10 ELEGIBILIDADE DE MAGISTRADOS E MEMBROS DE TRIBUNAIS DE CONTAS
O art. 95, parágrafo único, inciso III, e o art. 73, § 3°, c/c o art. 75, todos da nossa Carta Magna, vedam o exercício de atividade partidária aos magistrados e membros dos Tribunais de Contas, seja da União, dos Estados ou de Municípios.
Todavia, apesar de haver disposição constitucional que veda expressamente a atividade partidária dessas autoridades, o que não ocorre no caso dos servidores da Justiça Eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral regulamentou a matéria de forma a viabilizar a participação dessas autoridades na disputa democrática dos cargos eletivos, senão vejamos, in verbis:
Magistrados e Membros do Tribunal de Contas, por estarem submetidos à vedação constitucional de filiação partidária, estão dispensados de cumprir o prazo de filiação fixado em lei ordinária, devendo satisfazer tal condição de elegibilidade até seis meses antes das eleições, prazo de desincompatibilização estabelecido pela Lei Complementar n° 64/90. (Resolução n° 19.978, 25/09/1997). (grifo nosso).
Mais recentemente, respondendo consulta formulada pelo Senador Cezar Borges (PFL-BA), o Tribunal Superior Eleitoral definiu que o Membro de Tribunal de Contas que pretenda se candidatar ao cargo de prefeito ou vice-prefeito precisa desincompatibilizar-se do cargo e filiar-se a partido político no prazo de 04 (quatro) meses antes do pleito, senão vejamos, textualmente:
Consulta: "Membro de Tribunal de Contas, para candidatar-se ao cargo de prefeito ou vice-prefeito, necessita se afastar de suas funções e filiar-se a partido político com quantos meses de antecedência da eleição?"
Ementa: "Consulta. Membro de Tribunal de Contas. Filiação. Desincompatibilização. Candidatura a cargo de prefeito e vice-prefeito. Prazo. Os membros dos tribunais de contas, embora dispensados de filiação partidária nos termos fixados em lei ordinária, qual seja, de um ano, haverão de obter essa condição de elegibilidade a partir de sua desincompatibilização, ou seja, no prazo de quatro meses anteriores ao pleito." (Res. nº 21.530, de 9.10.2003 (Cta nº 956/DF), rel. Min. Peçanha Martins).
Dos excertos acima transcritos, percebe-se que o próprio TSE atribui prazos diferentes, de 06 e 04 meses, para desincompatibilização e filiação das mesmas autoridades, considerando que as duas decisões foram prolatadas para aplicação em eleições municipais, de 1988 e 2004, respectivamente.
De fato, o prazo para desincompatibilização depende do cargo ocupado e do mandato que se pretende disputar, sem esquecer de observar se as atribuições do servidor alcançam a circunscrição do pleito onde o mesmo pretende ser candidato.
Todavia, apesar do conflito quanto ao prazo de desincompatibilização a ser observado por membros de Tribunal de Contas, não há dúvidas quanto à necessidade de afastamento definitivo destes e dos magistrados da função pública por eles exercida, não havendo possibilidade de retorno para o cargo anteriormente ocupado, salvo um novo concurso público ou novo processo de nomeação, conforme o caso.
O magistrado ou membro de Tribunal de Contas que pretenda disputar algum mandato eletivo precisa se aposentar ou pedir exoneração do cargo no prazo de desincompatibilização de 06 (seis) meses, exigindo-se a filiação partidária somente a partir desta data. Os militares com mais de 10 anos de caserna e os membros do Ministério Público, como já vimos, também possuem regulamentação jurisprudencial própria, que viabilizam a elegibilidade mediante licença para exercer atividade partidária, apesar de disposição constitucional expressa vedando o exercício de atividade partidária por todos eles.
Sendo assim, em atenção ao princípio da igualdade, e pelos fundamentos já delineados nesse estudo, não se pode exigir aos servidores da Justiça Eleitoral o cumprimento de prazo de filiação partidária de um ano, mediante afastamento definitivo do cargo no mesmo prazo, sendo justa a edição de regulamentação própria que restabeleça a elegibilidade destes servidores.
É razoável, portanto, que se permita a filiação partidária além do prazo determinado em lei ordinária e dentro do prazo de desincompatibilização estabelecido em Lei Complementar para os demais servidores públicos, conforme o cargo ocupado pelo interessado, o local onde exerce o seu cargo e o mandato que pretende disputar.
11 REVOGAÇÃO TÁCITA DO ARTIGO 366 DO CÓDIGO ELEITORAL
Apreciando consulta acerca da inconstitucionalidade do art. 366 do Código Eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que a competência para tratar de inconstitucionalidade de lei ordinária é exclusiva do Supremo Tribunal Federal, razão pela qual não conheceu da matéria. O referido decisum ficou assim ementado, textualmente:
"CONSULTA. INELEGIBILIDADE DE SERVIDOR DA JUSTIÇA ELEITORAL. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 366 DO CÓDIGO ELEITORAL.
Não se conhece de consulta que visa argüir inconstitucionalidade de lei.
Consulta não conhecida."
(Decisão S/N, j. 30/06/1998, Relator Ministro MAURÍCIO CORRÊA, DJ - Diário de Justiça, 07/08/1998).
Por outro lado, existem atualmente dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional com o objetivo de revogar o art. 366 do Código Eleitoral, ambos justificados com fundamentos semelhantes aos que defendemos em nosso estudo.
A primeira propositura se concretizou com a apresentação do PL nº 743/99, de autoria do Deputado Federal Roberto Pessoa (PFL-CE), em 27/04/99. A segunda proposta é de autoria do Deputado José Pimentel (PT-CE), apresentada em 15/12/99, que recebeu o número PL nº 2257/99. Os dois projetos foram apensados e estão sendo analisados em conjunto pela Câmara dos Deputados, onde já receberam parecer favorável da Comissão de Constituição Justiça e Redação, desde 28/04/2003.
Todavia, entendo desnecessária a promulgação de uma nova lei apenas para revogar o art. 366 do CE, considerando que o referido artigo já está revogado tacitamente, por não ter sido recepcionado pela vigente Carta Magna. Melhor seria se o Tribunal Superior Eleitoral reconhecesse esta realidade, regulamentando a candidatura de servidores da Justiça Eleitoral.
A filiação partidária seria exigida somente após a desincompatibilização do cargo, no prazo geral aplicado aos demais servidores públicos, exigindo-se a desfiliação para retorno ao cargo efetivo. Nessa hipótese, não haveria atividade partidária simultânea com o exercício do cargo, haja vista que o servidor estaria em gozo de licença para atividade política, com fulcro na Lei n. 8.112/90.
A Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, em seu art. 2°, § 1°, declara que uma lei revoga outra em três situações: quando expressamente o declare; quando seja incompatível com a lei anterior; ou quando regule inteiramente a matéria da lei anterior. Além disso, sabe-se que a lei nova prevalece sobre a mais antiga e que a lei específica prevalece sobre a genérica, mesmo não revogando expressamente a anterior.
No caso em estudo, se um dispositivo legal é incompatível com a nova Constituição, implicando em hipótese de perda de direito político não prevista no art. 15 da Carta Magna Federal, ela está automaticamente revogada por não-recepção, perdendo a sua eficácia a partir da promulgação da vigente Constituição, no caso em 05/10/1988.
Não se fala em inconstitucionalidade quando a incompatibilidade de lei ou norma jurídica ocorre em relação à Constituição superveniente. O parâmetro de inconstitucionalidade de lei ou norma jurídica é a constituição vigente à época de sua publicação, não se admitindo a inconstitucionalidade de lei promulgada antes da Constituição.
Em verdade, trata-se de um conflito temporal de norma infra-constitucional em face de uma nova Constituição, motivo pelo qual não merece subsistir a eficácia da vedação expressa no art. 366 do Código Eleitoral, sendo desnecessária a sua revogação por meio de outra lei.
Urge a regulamentação da matéria para resgatar a cidadania passiva dos servidores da Justiça Eleitoral, por analogia ao entendimento jurisprudencial atualmente aplicado aos militares e membros do Ministério Público, viabilizando-se a elegibilidade do servidor da Justiça Eleitoral mediante licença para exercício de atividade política, exigindo-se a desincompatibilização do cargo efetivo e a necessária filiação a um partido político apenas a partir da escolha do interessado em convenção partidária.
12 EVOLUÇÃO JURISPRUDENCIAL
Apesar dos fortes argumentos aqui delineados e de já existirem projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional visando revogar o art. 366 do Código Eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral tem ratificado entendimento no sentido da incompatibilidade entre a atividade ou filiação partidária e o exercício de cargo ou função na Justiça Eleitoral, conforme inúmeras consultas formuladas em diversas oportunidades, a exemplo dos seguintes excertos, in verbis:
"Servidor da justiça eleitoral. Atividade partidária. É vedado o exercício de atividade partidária ao servidor da Justiça Eleitoral. Precedente: consulta n. 12.566. Consulta respondida negativamente."
(Resolução nº 19945 - MA, j. 26/08/1997, Relator Ministro PAULO ROBERTO SARAIVA DA COSTA LEITE, DJ - Diário de Justiça, 18/09/1997, página 45298; e na RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 9, Tomo 3, Página 153).
"Servidor da Justiça Eleitoral. Candidatura. Filiação partidária. Impossibilidade. Art. 366 do código eleitoral."
(Resolução nº 20921, j. 23/10/2001, Relator Ministro FERNANDO NEVES DA SILVA, p. DJ, Volume 1, 22/02/2002, Página 180).
"Funcionários da Justiça Eleitoral. Filiação partidária.
1.Os funcionários de qualquer órgão da Justiça Eleitoral não poderão pertencer a diretório de partido político ou exercer atividade partidária, sob pena de demissão". (Cod. Eleitoral, art. 366). Precedentes do TSE.
2. Não se lhes aplica o que ficou estabelecido na Consulta nº 353 (Resolução n. 19.978, de 25.9.97), quanto aos magistrados. Situações diferentes.
3. Consulta a que se deu resposta negativa."
(Resolução nº 20124 – Brasília-DF, j. 12/03/1998, Relator Ministro NILSON NAVES, p. DJ 02/04/1998, página 54; e RJTSE, Volume 10, Tomo 02, página 265).
Analisando o inteiro teor da Resolução n. 20.124, percebe-se que o TSE descarta a alegada isonomia entre a situação dos servidores da Justiça Eleitoral e os magistrados e membros de Tribunais de Contas. Na ocasião, entendeu a Excelsa Corte Eleitoral que as situações são diferentes, como verificamos no seguinte trecho do voto condutor, in verbis:
(...) No caso dos magistrados, impôs-se tratamento isonômico em decorrência de preceitos constitucionais, porquanto o que lhes é vedado pelo art. 95, parágrafo único, inciso III, também o é aos militares pelo 42, § 6º, ambos da Constituição. Daí que se acolheu o seguinte raciocínio do Sr. Procurador- Geral da República: "opino no sentido de que seja dada resposta positiva à consulta, para adotar o entendimento de que os magistrados e membros dos Tribunais de Contas, por estarem submetidos à vedação constitucional de filiação partidária enquanto em atividade - tal como os militares - estão, assim como estes, dispensados de cumprir o prazo de filiação fixado em lei ordinária, devendo satisfazer tal condição de elegibilidade a partir de sua desincompatibilização". No caso presente, ao revés do paradigma invocado, a situação é diferente, principalmente por lhe faltar foro constitucional, e também porque em termos de lei infraconstitucional não se está deixando de assegurar aos funcionários igualdade de tratamento.
Data venia, permito-me discordar do raciocínio formulado no voto condutor acima transcrito, uma vez que se não existe vedação constitucional para a atividade político-partidária dos servidores da Justiça Eleitoral, seria este um argumento ainda mais forte para se regulamentar a situação dos mesmos, considerando que a vedação do Código Eleitoral a tais servidores não foi recepcionada pela nova ordem constitucional vigente, uma vez que a atual Constituição Federal relaciona taxativamente todas as hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos, dentre as quais não se vislumbra o exercício de cargo efetivo ou de confiança na Justiça Eleitoral.
Sendo assim, restam revogadas todas as vedações infraconstitucionais que impliquem em perda ou suspensão de direitos políticos e não tenham sido recepcionadas pela Constituição Federal de 1988, inclusive o guerreado artigo do Código Eleitoral, ora sob análise.
Mais recentemente, em 03/09/2002, o Colendo Tribunal Superior Eleitoral condicionou a candidatura dos servidores daquela justiça especializada ao afastamento do serviço público 01 (um) ano antes do pleito, visando o cumprimento do prazo legal mínimo de filiação partidária, senão vejamos:
DIREITO ELEITORAL. SERVIDOR DA JUSTIÇA ELEITORAL. FILIAÇÃO. CANDIDATURA. REGISTRO. PRAZO. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE NÃO SATISFEITA. RECURSO DESPROVIDO.
I- A filiação partidária com antecedência mínima de um ano das eleições é condição de elegibilidade sem a qual não poderá frutificar pedido de registro (art. 18 da Lei nº 9.096/95).
II- O servidor da Justiça Eleitoral, que não pode "exercer qualquer atividade partidária, sob pena de demissão", para candidatar-se a cargo eletivo, deverá afastar-se do serviço público com tempo hábil para cumprimento da exigência de filiação partidária." (grifei).
(Resolução nº 19.928 – Curitiba/PR, j. 03/09/2002. Relator Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Publicado em Sessão de 03/09/2002).
De fato, a Resolução nº 19.928 permite a candidatura de servidor da Justiça Eleitoral, desde que se afaste do serviço público um ano antes do pleito, tempo hábil para assegurar a filiação partidária com fins de candidatura. Todavia, a referida decisão não esclarece se o afastamento seria definitivo ou temporário, com ou sem remuneração, o que continua configurando perda injustificável de direitos políticos, não recepcionada pelo art. 15 da Constituição Federal.
Dos julgados acima transcritos, percebe-se que o Tribunal Superior Eleitoral mantém uma linha mais conservadora a respeito da elegibilidade dos servidores da Justiça Eleitoral, não reconhecendo a revogação tácita do art. 366 do CE.
Em nossa ótica, o servidor da Justiça Eleitoral precisaria se desincompatibilizar apenas no prazo geral determinado para os demais servidores públicos, entre 06 e 03 meses antes do pleito, observado o cargo exercido e o que se pretende disputar. Somente a partir da desincompatibilização é que seria exigida a filiação partidária para fins de candidatura, sendo necessária a desfiliação para retorno ao cargo efetivo, que deverá ocorrer no prazo de 10 dias após as eleições, caso não eleito, ou após o término do mandato, caso não reeleito.
A simples desincompatibilização já evita o exercício simultâneo do cargo público com a atividade partidária, além de permitir que o servidor disponha de tempo para realizar sua campanha em igualdade de condições com os demais candidatos.
Ora, se o Chefe de Poder Executivo Federal, Estadual ou Municipal pode concorrer à reeleição sem se afastar do cargo, não mais se justifica o afastamento do servidor da Justiça Eleitoral um ano antes do pleito, muito menos em caráter definitivo.
Mesmo que a situação não seja semelhante em todos os seus termos ao caso dos militares, magistrados e membros dos Tribunais de Contas ou do Ministério Público, percebe-se a necessidade de uma regulamentação específica acerca da elegibilidade dos servidores da Justiça Eleitoral, já que não existe nenhuma vedação constitucional que proíba o exercício de atividade partidária destes servidores.
A situação de cada categoria aqui tratada difere da situação do militar apenas pelo instituto da agregação, sendo este tipicamente militar e que tem a finalidade de elidir a inelegibilidade, não se prestando, entretanto, a desigualar as situações no plano da filiação partidária, que diz com condição de elegibilidade. Assim, os servidores da Justiça Eleitoral deveriam ser dispensados de cumprir o prazo de filiação de um ano, fixado em lei ordinária, devendo satisfazer tal condição de elegibilidade a partir do prazo de desincompatibilização, nos termos da Lei das Inelegibilidades (LC nº 64/90), que regulamenta o art. 14, § 9º, da Constituição Federal.
O detentor de cargo de confiança com atribuições na circunscrição onde pretende se candidatar deve pedir exoneração no prazo de seis meses, sendo exigida a desincompatibilização do cargo efetivo e a necessária filiação partidária apenas no prazo de três meses, ou a partir da escolha em convenção partidária, observando-se o que ocorrer primeiro.
Se o cargo de confiança vincula-se a um Estado, Município ou Zona Eleitoral distinta de seu domicílio eleitoral, a desincompatibilização seria exigida apenas no prazo de 03 (três) meses, uma vez que as atribuições do cargo, neste caso, não exerceriam qualquer influência na localidade onde o servidor pretende concorrer às eleições.
Ainda omissa a jurisprudência caso o servidor efetivo daquela justiça especializada esteja à disposição de outro órgão da Administração Pública Federal, Estadual ou Municipal. Nesta hipótese, ainda não analisada pela Excelsa Corte Eleitoral, seria ainda mais injusta a proibição aqui tratada, uma vez que a cessão para outro órgão tornaria impossível a obtenção de informações privilegiadas ou manipulação de dados, documentos ou equipamentos relativos ao processo eleitoral.
Dúvidas como estas continuam sem respostas e clamam por regulamentação.