Tutela cautelar antecedente e omissão legislativa

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Sobre a tutela cautelar antecedente, o novo CPC não define o conceito e o alcance da expressão "efetivada", constante no art. 308, além de não estabelecer claramente o procedimento sobre o pedido principal quando não é concedida a tutela requerida.

O novo Código de Processo Civil, Lei n. 13.105/2015, que doravante será aqui chamado somente por CPC, alterou a sistemática das tutelas de urgência, cautelares ou de evidência, dispondo uma nova sistemática de seu conhecimento, de aplicação dos seus efeitos e do modo de sua tramitação. No entanto, em relação à tutela cautelar antecedente, percebe-se uma omissão legislativa atinente à sua efetivação e aos efeitos decorrentes dessa circunstância, em especial quanto à realização do pedido principal relacionado ao pedido cautelar.

Como cediço, a tutela cautelar é uma providência de proteção, de salvaguarda de uma determinada situação jurídica que é (ou será) objeto de uma demanda judicial, ou seja, serve ao próprio processo como forma de assegurar a eficácia de uma decisão final sobre o direito material em discussão. No entanto, essa tutela não tem o escopo de acolher, de forma prévia, o pedido principal.

Visa, exclusivamente, assegurar que, ao final da ação, a decisão final gere efeitos práticos àquele que reclama o direito, pois, na sua ausência, poderia ocorrer o perecimento do mesmo. Por isso, a tutela cautelar protege o direito enquanto pendente de uma solução final o processo, não tendo o condão de antecipar os efeitos da própria tutela jurisdicional final, efeito jurídico que é normalmente relacionado à antecipação dos efeitos da tutela, agora chamado no CPC por “tutelas de evidência”, que, por ora, não são objeto deste breve estudo.

Os artigos 305 a 310 do CPC preveem o chamado “Procedimento da Tutela Cautelar Requerida em Caráter Antecedente”, que estabelecem os meios de proteção cautelar buscados e promovidos pela parte em momento anterior à promoção da discussão sobre o mérito da questão jurídica em conflito. Esta tutela antecedente tem nítido viés conservativo, ou seja, serve para proteger o direito, diante de uma situação de emergência que assim a exija, antes mesmo da propositura da ação judicial na qual haverá a efetiva discussão acerca do mérito da questão conflitiva que atinja aquele direito.

Está expresso no art. 305, do CPC, o seguinte:

“Art. 305.  A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Nota-se claramente a necessidade de vinculação entre a tutela cautelar antecedente e o fundamento da lide que será oportunamente ajuizada e discutida perante o Poder Judiciário.

O problema de omissão identificado na lei processual civil está no art. 308:

“Art. 308.  Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá de ser formulado pelo autor no prazo de 30 (trinta) dias, caso em que será apresentado nos mesmos autos em que deduzido o pedido de tutela cautelar, não dependendo do adiantamento de novas custas processuais.”

O prazo de 30 (trinta) dias constante no caput do referido dispositivo tem por dies a quo a “efetivação” da tutela cautelar, o que nos leva à questionar o que seria a sua efetivação para os fins processuais, já que a lei nada refere sobre tal ponto. A efetivação da tutela cautelar deferida pelo juízo ocorreria com o próprio deferimento, com a realização factual da ordem determinada no mundo dos fatos, ou da intimação do réu ou do sujeito atingido de fato com a ordem judicial? Lembre-se que nem sempre o sujeito atingido pela ordem judicial é parte no processo, tanto que se prevê a ação de embargos de terceiro para quem, não sendo parte de uma ação, tem seu patrimônio atingido por ordem judicial. E se a ordem cautelar é posta em prática, mas o réu, ou o sujeito atingido pelo mandamento, não é intimado e só toma conhecimento após o transcurso do prazo de 30 dias afirmado no art. 308? E mais, importa ao autor o fato de o réu ter ou não conhecimento da concretização da tutela cautelar para fins de ter que ajuizar o pedido principal dentro do prazo legal?

Todas estas hipóteses são relevantes. Por isso, deveria o legislador ordinário, ao estabelecer o mandamento legal do art. 308, deixar melhor esclarecida a questão do início do prazo de conclusão do pedido principal.

Outra questão mal esclarecida diz respeito à forma de conclusão do pedido principal, relacionado com o pedido cautelar. Para fins de comparação, em relação à tutela antecipada requerida de forma antecedente, o art. 303, §1º, inc. I, do CPC, esclarece que “o autor deverá aditar a petição inicial, com a complementação de sua argumentação, a juntada de novos documentos e a confirmação do pedido de tutela final, em 15 (quinze) dias ou em outro prazo maior que o juiz fixar”.

Por sua vez, em relação à tutela cautelar, como visto no art. 308, o autor deverá, no prazo fixado, formular e apresentar o pedido principal nos mesmos autos onde deduzido o pedido cautelar. Ora, no caso da antecipação de tutela (art. 303), o legislador foi claro e objetivo: a pretensão principal vinculada à tutela de urgência é manifestada nos autos por meio do aditamento da petição inicial, com a complementação dos argumentos, provas, etc. Já em relação à tutela cautelar, a lei foi omissa, apresentando as condutas formulação ou apresentação para realização do pedido principal. Esta conduta, então, ocorre por meio de simples petição, termo aditivo, nova petição inicial ou de outra forma?

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Veja-se que tais dúvidas deixam o jurisdicionado absolutamente sujeito ao critério do juiz, gerando insegurança jurídica.

Por fim, exsurge a questão atinente ao início (ou mesmo a exigência do cumprimento) do prazo para apresentação do pedido principal quando não concedida a tutela cautelar requerida de forma antecedente, já que o art. 308 expressa que o prazo de 30 dias correr a partir efetivação da tutela cautelar requerida. Ora, se não foi concedida a tutela requerida, está o autor atrelado ao prazo prescrito no art. 308? A lei processual, no art. 310, só refere que o indeferimento da tutela cautelar não obsta ao autor formular o pedido principal, e que, durante a tramitação do feito, aquele pedido ainda poderá ser apreciado havendo nova situação que assim o demande.

Em princípio, ainda que a lei nada diga a esse respeito, não está o autor vinculado ao prazo do art. 308 no caso de ser negada a concessão da tutela cautelar ou efetivados seus efeitos. O indeferimento, ou a não efetivação da tutela requerida (art. 309, inc. II) não são causa preclusiva para que o autor realize o pedido principal, mesmo fora do prazo do art. 308.

O problema é a forma de se realizar o pedido, tendo em vista que, novamente, o art. 308 só prevê a hipótese da efetivação da tutela, que é vista pelo legislador como verdadeira condição de ação para a realização do pedido principal, criando um vácuo jurídico à hipótese, o que leva à insegurança jurídica do operador do direito. Se já não estava claro a forma de se realizar pedido principal quando há a efetivação da tutela cautelar, o que se dirá quando não houver esta efetivação: o art. 310 demonstra em parte a resposta da questão, pois, ao expressar que o autor poderá formular o pedido, proporciona o entendimento de que o mesmo não será obrigado a ajuizar nova ação, podendo realizar o pedido nos mesmos autos do que houve o indeferimento do pedido. E, neste caso, não estará sujeito ao pagamento de novas custas, por força do caput do art. 308.

Essa interpretação, no entanto, não é clara no texto legal, mas baseada em uma construção lógico sistemática. Neste sentido, pois, mesmo identificando vagos elementos de possível solução à anomia normativa, não se pode sustentar, com satisfação, a conclusão de uma posição jurídica, especialmente porque a questão não passou, até o momento, pelo crivo do Poder Judicário sobre a aplicação da regra processual de modo a elidir a dúvida. Enquanto isso, as considerações ficam ao alvedrio interpretativo de cada operador do direito, o que acaba colaborando com a insegurança jurídica.

 

 

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Sobre o autor
Santiago Fernando do Nascimento

Advogado com especialização em Direito Tributário pelo IBET/INEJE, Direito Processual Civil pela PUCRS e Direito Empresarial pela Faculdade IDC. Consultor jurídico na área empresarial e tributária. Diretor Jurídico da empresa Valor Fiscal Inteligência Tributária e ex-diretor jurídico da AGPS (Associação de Gerenciamento de Projetos Sociais).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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