Sumário:1. Guarda Compartilhada. 1.1. Conceito. Evolução. Características. 1.2. A Guarda Compartilhada e o Direito Brasileiro: o novo Código Civil. 1.3. Guarda Compartilhada e Separação Litigiosa. 1.4. Guarda Compartilhada e Separação Consensual. 1.5. Conveniência da opção pela guarda compartilhada: literatura e jurisprudência. 1.6. Conclusão Final. 2. Instrução Processual. 2.1. A oitiva dos filhos em juízo. 2.2. Sindicância Social.
1. GUARDA COMPARTILHADA.
1.1 - Conceito. Evolução. Características.
"Guarda compartilhada", também denominada de "guarda conjunta", consiste na situação jurídica onde ambos os pais, separados judicialmente, conservam, mutuamente, o direito de guarda e responsabilidade do filho, alternando, em períodos determinados, sua posse.
A atuação decisiva do movimento feminista, aliada a outras circunstâncias sócio-culturais, culminou em profundas reformas no Direito de Família, ocorridas a partir de 1962, com a superveniência da Lei 4.121, que alterou, em parte, a regulamentação do regime de guarda de filhos (Código Civil, art. 326).
Com a Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio), o legislador nacional estendeu as hipóteses de regulamentação do regime de guarda de filhos, mas repetiu, no novo texto, dispositivo previsto no Código Civil de 1916, que permite ao magistrado socorrer-se de outras formas para proteger os interesses dos menores, além daquelas previstas naquela Lei, de acordo com as peculiaridades do caso concreto. O projeto do novo Código Civil também respaldou este entendimento.
A velocidade das mudanças sociológicas (v.g., a dessacralização do casamento; as "novas famílias"; a união estável; a situação endêmica do divórcio e o liberalismo feminino) e seus reflexos no Direito de Família, impuseram a intervenção da doutrina e da jurisprudência, que trataram de ampliar as hipóteses de fixação do regime de guarda de filhos.
A guarda compartilhada apresentou-se como uma destas hipóteses[1].
Dividir a guarda dos filhos entre os cônjuges separandos não é um tema recente na literatura brasileira. Especialistas em psicopediatria, como Rinaldo De Lamare, abordaram questões envolvendo os efeitos da guarda conjunta em suas primeiras obras.
A discussão retornou aos campos acadêmicos quando se verificou, na jurisprudência alienígena, julgados abordando a matéria (principalmente em precedentes norte-americanos, com a chamada joint custody ou shared parenting), levando em consideração a nova ordem social, reconhecidamente mais liberal. Na esteira desta discussão surgiram inúmeras associações destinadas a proteção dos direitos dos cônjuges que não possuem a custódia dos filhos, como, por exemplo, a ANCPR - Aliance for Non-Custodial Parents Right[2] e a Jointy Custody Association[3].
A lei brasileira impõe a gestão bipartida dos interesses dos filhos entre os cônjuges (CF, artigos 5º, inciso I, e 226, §5º). Isto quer dizer que ambos os genitores são os representantes legais dos filhos; devem acordar as decisões envolvendo os interesses dos mesmos; são os administradores dos seus bens e lhes fornecem autorização para casar, quando necessária.
Ficando estipulada, na separação, a guarda exclusiva (ou "uniparental", exercida apenas por um dos genitores), a gestão dos interesses dos filhos ficará concentrada na pessoa do guardião, cabendo ao outro cônjuge o direito de acionar o Poder Judiciário para que este solucione eventuais divergências, conforme disposto no artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ao contrário, optando pela guarda conjunta, a gestão bipartida permaneceria mesmo após a separação.
Contudo, a maior diferença da guarda compartilhada para a guarda exclusiva é que, naquela, há uma divisão eqüitativa do tempo de convívio com os filhos entre os separandos; nesta, a alternância temporal da posse dos filhos pende para quem conserva o direito de guarda, em detrimento daquele cônjuge ao qual é assegurado o direito de visitas, mais limitado.
Ressalta-se que a matéria envolvendo a guarda de filhos é aplicável não somente às ações de separação judicial, mas, também, às ações de dissolução de sociedade de fato, pois diz respeito ao pátrio poder e não ao vínculo existente entre os cônjuges.
1.2 - A Guarda Compartilhada e o Direito Brasileiro.
A guarda de filhos, no direito brasileiro, é, atualmente, regulamentada pela Lei 6.515/77 (Lei do Divórcio [4]), que assim dispõe:
Art. 9º. No caso de dissolução da sociedade conjugal pela separação judicial consensual (art. 4º), observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.
Este dispositivo já era previsto pelo Código Civil de 1916 (art. 325) e relega a fixação da guarda dos filhos ao entendimento dos pais, quando da dissolução da sociedade conjugal por mútuo consentimento. Pode também ser aplicado em ações litigiosas quando a questão da guarda for incontroversa (acordo parcial).
Art. 10. Na separação judicial fundada no ´caput´ do art. 5º, os filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa.
§1º. Se pela separação judicial forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.
§2º. Verificado que não devem os filhos permanecer em poder da mãe nem do pai, deferirá o juiz a sua guarda a pessoa notoriamente idônea da família de qualquer dos cônjuges".
O caput deste artigo repete o disposto no artigo 326 do Código Civil de 1916. Nos casos de separação judicial litigiosa, intentada com base em atitude culposa de uma das partes, a guarda deverá ser atribuída ao cônjuge que não deu causa à separação, ou seja, que não praticou os atos ofensivos aos deveres do casamento (CC, art. 231; Lei do Divórcio, art. 5º). Muito embora a jurisprudência venha suavizando a aplicação deste artigo (como se verá a seguir), o dispositivo não se transformou em letra morta, e, portanto, exige atenção na instrução do processo para se determinar a culpa pela separação.
Se ambos os cônjuges forem considerados culpados, a guarda deve ser atribuída à mãe. O Código Civil de 1916 previa, para estes casos, que a mãe teria direito de conservar em sua companhia as filhas, enquanto menores, e os filhos até a idade de seis anos. Os filhos maiores de seis anos deveriam ser entregues ao pai. Com a superveniência da Lei do Divórcio, a mãe passou a ter o direito a guarda exclusiva em ambos os casos. Esta determinação, de cunho sociológico, respalda a presunção (relativa) referente aos atributos maternos e seus reflexos benéficos na criação dos filhos. Trata-se, ademais, de uma segurança à mulher, que vê na garantia da guarda dos filhos um incentivo a mais para propor a ação de separação, fazendo cessar situações domésticas atentatórias a sua dignidade e segurança.
Por analogia, o mesmo entendimento deve ser aplicado no caso de separação judicial sem culpa, ou seja, ação deflagrada com base no falecimento da sociedade conjugal sem que ocorra ofensa aos deveres do casamento por um dos cônjuges (ausência de companheirismo, amor, etc).
O parágrafo primeiro deste artigo prevê uma exceção: "...salvo se o juiz verificar que de tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles". A subjetividade do dispositivo, pelos mesmos argumentos acima expostos, pende para a mãe, de forma que somente em casos excepcionais (abandono; falha grave nos cuidados com a saúde da criança; etc.) a guarda lhe deve ser negada.
Estando ambos os genitores impedidos de exercerem a guarda do filho, esta deve ser deferida à pessoa idônea da família. Este impedimento deve ser provisório (v.g., prisão, internação para tratamento psicológico ou de saúde prolongado), pois, se for definitivo, aplicar-se-á o disposto no Código Civil e no Estatuto da Criança e do Adolescente quanto à guarda, tutela ou adoção. Na falta da lei disciplinar qual dos parentes terá preferência à guarda (refere-se, genericamente, a ´pessoa idônea da família´), o juiz poderá valer-se, analogicamente, das disposições do Código Civil sobre a tutela (art. 409):
"Em falta de tutor nomeado pelos pais, incumbe a tutela aos parentes consangüíneos do menor, por esta ordem":
I - ao avô paterno, depois ao materno, e, na falta deste, à avó paterna, ou materna;
II - aos irmãos, preferindo os bilaterais aos unilaterais, o do sexo masculino ao do feminino, o mais velho ao mais moço;
III - aos tios, sendo preferido o do sexo masculino ao do feminino, o mais velho ao mais moço".
Isto não exclui a atribuição da guarda à pessoa que já esteja na posse fática da criança por longo período. E estando o menor na posse de terceiro, a regulamentação da guarda deve obedecer ao disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (como nos casos de pedido de guarda para fins previdenciários).
Art. 11. Quando a separação judicial ocorrer com fundamento no §1º do art. 5º, os filhos ficarão em poder do cônjuge em cuja companhia estavam durante o tempo de ruptura da vida em comum".
Este artigo respalda o direito do cônjuge que ficou com a guarda dos filhos quando da ruptura da vida em comum (separação de fato). Visa preservar o status da criança com relação ao seu guardião e é aplicado com mais freqüência às ações de divórcio direto (Lei 6.515/77, art. 40).
A rigor, não existe norma legal regulando o regime de guarda de filhos no caso de separação de fato. Na prática, o cônjuge que ficou com a posse dos filhos exerce, também, sua guarda (guarda fática), podendo valer-se das vias processuais para defendê-la, inclusive contra o ex-cônjuge.
Art. 12. Na separação judicial fundada no §2º do art. 5º, o juiz deferirá a entrega dos filhos ao cônjuge que estiver em condições de assumir, normalmente, a responsabilidade de sua guarda e educação.
O exercício do direito de guarda de filhos exige que o guardião seja plenamente capaz para a prática dos atos da vida civil. Quando um dos cônjuges for declarado incapaz (ex.: acometido de doença mental), a guarda será deferida ao cônjuge que estiver em condições de exercê-la. Destaca-se que a incapacidade deve ser declarada judicialmente, através de procedimento próprio, sendo inviável sua mera alegação em ação de separação judicial.
Art. 13. Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com os pais.
De acordo com o disposto no artigo 10 supra, se a mãe fosse considerada culpada pela separação, a guarda dos filhos deveria ser atribuída ao pai. Entretanto, a realidade fática lançada nos autos pode demonstrar que, mesmos em tais casos, seria mais conveniente ao bem estar dos filhos se estes permanecessem na companhia da mãe. É o caso, por exemplo, daquele cônjuge cujo trabalho exige viagens freqüentes, impossibilitando-o de exercer a guarda dos filhos. Diante deste contexto, a norma-sanção constante no caput do artigo 10 da Lei 6.515/77, realmente ortodoxa, padeceria diante dos interesses dos filhos. Eis, então, o porquê do disposto no artigo 13 supra: permitir que o magistrado, diante de tais contradições, decida de forma diferente das hipóteses constantes na lei, referente a regulamentação da guarda de filhos.
A subjetividade das expressões motivos graves e a bem dos filhos remete a análise das circunstâncias fáticas de cada processo. Constituem ´motivos graves´ as situações que atentem contra o bem estar da criança, cuja regulamentação da guarda não encontra guarita nos artigos anteriores. Enquadra-se, também, nesta hipótese, o caso da guarda fática estar sendo exercida por parentes há muitos anos, cuja alteração do status quo poderia trazer prejuízos aos menores.
Este artigo é aplicável aos processos com ou sem sentença transitada em julgado, indistintamente[5]. A reiteração de julgados respaldando a manutenção do status da criança perante seu guardião, a fim de assegurar a estabilidade do ambiente familiar, elevou este entendimento ao grau de princípio. Por conseguinte, uma vez fixada a guarda por sentença judicial, somente situações excepcionais justificam sua alteração. Para tanto, o interessado deverá ingressar, ou com ação rescisória, caso os elementos fáticos que amparam o pedido tenham origem anterior à sentença que se quer modificar, sujeitando-se ao prazo decadencial (CPC, art. 495), ou com ação ordinária, onde será postulada a alteração da guarda com base em situações ocorridas posteriormente a sentença:
"Em se tratando de desquite litigioso, a desconstituição do julgado só é possível através de ação rescisória. Inconfundível é ela com a ação ordinária de modificação. Esta não ataca a coisa julgada; visa a modificar situações permanentes quer no concernente a alimentos, quer relativamente à guarda de filhos do casal, em razão de fatos novos ocorridos depois da sentença proferida na ação de desquite". [6]
Em ambos os casos é admissível a antecipação da tutela jurisdicional (CPC, art. 273).
Art. 14. No caso de anulação do casamento, havendo filhos comuns, observar-se-á o disposto nos arts. 10 e 13.
Parágrafo único. Ainda que nenhum dos cônjuges esteja de boa-fé ao contrair o casamento, seus efeitos civis aproveitarão aos filhos comuns.
As causas de anulação do casamento estão previstas no Código Civil[7], sendo que a proteção à pessoa dos filhos, nestes casos, segue os mesmos princípios da separação judicial, ou seja, anulado o casamento, a regra geral (relativa) é que a guarda deve ser deferida ao cônjuge que não deu causa à anulação.
Art. 15. Os pais, em cuja guarda não estejam os filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Este artigo regulamenta o direito do cônjuge que não exerce a guarda do filho poder tê-lo sob sua companhia em determinadas datas e/ou situações. Trata-se de direito fundamental do separando não-guardião de acompanhar o desenvolvimento do filho e de orientá-lo para a vida.
Infelizmente, muitos pais utilizam o direito de visitas para atingir o ex-cônjuge, seja dificultando as visitas, seja retardando a restituição do filho ao guardião. Em ambos os casos, a reincidência pode ensejar na revisão da guarda ou do regime de visitas, pois a utilização do filho para atingir o ex-cônjuge revela inaptidão para o exercício destes direitos.
Caso o cônjuge não-guardião deixe de restituir o filho no prazo estabelecido, poderá o guardião valer-se da ação de busca e apreensão de menores (CPC, art. 839), de natureza satisfativa, sem prejuízo da intervenção policial (CPP, art. 240, §1º, "g"), haja vista aquele comportamento configurar, em tese, o crime de subtração de incapaz (CP, art. 249).
Quando é o genitor guardião que dificulta o exercício do direito de visitas pelo não-guardião, este poderá ingressar com pedido de execução da decisão que fixou a guarda. A sentença que conceder o pedido determinará ao cônjuge guardião que cumpra a decisão judicial, podendo fixar multa cominatória (CPC, art. 644). Aliás, tratando-se de obrigação de fazer, a própria sentença declaratória da separação judicial poderá estabelecer preceito cominatório para o caso de descumprimento da decisão acerca do direito de visitas (CPC, art. 461, §4º), o que inibiria a atuação nefasta dos ex-cônjuges.
Cumpre observar, por fim, que a jurisprudência pacificou o entendimento de que o direito de visitas poderá ser exercido também pelos avós, tios, ou qualquer pessoa que, justificadamente, possua liame com o menor.
Art. 16. As disposições relativas à guarda e à prestação de alimentos aos filhos menores estendem-se aos filhos maiores inválidos.
O projeto do novo Código Civil[8] absorveu toda a matéria relativa a dissolução da sociedade conjugal, disciplinada na Lei do Divórcio, incluindo a proteção da pessoa dos filhos (Livro IV, Título I, Capítulo XI).
Quanto a este tema, especificamente, o texto em trâmite inovou profundamente o Direito de Família, ao afastar a preferência da mãe pela guarda dos filhos em ações de separação judicial litigiosas:
"Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica".
Pelo novo dispositivo, a culpa pela separação não ensejará mais na perda compulsória da guarda dos filhos. Assim, se a causa da separação for atribuída ao pai, este ainda poderá postular a guarda dos filhos, desde que revele melhor condições para exercê-la. Igual posicionamento ocorrerá no caso de culpa concorrente, pois a preferência legal conferida à mãe pela Lei do Divórcio não foi respaldada pela nova sistemática.
Os primeiros esboços do projeto de lei do novo Código Civil não continha tal inovação e praticamente repetia o disposto na Lei do Divórcio[9], respaldando a preferência da mãe quando da regulamentação da guarda dos filhos.
Entretanto, no relatório-geral, já no ano de 2001, foi sugerida a alteração na redação do antigo dispositivo, por considerar que a preferência maternal ofenderia o disposto no artigo 226, §5º, da Constituição Federal de 1988[10]. Assim justificou o eminente Relator-Geral, auxiliado pela Comissão Especial, in verbis:
"Ocorre que o parágrafo 1º fere as disposições dos artigos 5º, inciso I e 226 § 5º da Carta Magna.
De fato, estabelecida a igualdade entre homens e mulheres e, no particular, a absoluta igualdade de condições de pai e mãe, como cônjuges, diante da direção da sociedade conjugal, o parágrafo 1º ao estabelecer prevalência da mãe ao deferimento da guarda quando presentes culpas recíprocas na separação judicial infringe, manifestamente, a Constituição Federal.
A outorga da guarda à mãe, com caráter imperativo, no caso de culpa recíproca, é princípio recolhido, nos umbrais do tempo, ao direito do século passado, perdendo toda a atualidade. Decorre do direito canônico que define o matrimônio como proteção da prole a partir da mãe (mater).
Na verdade, a inserção da mulher no mercado de trabalho, em todas as atividades profissionais, despojando-a da condição de "senhora do lar", cuja única profissão possível era conhecida como a de "prendas do lar", pela dedicação exclusiva aos filhos e ao lar, afastou presunção dominante, em tempos idos, de ser a mesma a mais habilitada ao exercício da guarda, preterindo a habilitação do cônjuge a iguais encargos.
Este fenômeno ocorrente, entretanto, não retira a pertinência do exame do caso concreto, em avaliação circunstanciada das condições de um e de outro cônjuge, pontificando a jurisprudência no sentido de se cometer a guarda àquele mais habilitado, sem qualquer prevalência feminina".
E mais adiante:
"Não se pode, em verdade, presumir seja a mãe, sempre, a pessoa mais adequada à guarda dos filhos, de modo a se colocar em preferência em relação ao pai. O ordenamento legal de privilégio ao deferimento da guarda, mesmo que provisória, atenta contra a igualdade dos cônjuges no contexto da relação familiar.
Na compreensão do ditame constitucional, a igualdade do marido e mulher, em direitos e deveres, referente à sociedade conjugal, não se limita à relação bilateral, projetando-se em todas as demais relações familiares e a outras que com elas se inter-relacionem pelas repercussões decorrentes, notadamente às suas condições de pai e mãe, que por tais qualidades, também assumem, em igualdade, os direitos e deveres em relação aos filhos".
Foi este o entendimento que, ao final, restou aprovado pelo Plenário.
Data venia, não compartilho da conclusão obtida pelo nobre Relator-Geral. Ao dizer que a mãe tem a preferência pela guarda dos filhos, o legislador não foi leviano, nem estabeleceu privilégios, mas, ao contrário, atendeu ao interesse do menor, levando em consideração a opinião majoritária da literatura especializada, a qual não foi devidamente ponderada pela Comissão.
Outrossim, a regulamentação da guarda dos filhos não leva em consideração outros direitos senão aqueles inerentes aos próprios menores, em atenção a teoria da proteção integral da criança e do adolescente, respaldada pela própria Constituição Federal (art. 227, "caput"). Por conseguinte, eventuais direitos conferidos aos genitores não podem prevalecer em detrimento dos interesses dos menores, inclusive quando da fixação do regime de guarda e do direito de visitas.
Ademais, ao estabelecer que "os direitos e deveres referente à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher", o legislador constitucional se referia ao disposto no Livro I, Título II, Capítulos II e III, da Parte Especial do Código Civil em vigor, e não àquelas prerrogativas constantes no capítulo referente a dissolução da sociedade conjugal, posteriormente disciplinada pela Lei 6.515/77.
Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, ao reconhecer que o foro privilegiado da mulher para a promoção da ação de separação judicial, disciplinado pelo art. 100, inciso I, do Código de Processo Civil, foi recepcionado pela atual Constituição Federal, a despeito das regras relativas a igualdade entre homem e mulher.[11]
Isto sem falar no fato de que a Lei do Divórcio foi editada sobre a égide da Constituição Federal de 1967, com a redação da Emenda Constitucional nº 01, de 1969, onde já se respaldava o direito à igualdade entre homens e mulheres (art. 153, §1º), sendo que nenhuma inconstitucionalidade foi levantada contra a preferência maternal.
Por fim, o disposto no artigo 226, §5º, da CF, aplica-se, apenas, na constância da sociedade conjugal, não servindo, pois, como paradigma para legislação ordinária que visa disciplinar a dissolução do casamento e seus efeitos em relação aos filhos menores.
Em assim sendo, apresenta-se lícito ao legislador criar mecanismos especiais que assegurem aos menores o direito a convivência familiar saudável e responsável, o que inclui, por óbvio, o estabelecimento de prerrogativas quando da regulamentação da guarda dos filhos.
De todo o modo, a alteração em questão terá uma aplicação prática restrita, pois a antiga redação estava calcada em entendimentos já consolidados pela literatura especializada e pela jurisprudência, os quais, certamente, continuarão a servir de amparo aos magistrados em ações envolvendo a guarda de filhos.
No mais, o projeto do novo Código Civil, em relação a proteção da pessoa dos filhos, basicamente absorveu o disposto na Lei do Divórcio, acima comentado, abstraindo a questão relativa a guarda compartilhada do seu texto, tema este que sequer chegou a ser formalmente considerado pela Comissão Especial.
Feitas estas observações, conclui-se que o direito positivo brasileiro não contém dispositivo legal versando sobre a guarda compartilhada, situação que permanecerá quando em vigor o novo Código Civil, ao contrário de outros países, como os Estados Unidos, cuja matéria já era regulamentada em 1985 [12].
E, não havendo vedação legal, a guarda compartilhada se consubstancia numa opção admissível no processo judicial. Contudo, sua utilização deve observar alguns critérios, a fim de não ferir o interesse do menor, bem maior tutelado pela legislação pátria, conforme se verá a seguir.
1.3 - Guarda Compartilhada e Separação Litigiosa.
A proteção da pessoa dos filhos em ações de separação judicial litigiosas segue o disposto nos artigos 10 e seguintes da Lei de Divórcio, os quais estabelecem prioridades na fixação da guarda, sendo que a simples conveniência de uma das partes pela guarda compartilhada não constitui motivo grave suficiente para se negar vigência aos artigos precedentes, nos termos do artigo 13 da mesma lei.
O mesmo entendimento persistirá mesmo quando após a vigência do novo Código Civil, pois, de acordo com o texto aprovado, em que pese ter sido afastada a preferência maternal pela guarda dos filhos, deverá o magistrado optar por um dos genitores, exclusivamente.
Por outro lado, a sentença judicial não pode impor à parte o exercício de um direito subjetivo. Seria, na verdade, atribuir um dever, que, no caso da guarda conjunta, por não possuir respaldo legal, ofenderia o princípio constitucional de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II). Por conseguinte, mesmo admitindo-se a possibilidade do pedido de regulamentação da guarda na forma compartilhada em ações litigiosas (tanto na inicial quanto em reconvenção), eventual decisão procedente careceria de executoriedade.
Estes argumentos já conduziriam à conclusão de que a guarda compartilhada em ações litigiosas é completamente inviável.
Contudo, o argumento mais relevante a indicar a inviabilidade da guarda compartilhada em tais situações decorre da própria discórdia entre os pais; nestes casos, a alternância temporal da posse dos filhos pode implicar em atitudes atentatórias à saúde psicológica e emocional dos mesmos: chantagens (não deixar que o filho leve os brinquedos para sua ´outra casa´); perda de referencial; duplicidade de autoridade e dificuldade de adaptação. Assim entende EDWARD TEYBER [13]:
"Este sistema tem sido adotado de forma equivocada por casais amargos e em conflito, e nessas condições ele fracassa redondamente".
Esta também é a opinião de WALDYR GRISARD FILHO [14]:
"Pais em conflito constante, não cooperativos, sem diálogo, insatisfeitos, que agem em paralelo e sabotam um ao outro, contaminam o tipo de educação que proporcionam a seus filhos, e, nesses casos, os arranjos da guarda compartilhada podem ser muito lesivos aos filhos".
Com efeito, a divergência entre os genitores durante o exercício da guarda conjunta ensejaria numa situação de completa instabilidade, resultante da duplicidade de autoridade a que estariam submetidos os filhos, o que, obviamente, lhes é prejudicial. Neste sentido, bem anotou SEGISMUNDO GONTIJO [15]:
"Num dos casos, litigou-se por mais de um ano sobre qual a escola para o filho: se aquela onde a mãe o matriculou, perto da sua casa, ou a escolhida pelo pai, próxima a dele! Noutro, o Desembargador Bady Cury decidiu: ´Não é preciso ser psicólogo ou psicanalista para concluir que o acordo envolvendo a guarda compartilhada dos filhos não foi feliz, pois eles ficaram confusos diante da duplicidade de autoridade a que estão submetidos quase que diariamente, o que não é recomendável´".
E fixar a guarda conjunta havendo graves desavenças entre os separandos seria, antes de tudo, contraditório, tendo em vista que, nestes casos, as partes pretendem romper definitivamente o vínculo com o ex-cônjuge. Em tais circunstâncias, a fixação compulsória da guarda compartilhada obrigaria a um convívio maior do que o desejado, sujeitando os filhos a toda sorte de desavenças entre seus pais.
Vale destacar, por fim, que esta medida poderia enfrentar obstáculos fáticos intransponíveis, como a mudança de domicílio de uma das partes separandas, o que levaria o filho a alternar não apenas de casa, mas, também, a própria cidade.
1.4 - Guarda Compartilhada e Separação Consensual.
Tratando-se de ação de separação por mútuo consentimento, a opção pela guarda conjunta é juridicamente admissível, diante do permissivo constante no artigo 9º da Lei 6.515/77[16].
Para estes casos, WALDYR GRISARD FILHO [17] defende a medida:
"Embora inexista norma expressa nem seja usual na prática forense, a guarda compartilhada mostra-se lícita e possível em nosso Direito, como o único meio de assegurar uma estrita igualdade entre os genitores na condução dos filhos, aumentando a disponibilidade do relacionamento com o pai ou a mãe que deixa de morar com a família".
Mas como seriam resolvidas as divergências supervenientes entre os genitores? E quem seria responsável pela reparação civil dos danos causados pelos filhos?
Com relação a primeira questão, SÉRGIO GISCHKOW PEREIRA [18], em artigo pioneiro, entende que a divergência deveria ser resolvida judicialmente:
"Basta aplicar, analogicamente, o art. 380, parágrafo único, do CC: ´Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao Juiz para solução da divergência´. Portanto, em caso de conflito de volições entre os pais, o magistrado comporia o litígio".
O disposto no parágrafo único do artigo 380 do Código Civil foi substituído pelo artigo 21 da Lei 8.069/90[19], com o seguinte teor:
"O pátrio poder será exercido em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência".
Este dispositivo possui pouca aplicação prática durante o casamento. Divergências extremas entre o casal revelam a falência da sociedade conjugal; por conseguinte, ao invés dos pais se valerem do Poder Judiciário para compor o impasse, simplesmente optam pela separação. Esta situação ocorreria também em relação a guarda compartilhada, pois o ambiente de harmonia que amparava esta opção deixou de existir, com a diferença de que, neste caso, as divergências culminariam na revisão da cláusula da guarda.
A responsabilidade civil dos pais pelos danos causados pelos filhos, no caso de guarda compartilhada, seguiria o disposto nos artigos 156 e 1.521 do Código Civil, os quais ressaltam o princípio da responsabilidade por culpa in vigilando.
"Art. 156. O menor, entre 16 (dezesseis) e 21 (vinte e um) anos, equipara-se ao maior quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos, em que for culpado.
"Art. 1.521. São também responsáveis pela reparação civil:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob seu poder e em sua companhia".
A jurisprudência vem amenizando o rigor deste princípio, reconhecendo, em determinados casos, a solidariedade de ambos os pais pela reparação civil dos danos causados pelos filhos, quando a conduta destes foi decorrente de culpa in educando[20]. Exemplo: a) se o filho furta o carro do pai e comete acidente, este responderia solidariamente com aquele pela culpa in vigilando, pois tinha o dever de vigilância quanto ao veículo; b) se o filho furta o carro de terceiro e comete acidente, ambos os pais responderiam solidariamente pela reparação, por culpa in educando. Destaca-se que não existe mais a chamada "presunção de culpa", de forma que os pais poderão se eximir da obrigação se demonstrarem que não faltaram com o dever de vigilância e educação dos filhos.
Sendo o dano oriundo de ato infracional, aplica-se o disposto no artigo 116 do Estatuto da Criança e do Adolescente, no sentido de que "a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima", o qual reflete a norma contida no artigo 156 do Código Civil, sem prejuízo da solidariedade dos pais.
Por fim, vale ressaltar que o magistrado não estará obrigado a homologar tais acordos se verificar a ocorrência de prejuízos aos menores, tendo em vista se tratar de questão de ordem pública (RJTJSP 22/204). É o caso, por exemplo, dos pais acordarem a possibilidade de substituição do colégio dos filhos quando da alternância da guarda, situação manifestamente prejudicial aos mesmos.
1.5 - Conveniência da opção pela guarda compartilhada: literatura e jurisprudência.
Como visto nos itens acima expostos, a guarda compartilhada seria admissível, apenas, havendo consenso entre o casal separando. Cumpre, agora, verificar a conveniência da opção por tal forma de regulamentação de guarda de filhos, levando-se em consideração a opinião da literatura especializada e a posição da jurisprudência.
A corrente majoritária da literatura especializada em psicologia infantil não recomenda a guarda conjunta.
Sobre o tema, defende RINALDO DE LAMARE [21]:
"A prática de passar 6 (seis) meses com um e 6 (seis) meses com outro é péssima. O melhor é o ano escolar com um e férias, ou então fins de semana com outro".
ANA GRACINDA QUELUZ e ANA MARIA CORDEIRO [22] recomendam a manutenção do status da criança, em contraponto com a guarda compartilhada:
"Mudar de ambiente significa romper os laços com um espaço conhecido, íntimo, que tem muito haver conosco. Embora a criança não participe muito da arrumação da casa, ela levou algum tempo até conquistar esse espaço, entendê-lo, ganhar intimidade. De repente, sente que deve começar tudo de novo, e isso a perturba. Para algumas pequenas pode parecer ameaçador".
ELIANE MICHELINI MARRACCINI e MARIA ANTONIETA PISANO MOTTA [23] publicaram artigo abordando o tema, onde defendem:
"Dado o litígio entre os pais, é importante que, uma vez decidida a custódia, os filhos possam permanecer em companhia permanente e contínua de um só genitor, aquele que for mais adequado às suas necessidades, segundo uma orientação educacional e assistencial uniforme e estável".
Quanto à preferência na determinação da guarda, os autores recomendam que a criança deve permanecer com a mãe, principalmente quando em tenra idade. Assim entende EDGARD DE MOURA BITTENCOURT [24]:
"- os laços maternos são indispensáveis ao desenvolvimento psicológico da criança, tanto que a ruptura desses arrasta conseqüências desastrosas, oscilando entre a simples timidez e dissimulação, até os casos mais graves, de agressividade, de furto, mentiras... e problemas de ordem sexual".
ANA GRACINDA QUELUZ e ANA MARIA CORDEIRO [25] atribuem à mãe a ponte para a vida do filho:
"O que é ser ponte para o mundo? É, possivelmente, o papel mais importante da mãe em relação ao filho. Se o bebê precisa mamar no peito durante seis meses para ter boa saúde e estar protegido contra várias doenças; se depende da mãe para trocar as fraldas, tomar banho, resolver seus desconfortos; se não tem autonomia, só se movimentando com sua ajuda, dela necessitando fisicamente (ou de alguém que a substitua), mostra ainda uma outra dependência: ele só conhece do mundo aquilo o que a mãe lhe permite conhecer; só experimenta aquilo o que a mãe o deixa experimentar; só recebe os estímulos que a mãe lhe oferece".
D. W. WINNICOTT vai mais além:
"O amor de mãe é algo semelhante à uma força primitiva. Nele se configuram o instinto de posse, o apetite e até certo ponto elemento de contrariedade, em momento de exasperado humor, e há nele generosidade, energia e humildade também".
Aliás, amor, só de mãe, como constatou DRAUZIO VARELLA [26]:
"As famílias madrugam na porta, mulheres na imensa maioria. São namoradas, esposas, irmãs, tias e a inseparável mãe, difícil de abandonar o filho preso, por mais crápula que ele seja. Em dez anos na cadeia, assisti a tais demonstrações de amor materno que, confesso, encontrei sabedoria no dito: amor, só de mãe".
A jurisprudência respalda o entendimento doutrinário. Neste sentido:
"A chamada ´custódia conjunta´, importando o revezamento semanal do ambiente familiar, é prejudicial à consolidação dos hábitos, valores, padrões e idéias na mente do menor; conseqüentemente, à formação da responsabilidade do mesmo". [27]
"... manter a guarda dos filhos menores com a mãe, naturalmente mais predisposta a tanto; na medida razoável, é manter a situação existente, sendo de considerar que as mudanças no regime sempre podem trazer problemas de ordem emocional nas crianças". [28][29]
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) possuía entendimento consolidado quanto a regulamentação da guarda uniparental e a preferência da mãe para o seu exercício (JC 41/150). Recentemente, contudo, o TJSC esboçou mudança neste posicionamento:
"Situações excepcionalíssimas, lastreadas em estudos abalizados, permitem a alternância da guarda de infante por prazo determinado, haja vista preponderar o seu sadio desenvolvimento físico-psicológico em contraste com o hermetismo de normas jurídicas ortodoxas".[30]
No corpo deste voto consta citação a um estudo que ressalta vantagens aos filhos na fixação da guarda compartilhada: melhoras na auto-estima; paciência; atividade e desenvolvimento psico-emocional, dentre outras. A citação, contudo, não menciona dados importantes para a análise das conclusões, como, por exemplo, se o estudo foi realizado em casos de separação litigiosa ou consensual e qual o período de alternância temporal da guarda entre os cônjuges.
De todo o modo, este entendimento restou vencido, sendo que a Câmara julgadora seguiu a recomendação da literatura especializada e da jurisprudência majoritária, prolatando o acórdão sob a seguinte fundamentação:
"EMBARGOS INFRINGENTES - GUARDA DE FILHO MENOR - CULPA DE AMBOS OS CÔNJUGES, NA SEPARAÇÃO - DISCUSSÃO ACERCA DA PERMISSIBILIDADE DO INFANTE PERMANECER SOB A GUARDA DA MÃE, COM DIREITO A VISITA PELO PAI OU SE DEVE SER DEFERIDA A GUARDA POR SEIS MESES, PARA CADA UM DOS PROGENITORES. - "Concedida a separação judicial, com base no art. 5:, caput, da Lei nº 6.515/77, e, se pela separação foram culpados ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe. Aplicação do art. 10, §1º, da Lei do Divórcio". (AC nº 18.762, de Tubarão, rel. Des. João Martins)". [31]
Não há como negar, contudo, que a divergência reacendeu a discussão sobre o tema dentro do tribunal catarinense. Exemplo disso é o entendimento defendido em outro julgado, onde a guarda compartilhada chegou a ser sugerida como alternativa para a solução do litígio entre o casal:
"E por que não admitir a concessão de uma guarda assistida, ou até mesmo compartilhada? O direito nacional não contempla norma jurídica impeditiva da guarda assistida ou da guarda conjunta, criações voltadas a conferir segurança aos pronunciamentos judiciais e maior proteção aos interesses em conflito". [32]
Como visto, ressaltando a existência de entendimentos em contrário e de certa tendência a incentivar a opção pela guarda conjunta, a corrente majoritária na literatura e na jurisprudência defende que esta forma de regulamentação é prejudicial ao bem estar emocional dos filhos, principalmente havendo litígio entre os pais, devendo, por esta razão, ser evitada.
1.6 - Conclusão Final
Tomar decisões acerca do bem estar das crianças é uma tarefa difícil. Nas palavras de Freeman Dyson [33], "bebês não podem dar consentimento informado quanto a seu próprio nascimento e modo de criação. Apenas depois de crescerem poderão olhar para trás e decidir se serão os pioneiros privilegiados de um novo mundo ou as vítimas infelizes da ambição de seus pais". E a ciência pouco pode auxiliar na descoberta de soluções para problemas envolvendo o direito de família. Restam aos juristas as regras de sabedoria, de experiência, dos costumes, de percepção e a prudência.
Existindo o consenso entre os pais, a solução quanto ao regime de guarda dos filhos não assume maior relevância: a conveniência da opção pela guarda compartilhada é relagada ao entendimento dos genitores, ficando sua regulamentação condicionada a manifestação favorável do Ministério Público e do próprio juiz, os quais poderão compor eventuais incompatibilidades e até mesmo indeferir a pretensão.
Não se pode negar que a guarda conjunta, em alguns casos, pode conciliar o interesse dos pais com os dos filhos: tratando-se de um casal de jovens que não contam com auxílio para cuidar dos filhos, a opção pela guarda conjunta permitiria a divisão do encargo, e, ao mesmo tempo, um convívio razoável para ambos os pais.
O problema assume relevância quando os pais revelam desavenças inconciliáveis, transformando o já difícil processo de separação numa verdadeira patologia social. Para estes casos, a guarda compartilhada não é recomendável.
Sem embargo, é consenso na literatura especializada de que a separação dos pais nem sempre é prejudicial aos filhos, pois, dependendo do nível de desestrutura familiar, eventuais efeitos colaterais negativos da separação serão ínfimos se comparados às conseqüências que adviriam de uma convivência prolongada dentro do ambiente doméstico até então disponível aos menores.
A análise cuidadosa, imparcial e serena do processo judicial pode revelar dados importantes para que a decisão final atenda ao verdadeiro interesse dos menores: se a separação judicial dos pais pode trazer benefícios aos filhos; qual dos ambientes oferecidos aos filhos é o mais adequado; a viabilidade de um convívio racional entre os cônjuges separandos; se o novo ambiente proposto é melhor do que aquele que precedia a separação dos pais; etc.
E não é errado dizer que, em alguns casos, os filhos enfrentam o processo de separação com mais lucidez do que os próprios pais; enquanto estes se lançam à lide motivados por ressentimentos, aqueles se limitam a perceber o resultado prático da decisão tomada pelos genitores, a qual pode resultar em um ambiente mais confortável, ou não, do que aquele até então vivenciado.
Desta realidade advém uma das cautelas que se deve ter na condução de um processo envolvendo guarda de filhos: tentar estabelecer um regime que relegue aos menores um ambiente melhor do que aquele vivenciado no período anterior a separação dos seus pais. Se a separação do casal ocorreu em um ambiente conturbado, a guarda compartilhada não se apresenta como uma solução viável, pois o nível de desentendimento entre as partes não comportaria uma divisão racional de direitos e responsabilidades sem restabelecer aquele ambiente, indesejado pelos próprios infantes.
Esta talvez seja a conclusão mais coerente do ponto de vista dos filhos, ressalvando, aqui, a dificuldade salientada no primeiro parágrafo deste item. Quanto aos pais, estes devem aceitar o fato de que a perda do convívio direto e integral com os filhos é um dos ônus da separação; a resposta judicial não poderá fazer mais do que tentar minimizar esta conseqüência.
Em suma: a gestão bipartida dos interesses dos filhos é inviável de ocorrer em ações litigiosas; após a separação, o direito de cada genitor participar da criação, da educação e da orientação profissional, espiritual e social dos filhos será exercido em tempo de convívio restrito, conforme estabelecido pela lei ou pela convenção das partes; muito embora falte estudo abrangente sobre a questão[34], pelas dificuldades naturais encontradas pela ciência, a literatura especializada, calcada em regras de sabedoria e na experiência de profissionais renomados, é, em sua esmagadora maioria, contra a divisão da guarda entre os ex-cônjuges, principalmente havendo litígio entre o casal.
Cumpre ressaltar, por fim, que o cônjuge não-guardião não perde o pátrio poder. Assim, mesmo não podendo tomar diretamente as decisões envolvendo os interesses dos menores, aquele poderá questionar, judicialmente, qualquer postura tomada pelo guardião que entenda ser contrária aos interesses dos filhos, pois assim permite o artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente, desde que devidamente fundamentado.