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Breve historico da responsabilidade extracontratual do Estado e seu tratamento no direito positivo brasileiro

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17/05/2004 às 00:00
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3. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO NO BRASIL

3.1 BREVE HISTÓRICO NORMATIVO DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO NO BRASIL

O Brasil jamais acatou a teoria da irresponsabilidade do Estado e, ainda que não houvesse à época dos fatos normas legais expressas que determinassem a responsabilização estatal pelos seus atos, tanto a jurisprudência como a doutrina trataram de afastar aquela antiga orientação [41].

A Constituição Imperial de 1824, em seu artigo 178, n. 29, dispunha que: "Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício de suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis por seus subalternos." A Carta de 1891, em seu artigo 82, repetiu a mesma redação do citado dispositivo.

Pela leitura do preceito imperial poder-se-ia, em um primeiro momento, aludir ao fato de que somente o funcionário era responsável pelo evento danoso excluindo-se então, do âmbito de atuação da norma, a pessoa política. Porém, conforme relata Di Pietro [42], haviam leis ordinárias que previam a responsabilização do Estado como sendo solidária à do agente público. Tal situação foi acolhida pela jurisprudência pátria.

Com o advento do Código Civil de 1916, passa-se a acatar a teoria subjetiva como regra no direito positivo brasileiro. Dispunha o artigo 15 do citado diploma: "As pessoas jurídicas de Direito Público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano."

Ainda que o preceito citado demonstrasse claramente o caráter subjetivo da responsabilidade estatal através da expressão procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito em lei, uma vez que era necessária a demonstração de culpa do funcionário para ulterior responsabilização do Estado, a má redação do dispositivo levou alguns doutrinadores a defenderem a teoria da responsabilidade objetiva do Estado.

Vale aqui citar a lição de Hely Lopes Meirelles, que assim elucida a questão: "Temos para nós que o questionado art. 15 nunca admitiu a responsabilidade sem culpa, exigindo sempre e em todos os casos a demonstração desse elemento subjetivo para a responsabilização do Estado." [43]

A Constituição de 1934, bem como a Carta de 1937 assim trataram a questão: "Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos." Restava acolhida o princípio da responsabilidade solidária entre Estado e funcionário, com fundamento na teoria subjetiva da responsabilidade estatal.

Somente com o advento da Constituição de 1946 é que foi introduzida normativamente em nosso país a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Assim dispunha o artigo 194 do citado diploma legal: "As pessoas jurídicas de Direito Público Interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros." E, no parágrafo único do mesmo artigo, lia-se: "Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes."

O Diploma de 1967, bem como a Emenda nº 1 de 1969, repetiram a norma da Carta de 1946 acrescentando, apenas, que a ação regressiva – objeto do parágrafo único - movida pela Administração contra o funcionário caberia em caso de culpa ou dolo do mesmo.

Por sua vez, a Carta Política de 1988, em seu artigo 37, § 6º, determina que: "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."

Por sua vez, o Código Civil de 2002, ainda que não tenha repetido a norma do artigo 15 do código Civil de 1916, determina, em seu artigo 43 que: "as pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos de seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado o direito de regressivo contra os causadores de dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo." Ainda que tenha previsto tal responsabilidade, o texto legal do Código Civil é atrasado em relação ao dispositivo constitucional, uma vez que omite as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público.

É com fundamento no artigo 37, § 6º, da Constituição vigente que se fará uma abordagem mais pormenorizada acerca das características e elementos constitutivos da responsabilidade estatal no Brasil, bem como por qual teoria optou legislador pátrio ao conceber referido dispositivo, o dano passível de indenização, quais as causas que afastam ou atenuam o dever de ressarcir o dano causado pelo Estado e, ainda, como se dá a responsabilização pessoal do agente deflagrador do dano causado a terceiros.

3.2 OS SUJEITOS QUE COMPROMETEM O ESTADO

O Estado, como pessoa jurídica que é, não tem o condão de manifestar sua vontade ou agir segundo seus próprios critérios, uma vez que lhe falta tanto vida anímica independente como manifestação psicológica e física próprias [44].

Isto, contudo, não quer dizer que lhe faltem vontade e ação no sentido jurídico empregado aos termos. Assim, para que o Estado se manifeste nas mais diversas áreas do convívio em sociedade é necessário que o faça através de prepostos, ou seja, seres/pessoas físicas que atuem na qualidade de agentes públicos. O Direito cria a denominada pessoa jurídica – quer seja de direito público ou privado – e, para que estas se manifestem no universo que as cercam, cria também dadas realidades ficcionais – vontade e ação – que serão desempenhadas por agentes a elas ligados.

É justamente por isso que o § 6º do artigo 37 da Constituição Federal estabelece, para fins de responsabilização estatal, que o agir da pessoa política ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público deve, necessariamente, ser realizado por agentes que se revistam desta qualidade.

Porém, o que quis dizer a Carta Magna ao aludir à expressão "agentes"? Quais as pessoas que podem ser consideradas agentes públicos e, portanto, passíveis de atuação responsável em sede estatal?

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, agentes públicos são "os sujeitos que servem ao Poder Público como instrumentos expressivos de sua vontade ou ação, ainda quando o façam apenas ocasional ou episodicamente." [45]Para o abalizado mestre, basta o desempenho de funções estatais para que se verifique a qualidade de agente público, abarcando, portanto, funções políticas e administrativas – quer sejam da administração direta ou indireta.

Note-se que não apenas agentes políticos ou que integrem a Administração Pública Direta ou Indireta com a qualidade de servidores públicos, são passíveis da titularidade "agente público", por exercerem misteres públicos. Os particulares também o podem, como acentua Lúcia Valle Figueiredo: "Mesmo os que, embora exerçam atividade privada, também podem prestar função pública, como os delegados ou concessionários de serviço público." [46]É dizer: basta o exercício de função pública para ser considerado agente público e, portanto, passível de responsabilização conforme os ditames do § 6º do artigo 37 da Carta Magna.

Portanto, quando a Constituição Federal alude à expressão pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, estende, a estes entes, a possibilidade de responsabilização nos moldes previstos pela própria Carta Republicana, afastando, portanto, quaisquer outras regras que não às de sua própria estrutura. Traz-se à colação os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello que, desta forma, aclara a questão: "Ademais, para fins de responsabilidade subsidiária [47] do Estado, incluem-se, também, as demais pessoas jurídicas de Direito Público auxiliares do Estado, bem como quaisquer outras, inclusive de Direito Privado, que, inobstante alheias à sua estrutura orgânica central, desempenham cometimentos estatais sob concessão ou delegação explícitas (concessionárias de serviço público e delegados de função pública) ou implícitas (sociedades mistas e empresas do Estado em geral, quando no desempenho de serviço público propriamente dito)."

Por fim, cumpre salientar, conforme os ensinamentos de Eros Roberto Grau [48] e Di Pietro [49] que, quando atua o Estado na execução de atividades exploradoras do domínio econômico, ou seja, mediante empresas públicas ou sociedades de economia mista executem atividades econômicas, o fazem sob o regime de natureza privada e, portanto, estes entes ficam excluídos da responsabilização conforme os ditames constitucionais, haja vista que não estão a executar serviço público, restando, portanto, a responsabilidade conforme disciplinada pelo direito privado.

3.3 OS COMPORTAMENTOS ESTATAIS QUE IMPORTAM EM RESPONSABILIZAÇÃO

Importa agora analisar quais são as espécies de comportamento do Estado que importam em responsabilização do mesmo e qual, dentre as várias teorias suscitadas, optou o legislador pátrio ao estabelecer a norma contida no § 6º, do artigo 37, da Constituição Federal. É dizer: basta para a caracterização da Responsabilidade Extracontratual do Estado a mera objetividade da conduta lesiva a terceiros, ou é de se indagar se houve, ou não, culpa ou dolo no agir do agente estatal que suscite em dever do Estado indenizar o lesado pela prática do ato revestido nestas condições?

Para que não haja quaisquer dúvidas acerca das modalidades de condutas lesivas que ensejem responsabilidade, dividir-se-ão os atos do Estado em duas categorias perfeitamente delimitadas e distintas, a saber, atos comissivos lícitos e ilícitos e atos omissivos.

3.3.1 RESPONSABILIDADE POR ATOS COMISSIVOS LÍCITOS E ILÌCITOS

Dentro da idéia de Estado de Direito e de República – conceitos e princípios sob os quais entendemos estar a Responsabilidade do Estado estritamente vinculada – toda e qualquer ação estatal que importe em reais sacrifícios ao patrimônio ou direito de terceiros deverá, necessariamente, ser indenizada pelo aparelho estatal.

Assim, quando o Estado age licitamente na busca da consecução de seus deveres e, por este agir positivo seu, gerar danos a bem jurídico tutelado de terceiros deverá, como conseqüência necessária da aplicação do princípio da igualdade, reparar o prejuízo por este sofrido.

Uma vez atribuído ao Poder Público o uso e monopólio da força, e ainda atuação da qual não pode o administrado furtar-se em virtude da posição privilegiada que aquele ocupa, é natural que este reste responsabilizado quando, por ato positivo lícito, acarrete danos ou prejuízos que devam ser apenas suportados por algum ou alguns. Se toda a coletividade se beneficia do ato estatal por ela própria consentida, também deverá arcar com os eventuais danos que estes possam vir a provocar.

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Neste sentido, pondera Lucia Valle Figueiredo: "Doutra parte, se a Administração, ao dar cumprimento a suas funções, ao exercer, de conseguinte, suas competências-deveres, lesar o administrado, também responderá por ato lícito, sob o fundamento do princípio da igualdade (se todos são iguais perante a lei, também o devem ser no tocante às cargas públicas)." [50]

Destarte, pela exegese da norma explicitada no art. 37, § 6º da Carta Magna, bem como pela interpretação sistêmica dos preceitos positivados pelo mesmo diploma legal, quais sejam, Estado de Direito, princípio republicano e principio da igualdade, não restam dúvidas acerca de qual teoria é a aplicada em nosso Direito em sede de responsabilização estatal, quando da atuação positiva do Estado por comportamentos lícitos.

Pelo mesmo viés de raciocínio, também os atos comissivos ilícitos praticados pelos Estado, importarão em dever de reparação do dano sofrido por terceiro. Resta saber se também nestes casos caberá a aplicação da teoria objetiva da responsabilidade estatal.

Assim é que o Estado, por vezes, poderá atuar em desacordo com o ordenamento jurídico positivado e, portanto, agindo em ilegalidade. Desta feita, em que a pessoa política atua ilegitimamente, não há que se falar em mudança de tratamento legal no que tange à sua responsabilização.

Ensina, sobre este propósito, Celso Antônio Bandeira de Mello: "Deveras, se a conduta legitima produtora de dano enseja responsabilidade objetiva, a fortiori deverá enseja-la a conduta ilegítima causadora de lesão jurídica. È que tanto numa como noutra hipótese o administrado não tem como se evadir à ação estatal. Fica à sua mercê, sujeito a um poder que investe sobre uma situação juridicamente protegida e a agrava." [51]Por via de conseqüência lógica, o princípio da isonomia volta a socorrer aquele sobre o qual recaiu um ônus maior do que deveria por ele ser suportado.

Em ambos os casos – de atuação legitima e ilegítima – a norma constitucional brasileira abarca a teoria da responsabilidade objetiva, não carecendo, portanto, de se indagar se houve ou não, qualquer dos elementos subjetivos caracterizadores da teoria subjetiva da responsabilidade para se averiguar o dever de indenizar por parte do Estado. É dizer: basta a mera relação de causalidade entre o agir do Estado e o dano suportado indevidamente por um ou mais administrados, para que se configure a figura da Responsabilidade Extracontratual do Estado.

3.3.2 RESPONSABILIDADE POR ATOS OMISSIVOS

Uma vez ser pacífico, tanto pela melhor doutrina quanto pela jurisprudência, o entendimento de que em se tratando de casos de atuação positiva estatal - atuação esta amparada ou não pelo ordenamento jurídico – a teoria utilizada para fins de responsabilização do mesmo, consoante o dispositivo constitucional, será a objetiva, resta saber se também há uniformidade de pensamento quanto à responsabilidade do Estado por atos omissivos.

Com o supedâneo de doutrinadores do porte de Celso Antônio Bandeira de Mello [52], Oswaldo Aranha Bandeira [53] de Mello e Lucia Valle Figueiredo [54], corroboramos do entendimento que, mesmo sendo indubitável o caráter predominantemente objetivo da norma contida no artigo 37, § 6º da Carta Republicana, isto não significa, em hipótese alguma, estar afastada do âmbito de atuação do citado preceito a teoria da responsabilidade subjetiva do Estado, na modalidade faute du service, quando estivermos diante de casos de omissão do Poder Público.

Nestes casos, em que o Estado não atua positivamente, não há como adequar a responsabilidade com base na teoria do risco-proveito uma vez que é de se averiguar, em momento anterior ao da própria responsabilização, se havia – ou não – dever legal, imposto ao Estado, no sentido de agir em dada situação.

Ora, para que haja possibilidade de responsabilização em face de atos omissivos do Estado, é necessário haver dever jurídico impondo ao mesmo que se faça presente em dada situação, pois, caso contrário, estaríamos extraindo um dever indenizatório do nada, não havendo qualquer fundamento jurídico para tal. [55] É razoável que venha a responder somente quando estava obrigado por direito a impedir eventual dano oriundo de sua omissão.

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, assim elucida a questão sobre a necessidade de imposição legal ao Estado na prevenção ou remediação de dado evento danoso e, não o fazendo, incidindo sobre ele responsabilidade com fundamento na teoria da faute du service: "Destarte, a responsabilidade do descumprimento da lei, que deixou de ser obedecida na conformidade do seu comando. Em se desviando-se a prestação do serviço do regime legal a ele imposto, deixando de presta-lo, ou prestando com atraso ou de modo deficiente, por falha na sua organização, verifica-se a responsabilidade da pessoa jurídica,e, portanto, do Estado, que, então, deve compor o dano conseqüente dessa falta administrativa, desse acidente quanto à realização do serviço.

Mas, repita-se responsabilidade com base em culpa." [56]

Note-se, entretanto, que esta não é a posição unânime entre nossos autores. Muitos deles propugnam no sentido de admitir, tão somente, a responsabilidade objetiva como regra no direito pátrio. Traz-se à cola, os ensinamentos de Hely Lopes Meirelles: "O §6º do art. 37 da CF seguiu a linha traçada nas Constituições anteriores, e, abandonando a privatística teoria subjetiva da culpa, orientou-se pela doutrina do Direito Público e manteve a responsabilidade civil objetiva da Administração, sob a modalidade do risco administrativo." [57]

Todavia, em que pese os argumentos do citado autor, havendo dever jurídico para a atuação do Estado no sentido de prevenir ou remediar certo evento danoso e este não o faz, não bastará, pois, para sua responsabilização, a mera relação de causalidade entre o não agir e o dano suportado, devendo, necessariamente, averiguar-se se o Estado agiu com imprudência, imperícia, negligência ou ainda dolo, caracterizando seu agir ilícito e, portanto, passível de responsabilização com fundamento na teoria subjetiva.

A jurisprudência, ainda que timidamente, pois em sua grande maioria entende que a regra do artigo 37, §6º da Carta Republicana é eminentemente objetiva, já vem aceitando, em alguns casos, a responsabilização do Estado por atos omissivos com fundamento na teoria da faute du service, conforme se depreende do julgado trazido à colação proferido pelo Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do recurso Extraordinário n.º 179.147-1/SP, de 27 de fevereiro de 1998:

"Constitucional. Administrativo. Civil. Dano Moral. Responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público. Ato omissivo de poder público: morte de presidiário por outro presidiário: responsabilidade subjetiva: culpa publicisada: faute du service. CF, art. 37, § 6º. 1. A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços serviço público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, ocorre diante dos seguintes requisitos: (a) do dano; (b) da ação administrativa; (c) e desde que haja nexo causal entre o dano e a ação administrativa. 2. Essa responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo, admite pesquisa em torno da culpa da vítima, para o fim de abrandar ou mesmo excluir a responsabilidade da pessoa jurídica de direito público ou da pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público. 3. Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertente, negligência, imprudência ou imperícia, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuído ao serviço público, de forma genérica, a faute du service dos franceses. 4. Recurso extraordinário não conhecido."

Para dar fins a esta questão, trazemos à luz as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello: "O certo e inquestionável, demais disso, é que se engaja responsabilidade estatal toda vez que o serviço apresentar falha, reveladora de insuficiência em relação ao seu dever normal, causando agravo a terceiro. Neste caso, a responsabilidade será subjetiva." [58]

3.4 O DANO PASSÍVEL DE INDENIZAÇÃO

Cumpre agora discriminar quais os caracteres do dano, objetivamente falando, para que possam ser fruto de possível indenização por parte do Estado, tendo em vista que nem sempre o dano gerado pela ação ou omissão estatal será passível de responsabilização. [59]

O primeiro caracter que implica ser o dano passível de responsabilização é a lesão a direito. Portanto, não basta a mera supressão patrimonial ou econômica, é necessária a lesão jurídica precedente. Portanto, ainda que o dano econômico seja pressuposto do dano indenizável – salvo nos casos de danos morais -, mister haja dano em direito reconhecido e garantido pelo ordenamento jurídico, sempre averiguado, por conseqüência lógica, em momento anterior ao próprio dano econômico ou patrimonial.

O segundo requisito para a configuração do dano indenizável é a certeza. O dano, portanto, deve ser aferível, mensurável, quantificável, e não meramente eventual ou possível. Note-se, entretanto, que o dano poderá ser futuro, desde que ele seja certo, real.

Ademais disto, nos casos de comportamentos lícitos do Estado, necessária é a ocorrência dos elementos especialidade e anormalidade do dano, conjugados com os dois primeiros já referidos que servem e exaurem o dano indenizável, tão somente aos casos de comportamentos ilícitos, quer sejam omissivos ou comissivos, do Estado.

Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, dano especial "é aquele que onera a situação particular de um ou alguns indivíduos, não sendo, pois, um prejuízo genérico, disseminado pela Sociedade." [60]É o dano perfeitamente delimitável em razão de um ou alguns sujeitos de direito.

Já pela anormalidade, entende-se que esta quer significar o dano que extrapola os ônus normais caracterizadores do convívio em sociedade. Lucia Valle Figueiredo, assim os define: Devem ser anormais, isto é, transcendendo os incômodos normais a que qualquer um deve se submeter por viver em sociedade." [61]

Em suma, portanto, temos que para a configuração do dano passível de indenização por parte da Fazenda Pública em casos de comportamentos comissivos ou omissivos ilícitos do Estado basta a existência da lesão ao direito e da certeza do dano. Porém, se estivermos diante de atos lícitos do Poder Público, conjugar-se-ão aos dois primeiros, os elementos da anormalidade e da especialidade.

3.5 EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Corolário dos princípios republicano e da legalidade, o Estado sempre responderá por atos ou omissões, lícitas ou ilícitas, que atinjam a esfera de direitos tutelados dos indivíduos, conforme se tem afirmado e demonstrado até o presente momento.

Porém, casos há em que o Estado se exime do dever de indenizar o particular, tendo em vista a atuação de uma das figuras chamadas causas excludentes da responsabilidade do Estado. Destarte, ocorrendo no bojo da situação fática qualquer destas espécies jurídicas, a Fazenda Pública fica isenta de reparar o dano sofrido pelo administrado.

Estando diante da teoria objetiva da responsabilidade do Estado, restará este isento de indenizar o dano sofrido pelo particular, bastando a comprovação da inexistência do nexo de causalidade entre o comportamento comissivo e o dano gerado. Ora, se é de se aplicar a teoria objetiva em face de comportamentos comissivos da pessoa política, quer sejam lícitos ou ilícitos, não havendo o nexo de causalidade entre o ato estatal e o dano suportado pelo(s) particular(es), não há que se falar em responsabilização do Poder Público.

Quanto se nos apresentar a responsabilidade do Estado por comportamentos omissivos ilícitos e, portanto, respaldado na teoria subjetiva da responsabilidade, ficará afastada a mesma caso não tenha havido negligência, imprudência ou imperícia, tampouco dolo na omissão estatal. Assim, agindo o Estado dentro daquilo que impunha os ditames legais, ou das "possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se produziu o fato danoso" [62], não há se falar em responsabilização estatal.

A doutrina vem ainda utilizando-se de outras duas causas excludentes da responsabilidade do Estado, quais sejam, a culpa da vítima e a força maior.

Por culpa da vítima, entende-se o evento em que aquele que sofreu o prejuízo pelo agir estatal atuou exclusivamente para a ocorrência do fato danoso. Assim, quando que deu causa ao dano suportado foi a própria vítima, por ato exclusivo seu, não caberá, por óbvio, indagação acerca da responsabilidade do Estado. [63]Note-se neste ponto que se a vítima agiu concorrentemente com o Estado para a produção do evento danos, ainda sim restará o dever de ressarcimento por parte daquele, porém, neste caso, de forma atenuada.

Já a força maior – ocorrência imprevisível e inevitável da natureza, absolutamente independente das vontades das partes [64] - somente poderá ser invocada para excluir a responsabilidade do Estado caso, aliada a ela, ocorrer omissão do Poder Público na realização de um serviço público que lhe era legalmente imposto. Porém, havendo o dever de agir e não o fazendo o Estado, somente se eximirá da culpa caso não haja ocorrência de quaisquer dos elementos caracterizadores da culpa na teoria da faute du service.

3.6 O DIREITO DE REGRESSO

Consoante o disposto na parte final do artigo 37, § 6º da Constituição Federal é, à pessoa jurídica de direito público ou de direito privado prestadora de serviço público, "assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Assim, o citado diploma confere ao Estado – ou a quem faça suas vezes no mister de executar serviços públicos – agir regressivamente contra o causador do dano a terceiro, desde que este tenha agido com dolo ou culpa, para fins de ser ressarcido pelos prejuízos oriundos da conduta do agente público.

Assim, nos encontramos diante de duas relações jurídicas diferentes e com regimes jurídicos distintos, quais sejam, a relação entre o Estado e a vítima e a relação entre o agente público causador do dano e o próprio Estado. Na primeira, por se tratar de ato comissivo, é de se usar a teoria da responsabilidade objetiva, já na segunda, por expressa disposição constitucional, utilizar-se-á a teoria subjetiva da responsabilidade.

Torna-se pertinente neste ponto a indagação acerca da obrigatoriedade, ou não, da denunciação da lide pelo Estado conforme disposto no inciso III, do artigo 70 do Código de Processo Civil, que assim dispõe: "A denunciação da lide é obrigatória àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda."

Corrobora-se aqui os entendimentos de Celso Antônio Bandeira de Mello [65], Lucia Valle Figueiredo [66] e Weida Zancaner [67] que dizem ser descabidos este propósito, uma vez que não há de se agrupar, num mesmo processo, temas de responsabilidade objetiva e subjetiva.

Chama-se à colação os ensinamentos de Lucia Valle Figueiredo sobre este ponto em específico: "Não pode lei menor empecer a grandeza do instituto. A pretexto de discutível economia processual, não se pode deixar instaurar, no bojo da lide, outra lide – a do Estado e do funcionário -, ocasionando graves percalços ao lesado." [68]

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Sobre o autor
Octavio Pelucio Ottoni Pizato

Acadêmico pela Faculdade de Direito de Curitiba – Curitiba/Pr

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIZATO, Octavio Pelucio Ottoni. Breve historico da responsabilidade extracontratual do Estado e seu tratamento no direito positivo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 314, 17 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5272. Acesso em: 25 abr. 2024.

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