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Newton: entre a física mecânica e a alquimia

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28/09/2016 às 16:31
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3.O Direito Quântico e o surgimento de um novo olhar

3.1O declínio da ciência moderna

O caráter de método absoluto da ciência moderna começa a se perder com as novas descobertas no âmbito da biologia e da física. A primeira ganha grande contribuição de Charles Darvin e Jean Baptiste Lammarck, que desenvolvem e aperfeiçoam a teoria da evolução, negando completamente a ideia de mundo estável e simétrico. Ou seja, as espécies não haviam surgido de um criador que as colocou na terra, prontas e acabadas, mas eram fruto do desenvolvimento de espécies mais simples.[21]

“Da combinação de elementos químicos, surge toda a diversidade da matéria. Assim como a imensa literatura do mundo surge da combinação de vinte e quatro letras, assim também, todas as espécies de matéria resultam da combinação de cem elementos. Combinados de diversas maneiras, os elementos químicos produzem a variedade infinita do universo.” (TELLES JR., p.238)

Na física, a descoberta da eletrodinâmica e do eletromagnetismo, revelando os campos de força, bem como a viagem de luz no espaço na forma de ondas, demonstram as limitações do modelo cartesiano. A obra A evolução da física ilustra bem os experimentos da época, retratando a grande dificuldade de se aplicar o conceito mecânico ao campo dos fenômenos elétricos e óticos. [22]

A Física, com Max Planck e posteriormente com o advento de Niels Bohr, se dispõe a estudar as partículas elementares da matéria ou mais conhecidos como quantas. A Física Quântica ou Mecânica Quântica é a responsável por esse ramo de estudo, derivando a palavra “quanta” do latim quantum que quer dizer quantidade. Refere-se, portanto, a certas unidades físicas.

Através dos estudos, concluiu se que a matéria possui uma estrutura granular, composta de partículas menores elementares, conhecidas como quanta da matéria.

 Diante disso, por se tratar do estudo de aglomerados e não de um individuo isolado, por estudar o todo em detrimento do individual e não vice-versa como na física mecânica, a teoria quântica não descreve propriedades com resultados absolutos, mas probabilidades. Não existem leis que irão revelar o futuro de determinados sistemas, mas sim fórmulas que governam determinadas probabilidades. [23]

Ou seja, é abandonado o conceito determinista da física mecânica e adotado um conceito de probabilidades e estatísticas, o que torna impossível a formulação de leis gerais, pois não há mais a simetria de espaço e tempo. Sem leis gerais é impossível prever acontecimentos futuros com bases em dados absolutos do passado, levando por terra as “verdades incontestáveis” e trazendo para as ciências naturais a figura da probabilidade e da instabilidade. [24]

Os avanços observados nos campos da biologia e da física começaram a revelar as limitações as quais possuía a ciência moderna. Primeiramente, conforme o exposto, a formulação de leis gerais para explicação dos fenômenos naturais caia por terra diante da nova concepção de probabilidade e instabilidade inserida pela física quântica, isso porque os quanta possuem uma natureza dual, aparecendo às vezes como partículas e as vezes como ondas. Nesse diapasão, até mesmo os elétrons também não podem ser definidos como ondas e nem partículas, visto que possuem atributos de ambas. [25]

Em segundo lugar, os próprios ensinamentos da teoria quântica revelam a queda da dicotomia entre sujeito-observador e objeto-observado, que imperava como metodologia de pesquisa no período mecanicista.   Na teoria quântica o cientista não é apenas um mero espectador da realidade, mas um participante do processo, que interfere diretamente nos resultados das pesquisas. A verdade é criada a partir do seu olhar.

Essa conclusão deriva do “princípio da incerteza” cunhado por Heisenberg, segundo o qual não se pode ter certeza da posição e velocidade de uma partícula ao mesmo tempo, logo a opção do cientista por uma das racionalidades é que irá definir os resultados da experiência. [26]

Isto posto, não há mais uma verdade absoluta a ser descoberta pelo observador espectador, mas sim uma nova realidade que irá ser criada a partir do momento que ele lançar o seu olhar sobre o objeto.

A ciência moderna havia superado a visão teocêntrica – Deus como centro do universo – adotando o antropocentrismo – o homem como centro do universo – cunhado no fato de que este poderia responder a todas as perguntas através das suas leis absolutas da natureza. Porém, com base na mudança do olhar e as novas teorias quânticas, começa a surgir ao longo do século XX uma visão holística (derivado do grego holos que significa todos), do universo, ou seja, a concepção orgânica do todo, o foco agora não estava nas partes (no homem em si), mas na totalidade das coisas.

“As partículas subatômicas não são ‘coisas’, mas interconexões entre `coisas´, e essas ´coisas, por sua vez, são interconexões entre outras ´coisas, e assim por diante. Na teoria quântica, nunca lidamos com ´coisas´, lidamos sempre com interconexões. É assim que a física moderna revela a unicidade básica do universo. Mostra-nos que não podemos decompor o mundo em unidades ínfimas com existência independente. Quando penetramos na matéria, a natureza não nos mostra quaisquer elementos básicos isolados, mas apresenta-se como uma teia complicada de relações entre várias partes de um todo unificado.” (CAPRA, apud GOLDMAN. p.32)

Essa nova visão do todo, pautada da unicidade, interação e interdependência leva não só ao fim a análise isolada dos elementos da natureza, como também permite a interconexão entre as ciências naturais e as ciências sociais, sendo o ponto chave para iniciar o processo de compreensão daquilo que Goffredo Telles Júnior chamou de Direito Quântico.

“O Direito é a ordenação quântica das sociedades humanas” – Goffredo Telles Jr

Assim como o positivismo jurídico de Kelsen foi utilizado para ilustrar uma abordagem de acordo com os parâmetros da ciência moderna, o Direito Quântico se pautará de acordo com a teoria quântica do universo. Trata-se de uma nova abordagem do direito, agora sob a ótica da ciência contemporânea.

Insta mencionar que o presente tópico visa apenas lançar um olhar sobre os elementos fundamentais da teoria do Direito Quântico, sem, contudo, esgotar o tema nas suas peculiaridades interdisciplinares de biologia, física, cosmologia e outras ciências.

Como se sabe, a dicotomia entre ciências naturais e ciências sociais se encontrou superada com o advento da teoria quântica e o surgimento de um novo olhar com a ciência contemporânea, permitindo assim que o mundo jurídico dialogasse diretamente com outros ramos não tão comuns ao seu cotidiano.

 A importância da interdisciplinaridade vai restar demonstrada ao longo deste tópico, porém é imperioso mencionar que a prática jurídica lida diretamente com as relações intersubjetivas (entre indivíduos ou entre individuo e Estado), e a ciência jurídica ao estudar esse fenômeno, também busca novas maneiras de aprimora-la.

Logo, o conhecimento das relações humanas, e principalmente do homem, como membro de uma comunidade, intérprete, julgador, legislador e vivente do Direito, se mostra indispensável para se conceber um ordenamento jurídico cada vez mais próximo de um ideário de justiça.

SAYEG [28] remonta bem o papel do homem e da linguagem no processo de formação da norma jurídica

“A linguagem é a expressão viva da consciência finita, definindo as representações da existência por meio de códigos correspondentes à sua dimensão discursiva – ou seja, textual – que, como atributo cultural inato do homem e de todos os homens, é própria de seu agente, consistindo essencialmente em um esforço de conectividade intra e inter-humano.” (SAYEG,p.35)

Nesse diapasão, o conteúdo do Direito Quântico acaba por se aproximar do Direito natural. Para compreensão desse instituto, TELLES JR realiza uma reflexão sobre a nomenclatura “Direito natural”. Em regra, as doutrinas tradicionais do jus positivismo têm classificado as leis naturais como um conjunto de princípios que seriam inatos, sagrados, imutáveis e absolutos, advindos de uma entidade superior (KELSEN, p.15), relegando o Direito natural a categoria de princípio moral.

No entanto, para TELLES JR, para que algo seja chamado de “Direito” é necessário que seja minimamente uma norma jurídica, e não mandamentos ou princípios. Entende o autor que, são normas jurídicas aquelas que “autorizam o lesado pela sua violação a exigir o seu cumprimento ou a reparação do mal sofrido”. [29]

Como é sabido, princípios morais não são autorizantes de nenhuma conduta, apenas são ditames que servem como norte para a prática de algum ato a ser observado em sociedade, como por exemplo “o bem deve ser feito” ou “não cobiçarás a mulher do próximo”. Isto posto, para o autor, o que maioria tem entendido como Direito natural nada mais é do que uma moral social, sem a força vinculante de Direito.

 “Um Direito natural é sempre o Direito positivo de uma sociedade [...] Mas nem todo Direito positivo pode ser chamado de Direito natural, Natural, só o é o Direito positivo que for consoante com o sistema ético de referência, em que ele vigora. É o Direito que se opõe ao Direito artificial.” (TELLES JR. p.281)

Ou seja, o Direito natural é o conjunto de todas as normas postas pela autoridade governante e que venha regular a conduta dos cidadãos, estabelecendo aquilo que é oficialmente proibido ou permitido, desde que estas normas estejam de acordo com o sistema ético de referência da sociedade. [30]

O sistema ético de referência é o resultado dos anseios de um determinado agrupamento humano, pertencente a uma comunidade em determinado período histórico. Engloba, portanto, todas as noções sobre o que é “certo” e “errado” com base no ambiente social e cultural sob o qual se desenvolve, os quais são essencialmente instáveis e imprevisíveis, tendo em vista a sua configuração ambiental.

Pode se mencionar, a título exemplificativo, uma norma que comine pena de detenção a mulher que não use burca. Caso esse preceito entrasse em vigor alguns países do oriente médio, a mesma seria legal (direito objetivo) e também legítima (de acordo com o sistema ético), tendo em vista os padrões culturais daquela comunidade. Porém, se a mesma norma é proposta na maioria dos países ocidentais, e ingresse formalmente no ordenamento jurídico, sendo, portanto, legal, ainda assim será uma norma ilegítima, pois contraria ao sistema ético de referência daquela comunidade.

“As taboas de bens dos homens, suas ordens éticas, que são, afinal, suas categorias axiológicas, seus sistemas de referência¸ não se formam na razão pura, como desligadas das coisas, mas, pelo contrário, são hauridas nas coisas mesmas, ou melhor, no homem mesmo, no que há de temporal e no que de atemporal no homem, ou seja, no homem histórico.” (TELLES JR. pg.279)

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O sistema de referência reflete as convicções de um povo, devendo o direito objetivo estar a ela subordinado. Sob a ótica do direito quântico, o grau de legitimidade de uma norma jurídica é diretamente proporcional à afinidade do seu conteúdo com o sistema de referência vigente. [31]

Nesse sentido, há que se questionar, porque o homem define determinadas convicções com sendo o sistema de referencia?  Como ele estabelece o que é “certo” e “errado”?

Para TELLES JR. tais atributos estão impressos na carga genética do homem, por isso, pode ocorrer que o Direito Objetivo elaborado dentro de um especial sistema ético de referência pode ser tornar ilegítimo com o tempo, tendo em vista a evolução e renovação dos padrões culturais e genéticos daquela comunidade. É, portanto, um direito dinâmico, pois sua natureza será complexa, instável e flexível, a mercê dos fatos históricos e culturais que permeiam as sociedades em um determinado período de tempo. [32]

“Todo ato de escolha depende, antes de mais nada, do patrimônio genético do agente. E depende, também, do confronto de uma informação provinda do mundo exterior, como todo o cabedal de aprendizagem, de pensamento, de imaginação, de ideal, já armazenado pelo agente. É um ato de composição de forças, mas de forças às vezes tão numerosas, às vezes tão distintas e indiscerníveis, que a escolha pode dar a impressão de ser um ato totalmente livre. A extraordinária complexidade do ato de escolha produz um sentimento de liberdade. Mas o incontestável é que todo ato livre sempre é um ato disseminado por alguma coisa.” (TELLES JR.p.186)

Logo, de acordo com a teoria quântica, o homem não é uma figura imparcial, um dado objetivo, separado de todas as coisas que o circundam (caráter holístico do Direito). Ele é tido o “eu no mundo” [33]. Isso porque todas as coisas no universo tem o mesmo padrão de existência, a mesma essência, por serem constituídos pelas mesmas partículas elementares, inclusive as células humanas.

Nesse sentido, TELLES JR, observa que como os homens são formados pelo mesmo material que todas as outras coisas da natureza, todos em um processo de interconexão, a movimentação humana dentro da sociedade seria, através de uma ótica ampliada dos fenômenos, uma movimentação quântica. Diante disso, a sua afirmação de que o “direito é a ordenação quântica da sociedade”. 

A norma jurídica age como instrumento delimitador dos movimentos humanos na sociedade. Tais movimentos se dão por conta de liberação de energia, o que TELLES JR, chama de quantas humanos, ou seja, porções discretas de energia humana. Pelo prisma do Direito Quântico os homens são objetos quânticos, ou quanta. A relação entre os homens em uma determinada sociedade, é portanto,  uma relação quântica, devendo ser regulada por uma ordenação quântica. [34]

É por isso que o Direito nunca pode prever uma determinada conduta a ser praticada pelo ser humano, ele apenas irá dispor que um homem ou um determinado grupo de homens tem a probabilidade de agir de tal maneira, de modo que, o ordenamento jurídico (ordenação quântica) será o responsável por proibir ou permitir essas interações, com o objetivo de mantê-las de acordo com o sistema de referência.

O Direito irá se colocar livre de qualquer imposição absoluta, podendo caminhar por entre os reais interesses da sociedade e observar, para elaboração do direito objetivo, o sistema de referência predominante naquele espaço e período histórico.

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Sobre o autor
Erick Beyruth

Mestrando em Direito Constitucional pela PUC-SP. Aluno de Mobilidade na Universidade de Coimbra.PT. Advogado. Bolsista CNPq.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEYRUTH, Erick. Newton: entre a física mecânica e a alquimia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4837, 28 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52368. Acesso em: 18 abr. 2024.

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