se é ama seu partido de coração, exija que não aceite ex-ficha limpa. Partido político bem, é partido comprometido com os interesses do povo, não aos interesses do partido e de seus filiados. Exija, também, que os candidatos se comprometam como a maximização da eficiência administrativa. Exija dos candidatos que, quando eleitos, assegurem que em suas administrações farão de tudo para que os concursados ajam de acordo com o Estado Democrático de Direito e que as instituições públicas não sejam berços protetores de mazelas.