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O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais

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20/07/2004 às 00:00
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7. A relação entre o direito à tutela jurisdicional efetiva, o direito material e a realidade socia

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Se o direito à tutela jurisdicional efetiva não se contenta em ser o direito ao procedimento legalmente instituído, e se não basta mais racionar em termos de iguais oportunidades de acesso à justiça, é fundamental verificar a partir de que lugar o procedimento deve ser formatado, e assim qual é a origem da sua legitimação.

É claro que, em uma primeira análise, a legitimidade do procedimento depende da observância dos princípios constitucionais garantidores da adequada participação das partes e do juiz. Assim, juiz natural, igualdade, contraditório, publicidade e motivação das decisões.

Ainda que os princípios da igualdade e do contraditório devam ser vistos – como não poderia deixar de ser – em uma perspectiva concreta, que parte da idéia de que a igualdade de participação deve tomar em consideração as desigualdades das diferentes posições sociais, é indispensável analisar a realidade social e o direito material – vale dizer, a substância – sobre a qual o procedimento incide. Como diz Alexy, "los derechos a procedimientos judiciales y administrativos son esencialmente derechos a una ‘protección jurídica efectiva’. Condición de una efectiva protección jurídica es que el resultado del procedimiento garantice los derechos materiales del respectivo titular de derechos" [38].Na verdade, o direito à tutela jurisdicional efetiva requer que os olhos sejam postos não apenas no direito material, mas também na realidade social. Para tanto, é imprescindível que a análise considere não só a necessidade de igualdade de participação interna no procedimento, mas sobretudo a abertura para a participação por meio de diferentes espécies procedimentais.

Toma-se, aqui, a idéia de procedimento diferenciado em relação ao procedimento ordinário – esse último instituído sem qualquer consideração ao direito material e à realidade social. Existindo situações de direito substancial e posições sociais justificadoras de distintos tratamentos, a diferenciação de procedimentos está de acordo com o direito à tutela jurisdicional efetiva. Pelo mesmo motivo, a existência de apenas um procedimento para situações distintas fere o direito à tutela jurisdicional efetiva.

É fácil perceber as posições sociais legitimadoras da diferenciação dos procedimentos. Se o Estado possui o dever de viabilizar o acesso de todos à justiça (e aos bens sociais), não é difícil concluir que aqueles que merecem procedimentos (técnicas processuais) diferenciados são exatamente os que possuem dificuldades de enfrentar as formalidades do procedimento comum. Com base nessa idéia, por exemplo, foi instituído o procedimento dos Juizados Especiais.

A outra face do procedimento diferenciado está ligada às diferentes situações de direito substancial. Sendo diferentes as situações carecedoras de proteção jurisdicional, torna-se até óbvia a necessidade de técnicas processuais diferenciadas, pois um único procedimento jamais terá aptidão para dar conta de situações materiais distintas.

A expressão procedimento diferenciado poderia ser tomada como sinônimo de procedimento especial. Porém, boa parte da doutrina processual acusa os procedimentos especiais de atentarem contra a lógica da separação entre o direito processual e o direito material. Tal doutrina, entretanto, não considera o fato de que diferentes situações de direito substancial exigem procedimentos diferenciados, e que, assim, a pretensão de uniformidade de procedimentos somente pode ser vista como fruto de delírio de onipotência do processualista.

Já passou o tempo em que bastava estudar a ação una e abstrata e o universo de sentenças que estava ao seu redor. A idéia de direito de ação, como mero direito a uma sentença de mérito, não tem muita importância para quem está preocupado com um processo efetivo, isto é, com um processo capaz de dar efetividade aos direitos que precisam ser através dele protegidos.

Na fase em que se encontra o direito processual civil, é imprescindível redescobrir as relações entre o processo e o direito material, que – como bem observou Denti – a tão proclamada autonomia da ação e da relação processual acabou por obscurecer, deixando de lado a estrita dependência dos institutos do processo (de um processo em determinado momento histórico) da influência do direito substancial e, portanto, do papel que o direito hegemônico desenvolve na sociedade. [39]

Se o processo pode ser visto como instrumento, é absurdo pensar em neutralidade do processo em relação ao direito material e à realidade social. O processo não pode ser indiferente a tudo isso. Nesse sentido, é correto dizer que nunca houve autonomia do processo, mas sim uma relação de interdependência entre o direito processual e o direito material. [40]


8. Conseqüências da idéia de direito ao procedimento idôneo ao direito material e à realidade social

8.1 Técnica processual e procedimento adequado

Não há como confundir técnica processual com procedimento. O procedimento é uma espécie de técnica processual destinado a permitir a tutela dos direitos. Para se compreender o procedimento, como técnica processual autônoma, é necessário distanciá-lo da técnica antecipatória, das sentenças e dos meios executivos. Isso porque é possível distinguir direito ao procedimento de, por exemplo, direitos à sentença e ao meio executivo adequado.

O procedimento, embora possa ser visto como garantia de técnica antecipatória, sentenças e meios executivos, pode ser analisado como algo que se diferencia do procedimento ordinário de cognição plena e exauriente, e nesses termos possui importância por si só, independentemente das técnicas processuais nele inseridas.

O procedimento, como técnica processual autônoma, e assim indiferente à técnica antecipatória, às sentenças e aos meios executivos, somente pode ser visto na perspectiva da aceleração da prática dos seus atos e da limitação da cognição do juiz.

Nessa linha, é necessário demonstrar a diferença entre a sumariedade procedimental no sentido formal e a restrição da cognição (no sentido material). [41] Para se analisar essa questão, é preciso partir do procedimento ordinário de cognição plena e exauriente.

A sumariedade formal nada mais é do que o resultado da aceleração da prática dos atos processuais. De modo que o procedimento sumário é representante dessa espécie de sumariedade, porém não limita o juízo a respeito do objeto cognoscível – restringindo a produção de provas para ser atingida a chamada verossimilhança ou cognição sumária no sentido material. Ao contrário, só há juízo final de verossimilhança a respeito do objeto cognoscível nos procedimentos que se contentam com o fumus boni iuris (p. ex.: procedimento cautelar).

O procedimento de cognição sumária (essa é apenas uma das espécies da cognição em sentido material) não permite o conhecimento aprofundado do objeto cognoscível (verossimilhança), ao passo que o procedimento formalmente sumário (art. 275 e ss. CPC) sempre possibilita o conhecimento aprofundado dos fatos litigiosos, embora em um tempo inferior àquele que seria gasto pelo procedimento ordinário - diante da aceleração dos atos processuais.

A restrição da cognição no sentido material pode dar origem a vários tipos de cognição [42]. Quando se olha para a intensidade da cognição em relação ao objeto cognoscível, a cognição pode ser exauriente ou sumária, conforme se admita, ou não, a plena produção de provas. É possível dizer, nesse sentido, que a cognição está sendo observada no sentido vertical. Quando se pensa na matéria que pode ser conhecida pelo juiz – e não apenas na forma (restrição, ou não, da produção da prova) através da qual o juiz poderá chegar a um juízo sobre o objeto cognoscível -, a cognição é referida a uma perspectiva horizontal, e assim o corte não é mais feito em relação à profundidade do conhecimento (no sentido vertical). O que importa, nessa última perspectiva, é saber qual é a matéria que pode formar o objeto de cognição, e não se a cognição pode conduzir a "juízos" ditos de verossimilhança ou de certeza (porque atrelados à limitação, ou não, da produção da prova). Melhor explicando: a cognição no sentido horizontal indaga sobre "o que" (qual a matéria) pode formar o objeto cognoscível, ao passo que a cognição no sentido vertical pergunta "como" (através da plenitude probatória, ou não) se pode formar o juízo.

Pois bem, no que concerne à cognição no sentido horizontal, há cognição plena e cognição parcial. Com efeito, a cognição plena diz respeito à amplitude do conhecimento do juiz no sentido horizontal. Não importa, aqui, a possibilidade de cognição exauriente do objeto cognoscível. A contraposição entre cognição plena e parcial deve ser compreendida a partir do plano do direito material, pois, em determinadas hipóteses, a cognição do magistrado pode não atingir toda a extensão fática do conflito de interesses (em sentido pré-processual, obviamente). Nada impede, por isso, que o procedimento ordinário ou o procedimento formalmente sumário sejam de cognição plena ou de cognição parcial.

A cognição parcial é relativa aos procedimentos que delimitam o objeto cognoscível (a matéria que pode ser conhecida). Isso é feito de duas maneiras: mediante a previsão das questões que o autor pode levar a Juízo (embargos do executado) ou das alegações que podem ser apresentadas na contestação [43]. É em relação a restrição do conteúdo da defesa, e a conseqüente limitação da matéria que pode ser conhecida, que os casos são mais significativos.

Nos procedimentos de cognição parcial, o juiz fica impedido de conhecer as questões reservadas, ou seja, as questões excluídas pelo legislador para dar conteúdo a outra demanda. [44] Porém, as questões excluídas pelo legislador sempre poderão ser objeto de ação inversa posterior, em que serão autor e réu, respectivamente, o réu e o autor no primeiro processo. O princípio da inafastabilidade [45] (art. 5º, XXXV, CF) garante o direito do réu levar a juízo, ainda que como autor, as questões que não pode deduzir na contestação.

Através de tal técnica é possível investigar o valor que está contido em cada procedimento. Para que isso seja possível, é necessário perceber que o procedimento de cognição parcial objetiva privilegiar a certeza e a celeridade, ao permitir o surgimento de uma sentença com força de coisa julgada material em um tempo inferior àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação litigiosa.

A importância do procedimento adequado tem íntima vinculação com a cognição parcial. Ou melhor, o procedimento de cognição parcial, em certas situações, é imprescindível para a adequada tutela do direito material e ao atendimento efetivo das suas necessidades. Mas, em outras, não apresenta justificação perante o direito material e os valores da Constituição Federal, constituindo privilégio odioso.

Importa saber, desse modo, o que legitima os procedimentos especiais, até porque há quem sustente, com base em critérios denominados científicos, a impropriedade da existência de procedimentos diferenciados, e assim a utopia de um procedimento único. [46] Essa pretensão, fundada em desejos pseudo-científicos, somente pode constituir uma ilusão infundada, pois não há como se tratar de maneira igual situações desiguais. A suposição de que um único procedimento poderia atender a todos, independentemente das suas diferenças, para que então fosse possível uma melhor sistematização técnica e teórica, implica em uma absurda superposição da teoria sobre as necessidades concretas dos homens, e assim – na melhor das hipóteses - pode ser vista como um desejo egoísta.

Não há dúvida que, se um direito não pode ser tutelado por meio de procedimento de cognição plena, a ele deve ser deferido um procedimento especial. Nas ações possessórias limita-se a defesa, impedindo-se que as objeções petitórias sejam postas em discussão. Porém, o réu, sucumbindo no procedimento de cognição parcial, fica com a possibilidade de propor ação contrária contra o vencedor. Assim, permite-se que o proprietário, vencido no campo possessório, discuta suas razões de natureza petitória posteriormente, por meio da ação reivindicatória.

Note-se que o conteúdo da ação possessória não tem a ver com o procedimento no sentido formal (ordinário ou sumário), mas sim com a restrição a discussão do domínio. Porém, se a efetividade da tutela da posse depende dessa limitação a defesa, sua justificativa é sensível.

Porém, tal via de percepção não é bastante. O sistema processual deve se adequar não apenas às características dos direitos materiais, mas também às diferentes posições sociais dos litigantes. A ausência dessa adequação, diante da preferência pelo procedimento único, é um defeito que tem marcado as codificações processuais do direito continental europeu – nas palavras de Trocker demasiadamente preocupadas em desenhar um sistema linear e puro. [47]

Para se verificar a necessidade de procedimentos especiais de cognição parcial e de órgãos jurisdicionais especializados é necessário considerar os valores da Constituição Federal. O art. 3º, III, da Constituição Federal, é bem claro ao afirmar que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais". É possível deixar claro, nessa linha de argumentação, que nem todo procedimento especial instituído pelo legislador é um procedimento legítimo à luz dos valores da Constituição. Também por uma razão óbvia: da mesma forma que não é correto tratar situações diferentes por meio de um único procedimento, não é possível conferir procedimentos distintos a situações que não merecem – à luz dos valores da Constituição – tratamento diversificado.

Se a Constituição Federal deve eliminar as desigualdades, não há como aceitar o procedimento que faz exatamente o contrário, isto é, potencializa a desigualdade, abrindo ao que tem posição social privilegiada a oportunidade de percorrer as vias da jurisdição por intermédio de um procedimento diferente daquele que é atribuído às posições sociais "comuns".

Como já dissemos [48], os procedimentos, como todos os atos do poder público, devem estar em conformidade com o princípio da igualdade. O legislador infraconstitucional é obrigado a desenhar procedimentos que não constituam privilégios, bem como, para atender aos socialmente mais carentes, a estruturar procedimentos que sejam diferenciados, na medida em que a diferenciação de procedimentos é uma exigência insuprimível para um ordenamento que se inspira na igualdade substancial [49].

O procedimento que não está de acordo com o princípio da igualdade não é due process of law. A cláusula do devido processo legal não é mais mera garantia processual, tendo se transformado, ao lado do princípio da igualdade, "no mais importante instrumento jurídico protetor das liberdades públicas, com destaque para a sua novel função de controle do arbítrio legislativo e da discricionariedade governamental, notadamente da ‘razoabilidade’ (reasonableness) e da ‘racionalidade’ (rationality) das normas jurídicas e dos atos em geral do Poder Público" [50]. A cláusula do devido processo legal no sentido substancial permite o controle da legitimidade das normas jurídicas através do princípio da isonomia. Ora, como já dizia San Tiago Dantas, nem todo ato legislativo formalmente perfeito é due process of law. Para que o seja, é necessário que esse ato, no seu conteúdo normativo, esteja de acordo com o princípio da igualdade [51].

O controle da razoabilidade da lei, realizada em virtude da garantia do devido processo legal, tem por fim evitar leis que sejam arbitrárias, ou melhor, leis que discriminem em desatenção ao princípio da igualdade, ou que deixem de diferenciar quando necessário à observância desse princípio. Isto é, a cláusula inclui "a proibição ao Poder Legislativo de editar leis discriminatórias, ou em que sejam negócios, coisas ou pessoas tratados com desigualdade em ponto sobre os quais não haja entre eles diferenças razoáveis, ou que exijam, por sua natureza, medidas singulares ou diferenciais". [52]

Há uma série de procedimentos - apontados pela melhor doutrina [53] como procedimentos especialíssimos - que não tem legitimidade alguma diante dessa perspectiva de análise. É o caso da execução privada do Decreto-lei n. 70/66 ou do procedimento da busca e apreensão do Decreto-lei n. 911/69. Nesse último caso, o réu, na contestação - segundo os termos do art. 3º, §2º - só pode "alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais". Como é óbvio, essa norma limita a defesa para imprimir maior celeridade ao procedimento. Essa rapidez é dada ao autor às custas do réu, que fica impedido – segundo o desejo da lei – de discutir as cláusulas do contrato, que consistem em matéria que poderia justificar o não pagamento das prestações. Trata-se de restrição à amplitude da defesa que não tem qualquer justificativa, mas apenas a intenção de conferir uma justiça mais rápida às instituições financeiras. A restrição ao direito de defesa, aqui, não encontra legitimidade nos valores constitucionais.

Porém, ainda que o procedimento de cognição parcial abra oportunidade para a descoberta da sua finalidade na perspectiva dos valores, há procedimentos que são instituídos com cognição parcial em razão de valores merecedores de agasalho. O Decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941 (que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública), afirma que a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; e que qualquer outra questão somente poderá ser ventilada em ação própria (art. 20). Como já foi julgado, a lei não impede "a discussão judicial em torno do fundamento da desapropriação, no caso de eventual abuso por parte do Poder Público; também não impede que qualquer alegação seja examinada pelo Poder Judiciário. Só que tais discussões deverão ocorrer em ação própria" [54]. É evidente que a questão afastada da cognição do juiz – o fundamento da desapropriação - pode ser levada ao conhecimento do Poder Judiciário, mediante, por exemplo, o uso do mandado de segurança. O que importa é saber se é justificável limitar a contestação a eventual vício do processo e ao preço. Nesse caso, não há dúvida que a restrição à defesa é justificável, pois o fundamento da desapropriação é legitimado pelo interesse público. Assim, no processo em que se objetiva a desapropriação, não há razão para se discutir o fundamento da desapropriação, mas somente o preço. Mas, se o desapropriado desejar discutir questão que não possa ser objeto da cognição do juiz na desapropriação, isso evidentemente será possível mediante ação inversa – diante do princípio da inafastabilidade.

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Pensando-se em termos de procedimento adequado, cabe considerar, por fim, a necessidade de procedimentos que viabilizem a participação dos cidadãos, ainda que por meio de entidades legitimadas, na defesa de direitos econômicos, sociais e culturais da sociedade (meio ambiente, direitos do consumidor, patrimônio público e cultural, direitos à educação e à saúde etc). [55] São os procedimentos - caracterizados especialmente i) por deferir a entes coletivos a legitimação para a causa e ii) por tratar de forma extensiva da coisa julgada material - previstos no sistema que serve à tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, composto pela Lei da Ação Civil Pública e pela parte final do CDC.

8.2 Direito à técnica antecipatória

Por outro lado, o jurisdicionado possui direito à técnica antecipatória. Direito à técnica antecipatória quer dizer direito à possibilidade de requerimento e de obtenção da antecipação da tutela. Nesse sentido, o direito à técnica antecipatória é o direito à técnica processual capaz de viabilizar a antecipação da tutela. Melhor explicando: o direito à tutela antecipatória não é apenas o direito à obtenção de decisão concessiva de tutela antecipatória, mas sim o direito ao bem da vida outorgado por essa decisão. Ou seja, pensar em direito à tutela antecipatória implica em falar na sua plena e integral efetivação.

A técnica antecipatória foi estruturada de diferentes formas, tornando-se possível requerer a antecipação da tutela quando houver: i) receio de dano (arts. 273, I, 461, §3º e 461-A CPC e 84, 3º, CDC); ii) abuso de direito de defesa (art. 273, II, CPC); e iii) parcela incontroversa da demanda (art. 273, §6º, CPC).

A tutela é o bem da vida procurado pelo autor. Portanto, em princípio é concedida ao final do procedimento, pela sentença. Desse modo, a tutela é, em regra, a tutela final, que então deve ser classificada em diversas espécies, como ficará claro mais tarde.

Somente mediante a classificação das tutelas (que nada tem a ver com a classificação das sentenças) é possível saber o objeto material do processo, e assim definir as reais necessidades do direito material e, nessa perspectiva, a técnica processual que deve estar ao seu dispor. Se, em casos excepcionais - mencionados no arts. 273, 461 e 461-A CPC e 84, CDC – a tutela (que em regra deveria ser concedida ao final) pode ser concedida antecipadamente, é evidente que a sua natureza não se modificará quando antecipada. Por isso, para saber a natureza da tutela antecipada, é preciso definir a natureza da tutela final (que evidentemente se altera conforme o caso conflitivo concreto). [56]

Quando se requer tutela final inibitória, e se pede tutela antecipada para impedir a violação do direito, essa tutela antecipada será, evidentemente, tutela inibitória antecipada. No caso em que ocorreu ato contrário ao direito, mas ainda não foi produzido dano (p. ex., exposição à venda de produto nocivo à saúde do consumidor), a tutela será de remoção do ilícito, conservando a mesma natureza no caso de antecipação.

Essas duas espécies de tutelas são preventivas em relação ao dano. Isso não quer dizer que, quando já ocorreu o dano, não se possa pedir tutela antecipada contra o periculum in mora. A diferença é que, nessa última situação, a tutela antecipada urgente será requerida para evitar a produção de danos relacionados ao dano que já ocorreu. Por esse motivo, não há como aceitar a idéia de que o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, só garante o direito à tutela antecipada de cunho eminentemente preventivo. Quando essa norma garante a tutela antecipatória, ela não objetiva somente viabilizar a aceleração da tutela de prevenção, mas também impedir que outros danos sejam ocasionados ao autor em razão da demora na reparação do dano ou no atendimento do dever ou da obrigação de adimplemento.

No estágio atual do direito processual civil, é descabido pensar que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva possa descartar os direitos a essas tutelas. Se o direito efetivo à prevenção depende da antecipação ou se o direito à tutela jurisdicional efetiva não pode permitir que o autor sofra dano em razão da demora na concessão da tutela jurisdicional final repressiva (a qual então precisa ser antecipada), é pouco mais do que evidente que a tutela antecipatória, baseada nos arts. 273, I, 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC, está albergada nesse direito fundamental.

Mas, como já foi dito, seria uma enorme contradição entender que o direito fundamental outorga o direito à concessão da tutela, porém não a sua efetivação. [57] Quando a tutela antecipada exigir um não fazer, um fazer, ou a entrega de coisa, é tranqüila e inegável a possibilidade de aplicação das regras do arts. 461, 461-A do CPC e 84 do CDC. O problema surge quando se pensa na tutela antecipatória de pagamento de soma em dinheiro. Imaginar que a forma de execução dessa tutela antecipatória deve ser feita de acordo com as normas relativas à execução de quantia certa, realizando-se por meio de expropriação, não só é pouco mais do que equivocado, como também perverso.

Pense-se, por exemplo, na necessidade de soma que surja no curso do processo de conhecimento em que se pede tutela ressarcitória pelo equivalente em razão de ato ilícito. Alguém poderia dizer que, nesse caso, a antecipação da tutela é descabida, ou que a soma antecipada deve ser executada por meio das regras relativas à sentença de condenação ao pagamento de dinheiro.

Trata-se de raciocínio preocupado unicamente com uma (pseudo) coerência processual e que faz questão de ignorar o direito material e a realidade social. Pouco importa saber qual é a regra para a execução da quantia certa devida em razão de sentença, mas sim estar em contato com a necessidade - no plano do direito material e da realidade social - do lesado que tem que esperar o tempo para a entrega da tutela jurisdicional final.

Como é óbvio, a regra processual da execução de dinheiro por expropriação – como técnica que é – foi feita para atender determinadas e específicas necessidades do direito material. Portanto, a pergunta que deve ser feita não deve recair sobre a técnica processual que é utilizada no caso de tutela final, mas sim sobre as diferentes necessidades daqueles que precisam das tutelas final e antecipada de soma em dinheiro.

A necessidade do lesado receber imediatamente dinheiro não se diferencia da necessidade do recebimento de alimentos fundados em direito de família. O lesado que, em decorrência do ilícito, precisa imediatamente de soma dinheiro para suprir necessidades primárias, de manutenção do lar, de educação dos filhos ou mesmo de saúde, não está em situação mais vantajosa do que aquele que se vê na urgência de pedir alimentos fundados em direito de família.

Em outros termos, a fonte dos alimentos – direito de família ou ato ilícito – não altera a necessidade. Se é assim, não há como dar meios de execução efetivos a um caso, esquecendo o outro. Isso constituiria lesão ao princípio da igualdade. Por essa razão, não há como retirar do art. 273 do CPC a idéia de que a tutela antecipatória de soma não pode ser executada mediante o uso dos meios de execução previstos nos arts. 733 e 734 do CPC. Se a necessidade de antecipação de soma não pode ser negada - e por isso a tutela antecipatória foi concedida - não há razão para se deixar de executar a soma por intermédio das técnicas do desconto em folha, do desconto de renda periódica ou da ameaça de prisão. [58]

Aliás, não temos qualquer receio ou dúvida em sustentar que o juiz pode e deve empregar – se houver necessidade – o expediente da multa para dar efetividade à tutela antecipatória de soma em dinheiro. [59] A multa, como se sabe, é uma técnica que se destina a atuar sobre a vontade do demandado, objetivando, dessa forma, o cumprimento da decisão judicial. Assim, não há como negar sua utilidade nos casos em que se pretende soma em dinheiro. [60]

O fato de a multa não estar prevista expressamente no art. 273 não pode ser interpretado como um recado do legislador no sentido de que a sua utilização apenas é possível nos casos de obrigações de não fazer, fazer e entrega de coisa. [61] Isso seria o mesmo que interpretar a norma processual em contrariedade à Constituição Federal. Aliás, a norma processual – quando compreendida à luz da teoria dos direitos fundamentais – deve ser interpretada conforme os direitos fundamentais. Em outras palavras, se um meio executivo é imprescindível à efetividade da tutela jurisdicional, não há como negar a possibilidade da sua utilização. A menos que se pretenda desconsiderar o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Deixe-se claro que a insistência do cabimento do uso desses meios executivos parte da premissa da necessidade da tutela antecipatória de soma – e assim de sua efetiva obtenção. Porém, essa necessidade não existirá se o autor disser que precisa imediatamente do dinheiro para melhor atender aos seus negócios ou atividades, sem provar que precisa imediatamente do dinheiro para não sofrer dano irreparável ou de difícil reparação. Além disso, a tutela antecipatória de soma somente será admissível para impedir a prática de dano que não ocorreria se o demandado não houvesse cometido o ato que se pretende ver corrigido pela tutela final. Ou melhor: se o dano temido não tem relação com o ato praticado pelo demandado, a antecipação da tutela não pode ser concedida. Se o autor precisa imediatamente de pecúnia por razões não relacionados com o ato praticado pelo réu, descabe tutela antecipatória, pois essa não pode ser vista como expediente para auxiliar o autor que, por motivos alheios à conduta do demandado, precisa imediatamente de soma em dinheiro.

Deixando-se de lado a tutela antecipatória relacionada com o perigo, cabe cogitar acerca da tutela antecipatória vinculada ao abuso de direito de defesa e à denominada parcela incontroversa da demanda no curso do processo. Essas espécies de técnicas antecipatórias estão relacionadas com o tempo do processo ou, mais precisamente, com a distribuição do ônus do tempo do processo.

Não há como negar que o tempo do processo prejudica o autor que tem razão, beneficiando na mesma proporção o réu que não a tem. [62] Dessa forma é eliminada a crença na neutralidade do tempo do processo. Mas, a partir do momento em que o tempo do processo passa a ser admitido como ônus, surge a conseqüência lógica de que ele não pode ser suportado pelo autor, pois isso seria o mesmo do que aceitar que o direito de ação constitui um ônus que recai sobre aquele que procura o Poder Judiciário.

De modo que o ônus do tempo do processo deve ser distribuído na medida da evidência do direito do autor e da fragilidade da defesa do réu. Como técnica de implementação dessa idéia, pensa-se nas regras do abuso do direito de defesa e da incontrovérsia, no curso do processo, de um dos pedidos cumulados ou de parte do pedido formulado.

Em relação ao abuso de direito de defesa, o raciocínio é tomado a partir da regra de distribuição do ônus da prova. O art. 333 do CPC, ao estabelecer que, em relação ao fato constitutivo, o ônus da prova [63] incumbe ao autor, e quanto ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo o ônus é do réu, permite que se determine, com facilidade, qual é a parte que precisa da instrução da causa ou, em outros termos, do tempo do processo. [64]

Se o CPC afirma que cabe ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, o mesmo critério deve servir de base para a distribuição do tempo do processo, pois nessa hipótese é o réu, e não o autor, quem precisa da instrução da causa e, conseqüentemente, do tempo do processo. Se os fatos constitutivos estão evidenciados, não há razão para o autor ter que arcar com o tempo que o réu utilizará para tentar demonstrar os fatos alegados na defesa. Ou seja, ao autor não pode ser imposto o peso do tempo que serve unicamente ao réu. [65]

Giovanni Scarselli, analisando a questão à luz do art. 2.697 do CC italiano [66] – que trata, à semelhança do art. 333 do CPC brasileiro, da distribuição do ônus da prova -, afirma que, na medida em que esse artigo é visto como uma norma ditada pelo bom senso para uma justiça distributiva dos ônus probatórios, também pode ser lido extensivamente como a disposição que reparte entre o autor e o réu os ônus em geral da atividade instrutória processual, que não dizem respeito somente ao aspecto estático da prova, mas também àquele dinâmico do tempo necessário a sua produção. Assim como é injusto impor ao autor o ônus da prova de todos os fatos controversos, também parece irracional que a esse venha sempre atribuído o tempo da duração do processo, sem que seja possível uma repartição imediata através da técnica da "condenação com reserva da exceção substancial indireta" [67].

A tutela antecipatória, através da técnica da "reserva da cognição da exceção substancial indireta infundada", permite a realização antecipada do direito, evitando que o tempo do processo, que serve ao réu, tenha que ser suportado pelo autor. Frise-se, porém, que essa modalidade de tutela antecipatória não encontra sustentação apenas na evidência dos fatos constitutivos do direito do autor, pois requer, ainda, que a exceção substancial indireta se mostre infundada.

Como se vê, tal espécie de tutela antecipatória abre oportunidade para a distribuição do tempo do processo na medida em que o réu abusa de seu direito de defesa, apresentando uma exceção substancial indireta infundada para protelar o momento da realização do direito. [68]

Por fim, não há como deixar de considerar a novíssima e fundamental modalidade de tutela jurisdicional prevista no art. 273, §6º do CPC, e assim também considerada espécie de tutela antecipatória. De acordo com esse parágrafo, "a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

Diante da alusão expressa a "incontroverso", poder-se-ia imaginar que essa tutela somente seria possível no caso de não-contestação ou reconhecimento jurídico parcial da demanda. Porém, se é certo que essas duas hipóteses justificam a tutela antecipatória, é inegável que há outra situação capaz de fazer surgir a "incontrovérsia" suficiente para a concessão da tutela - como dissemos em livro publicado em 1996. [69]

Se um pedido cumulado (ou sua parte) está evidenciado no curso do procedimento que ainda deve prosseguir para a elucidação - através da produção de provas - de outro pedido (ou da outra parte do pedido), não há racionalidade em obrigar o autor a esperar o tempo necessário para o término do procedimento, para somente então poder obter a tutela do direito que se tornou incontroverso, e que nesses termos era um "direito evidente". [70]

O direito à tempestividade da tutela jurisdicional implica no direito à definição do pedido maduro para julgamento, ou que não requer a produção de outras provas para ser definido. Ora, tal direito (à tempestividade) é um direito fundamental, de modo que o processo civil deve estar estruturado de forma a possibilitar a sua realização plena e concreta. [71]

Portanto, falar em "incontrovérsia" é pensar na sentida e há muito proclamada necessidade de tutela dos "direitos evidentes", vale dizer, dos direitos que não exigem mais esclarecimentos probatórios no curso do procedimento. [72]

8.3 Direito ao provimento adequado

Como a prestação efetiva da tutela do direito depende do provimento adequado, é claro que não há como falar em direito à tutela sem pensar em direito ao provimento que seja capaz de prestá-la. Antes de mais nada, cabe esclarecer que, quando aludimos a provimento, estamos nos referindo à decisão interlocutória e à sentença. Evitamos falar apenas em sentença em razão do fato de que a decisão interlocutória (e não somente a sentença) também deve assumir formas variadas para poder tutelar de maneira adequada os direitos.

É necessário lembrar que a sentença declaratória apenas regula formalmente uma relação jurídica, e assim não é dotada da capacidade de atuar sobre a vontade do demandado. Por isso, diante da ameaça da prática de ilícito, não se apresenta como provimento adequado.

Por outro lado, como é sabido, a sentença condenatória é a única sentença da classificação trinária que não basta por si mesma, e assim a sua natureza foi definida – como não poderia deixar de ser - a partir dos meios executivos que foram a ela ligados. Essa sentença – por uma série de motivações culturais e políticas – foi atrelada aos meios de execução por sub-rogação tipificados na lei. [73] Não foi ligada aos meios de execução indireta e jamais permitiu que o juiz concedesse meios executivos não expressamente previstos na lei ou que a execução atuasse sem a propositura de ação de execução.

Como a sentença condenatória – em seu conceito - é ligada à ação de execução, ela é incapaz de prestar, por exemplo, a tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito. Não há como imaginar que a sentença condenatória – vale dizer, a sentença conceituada como condenatória [74] - seja capaz de impedir a violação de um direito ou mesmo de viabilizar, de pronto e sem a necessidade da ação de execução, a remoção de um ilícito.

Se é assim, é inevitável concluir que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva jamais poderá ser atendido por meio dos provimentos da classificação trinária. Tal direito depende de provimentos mandamentais e executivos. [75]

8.4 Direito ao meio executivo adequado

Como a definição da natureza da sentença depende da consideração dos meios executivos a ela ligados, poder-se-ia pensar que o item anterior seria suficiente para englobar o direito ao meio executivo adequado.

Acontece que os provimentos mandamental e executivo podem se ligar a vários meios de execução indireta e direta, e assim é necessário verificar aquele que deve ser utilizado no caso concreto. Além disso, diante especialmente dos arts. 461 e 84 do CDC, confere-se ao juiz o poder de conceder provimento (ou meio executivo) diferente do solicitado, quebrando-se, assim, a rigidez do princípio que obriga à congruência entre a sentença e o pedido. Por fim, atualmente, em razão dos arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC, permite-se ao autor requerer na fase executiva, bem como ao juiz impor de ofício – no caso em que a sentença não foi capaz de viabilizar a tutela -, meio executivo capaz de atender ao direito à tutela jurisdicional.

A plasticidade desses provimentos, bem como a possibilidade da concessão de provimento (ou meio executivo) diverso do solicitado e da imposição de meio executivo diferente daquele que não conduziu ao resultado objetivado, deve ser compreendida a partir da necessidade de se conferir ao juiz poder suficiente à efetivação da tutela jurisdicional.

A sentença condenatória, por natureza atrelada aos meios de execução por sub-rogação previstos na lei, é ligada ao chamado princípio da tipicidade dos meios de execução. Segundo esse princípio, o vencedor, com a propositura da ação de execução, somente pode se valer dos meios executivos tipificados na legislação. Isso constituiria – como disse Chiovenda e confirmou Denti [76] de forma crítica – uma garantia de liberdade do réu contra a possibilidade de arbítrio do Poder Público. [77] Porém, se a tipicidade dos meios de execução, como garantia contra o arbítrio do Estado-Juiz, era justificável há cem anos atrás, isso não tem razoabilidade nos dias de hoje. O problema da sociedade contemporânea não é mais apenas garantir a liberdade do indivíduo contra a ameaça de opressão Estatal, porém sim viabilizar a tutela efetiva dos direitos, muitos deles essenciais para a sobrevivência digna do homem.

Em razão disso, confere-se maior extensão e potencialidade à efetivação da tutela jurisdicional. Isso é corolário do próprio direito fundamental à tutela jurisdicional. Contudo, se é inegável que o meio executivo deve ser hábil para proporcionar, em abstrato ou em termos de efetividade social, a tutela dos direitos, esse meio executivo deverá gerar a menor restrição possível à esfera jurídica do réu [78].

Seria até dispensável dizer – por ser óbvio – que a regra de que a execução deve ser feita da maneira menos gravosa ao réu se aplica em qualquer lugar em que se esteja frente à utilização de meio executivo. A execução deve ter os seus graus de efetividade e de interferência medidos de acordo com o caso conflitivo concreto. Em razão da necessidade de se dar maior elasticidade à atividade executiva, abandonou-se o dogma de que a lei poderia prever todas as situações concretas, e assim fixar os meios de execução que poderiam ser utilizados na prática. Porém, se essa ampliação de poderes é justificável diante das limitações da lei, é evidente que o uso dos provimentos e a atividade executiva do juiz deverão ser controlados.

Considere-se, assim, em primeiro lugar, os diferentes meios de execução que podem ser ligados aos provimentos. Não é possível escolher um ou outro de forma aleatória e despreocupada. Como proceder na escolha entre os meios de execução direta e os meios de execução indireta? A legitimidade da escolha do autor diante dos provimentos e dos meios executivos, bem como a legitimidade da preferência do juiz por provimento ou meio executivo diferente do solicitado, depende não só de sua "adequação" para a efetivação da tutela do direito, mas também o de ser adequado, idôneo e o "menos oneroso" ao demandado.

A prisão, como é óbvio, é o mais excepcional de todos eles, sendo passível de utilização quando a multa e os meios de execução direta são incapazes de levar à tutela do direito e, além disso, quando não objetivar o cumprimento de ordem judicial que demande disposição de patrimônio (ou gasto de dinheiro). Em relação à multa e aos meios de execução direta não há como pensar, abstratamente, em quando um deve preferir o outro. Até porque, diante do novo contexto em que vive a execução, o uso da multa deve preferir – em regra – o dos meios de execução direta, pois está totalmente ultrapassada a idéia de que a multa deve ficar reservada aos casos em que a execução direta não possa atuar (assim às hipóteses de obrigações infungíveis).

Entretanto, o juiz deve explicar as razões que o levaram a admitir ou a preferir determinado provimento ou meio de execução. A necessidade de o juiz explicar os seus motivos de maneira bastante precisa advém do fato de que hoje não mais vigora o princípio da tipicidade dos meios executivos, que congelava a possibilidade de se outorgar verdadeira efetividade à tutela jurisdicional, em razão da impossibilidade de se escolher o provimento e o meio executivo adequados diante das diferentes situações concretas.

Perceba-se que, pelo fato de o juiz ter poder para a determinação da melhor maneira de efetivação da tutela, exige-se dele, por conseqüência, a justificação das suas escolhas. A justificativa permite controle crítico sobre o poder do juiz. O equívoco da justificativa é que evidenciará a ilegitimidade da escolha do juiz, e assim que a sua atividade não ficou contida nas advertências das regras da "adequação" e da "necessidade". Nesse sentido se pode dizer que a justificativa é a outra face do incremento do poder do juiz.

Essas formas de exercício e controle do poder de execução são fundamentais diante dos direitos da sociedade contemporânea, constituindo pura manifestação da crescente necessidade de se pensar o direito diante do caso concreto.

No contexto da efetividade dos meios de execução, nada parece tão relevante quanto o problema da tutela ressarcitória na forma específica. Como é sabido, o direito ao ressarcimento na forma específica prefere ao ressarcimento pelo equivalente. Porém, como se percebe na prática forense, o ressarcimento pelo equivalente é -muitas vezes imaginado como o único possível de ser obtido. Isso ocorre, como é óbvio, em razão de que o CPC instituiu, como veículo processual destinado ao ressarcimento na forma específica, a sentença condenatória e a ação de execução de obrigação de fazer - quando, uma vez não cumprido o fazer necessário para a reparação, o exeqüente teria que requerer que essefosse prestado por um terceiro às custas do devedor. Como o executado que não faz geralmente não paga para um terceiro fazer, a probabilidade do lesado ter que pagar para a reparação na forma específica era muito grande, e assim praticamente inviabilizava o ressarcimento na forma específica.

Porém, se reparar significa, antes de mais nada, fazer ou entregar coisa em substituição à destruída, nada pode impedir que, atualmente, seja empregada a multa para dar efetividade ao ressarcimento na forma específica (arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC).

É verdade que não há procedência em obrigar o réu a reparar – ou seja, a fazer -, quando ele é destituído de capacidade técnica para tanto. Porém, isso constitui circunstância meramente acidental em relação ao dever de reparar – que é, acima de tudo, dever de ressarcir na forma específica, e não simples obrigação de pagar dinheiro.

O dever de reparar na forma específica não se extingue no caso em que o demandado prova não ter capacidade técnica para fazer. Ou seja, a demonstração de incapacidade técnica não tem o condão de transformar o direito ao ressarcimento na forma específica em direito a indenização em pecúnia.

Assim, demonstrada a incapacidade técnica e não cumprida a sentença, o juiz deve utilizar a multa para compelir o infrator a pagar para que terceiro preste o fazer necessário ao ressarcimento. Nesse caso, a multa não estará sendo utilizada para compelir o infrator a pagar, mas sim para viabilizar o ressarcimento na forma específica. Como é evidente, a incapacidade técnica do lesado não pode transformar o seu dever de ressarcir em obrigação de pagar dinheiro.

Na realidade, em todos os casos em que a multa for o único meio capaz de conferir a tutela do direito, o seu uso será evidentemente sustentado pelo direito fundamental à efetividade da tutela jurisdiciona [79]. Isso ocorre no caso de tutela antecipatória de soma em dinheiro (com visto atrás) e no caso de tutela ressarcitória na forma específica. Perceba-se que a não utilização da multa, mesmo para compelir o infrator a custear o fazer, inutiliza o ressarcimento na forma específica. Ou melhor: a multa, embora não expressamente prevista, é absolutamente necessária para a efetividade da tutela antecipatória de soma em dinheiro e para a tutela ressarcitória na forma específica. Sendo assim, não há como argumentar que, pelo fato dela não ser expressamente prevista para essas situações, o seu uso fica vedado. É que a omissão do legislador em dar efetividade ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, como é óbvio, não pode ser interpretada em seu desfavor.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou ação rescisória "de sentença de procedência proferida em ação em que se pedia devolução de reserva de poupança, a qual impôs multa diária para obrigar o réu a cumprir sua obrigação". [80] Afirmou-se, na ação rescisória, que a sentença teria violado o disposto nos arts. 644 do CPC e 84, §4º do CDC, "eis que essa pena só poderia ser imposta na hipótese de se tratar de obrigação de fazer ou não fazer" (TJRS, 6ª. CC, Rel. Des. Osvaldo Stefanello, Ação Rescisória n. 599263183, julgado em 26/04/2000).

Diante disso, o Desembargador (e Professor Titular de Direito Processual Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, em seu voto, discutiu a respeito da possibilidade de o juiz impor multa – nos termos da prevista nos arts. 461, §4º, CPC e 84, §4º, CDC – no caso de sentença de condenação ao pagamento de soma em dinheiro. E sua conclusão foi no sentido positivo. Disse ele: "Para o autor, a sentença ao assim entender teria violado texto de lei, pois somente em se tratando de obrigação de fazer ou não fazer seria lícita a fixação de multa diária. Esse modo de ver entra em aberto conflito, no entanto, com uma visão mais atualizada do exercício da jurisdição. Nos dias atuais, as medidas coercitivas vêm se caracterizando como instrumento de concretização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, de tal sorte que o seu emprego não pode ser excluído de maneira apriorística. Como bem pondera Marcelo Lima Guerra (Execução Indireta, São Paulo, RT, 1998, p. 54), ‘o juiz tem o poder-dever de, mesmo e principalmente no silêncio da lei, determinar as medidas que se revelem necessárias para melhor atender aos direitos fundamentais envolvidos na causa, a ele submetida’. E o jurista, com toda pertinência, invoca o ensinamento de Vieira de Andrade (Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 256), no sentido de que na falta de lei que concretize determinado direito fundamental, ‘o princípio da aplicabilidade directa vale como indicador de exeqüibilidade imediata das normas constitucionais, presumindo-se a sua perfeição, isto é, a sua auto-suficiência baseada no caráter líquido e certo do seu conteúdo de sentido. Vão, pois, aqui incluídos o dever dos juízes e dos demais operadores jurídicos de aplicarem os preceitos constitucionais e a autorização para com esse fim os concretizarem por via interpretativa’. Tal significa, no âmbito do processo de execução, que o juiz tem o poder-dever de, mesmo e principalmente no silêncio da lei, determinar os meios executivos que se revelem necessários para melhor atender à exigência de prestação de tutela executiva eficaz (Marcelo Guerra, ob. cit., p. 57). No campo da execução por quantia certa não se passa de modo diverso, justificando-se o emprego de medidas coercitivas, como a astreinte, por concretizar o valor constitucional protegido da efetividade da tutela jurisdicional. Por tal razão, o uso de tais medidas não pode ser obstado nem por expressa disposição infraconstitucional, muito menos pelo silêncio dessa legislação" (TJRS, 6ª. CC, Rel. Des. Osvaldo Stefanello, Ação Rescisória n. 599263183, julgado em 26/04/2000).

Não há dúvida de que a multa pode contribuir (como meio coercitivo) para dar efetividade à sentença que impõe o pagamento de soma em dinheiro [81]. Mas, a multa coercitiva somente poderá ser imposta quando necessária para dar efetividade à tutela jurisdicional (o atual sistema do CPC – art. 652 - determina a citação do condenado para pagar ou nomear bens à penhora). Essa necessidade apenas aparecerá quando a execução por expropriação for inadequada para dar efetividade ao direito de crédito.

Se não for assim, ou seja, se a multa puder ser imposta em qualquer caso, o intérprete terá que partir da premissa de que a expropriação é sempre inadequada para a satisfação do crédito. Porém, as necessidades de satisfação do crédito são variadas. Por isso, do mesmo modo que as necessidades do acidentado não são iguais as do empresário que teve cheque - passado em seu favor - inadimplido, não é possível concluir que a expropriação jamais será adequada à tutela do direito de crédito.

Não se diga que a utilização da multa elimina o direito de defesa do condenado. A multa – quando admitida em razão de sua necessidade para a efetividade da tutela de certa situação de direito material – não irá retirar do réu o direito de se defender. A multa dará ao condenado a possibilidade de pagar ou de se defender – o que fica na dependência da nomeação de bens na ordem do art. 655 do CPC. [82] A diferença é a de que a defesa (ou os embargos), nesse caso, não suspenderá a execução, aplicando-se, mais uma vez, a regra da proporcionalidade. [83]

É preciso deixar claro que, diante de sentença condenatória, os limites da defesa são restritos. Anteprojeto relativo ao "cumprimento de sentença que condena ao pagamento de quantia certa", ora em fase de estudos, afirma que o condenado poderá, quando intimado para cumprir a condenação, apresentar defesa designada de "impugnação". Por meio dela, poderão ser argüidas as seguintes matérias (art. 475-L do Anteprojeto): "i) - falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; ii) - penhora incorreta ou avaliação errônea; iii) - ilegitimidade das partes; iv) - excesso de execução; v) - qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença; e vi) - ser a sentença fundada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta de inconstitucionalidade". Parágrafo único: quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação". Nesse Anteprojeto, a impugnação somente deve ser recebida no efeito suspensivo quando, além de relevantes os seus fundamentos, o prosseguimento da execução for "manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano, de difícil ou incerta reparação" (Anteprojeto, art. 475-M, caput). [84]

Voltando ao atual sistema do CPC, e ainda considerando a especial necessidade do credor (que legitimaria o uso da multa): o fato de o executado ter nomeado imóvel (por exemplo) à penhora quando da apresentação de embargos, não pode impedir o exeqüente de verificar se o executado possui dinheiro penhorável depositado em conta bancária. Para tanto poderá solicitar que o juiz requisite informações a bancos ou ao Banco Central. Descoberta a existência de dinheiro, a multa deve ser considerada, pois o executado não observou a ordem judicial. O mesmo acontecerá se o devedor restar inerte – não nomeando qualquer bem à penhora.

Porém, a multa não pode incidir em relação ao devedor destituído de patrimônio sem atentar contra direito fundamental que merecerá prevalência, no caso concreto, diante do direito à tutela jurisdicional efetiva. Poder-se-ia imaginar que a aplicação da multa seria inócua no caso de ausência de patrimônio, e que, portanto, essa discussão não teria cabimento e utilidade. Acontece que, se o valor do débito puder ser aumentado com a multa, o valor final encontrado será, em tese, exigível, e assim poderá ser praticamente realizado caso o devedor adquira patrimônio. Porém, não há racionalidade em admitir que o valor da multa possa ser retirado de patrimônio que venha a ser adquirido pelo devedor, pois a multa tem por objetivo intimidar o devedor a pagar – considerado o seu patrimônio atual – e não castigar o devedor que não possui patrimônio no momento em que o crédito é exigido.

É por isso que o devedor deve ter a oportunidade de justificar o não pagamento e a não nomeação de bens. Nessa justificativa, o executado deverá apresentar relação do seu patrimônio e rendimentos, inclusive a situação das suas contas bancárias, bem como os motivos que justificam o não pagamento da soma em dinheiro e as provas que demonstram a veracidade de suas alegações. Em razão da apresentação dessa justificativa, o juiz fica investido do poder-dever de requisitar informações a quaisquer órgãos públicos e/ou privados, tais como Receita Federal, Banco Central, bancos privados, empregador e outras empresas com as quais o devedor mantenha vínculos.

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Sobre o autor
Luiz Guilherme Marinoni

professor titular de Direito Processual Civil dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da UFPR, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP, pós-doutor pela Universidade de Milão, advogado em Curitiba, ex-procurador da República

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 378, 20 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5281. Acesso em: 18 abr. 2024.

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