INTRODUÇÃO
A queda da visão teocêntrica do mundo e o consequente fim da explicação dos fenômenos naturais com base em uma força divina deram espaço para uma nova concepção do mundo. Nesse contexto, começam a surgir pensadores de renome naquilo que foi conhecido, no século XVI, como Revolução Cientifica. Sir Isaac Newton, Galileu Galilei, Rene Descartes, Nicolau Copérnico, entre outros, foram os nomes encarregados de lançar um novo olhar antropocêntrico para o Universo. Agora o homem era o centro de todo o sistema e, para justificar a sua posição, deveria buscar a qualquer custo explicar os fenômenos naturais do meio em que viviam.
Diante disso, a Revolução Cientifica abre espaço para uma nova metodologia de análise dos fenômenos que se pautava na elaboração de leis gerais para se compreender o todo. Tratava-se de um conhecimento cartesiano, matemático e mecanicista, onde a figura do sujeito-observador não se misturava com a figura do objeto-observado. Era requisito para uma compreensão perfeita, observar o objeto na sua pureza, destituído de qualquer valor ou pré-compreensão, excluindo até o olhar do próprio cientista.
Essa visão mecânica dos fenômenos não se limitou apenas as ciências naturais e migrou também para as ciências sociais, principalmente para o Direito.
Hans Kelsen, jurista austríaco, jus positivista, ficou conhecido por inserir a “Teoria Pura do Direito” como metodologia de se estudar o fenômeno jurídico em sua inteireza e pureza, assim como a visão mecanicista. Kelsen buscava analisar o objeto (Direito) destituído de qualquer elemento de cunho axiológico ou valorativo, pois só assim possuiria uma “ciência jurídica perfeita”.
Ocorre que, com o passar dos anos e o avanço das sociedades, a Teoria Pura de análise cientifica do Direito começou a se mostrar insuficiente para explicar e descrever novos fenômenos sociais que surgiam da pluralidade de relações intersubjetivas que permeavam as novas sociedades.
O mesmo ocorreu com a física mecânica. O seu conhecimento cartesiano e matemático, considerados durante muito tempo como leis absolutas da natureza, começaram a se mostrar insuficientes para explicar fenômenos ligados a eletrodinâmica, eletroestática, ótica, a luz entre outros fenômenos que se mostravam flexíveis e inconstantes.
Para responder os novos questionamentos da natureza surge a Teoria Quântica do Universo, uma visão holística que buscava explicar como todo o planeta está integrado, e que a matéria é formada por uma última porção chamada quanta. Assim, tanto o homem, como todo o cenário em que ele está incluído, são formados pelo mesmo material, qual seja o quanta.
As descobertas da Teoria da Relatividade e da Teoria Quântica retiram o homem do centro do universo e o colocam como parte integrante do meio difuso do qual habita. Tem fim a dicotomia entre sujeito-observador e objeto-observado, caem por terra as leis gerais do universo e também a mecânica clássica como ciência absoluta. No seu lugar ganha espaço o indeterminismo e as mudanças conferidas pelas descobertas da física quântica.
É diante dessas novas descobertas das ciências naturais que Goffredo Telles Júnior elabora o que ele denomina de Direito Quântico. Um novo olhar sobre o fenômeno jurídico, dando ênfase àquele que participa da sua construção e efetivação: o homem.
O presente estudo irá lançar os pontos cardeais da teoria do Direito Quântico, sem pretender esgota-lo tendo em vista a sua vasta interdisciplinaridade e detalhamento de outras ciências não muito comuns ao universo jurídico.
1.A Revolução Cientifica e a física mecânica em Isaac Newton
1.1 Contextualização histórica e características do movimento mecanicista
A Revolução Cientifica, movimento que surge na Europa em meados do Século XVI, revelou ao mundo novos métodos para se interpretar os fenômenos naturais, e assim buscar explicações objetivas e matemáticas para a realidade. Tal movimento foi uma contrapartida ao senso comum dominante a época que buscava a explicação dos fenômenos através da vontade divina e supostas leis absolutas da natureza, sob o comando da elite religiosa, a qual geralmente era pautada por interesses de classes ou conveniências.
Nesse contexto grandes pensadores deram sua contribuição, tais como Johannes Kepler, Galileu Galilei, Nicolau Copérnico e Sir Isaac Newton – no âmbito da metafísica – dialogando com René Descartes e Francis Bacon na seara da filosofia. [1]
Logo, o rompimento com a ótica teocêntrica leva a um pensamento que era tido como radical a época: que o universo poderia ser explicado. Ou ainda melhor, ser explicado matematicamente. Esse novo modelo de racionalidade e de interpretação do mundo foi denominado de “ciência moderna”, e chegou a receber alcunha de incontestável, pelo simples fato de utilizar a lógica, a matemática e o empirismo na explicação dos fenômenos mundanos.
O conhecimento cartesiano pelo qual primava a ciência moderna buscava, nada mais, que operacionalizar o conhecimento, para assim controlar a natureza e antever determinados fenômenos, a ponto de concluir com convicção de que o universo era um gigantesco sistema mecânico que funcionava de acordo com as leis de Newton.
A especial notoriedade conferida às teorias do Sir Isaac Newton, através da qual foi capaz de explicar o movimento dos planetas e cometas com detalhes, bem como outros fenômenos relacionados com a gravidade, chegando a ser tida como a teoria definitiva dos fenômenos naturais. [2]
Isaac Newton, dando continuidade aos estudos de Galileu Galilei, se ateve principalmente em desvendar os mistérios do movimento que observamos na natureza, seja uma pedra jogada no ar, um navio navegando no mar ou uma carruagem, formando assim as bases da mecânica clássica ao afirmar a conexão entre a força e a alteração de velocidade, as quais seriam vetores com a mesma direção. [3]
Nesse diapasão, Newton ao buscar explicações para o movimento da Terra em torno do Sol, e também com o objetivo de colher informações suficientes para predizer a posição da Terra e de outros planetas em qualquer instante arbitrário de tempo, prever a data de eclipses e outros acontecimentos astronômicos, sabia que era necessário saber mais que a direção da força. Era necessário ter conhecimento do seu valor absoluto. Logo, inspirado nessa busca, desenvolveu a lei da gravitação, na qual a força de atração entre dois corpos depende, de maneira simples, da distância entre eles. [4] Quanto mais distante é um corpo do outro, menor a sua força de atração, concluindo, portanto que a força de um corpo é dependente da distância que possui de um outro corpo.
Isto posto, tem se a primeira lei geral do movimento de Newton, enunciando a conexão entre força e alteração de velocidade. A outra é a lei da gravitação que enuncia a dependência entre força e a distância entre os corpos. Juntas, essas duas leis, determinam o movimento. Assim, Newton reconheceu que os movimentos dos objetos que caem, da lua ou dos planetas são manifestações de uma força universal de gravitação que atua entre dois corpos quaisquer.
Dotado de suas descobertas acerca do movimento e da gravitação, elaborou as famosas “três leis de Newton”, pilares da mecânica clássica, e que consistem na: 1º Lei de Newton – Princípio da Inércia – Um corpo tende a permanecer em repouso e um corpo em movimento tende a permanecer em movimento. Logo, um corpo só altera seu estado de inércia se alguém aplicar uma força nele diferente de zero.
A 2º Lei de Newton traz a relação entre a força aplicada a um corpo e uma mudança de velocidade que ele sofre. Constatou que a variação da velocidade sofrida por um corpo é diretamente proporcional às forças nele aplicadas. A segunda lei pode ser representada pela fórmula f = m.a , aonde “f” é força, “m” é massa e “a” aceleração. A força é o produto da massa pela aceleração.
Já a 3º Lei de Newton é conhecida como Lei de Ação e Reação, ou seja, para cada força considerada uma ação, haverá uma força contrária considerada reação. A terceira lei de Newton enuncia que a força é resultado de uma interação entre os corpos, um corpo produz a força e outro corpo a recebe. Assim, se um corpo A aplica uma força sobre um corpo B, dele irá receber uma força na mesma direção, intensidade e sentido oposto.
No entanto, a análise das três leis de Newton sobre a ótica jurídica será aprofundado posteriormente nesta obra. O que cumpre ressaltar agora é a metodologia que surgia junto da Revolução Cientifica e que viria inspirar posteriormente outros campos do conhecimento voltados as ciências sociais.
Isto posto, cumpre ressaltar algumas características de metodologia que começaram a permear as pesquisas cientificas da época, e Fritjof Capra (2002), citado por Flavio Goldman (2010, p.14), define algumas delas sob a ótica newtoniana
“Na mecânica newtoniana, todos os fenômenos físicos estão reduzidos ao movimento de partículas materiais, causado por atração mútua, ou seja, pela força da gravidade. O efeito dessa força sobre uma partícula ou qualquer outro objeto material é descrito matematicamente pelas equações do movimento enunciadas por Newton, as quais formam as bases da mecânica clássica. Foram estabelecidas leis fixas de acordo com as quais os objetos materiais se moviam, e acreditava-se que eles explicassem todas as mudanças observadas no mundo físico. Na concepção newtoniana, Deus criou, no princípio, as partículas materiais, as forças entre elas e as leis fundamentais do movimento. Todo o universo foi posto em movimento desse modo e continuou funcionando, desde então, como uma máquina, governado por leis imutáveis. A concepção mecanicista da natureza está, pois, intimamente relacionada comum rigoroso determinismo, em que a gigantesca máquina cósmica é completamente casual e determinada. Tudo o que aconteceu teria tudo uma causa definida e dado origem a um efeito definido, e o futuro de qualquer parte do sistema podia – em princípio – ser previsto cm absoluta certeza, desde que seu estado, em qualquer momento dado, fosse conhecido em todos os detalhes.”
Conclui-se que uma das características, já citadas no presente estudo, é que o modelo da ciência moderna se mostra prático, utilitário e funcional, através do qual se consegue explicar como funcionam as coisas, porém sem buscar a sua finalidade. Tratava-se do mundo explicado através de equações matemáticas.
Essa abordagem foi importada também para o campo das ciências sociais, principalmente com Émile Durkheim no campo da Sociologia. Para o pensador a Sociologia deveria possuir uma abordagem objetiva e delimitada daquilo a que se propunha estudar, deixando de lado todo o subjetivismo da filosofia, e declarar sua independência metodológica.
Goldman (2010, p.12) aponta três pontos principais que caracterizavam a influência da metodologia da ciência moderna nas ciências sociais.
Primeiramente, se tornava necessário desvincular o sujeito objeto e o sujeito pesquisador, devendo o pesquisador se despir de todos os seus pré-conceitos e suas visões de mundo. Tratava-se, portanto, do isolamento e dissecação do objeto independente de outros fatores externos.
O segundo ponto consistia na afirmação de que o método cientifico era o único capaz formar o conhecimento da realidade, negando, por consequência, todo as outras abordagens discordantes, pois estaria o pesquisador a mercê de determinadas circunstâncias subjetivas de tempo e espaço, não conseguindo um resultado concreto e determinante.
Por último, a ciência moderna prezava pela formulação de leis gerais que iriam ser confirmadas empiricamente pelo pesquisador, e que posteriormente poderiam reger o objeto em qualquer tempo e espaço que se sucedesse, independente das condições iniciais de tais objetos.
Diante do exposto, nota-se a grande influencia que o período da Revolução Cientifica gerou na humanidade, não só no campo das ciências naturais, mas também no campo das ciências sociais, com a importação da metodologia objetiva e cartesiana para análise explicação dos fenômenos do universo.
2.O diálogo entre a Teoria Pura do Direito e a Revolução Cientifica
2.1 As características da ciência moderna e o jus positivismo
Os avanços no campo metodológico das ciências naturais, capitaneados pela física mecânica newtoniana, geraram reflexos também no campo das ciências sociais, e mais especificamente no campo do Direito.
Em meados do Século XX, o jurista austríaco Hans Kelsen, pensador do Círculo de Viena e da escola juspositivista, elabora a sua Teoria Pura do Direito, a qual surgia como uma reação a um fenômeno que ameaça a própria autonomia do direito, qual seja, a grande influência de outras disciplinas como a filosofia, a sociologia e a politica, decorrentes de uma fase crítica pela qual passava o pensamento jurídico.
Isto posto, seu objetivo era o de estabelecer uma ciência específica do Direito, separando-a da filosofia e da sociologia, pois só assim irá se obter a pureza do seu método. Nesse sentido, o próprio Hans Kelsen deixa clara a sua intenção no prefácio de seu livro Teoria Geral do Direito e do Estado:
“Quando esta doutrina é chamada “teoria pura do Direito”, pretende-se dizer com isso que ela está sendo conservada livre de elementos estranhos ao método específico de uma ciência cujo o único propósito é a cognição do Direito, e não sua formação. Uma ciência que precisa prescrever seu objeto como ele efetivamente é , e não prescrever como ele deveria ser do ponto de vista de alguns julgamentos de valor específicos. Este último problema é problema da politica e, como tal, diz respeito à arte do governo, uma atividade voltada para valores, não um objeto da ciência, voltada para a realidade.” (KELSEN,pg.27)
Frise-se, portanto, que o positivismo é uma postura cientifica e que vem se solidificar entre os Séculos XIX e XX. Isso porque, o senso comum teórico – conceito cunhado por Warat e reproduzido por Lênio Luiz Streck – costuma se referir a Kelsen como defensor de um positivismo primitivo, que se caracteriza por uma aplicação do direito positivo destituído de qualquer influência valorativa, quando na verdade, é necessário chamar a atenção para o fato de que Kelsen opera em dois níveis diferentes: o da ciência do direito e o das práticas jurídicas, relegando ao primeiro o seu método objetivo. [5]
Nesse sentido, é importante lembrar que Bobbio (1995) citado por Streck (2016, p.19), realiza uma separação analítica do positivismo, dividindo-o em três tipos: positivismo ideológico, positivismo teórico e positivismo metodológico[6].
O positivismo ideológico é caracterizado pela força obrigatória conferida ao direito positivo, ou seja, este deveria ser aplicado pelos juízes independente de qualquer valoração de cunho moral ou politico. Deve ser aplicado pelo simples fato de ser direito, independente do seu conteúdo. [7]
No que se refere ao positivismo teórico, afirma Bobbio que o texto é igual à norma. Ou seja, as fontes do direito seriam formadas exclusivamente pelos preceitos legislativos, e estes seriam confundidos com o direito. Lei e direito seriam uma só coisa.[8]
Já a concepção kelseiana encontra-se apoiada no positivismo metodológico / conceitual, caracterizando-se como método de se aprimorar o estudo do direito. Segundo esta classificação os critérios utilizados pelos juristas para descrever o direito são apenas aqueles observáveis empiricamente, sem implicar qualquer juízo valorativo. [9] Ou seja, o conceito de direito encontra-se apenas apoiado em determinadas propriedades fáticas, empíricas.
Esclarecidas as premissas referentes ao juspositivismo kelseniano, tona-se necessário agora apontar a metodologia incorporada da Revolução Cientifica para o mundo do Direito.
Logo na primeira página de sua obra “Teoria Geral do Direito e do Estado”, o autor deixa claro o significado do título:
“A teoria que será exposta na primeira parte deste livro é uma teoria geral do Direito positivo. O Direito positivo é sempre o Direito de uma comunidade definida: o Direito dos Estados Unidos, o Direito da França, o Direito mexicano, o Direito internacional. Conseguir uma exposição cientifica dessas ordens jurídicas parciais que constituem as comunidades jurídicas correspondentes é o intuito da teoria geral do direito aqui exposta. Esta teoria, resultado de uma análise comparativa das diversas ordens jurídicas positivas, fornece conceitos fundamentais por meio dos quais o Direito positivo de uma comunidade jurídica definida pode ser transcrito.” (KELSEN, pg.1)
A assertiva acima deixa clara a intenção do jurista austríaco ao denominar sua obra de “Teoria Geral”.
Ora, assim como na ciência moderna a aspiração inicial era a formulação de leis gerais, que confirmadas empiricamente pelo pesquisador, poderiam ser aplicadas ao objeto independente do tempo e do espaço.
O mesmo ocorreu com Kelsen, ao formular uma “Teoria Geral do Direito”, visto que os conceitos fundamentais que ele viria a desenvolver ali iriam reger o Direito positivo de qualquer comunidade jurídica, independente do local ou do tempo.
Os conceitos fundamentais desenvolvidos por Kelsen derivariam de regularidades observadas em diversas ordens jurídicas, e deste modo, seguindo o raciocínio da ciência moderna, seria conferida uma espécie de simetria e estabilidade ao Direito como objeto da ciência jurídica.
Ademais, em outra passagem, Kelsen revela mais uma característica da abordagem metodológica da ciência moderna, também observada em Dhurkeim, qual seja a separação entre sujeito e objeto:
“A realidade específica do Direito não se manifesta na conduta efetiva dos indivíduos sujeitos á ordem jurídica. Esta conduta pode ou não estar em conformidade com a ordem cuja existência é a realidade em questão.” (KELSEN,p.29)
Assim, a distinção entre sujeito e objeto era condição de conhecimento. Essa característica está ligada diretamente com a separação da ciência do direito de todo conteúdo valorativo ou deontológico que não faz parte do próprio direito, ou que não derivem das normas jurídicas positivas.
Logo, o próprio jusfilósofo se encontraria excluído dessa análise, com os seus pré-conceitos, moral, história, não atuando sobre o resultado as pesquisas. Para Kelsen, a pureza do método estaria ligada ao isolamento do objeto de tudo aquilo que pudesse afeta-lo, direta ou indiretamente, relegando a fonte formal apenas o que está previsto nas normas jurídicas positivas.
Conclui-se, portanto, que a ciência moderna, na sua fuga dos subjetivismos e de explicações para os fenômenos naturais calcados na vontade divina ou leis absolutas da natureza, criou uma nova abordagem para se compreender o mundo. De maneira objetiva e determinista o cientista moderno buscou explicar através de leis gerais, da separação entre sujeito e objeto e equações matemáticas, o funcionamento do universo, o qual seria constante e imutável, quase como um plano cartesiano.
Restou demonstrado que essa metodologia objetiva não se limitou tão somente as ciências naturais e chegou as ciências sociais, tais como a sociologia e o Direito, dando base para uma das teorias, até hoje, mais discutidas nos cursos jurídicos, qual seja a Teoria Pura do Direito.
Conforme a própria abordagem da ciência moderna que se mostrou limitada com o passar dos anos e as novas descobertas relacionadas à relatividade e a física quântica, o positivismo metodológico de Kelsen, atualmente, sofre críticas diversas quanto ao estudo do fenômeno jurídico em uma sociedade cada vez mais plural e em mutação, no entanto, insta mencionar que os avanços tanto mundo das ciências naturais, quanto no mundo do Direito, não vêm excluir ou negar as abordagens realizadas por esses grandes pensadores como Sir. Isaac Newton, Galileu Galilei e Hans Kelsen, no direito, mas tão somente acrescentar e dar complementariedade a um conhecimento que tanto auxiliou no desenvolvimento das sociedades.
2.1.As leis de Newton sob a ótica jurídica
Goffredo Telles Júnior [10] define a lei como “fórmula da ordem”.[11] A sua conceituação do que é lei, tanto no âmbito jurídico, tanto no âmbito das ciências naturais passa por um processo de compreensão de ordem, ideia e abstração.
Isto posto, a lei existiria apenas no mundo ideal, no mundo inteligível e não no mundo concreto, devendo ser considerada, portanto, como uma fórmula geral de todas as coisas. Explico.
Para TELLES JR a ordem é “a disposição conveniente de seres para a consecução de um fim comum” [12]. Ou seja, é a “unidade do múltiplo”. Por exemplo, vários pedaços de madeiras e pregos são uma multiplicidade de seres, tais seres, portanto não estão em uma ordem específica, como no caso de formarem uma mesa. Porém, todos esses materiais quando ligados uns aos outros formam uma unidade, uma mesa, isto é buscam um fim comum, estando, portanto, dispostos em ordem. Deixam de ser partes e passam a ser uma unidade.
Nesse diapasão a lei também buscaria a ordem, ou seja, seria uma “fórmula ideal e genérica segundo a qual um certo fim só pode ser alcançado se certos meios forem dispostos convenientemente” [13]. TELLES JR explica. Por exemplo, haverá a dilatação de metais se eles forem aquecidos. É relação que existe aqui não é uma relação concreta entre o metal e o calor, e sim uma relação ideal entre o calor e a dilatação dos metais. Ou seja, uma certa disposição de seres condicionadas como meio necessário para consecução daquele fim, a dilatação.
Isto posto, a lei é uma relação entre ideias. Ideia, segundo TELLES JR, é a essência, é “o conhecimento do que há de geral em fatos particulares”, a qual só é alcançada por meio de um processo específico, chamado de abstração o qual visa nada mais que encontrar “sempre o mesmo em coisas diversas”, ou seja, aquilo que é universal.
Conclui-se, portanto, que se TELLES JR entende a lei como uma relação entre ideias, e as ideias são o conhecimento geral de coisas particulares, tem-se a lei como algo que versa sobre generalidades, não sobre uma pessoa ou fenômeno específico, mas sobre aquilo que é comum a todos, nas palavras do jurista paulista a “lei é sempre uma síntese, porque unifica o diverso”.
“A lei da gravidade, por exemplo, é um “ser de razão”, e só existe na inteligência. Essa lei enquanto lei (não enquanto fatos particulares, confirmadores da lei), não existe fora da inteligência. Ela é uma fórmula geral, de que as quedas dos corpos constituem realizações particulares e concretas. Fora da inteligência, o que existe são apenas as quedas de corpos. A lei da gravidade, como fórmula geral, só existe na inteligência.” (TELLES JR. p.232)
E finda
“Nossos olhos vêm as quedas dos corpos, mas não a lei da gravidade. A lei da gravidade só pode ser “vista pela inteligência, e isto significa que a inteligência é que é a fórmula” (TELLES JR. pg.232)
Afirma, destarte, que a lei por ser resultado de um processo de abstração resulta somente no mundo da inteligência e não das relações concretas, e isso é condição fundamental visto que ela necessita ser perene e constante. A lei, portanto, nada mais é do que uma “fórmula ideal e genérica.” [14]
Conforme o disposto, ainda que diante de ciências diferentes, o direito e a física se comunicaram no tocante a abordagem dos fenômenos sociais e naturais. No entanto, seria possível vislumbrar uma utilização de duas das três leis de Newton para explicar o fenômeno da força do direito, das respostas estatais ao descumprimento do estabelecido pelo poder constituído e das relações de intersubjetivas? Esse será o desafio do presente tópico.
2.1.1.A segunda lei de Newton, o Direito e a força
A segunda lei de Newton dispõe sobre a força aplicada sobre um corpo e a mudança de velocidade que ele sofre, podendo ser representada pela fórmula f=m.a, conforme já representado neste estudo.
As reflexões nas aulas da disciplina Direito Quântico ministradas pelo Professor Doutor Ricardo Hasson Sayeg no programa de Mestrado da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, utilizando o método da abstração cunhado por Goffredo, auxiliaram na transposição dessa fórmula para a lógica do Direito Positivo, ficando como f (força) = t (texto). V (validade e vigência).
A força do direito estaria ligada diretamente a validade e a vigência do texto, o que poderia justificar qualquer regime, seja ele autoritário ou democrático, desde que o texto possuísse validade e vigência.
A relação entre o Direito e força é tema de constante discussão doutrinária. Nesse sentido, Hans Kelsen afirma que “o direito é uma ordem coercitiva, ou seja, caracteriza-se como uma técnica social específica que tem como objetivo obrigar que os indivíduos tenham uma determinada conduta social através da ameaça de uma medida de coerção a ser implantada caso a ordem seja violada. [15]
O Direito como uma técnica social específica de coerção é o ponto comum que Kelsen encontra em todas as ordens sociais, ainda que muito diferentes culturalmente e socialmente, todas teriam o caráter coercitivo para fazer valer as condutas estipuladas. Consequência direta da coerção é o uso da força, ou seja, a força é empregada para prevenir o próprio emprego da força na sociedade [16], porém, essa aparente antinomia é resolvida pelo jurista austríaco ao conferir o monopólio do uso da força a comunidade, que o faria por meio de um individuo ou órgão autorizado.
“O direito é uma ordem segundo a qual o uso da força é geralmente proibido, mas, em caráter excepcional, sob certas circunstâncias e a certos indivíduos, é permitido como sanção. Na regra jurídica, o emprego da força surge como delito, i.e., a condição para a sanção, ou como sanção, i.e, a reação da comunidade jurídica contra o delito.” (KELSEN, p.31)
Insta mencionar, portanto, que como o uso da força é monopólio da comunidade, e resulta em uma sanção que é socialmente organizada, conclui-se que para Kelsen o Direito tem como objetivo a regulamentação da força, ou seja, o Direito tem como objetivo regular o exercício da força em uma determinada comunidade.
A teoria de Kelsen ainda parte do pressuposto que, para que uma norma seja jurídica é necessário que ela esteja prevendo uma sanção. Logo, para o jurista austríaco, como a “coerção” é um elemento essencial do direito, todas as regras jurídicas devem ser normas que estipulam um ato coercitivo ou uma sanção. [17]
A concepção de força como objeto do Direito, defendida por Kelsen, se contrapõe diretamente a posição de Norberto Bobbio[18], jurista italiano da escola do positivismo analítico, o qual defende a força como instrumento do Direito, ou seja, ela é necessária para fazer respeitar as normas que emanam do poder constituído, o que não significa que ela seja fundamento.
Nesse sentido, Bobbio entende o ordenamento jurídico como um ordenamento de eficácia reforçada, quer dizer que o ordenamento jurídico só existe se for eficaz.
Ou seja, a força é necessária para realização do direito, só assim as regras jurídicas postas pelo poder constituinte originário podem ser respeitadas. Isso não quer reduzir o direito à força, mas tão somente chamar a atenção para o fato de que o exercício da força é uma característica dos ordenamentos jurídicos e fundamental para garantir o respeito às normas. [19]
Para Bobbio, portanto, a relação entre Direito e Força está ligada diretamente ao plano da instrumentalidade. Sem a força o ordenamento jurídico não possui eficácia social, representada nas palavras de Paulo de Barros Carvalho (2015, p.97), com sendo “o respeito aos padrões de acatamento com que a comunidade responde aos mandamentos de uma ordem jurídica historicamente dada.” Ou, simplesmente, se os destinatários cumpriram, de fato, os mandamentos elaborados pelo legislador.
Apesar das diferenças doutrinárias, em ambos os casos conseguimos representar a força do direito por meio da fórmula f (força) = t (texto). v (validade e vigência), devendo apenas chamar a atenção para o fato de que, em Kelsen, a força é objeto do direito. Logo a força do direito só se manifestará no texto do direito positivo (normas de coação) e que possuam validade e vigência em determinado tempo e espaço.
O mesmo raciocínio se aplica a Bobbio, porém com o adendo de que a força é instrumento do direito, pelo qual se da eficácia ao ordenamento jurídico e garante o cumprimento das normas. Assim, para o jurista italiano o texto válido e vigente seria garantido por meio da força (coação).
2.1.2 A terceira lei de Newton – Ação e Reação
A terceira lei de Newton, ou lei da ação e reação preceitua que “se um corpo A aplica uma força sobre um corpo B, dele irá receber uma força na mesma direção, intensidade e sentido oposto” já foi transposta para diversas áreas diferentes da física, encontrando guarida até enunciados religiosos.
Ocorre que o referido preceito também tem lugar no universo jurídico e, coincidentemente, no plano das respostas estatais a violação da ordem jurídica.
“Olho por olho e dente por dente”, é a máxima atribuída a Lei de Talião, originária do Código de Amurabi, em 1790 a.C no reino da Babilônia. Buscava-se impedir que as pessoas não fizessem justiça com as próprias mãos e assim cometessem atos bárbaros para com os acusados de empreenderem crimes, porém, a própria lei acaba se tornando instrumento de barbaridades ao passo que permitia uma estrita relação de equilíbrio entre o crime e a pena.
Um conceito parecido é encontrado em Kelsen, quando o mesmo versa sobre sanções, é o chamado princípio da retribuição. [20]
Nada mais é do que associar a conduta realizada pelo individuo a um tipo de vantagem ou desvantagem (sanção), tendo como objetivo motivar a prática da conduta posta pelo legislador.
Como é sabido, em Kelsen, a comunidade possui o monopólio da força, seja representada por um individuo ou um órgão, logo no momento em que um sujeito viola a ordem jurídica, desrespeitando os interesses da coletividade, interferindo nas suas esferas individuais, ficará autorizada a comunidade o uso da força para evitar ou reprimir essa violação.
“no caso de tal interferência, a própria comunidade jurídica reage com uma interferência similar na esfera de interesses do individuo responsável pela influencia prévia. Igual por igual. É a ideia de retribuição que se encontra na base dessa técnica social.” (KELSEN, p.31)
A semelhança com a terceira lei de Newton é latente, basta transpor os conceitos para a fórmula já enunciada: Se um individuo, interfere na esfera privada de outro, a ele será aplicada uma sanção de igual intensidade do delito que cometeu.
Ocorre que cada vez menos tem se visto castigos corporais nos países ocidentais, o que nos leva a crer que a proporcionalidade entre crime e sanção pode ser mitigada com a perda da liberdade durante um determinado período de tempo ou até ao pagamento de multa, abandonando o conceito de “olho por olho e dente por dente”, ainda que alguns países do ocidente autorizem a pena de morte nos casos de homicídio, por exemplo.