O Tribunal de Contas da União e, mais recentemente, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, não permitem o acesso ao inteiro teor dos processos eletrônicos através do Sistema de Processo Eletrônico (e-TCU/e-TCESP) antes da juntada de procuração ao processo.
No caso do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, se antes bastava o acesso ao Sistema para a consulta ao inteiro teor dos processos eletrônicos, nas últimas semanas o e-TCESP passou a requerer para tanto a habilitação ou solicitação de vistas.
Tal medida, até onde se tem conhecimento, não foi precedida de divulgação de ato administrativo que tenha determinado a alteração descrita, isto é, a restrição ao âmbito de publicidade conferido aos processos eletrônicos. Especialmente não houve divulgação quanto ao fundamento legal da restrição em destaque e da determinação administrativa que lhe serviu de fundamento.
Esta alteração no regime de acesso a processos eletrônicos não é consentânea com a evolução da relação dos cidadãos com o Estado (seja em sua faceta executiva, legislativa, judiciária ou de controle), uma vez que o caminho constitucionalmente demarcado é o do avanço da transparência e não o de sua restrição.
Com efeito, o inc. XXXIII, art. 5° da Constituição Federal dispõe que todos têm direito a receber dos órgãos públicos – dentre os quais os Tribunais de Contas – informações de seu interesse particular, além informações de interesse geral, salvo as excepcionalíssimas informações cujo sigilo sela imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, o que, por força do princípio da motivação, expressamente inscrito no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo, deverá ser devidamente justificado. O mesmo ônus de justificação vale nos casos de restrição à divulgação decorrente da defesa da intimidade.
É bastante evidente que todas as questões que tramitam por meio dos processos eletrônicos junto aos Tribunais de Contas são de interesse geral, porque tratam de matérias atinentes à Administração Pública, seja estadual ou municipal, e, assim, dizem respeito ao interesse público.
Ainda em sede constitucional, a nível de princípio, encontra-se inscrito no caput do art. 37 a publicidade. No mais, o acesso dos cidadãos a registros administrativos e informações sobre atos do governo está previsto no inc. II, § 3°, art. 37. Deve a Administração, além disso, tomar as providências para franquear a documentação governamental à consulta de quantos dela necessitem, como se observa do §2°, art. 216, da CRFB/1988.
É estreme de dúvidas, portanto, que o acesso à informação e à publicidade dos atos do Estado são princípios fundamentais regentes da atuação estatal, compreendendo a transparência, a acessibilidade, a integralidade e a integridade das informações.
Quanto ao caso, vale citar, analogamente, a análise da Resolução n° 121/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a divulgação de dados processuais eletrônicos na rede mundial de computadores.
No caso de processos judiciais, na forma do art. 1° da Resolução, é assegurado a toda e qualquer pessoa o acesso a informações processuais, mediante consulta aos dados básicos dos processos (número, classe e assunto do processo, nome das partes e de seus advogados, movimentação processual, inteiro teor das decisões, sentenças, votos e acórdãos), independentemente de prévio cadastramento ou de demonstração de interesse.
O sistema, no caso de advogados, procuradores e membros do Ministério Público cadastrados, deve possibilitar o acesso automático a todos os atos e documentos processuais armazenados em meio eletrônico, desde que demonstrado interesse, apenas para fins de registro, na forma do art. 3° da Resolução.
Ora, no caso de processos relacionados à Administração Pública, o interesse é de todos os cidadãos do povo e, portanto, presumido para todos aqueles cadastrados no processo.
Especialmente no caso de exame prévio de edital de licitação, previsto nos artigos 220 e ss. do Regimento Interno do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, sempre existirá interesse dos cadastrados no e-TCESP no acesso ao inteiro teor dos processos eletrônicos. Com efeito, esta presunção decorre do próprio teor da Lei Federal n° 8.666/93.
Observe-se que, quanto a isto, o art. 4° da Lei dispõe que qualquer cidadão poderá acompanhar o desenvolvimento de licitação promovida pelos órgãos ou entidades da Administração Pública, podendo ter acesso aos quantitativos de obras e preços unitários de determinada obra executada (§ 8°, art. 7°), e é parte legítima para impugnar preço em razão de sua incompatibilidade com aqueles praticados no mercado (§ 6°, art. 15). Além disso, e destacadamente, qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação por irregularidade na aplicação da lei, na forma do § 1°, art. 41, da Lei Federal n° 8.666/93.
Quanto à possibilidade de que se restrinja o acesso a alguma informação constante de processo eletrônico em tramitação nos Tribunais de Contas, deve haver justificativa explicita nos autos, o que pode decorrer de pedido do próprio peticionante. Lembramos, que, para a classificação de informação sigilosa e, portanto, que não seja acessível, deve-se obedecer ao procedimento estabelecido pelo art. 21 e ss. da Lei Federal n° 12.527/2011, que regula o acesso a informações sob a tutela do Estado.
A concessão do caráter sigiloso deve ser parcimoniosa, tendo em vista especialmente que o acesso ao Sistema de Processo Eletrônico do Tribunal é apenas facultado àqueles previamente cadastrados, no caso, advogados, com a prerrogativa legal de acesso aos referidos processos. Nesse sentido, estabelece o inc. XV, art. 7° do Estatuto da Advocacia que, aos advogados é assegurado ter vistas dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza e, mesmo, retirá-los pelos prazos legais. Esta prerrogativa, válida tanto para autos de processos findos como em andamento, é garantida mesmo sem procuração, assegurada a obtenção de cópias e realização de apontamentos, como determina o inc. XIII do mesmo artigo.
Com efeito, a regra deve ser a de livre acesso aos processos eletrônicos por parte daqueles que estejam cadastrados no sistema, sob pena de causar óbice ao adequado exercício da atividade advocatícia. De fato, diversas situações ocorrem em que a impossibilidade de acesso imediato ao inteiro teor de processo eletrônico dificulta ou impede a prestação de serviços pelos advogados que militam nos Tribunais de Contas.
É o que ocorre quando, por exemplo, faz-se pesquisa de jurisprudência e se necessita averiguar quais as razões de decidir do voto. Ou seja, se uma determinada cláusula editalícia, na forma em que foi inscrita no Edital, será considerada regular ou não, o que nem sempre é possível verificar pela simples leitura da decisão final. Ainda a título exemplificativo, é necessária uma análise prévia do processo, por vezes urgente, para a decisão pelo seu patrocínio junto ao cliente, o que não pode esperar a concessão de um pedido de vistas.
A questão pode ser regularizada. Os processos em tramitação nos Tribunais de Contas têm natureza de processo administrativo, como se observa das decisões que fundamentaram a Súmula Vinculante n° 3 do Supremo Tribunal Federal. Portanto, no exercício de função de natureza administrativa, aplicável ao caso a Súmula n° 473 do Supremo Tribunal Federal. Assim, no caso do TCESP, pode o Tribunal anular o ato que determinou a restrição aos processos eletrônicos em tramitação no e-TCESP, devendo fazê-lo.
Observe-se que não se trata de ação do Tribunal para criação de mecanismos de publicização de seus processos – que, na verdade, já existem – mas apenas que se abstenha de vedar o pleno acesso aos processos eletrônicos em tramitação na Corte, uma vez que esta vinha sendo a prática adotada pelo órgão desde o início da operacionalização do e-TCESP.