Sentenças Atípicas Como Forma de Ativismo Judicial.

condições e fatores que favorecem a expansão da autoridade do STF no sistema político-jurídico brasileiro

Resumo:


  • O Supremo Tribunal Federal (STF) tem ampliado sua atuação por meio do ativismo judicial, atuando de forma atípica em competências dos outros poderes para efetivar a Constituição e aplicar suas normas.

  • As sentenças atípicas, como as manipulativas e aditivas, são exemplos dessa atuação expansiva, intervindo na esfera dos outros poderes e flexibilizando o controle de constitucionalidade.

  • Essa expansão da autoridade do STF reflete teorias que abrandam a separação entre os poderes, permitindo que o Judiciário adote medidas para garantir a incolumidade constitucional e a aplicação realista das normas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Uma das maneiras com que o Judiciário intervém na órbita dos outros Poderes é através de sentenças que declarem a inconstitucionalidade de determinada norma de forma atípica, fazendo as vezes dos outros Poderes.

 

 

SUMÁRIO: Introdução. 1 Contextualização histórica da expansão do STF; 2 Conceituação de ativismo jurídico 2.1 Diferença entre ativismo jurídico e judicialização da política; 3 Sentenças atípicas como forma de ativismo judicial. 3.1 Tipos de sentenças atípicas; 3.2 Sentenças atípicas como frutos da expansão da autoridade do STF no sistema jurídico; Considerações Finais. Referências.

 

RESUMO

 

A Teoria da Tripartição de Poderes – o Legislador, o Executor e o Julgador – surgiu ainda na era da Grécia Antiga, com o grande filósofo Aristóteles. Em sua época, porém, ainda vigia a ideia de esses três poderes, embora distintos entre si, deveriam estar concentrados em uma só pessoa: o Soberano Rei. Na era do Iluminismo esse entendimento foi radicalmente modificado. Motesquieu, com base na teoria de Aristóteles, preceituou que esses três poderes deveriam se postar de maneira separada, acabando com a soberania e o absolutismo do monarca. A Constituição do Brasil que ora vige é baseada nesse pacto de separação. Há contudo, uma amenização dessa separação total de poderes, de modo que por diversas vezes os poderes se entrelaçam, um realizando os deveres que deveriam ser tipicamente de outros. Isso é possível desde que a Constituição o diga expressamente. A brasileira diz. O órgão responsável pela incolumidade da Constituição é o Supremo Tribunal Federal. Esse, por vezes, faz o papel típico do poder Executivo, bem como a do Legislativo. Essa é uma maneira de efetivar o conceito moderno de ativismo jurídico, o qual nasceu a partir da ideia da amenização do pacto de separação e independência total entre os três Poderes. Uma das maneiras com que o Judiciário intervém na órbita dos outros Poderes é através de sentenças que declarem a inconstitucionalidade de determinada norma de forma atípica, fazendo as vezes dos outros Poderes. São exemplos dessas sentenças: 1) sentenças manipulativas; 2) sentenças aditivas.

 

Palavras-chave: Ativismo Jurídico. Sentenças Atípicas. Supremo Tribunal Federal.

 

INTRODUÇÃO

Desde as eras mais remotas o ser humano elegeu homens de seu convívio, separando-os para o cargo de julgadores.

As primeiras bases teóricas já conhecidas pelos historiadores que trata do que hoje se conhece como “tripartição de Poderes” iniciou-se com o grande filósofo da Antiguidade grega, Aristóteles. Em sua obra Política, o renomado pensador antigo já conseguia vislumbrar três funções distintas – ainda que soubesse que essas funções eram comumente concentradas em uma só pessoa em sua época antiga. Ele já separava poderes tais quais o de editar normas; o de aplicar essas normas no caso concreto, administrando as situações sociais; bem como a de julgar os atos não baseados nas leis. (LENZA, 2012, p. 481).

Na era do iluminismo, surge, contra o absolutismo – isto é, contra a concentração de poderes e deveres em uma só pessoa – a teoria de Montesquieu qual tratou da separação de poderes. Na verdade, o que o pensador iluminista propôs não foi uma teoria afirmando que havia poderes diferentes, tal como Aristóteles há milênios já havia se desincumbido de fazer. “O grande avanço trazido por Montesquieu [foi que][...], partindo desse pressuposto aristotélico [...] o grande pensador francês inovou dizendo que tais funções estariam intimamente conectadas a três órgãos distintos, não mais se concentrando nas mãos únicas do soberano”. (LENZA, 2012, p. 481)

Essa teoria, embora tenha se dado de maneira muito arraigada durante séculos, nas Constituições modernas têm sido flexionada. Cada poder, embora independente, por diversas vezes tange entre si. O poder Judiciário faz isso através de algo chamado ativismo jurídico. Esse ativismo flexibiliza a rigidez do pacto de separação entre poderes. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário. Este órgão efetiva essa ideia de ativismo através de sentenças que tratam controle de constitucionalidade. São elas, por exemplo, as sentenças aditivas e as manipulativas, dentre muitas outras. Este presente trabalho terá o foco nessas duas tão somente. Por meio delas se verá a aplicação do ativismo jurídico pelo STF. Se concluirá essa sentenças são frutos da expansão desse Tribunal no Brasil.

 

1 Contextualização histórica da expansão do stf

É precípuo entender, antes mesmo de dissertar acerca da Suprema Corte brasileiro, o deslinde histórico que ensejou na criação de uma corte judicial no mundo.

Desde as eras mais remotas o ser humano elegeu homens de seu convívio, separando-os para o cargo de julgadores. A era patriarcal, embora se reconheça que o papel de um juiz não tenha nascido desde então, compreende-se como a era em que o magistrado começa a ser institucionalizado, pelo menos até onde a história universal alcança. Após a transformação da Gen na Urbe, e depois na Cidade, a nova figura era a do Rei, soberano, tirano.  era o ditador, legislador, executor de suas próprias ordens, julgador e líder religioso. Vem, então, a era dos juízes, dos magistrados, tomando inicialmente uma postura sacerdotal, julgadora, com o intuito de operar as leis religiosas da época antiga. (COULANGES, 2006).

As primeiras bases teóricas já conhecidas pelos historiadores que trata do que hoje se conhece como “tripartição de Poderes” iniciou-se com o grande filósofo da Antiguidade grega, Aristóteles. Em sua obra Política, o renomado pensador antigo já conseguia vislumbrar três funções distintas – ainda que soubesse que essas funções eram comumente concentradas em uma só pessoa em sua época antiga. Ele já separava poderes tais quais o de editar normas; o de aplicar essas normas no caso concreto, administrando as situações sociais; bem como a de julgar os atos não baseados nas leis. (LENZA, 2012, p. 481).

Milênios depois, na era do iluminismo, surge, contra o absolutismo – isto é, contra a concentração de poderes e deveres em uma só pessoa – a teoria de Montesquieu qual tratou da separação de poderes. Na verdade, o que o pensador iluminista propôs não foi uma teoria afirmando que havia poderes diferentes, tal como Aristóteles há milênios já havia se desincumbido de fazer. “O grande avanço trazido por Montesquieu [foi que][...], partindo desse pressuposto aristotélico [...] o grande pensador francês inovou dizendo que tais funções estariam intimamente conectadas a três órgãos distintos, não mais se concentrando nas mãos únicas do soberano”. (LENZA, 2012, p. 481)

É necessário frisar-se que, com o advento do iluminismo arraigado, durante muito tempo essa teoria de separação foi levada ao grau extremo. Viu-se, contudo, que, no final das contas, todos os poderes estão intimamente ligados e costumeiramente tangem entre si. O renomado doutrinador Pedro Lenza (2012, p. 482) afirma que

 

A teoria da “tripartição de Poderes”, exposta por Montesquieu, foi adotada por grande parte dos Estados modernos, só que de maneira abrandada. Isso porque, diante das realidades sociais e históricas, passou-se a permitir maior interpretação entre Poderes, atenuando a teoria que pregava a separação pura e absoluta dos mesmos.

Dessa forma, além do exercício de funções típicas (predominantes), inerentes e ínsitas à natureza, cada órgão exerce, também, outras funções atípicas (de natureza típica dos outros dois órgãos). Assim, o Legislativo, por exemplo, além de exercer uma função típica, inerente à sua natureza, exerce, também, uma função atípica de natureza executiva e outra função atípica de natureza jurisdicional. (itálicos do autor)

 

A mesma conclusão obtida por Lenza acerca de o poder executivo ter funções atípicas que tanjam em funções tipicamente do judiciário e do executivo, assim será para os outros órgãos representantes dos poderes ora estudados.

Lenza, contudo, concebe que há um princípio de indelegabilidade de atribuições. Em miúdos, esse princípio fixa que um poder não pode delegar seus atributos a outro. A única forma de delegação seria, na verdade, através de lei específica que assim o preveja, sendo que essa lei deve provir tão somente do poder constituinte originário. (LENZA, 2012, p.484).

O Supremo Tribunal Federal é responsável pela guarda da Constituição. Sua função é outorgar e unificar o Direito no Estado Constitucional. Essa é a sua preocupação. (MARINONI, 2007, p.10-18).

Conforme visto aqui, a própria Constituição de 1988, contudo, efetivou a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário nas outras esferas de Poderes quando, em seu art. 68 esses demais Poderes delegam a ele algumas atribuições que não são típicas do Poder Judiciário.

Além dessa possibilidade legal, as constantes mudanças sociais permitiram uma maior intervenção do Poder Judiciário.

Todos esses fatores, portanto, contribuíram para que a Corte representante do poder judiciário expandisse a sua autoridade com o decorrer do tempo. Esse conceito será melhor vislumbrado nos seguintes capítulos.

 

2 conceituação de ativismo jurídico

A expressão Ativismo Judicial é de origem Americana, e foi utilizada na atuação da Suprema Corte Americana no período de tempo que compreendeu os anos de 1954 a 1969. Ao longo de espaço de tempo, ocorreu uma revolução concernente às inúmeras práticas políticas nos Estados Unidos, as quais foram conduzidas por uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais. Todas essas transformações foram efetivadas sem qualquer Congresso ou decreto presidencial. Com isso, a expressão Ativismo Judicial assumiu, nos Estados Unidos, uma conotação negativa, equiparada ao exercício impróprio do poder judicial. Com o tempo, essa conotação negativa foi afastada, e a ideia de Ativismo Judicial, passou a estar associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. (BARROSO, 2011, p. 369-370).

Conforme explicam Flávia Ferreira Jacó de Menezes e Alexandre Garrido da Silva

O termo ativismo judicial representa, em linhas gerais, uma opção da Corte no sentido de expandir o sentido e o alcance da Constituição, se distanciando da mera aplicação do direito, interferindo no espaço de atuação dos poderes representativos, de modo a assumir uma atuação de legislador positivo. (MENDES e SILVA, [?], p. 5)

 

A ideia de ativismo judicial está relacionada a uma ampla participação do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais. Dessa forma, assume uma postura concretizadora quando nos casos em que há uma visível abstração de princípios constitucionais.

No Brasil, existem diversos precedentes de postura ativista do Supremo Tribunal Federal, entre os quais estão: a) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; b) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; c) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, tanto no caso de inércia do legislador, como no de políticas públicas insuficientes. (BARROSO, 2011, p. 371-373).

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2.1 Diferença entre ativismo jurídico e judicialização da política

Para fins de conhecimento, faz-se necessário pontuar as diferenças existentes entre judicialização e ativismo judicial. A primeira está relacionada ao que institui o ordenamento jurídico em seu texto, ao passo que o segundo representa uma atitude, tomada de modo especifico, de interpretar a constituição, dando a ela um alcance mais estendido. (BARROSO, 2011, p.371).

O Ativismo, normalmente, se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um determinado deslocamento entre a classe política e a sociedade civil, o que gera um impedimento de que deliberadas classes sociais sejam atendidas de maneira efetiva. O seu oposto é a autocontenção judicial, a “conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações de outros Poderes”. (BARROSO, 2011, p.373).

A diferença entre essas duas posições consiste primordialmente no fato de que, em princípio, o ativismo judicial visa extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, inclusive construindo regras específicas de conduta a partir dos enunciados vagos, e a autocontenção se propõe a abrir mais espaço à atuação dos Poderes Políticos, tendo por nota fundamental a forte deferência em relação às ações e omissões destes. (BARROSO, 2011, p. 373-375).

                        Resumindo, como descreve José Afonso da Silva ([a?], p.385), o ativismo judicial, pode ser considerado como uma forma de interpretação constitucional criativa, a qual pode chegar até à constitucionalização de direitos, pelo que se pode dizer que se trata de uma forma especial de interpretação construtiva.

 

3 Sentenças atípicas como forma de ativismo judicial

Sabe-se que o controle de constitucionalidade é de competência compartilhada entre os três órgãos dos Poderes. Além disso, adota-se no brasil um sistema de controle de inconstitucionalidade judicial misto – isto é, hora difuso e hora concreto. Isso depende de fatores específicos, tais como o momento do controle. Para melhor ilustrar este capítulo, diz-se que quanto ao momento do controle ele pode ser preventido ou repressivo. Quanto ao primeiro, ocorre antes da promulgação da lei ou emenda que possivelmente não terá eficácia por ser inconstitucional. Parece que essa é uma função típica do Poder Legislativo, através das Comissões de Constituição e Justiça. Todavia, como dissertado nos capítulos anteriores, o poder Judiciário, em hipótese específica, pode exercer seu dever de controle. Já em se tratando do controle repressivo, o judiciário é o principal responsável. E esse controle dito repressivo, – tendo em vista que se dá depois da conclusão definitiva do processo legislativo – por seu turno, pode ser através de qualquer juiz – no caso do controle difuso – ou pelo Supremo Tribunal Federal – no caso do controle concentrado-abstrato. (NOVELINO, 2010, p. 226-229). É neste último que se encontra o foco do presente trabalho.

Marcelo Novelino explica que

No controle concentrado-abstrato a Constituição estabelece a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade (ADI) de lei ou de ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) de lei ou ato normativo federal (CF, art. 102, I, a). [...] Na hipótese de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF, poderão ser objeto na modalidade preventiva, que tem for finalidade evitar lesão a preceito fundamental. (NOVELINO, 2010, p.229)

 

Focalizando o trabalho na função que a Suprema Corte brasileira, bem como preceituado por Novelino, se faz necessário ressaltar que existem maneiras – ou formas – de declaração da inconstitucionalidade pelo referido órgão representante máster do Poder Judiciário. Conforme dito, a própria Constituição estabelece a competência para processar e julgar essas ações de inconstitucionalidade.

Por óbvio, quando se julga, se profere sentença. Passa-se, então, a elencar e estudar essas sentenças para que se entenda a sua contribuição na atuação ativista do Juízo Supremo do Brasil.

 

3.1 Tipos de sentenças atípicas

Primeiramente é precípuo esclarecer que o nome sentenças atípicas não fora escolhido ao léu. É cediço relembrar o conteúdo dos primeiros capítulos sobretudo no que tange os deveres típicos de cada Poder na teoria da separação Deles. Relembre-se a afirmação de que, embora haja a separação entre Eles, na admissão moderna do conceito de separação dos Poderes se concebe que cada qual poderá, a depender do que a norma constituinte originária disser, ter competência atípica para desenvolver trabalho que é de função típica a outro poder. Neste sentido, ver-se-á que algumas sentenças proferidas pela Suprema Corte brasileira no que tange o controle de constitucionalidade serão atípicas tendo em vista farão o serviço inerente a um dos outros Poderes – firmando uma atuação atípica.

Essa conceituação é deveras importante para que se entenda, posteriormente, a ligação entre essas sentenças atípicas e a efetivação do ativismo judicial feita pelo STF mediante o prolação de tais decisões.

Dito isso, passasse a estudar algumas dessas sentenças.

3.1.1 Sentenças Intermediárias.

Bernardo Fernandes trata da seguinte maneira sobre o termo sentença intermediária: “[...] compreende uma diversidade de tipologias de decisões utilizadas pelos Tribunais Constitucionais e/ou Cortes Constitucionais em sede do controle de constitucionalidade, com o objetivo de relativizar o padrão binário do direito (constitucionalidade/inconstitucionalidade)”. (FERNANDES, p. 1195).

Marcelo Novelino, com base nas conclusões de José Adércio Leite Sampaio, preceitua:

As espécies de sentenças proferidas por uma Corte Constitucional podem ser bastante diversificadas no que se refere ao resultado da interpretação e à produção de seus efeitos. A partir da terminologia empregada na VII Conferência dos Tribunais Constitucionais Europeus, José Adércio Leite Sampaio classifica as “sentenças intermediárias de constitucionalidade em dois diferentes grupos: I) sentenças normativas e II) sentenças transitivas. (NOVELINO, 2010, p.242) (itálicos do autor)

As sentenças ditas normativas são pronunciamentos judiciais que importam na criação de uma norma jurídica de caráter geral e vinculante. Algumas dessas são as a) interpretativas, b) aditivas, c) aditivas de princípios, e d) substitutiva. Já no que tange as sentenças transitivas, afirma-se que também são conhecidas como transacionais

Nesta parte do trabalho, para fins de foco contextual, serão estudadas somente duas dessas sentenças, as quais mostrarão, com grande clareza, a atuação do STF de forma atípica na esfera dos demais Poderes do pacto.

 

a) Sentenças Manipulativas, também conhecidas como Senteças de inconstitucionalidade sem efeito abalativo.

São uma tentativa de flexibilização do controle de constitucionalidade. Historicamente observamos que as sentenças acerca da constitucionalidade ou inconstitucionalidade eram decisões puras. Há, no entanto, problemas de difíceis soluções, os quais podem, por exemplo, causar grande dano orçamentário ao Estado caso determinada lei tenha sido nulificada no momento da declaração de sua inconstitucionalidade. (NOVELINO, 2010, p.243)

Sendo assim, observando os princípios da segurança jurídica ou de excepcional interesse social, se faz possível no sistema de controle de constitucionalidade no Brasil a prolação de sentenças de inconstitucionalidade com efeitos manipulados para uma época e um situação em que os seus efeitos não causarão abalo ao Estado e à sociedade. Isso ficou claro com o advento da Lei 9868 de 10 de novembro de 1999:

 Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado. (Grifo meu)

             Eis, em Meyer, o conceito de sentenças manipulativas:

(...) trata-se  de declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade [...] ou declaração de incompatibilidade. Por meio desta, o tribunal reconhece a inconstitucionalidade da norma, porém não a retira do ordenamento jurídico, com a justificativa de que sua ausência geraria mais danos do que a presença da lei inconstitucional. (MEYER, p.132).

Abre-se, aqui, uma possibilidade de os efeitos materiais da inconstitucionalidade serem postergados para uma data na qual haja certa segurança jurídica ou política. Em outras palavras, existe a possibilidade de que a lei somente se torne nulificada quando possível juridicamente e socialmente

Há relevância da compreensão desse tipo de sentença para a resolução do caso proposto. Fernandes, citando Meyer, a explica da seguinte forma:

(...)essa modalidade de decisão ‘reconhece a inconstitucionalidade da norma, porém, não a retira do ordenamento jurídico, com a justificativa de que sua ausência geraria mais danos do que a presença da lei inconstitucional’. Portanto, estamos diante da declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, na qual a regra (decisão ex tunc) é deixada de lado, pois a mesma poderia agravar o estado de inconstitucionalidade presente no ordenamento.  (FERNANDES, p. 1204, apud MEYER, p. 132). (grifo do autor).

Segue, então, a seguinte conclusão: Por meio de sentenças manipulativas, prevendo uma possibilidade de a declaração de inconstitucionalidade de uma norma – em vez de realizar seu típico papel de declarar inconstitucionalidade de uma norma, fazendo com que seus efeitos sejam outorgados de imediato – faz as vezes do Poder Executivo, de forma atípica, evitando que um efeito de uma norma inconstitucional se dê no mundo fático. Nesse caso, o STF abre mão seu dever típico de garantir a incolumidade da Constituição visando a amenização de efeitos possivelmente catastróficos à sociedade – dever típico auferido ao Poder executivo.

b) Decisões aditivas (sentenças construtivas).

Segue a completa definições do que seriam as decisões aditivas prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal:

“Nessa técnica decisória, a declaração de inconstitucionalidade se dá para suprir omissão parcial do legislador. A Corte constata a falta de um elemento necessário, criando um dispositivo que a Constituição impõe de maneira inequívoca para sanar a inconstitucionalidade”, conforme preceituam Dimitri Dimoilis e Soraya Lunardi (2011, p. 275). Complementando, resume Novelino (2010, p. 242) Esta espécie de decisão tem por objetivo alcançar situações não previstas originalmente. Nesse caso, há uma ampliação  do âmbito subjetivo, objetivo, temporal ou espacial do dispositivo da norma, incluindo sujeitos, sutiações, retirando restrições ou especificações.

Ora, veja! É notório que essa atividade deveria ser função típica do Poder Legislativo. O Supremo Tribunal Federal, todavia, faz as vezes do Poder Legislativo para garantir que a própria Constituição seja efetivada em sua totalidade.

Por esse motivo é que se diz que as sentenças atípicas são, em verdade, uma maneira de o Poder Judiciário intervir no âmbito de atuação dos outros poderes do pacto, com o fim de garantir a incolumidade de suas próprias atribuições.

 

3.2 Sentenças atípicas como frutos da expansão da autoridade do STF no sistema jurídico-político brasileiro.

Gilmar Mendes explica os efeitos de uma declaração de inconstitucionalidade sem a pronuncia de nulidade. Ele diz: “(...) Esta e a ordem que contém para que o legislador aja prontamente demonstram que a Corte Constitucional considera que, nesse caso, a lei inconstitucional subsiste, pelo menos para o efeito de evitar que o direito antigo substitua aquele declarado inconstitucional ou para obviar o surgimento de um vácuo jurídico.” (MENDES, 1999, p. 221)

A ideia do controle concentrado é de que deve haver um órgão superior que trate dos assuntos constitucionais. Nesse prisma, estaria em plena concordância a utilização das sentenças intermediárias. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal surgiu como Tribunal Constitucional.

Em contrapartida, Luiz Roberto Barroso atenua a situação da nulidade no Brasil, auferindo que pela doutrina e jurisprudência, inclusive do próprio STF “(...) o entendimento de que lei inconstitucional é nula de pleno direito e que a decisão de inconstitucionalidade tem eficácia retroativa, restando inválidos todos os atos praticados com base na lei impugnada.” (BARROSO, 2011, p.20). Logo em seguida, o renomado autor, utilizando-se das ideias de Clèmerson Merlin Clève, explica sobre a exceção da regra retroativista utilizada nos Tribunais Brasileiros dizendo: “Foi inevitável, assim, que em algumas hipóteses excepcionais se admitisse o temperamento da regra geral, suprimindo ou atenuando o caráter retroativo do pronunciamento de inconstitucionalidade, em nome de valores como boa-fé, justiça e segurança jurídica.” (BARROSO, 2011, p.21).

É por meio de todos esses argumentos que se vê um judiciário, mesmo em parte, positivo. A noção de judiciário negativo tem caído por terra com a expansão da autoridade do poder judiciário, sobretudo por meio dessas sentenças atípicas ora elencadas. Essas sentenças são frutos de fatores que vêm favorecendo a cada dia a expansão da autoridade da Suprema Corte como representante nacional do Poder Judiciário. A performance do controle de constitucionalidade por meio do poder judiciário, bem  como a avaliação do impacto social que as decisões dessa Corte causam tem favorecido para uma mescla mais forte entre o Poder Judiciário e os outros Poderes.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Poder Judiciário brasileiro, desde o advento da nova Constituição Social do Brasil, em 1988, tem sido cada vez mais efetivo na sociedade. Um exemplo disso é a atuação do Supremo Tribunal Federal. Esse órgão de cúpula do Poder em questão tem como dever típico o de garantir a incolumidade da Constituição. Isso vem ocorrendo devido ao surgimento de teorias que flexibilizam o pacto de separação entre poderes, tal como a do ativismo judicial. Um exemplo disso se dá no ramo do Direito Processual Constitucional. Ocorre que no controle constitucional judicial, por vezes, o STF tem se valido de atividades tipicamente dos outros Poderes para efetivar 1) a Incolumidade da Constituição; 2) A aplicação realista dessas normas constitucionais. Para compreender melhor, é só estudar o conteúdo das sentenças atípicas proferidas por esse órgão em sede de controle de constitucionalidade.


REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2. ed – São Paulo: Saraiva, 2011;

DIMIOULIS, Dimitri; LUNARDI, Soraya. Curso de Processo Constitucional.  São Paulo: Atlas S.A, 2011.;

FERNANDES, Bernardo F.. Curso de Direito Constitucional5. ed – São Paulo: Juspodvm, 2013;

MARINONI, Luiz G.; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. 1.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007;

MENDES, Gilmar. Jurisdição Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1999;

MEYER, Emilio P. N., A decisão no controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2008;

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012; 

NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Método, 2010;

MENEZES, Flávia F. J.; SILVA, Alexandre G. da. O poder Judiciário e Diálogos Institucionais: Uma perspectiva Frente à flexibilização das decisões. Termo de Conclusão de Curso. UFU. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/horizontecientifico/article/viewFile/17921/14854>. Acesso em: 10 de maio de 2015.

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Sobre os autores
Giulian Medeiros Mota Andrade

Acadêmico de Direito na Unidade de Ensino Superior Dom Bosco. Estagiário do Escritório Rocha Advogados Associados (Julho/2014-Dezembro/2015); Estagiário do Tribunal de Contas do Estado (Julho/2015-atual); Comissionado na Secretaria de Estado da Fazenda do Estado do Maranhão na área de aposentadoria e pensão de servidores públicos estaduais.

Raissa Suellen Oliveira Lima Mota Andrade

Acadêmica de Direito pela Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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