Sumário: 1. Introdução. 2. Modalidades de estelionato no Brasil. 2.1. Estelionato comum. 2.2. Modalidades derivadas. 2.2.1. DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA. 2.2.2. ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DE COISA PRÓPRIA. 2.2.3. DEUFRAUDAÇÃO DE PENHOR. 2.2.4. FRAUDE NA ENTREGA DA COISA. 2.2.5. FRAUDE PARA RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO OU VALOR DE SEGURO. 2.2.6. FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE. 2.3. Peculato-Estelionato. 2.4.Estelionato-Sexual. 2.5. Estelionato cibernético. 3. Falsificação de documentos e crime de estelionato. 4. Do estelionato eleitoral. 5. Do ato de improbidade administrativa. Conclusões. Referências bibliográficas.
Resumo: O presente texto tem por objetivo principal analisar as diversas modalidades de estelionato, presentes no ordenamento jurídico brasileiro, notadamente, o estelionato eleitoral, muito discutido nos últimos dias no Brasil, em face das eleições municipais.
Palavras-Chave: Direito Penal, Estelionato, espécies de estelionato, propostas de campanha, eleitoral, estelionato eleitoral, improbidade administrativa.
“A diferença entre a maioria dos homens e eu, reside no fato de que em mim as 'paredes divisórias' são transparentes. É uma particularidade minha. Nos outros, elas são muitas vezes tão espessas, que lhes impedem a visão; eles pensam, por isso, que não há nada do outro lado. [...] Quem nada vê não tem segurança, não pode tirar conclusão alguma, ou não confia em suas conclusões.” (Carls Gustav Jung)
1. Introdução.
A expressão estelionato é bem conhecida no Brasil. Em tempos de crise econômica, resultando aumento da inflação e crescimento nas taxas de desemprego, além do julgamento da PEC 241 que limita os gastos públicos nos próximos 20 anos, o termo passa a ganhar contornos importantes, assumindo relevância jurídica e social em face do exorbitante número de crimes da espécie, geralmente por meio de aplicação de golpes em sua maioria através das redes virtuais, naquilo que a doutrina passou a chamar de crimes cibernéticos.
No tocante à etimologia desta palavra, alguns autores afirmam que ela deriva do termo stellio, um lagarto que muda de cor para se camuflar e enganar os insetos que fazem parte da sua cadeia alimentar.
Pretende-se discorrer neste breviário, acerca das diversas modalidades de estelionato, ou seja, estelionato comum e derivado, peculato-estelionato, estelionato sexual, estelionato virtual ou cibernético, estelionato eleitoral, a além de outras formas assemelhadas.
2. Modalidades de estelionato no Brasil.
Existem várias formas do crime de estelionato no Brasil, passando pelo conhecido crime de estelionato clássico, previsto no artigo 171 do Código Penal Brasileiro, cometido para alcançar vantagens patrimoniais e econômicas, além de outras categorias assemelhadas, perpetradas com o fim de alcançar interesses diversos.
Assim, é o que e pretende a partir de agora discorrer sobre as inúmeras formas deste comportamento humano tão lesivo para a sociedade brasileira.
2.1. Estelionato comum.
O crime de estelionato típico está previsto no artigo 171 do Código Penal Brasileiro, no Título II, Capítulo VI, descrito como ato de "obter, para si ou para outro, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento."
O preceito secundário prevê de 1 a 5 anos, e multa.
Uma simples leitura do artigo 171 do CP, é intuitivo perceber para a configuração do crime, a exigência de alguns requisitos presentes no tipo objetivo.
Assim, temos:
I - Um crime uninuclear formado pelo verbo obter, que induz o entendimento de alcançar um resultado almejado.
II - Deve-se obter para si ou para outrem, ou seja, para o próprio agente ou para terceira pessoa.
III - O resultado da conduta humana deve ser a obtenção de uma vantagem ilícita, lembrado-se que se a vantagem for lícita poderá configurar outro delito, como exercício arbitrário das próprias razões, do artigo 345 do Código Penal.
IV - A conduta deve causar prejuízo alheio.
V - O autor deve induzir a vítima, ou seja, criar um propósito com potencialidade de criar uma situação fantasiosa, um engodo, a ponto de fazer a vítima acreditar na falsa verdade nascida da conduta do agente.
VI - O autor ainda pode se aproveitar do fato da vítima se encontrar em erro, e neste caso, ao invés de corrigir a vítima para que esta corrija seu erro, o agente passa a aproveitar nessa situação, tirando proveito do ato falho da vítima. O erro é que a falsa percepção da realidade, com o que o enganado não possui a perfeita noção do que está acontecendo. Luiz Regis Prado, que o “erro consiste em uma representação mental que não corresponde à realidade”.
VII - O induzimento ou manutenção de alguém ao erro deverá ser mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. É fácil entender aqui que o artifício ou o ardil são formas de meio fraudulento, conforme se pode auscultar na parte final da conduta típica, com a expressão: " ou qualquer outro meio fraudulento".
Assim, pode-se afirmar que artifício e o ardil fazem parte do gênero fraude, que significa artimanha ou seja, uma forma inteligente, esperta de ludibriar a vítima.
Lexicamente, pode conceituar ardil como sendo ato ou comportamento sagaz; ação em que há astúcia. Esquema que tem o propósito de enganar ou de iludir indivíduos ou animais. Por sua vez artifício quer dizer método utilizado para conseguir alguma coisa ou habilidade de se fazer algo. Aquilo que imita do natural. Manha, astúcia.
Por se tratar de um delito de médio potencial ofensivo, cuja pena mínima não é superior a 01 ano, preenchidos outros requisitos de ordem objetiva e subjetiva, poderá haver a suspensão do processo, a teor do artigo 89 da Lei nº 9.099/95, adotando-se, aqui, o sistema norte-americano, que consiste numa prematura suspensão da ação penal, sem a necessária instrução penal probatória, como sói acontecer no devido processo legal, o que se pode verificar da leitura do artigo 89 do Juizado Especial Criminal, in verbis:
"Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal).
§ 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do Juiz, este, recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as seguintes condições:
I - reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo;
II - proibição de frequentar determinados lugares;
III - proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz;
IV - comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades.
§ 2º O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado.
§ 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano.
§ 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta.
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
§ 6º Não correrá a prescrição durante o prazo de suspensão do processo.
§ 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo, o processo prosseguirá em seus ulteriores termos".
Lembrando que as disposições da Lei nº 9.099/95 não se aplicam aos processos da Justiça Militar por expressa proibição legal.
O crime somente se consuma após a efetiva obtenção da vantagem indevida, correspondente à lesão patrimonial de outrem.
2.2. Modalidades derivadas.
O artigo 171 do Código Penal, por meio de seu § 2º, prevê 06(seis) espécies do crime de estelionato, a saber:
2.2.1. DISPOSIÇÃO DE COISA ALHEIA COMO PRÓPRIA
I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;
Essa modalidade de estelionato pune a conduta de quem vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria.
Ex.: Venda de terrenos alheios a modestos operários.
2.2.2. ALIENAÇÃO OU ONERAÇÃO DE COISA PRÓPRIA
II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;
Tipifica a conduta daquele que vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiros, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias.
2.2.3. DEUFRAUDAÇÃO DE PENHOR
III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;
Defraudar significa espoliar fraudulentamente, fraudar. Nessa modalidade de estelionato, o agente, tendo a posse do objeto empenhado, o aliena sem consentimento do credor, ou, por outro modo, defrauda a garantia pignoratícia.
2.2.4. FRAUDE NA ENTREGA DA COISA
IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;
Aqui a lei pune a conduta daquele que defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a outrem.
A lei destaca o dever de entregar a coisa, podendo decorrer de lei, de ordem judicial ou de disposição contratual.
2.2.5. FRAUDE PARA RECEBIMENTO DE INDENIZAÇÃO OU VALOR DE SEGURO
V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;
1 - Destrói, total ou parcialmente, coisa própria.
2 - Oculta coisa própria;
3 - Lesa o próprio corpo ou a saúde
4 - Agrava as consequências da lesão ou doença.
Exemplo:
Comete o crime do art. 171, § 2º, V, o agente que faz comunicação falsa de furto do seu veículo, como o objetivo de fraudar a companhia seguradora, recebendo o valor do seguro, induzindo-a deste modo, em erro.
2.2.6. FRAUDE NO PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE
VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.
Tipifica a conduta de quem emite cheque sem suficiente previsão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.
A Lei nº 7.357, de 2 de setembro de 1985 ( Lei do Cheque), estabelece, em seu artigo 65, o seguinte:
Art . 65 Os efeitos penais da emissão do cheque sem suficiente provisão de fundos, da frustração do pagamento do cheque, da falsidade, da falsificação e da alteração do cheque continuam regidos pela legislação criminal.
A jurisprudência tem entendido que não há o delito em estudo, quando se tratar de cheque pós-datado, também conhecido por cheque pré-datado, ou ainda, quando não seja datado" ( RT, 521/487 e 584/412)
Cheque dado em pagamento de dívida de jogo. Não configura estelionato.
Para existir o crime, deve-se analisar a má-fé do agente, deve-se existir a fraude.
Sendo assim, o STF editou a Súmula 246:
“Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime emissão do cheque sem fundos.”
Outro entendimento importante do STF é quando o cheque for pago antes da denúncia, o crime é descaracterizado, porém, alguns juízes e tribunais passaram a julgar o crime inexistente mesmo se o pagamento se der depois da denúncia, foi onde o STF editou a Súmula 554:
“O pagamento de cheque emitido sem suficiente provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao prosseguimento da ação penal.”.
No que se refere à consumação do crime, a jurisprudência tem entendido majoritariamente que ela se opera quando o cheque é recusado ao ser apresentado ao sacado ( banco)
Súmula 521 do STF- "O foro competente para o processo e julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de cheque sem provisão de fundos, é o local onde se deu a recusa do pagamento pelo sacado".
2.3. Peculato-Estelionato.
Existem diversas modalidades de crime de peculato no Brasil. Um deles é conhecido na doutrina como peculato-estelionato, previsto no artigo 313 do Código Penal, consiste no ato do servidor público, apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem.
A pena para este tipo de crime é de reclusão de um a quatro anos, e multa.
2.4.Estelionato-Sexual.
Antes da Lei nº 12.015/2009, o CP tratava de duas condutas criminosas, crimes contra s costumes, nos artigos 215 e 216, com os nomes de posse sexual mediante fraude (art. 215 - quando era levada a efeito conduta de manter conjunção carnal com mulher mediante fraude); e atentado violento ao pudor mediante fraude (art. 216 - quando se utilizava de fraude para conseguir ato libidinoso diverso da conjunção carnal com alguém).
Após a mudança em 2009, o título passou a ser classificado como crimes contra a dignidade sexual.
Houve fusão das duas condutas criminosas dos artigos 215 e 216, agora chamada de violação sexual mediante fraude, prevista no artigo 215, e consequente revogação do artigo 216.
Assim, percebe-se que traço marcante do delito é a fraude como meio executório, daí a doutrina dar a ele o pseudônimo de "estelionato sexual".
Na vigência dos crimes contra os costumes, agora crimes contra a dignidade sexual, a doutrina e jurisprudência se referem como exemplos possíveis do crime nesta modalidade: a substituição de uma pessoa por outra (RJTJESP 11/410); a simulação de tratamento para cura (RT 391/77); trabalhos espirituais (EJSTJ 34/273); quando o agente simula celebração de casamento (RT 410/97); nas hipóteses de casamento por procuração; no caso de aproveitamento pela sonolência da mulher (RTJESP 47/374) etc (in MIRABETE, 2005, p. 1800-1801).
2.5. Estelionato cibernético.
"A consciência digital, independente da idade, é o caminho mais seguro para o bom uso da internet, sujeita às mesmas regras de ética, educação e respeito ao próximo".
Crime telemático ou cibernético é todo aquele que se dá com o uso da informática, em ambiente de rede, que ofenda a segurança da informática, num dos seus elementos integridade, disponibilidade e confidencialidade.
A doutrina conceitua crime digital impróprio e crime digital próprio.
O impróprio é aquele em que o ambiente digital ou eletrônico é apenas um novo meio de executar um crime já existente, enquanto o crime digital próprio o ambiente digital ou eletrônico é o alvo em especial, seja o dispositivo (máquina) ou o conteúdo ( informações).
Sabe-se que no ranking de crimes informáticos no Brasil, o estelionato virtual aparece em 1º lugar com a incidência de 28% dos crimes, seguido pelos crimes contra honra com o percentual de 12,5%, a pornografia Infantil aparece em 3º lugar, com 4,3% e o comércio de pecas sacras tombadas com 0,4%.