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Fim da obrigatoriedade do protesto nos processos trabalhistas em face do advento do novo Código de Processo Civil?

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4. Fim da obrigatoriedade do “protesto” na ata de audiência ou nos autos?

Segundo restou demonstrado nas linhas anteriores, as decisões interlocutórias proferidas no curso dos processos sujeitos à legislação trabalhista não são passíveis de recurso imediato, salvo as hipóteses previstas na própria CLT, na Lei n. 5.584/70 e Súmula 214 do TST.

Porém, a prática diária da Justiça do Trabalho revela que as decisões irrecorríveis acabam sendo atacadas mediante “protesto”, isto é, ato de reação não previsto no ordenamento jurídico que, por força do costume, é reconhecido pela jurisprudência pátria como meio legítimo de impugnação.

Com a apresentação do “protesto”, além de demonstrar o inconformismo com a decisão, a parte visa eliminar qualquer alegação de preclusão ao renovar a matéria objeto de impugnação na hora de interpor recurso contra a sentença final prolatada.

Em face do art. 1.009, § 1º, do Novo CPC, que pode ser aplicado subsidiariamente na seara laboral, surgiram-se os seguintes questionamentos: o “protesto” é condição essencial para que determinada decisão prejudicial ao interesse da parte possa ser ventilada quando da interposição do recurso contra a decisão final ou na hipótese de oferecimento de contrarrazões? É possível afirmar que o protesto deixará de ser obrigatório, inclusive, tenderá a ser abolido da praxe forense, em face do art. 1.009, § 1º, do Novo CPC?

De acordo com o art. 794 da CLT, “Nos processos sujeitos à apreciação da Justiça do Trabalho só haverá nulidade quando resultar dos atos inquinados manifesto prejuízo às partes litigantes”. O art. 795, caput, por sua vez, preceitua que “As nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão argüi-las à primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos”.

Analisando sistematicamente o art. 794 da CLT com o art. 1009, §1º, do Novo CPC, tem-se que, independentemente de ter protestado o pronunciamento do Estado-juiz, a parte poderá impugnar a decisão dada em seu desfavor quando for ao juízo ad quem, não operando a preclusão. Se o prejuízo é manifesto, o dano “falará por si só”, independentemente do momento de alegação.

Não poderemos desconsiderar, ainda, que existem decisões passíveis de nulidade relativa. Aplicando subsidiariamente o art. 1009, § 1º, do Novo CPC ao feito trabalhista, mesmo que a parte esteja diante de uma nulidade desta espécie, o “protesto” será desnecessário porque ou nas razões recursais ou nas contrarrazões a decisão proferida no curso do processo poderá ser guerreada.

Certamente, surgirão outras perguntas tais como: Como compatibilizar o art. 795 da CLT ao Novo CPC, visto que este dispositivo legal prevê a obrigatoriedade de arguição da nulidade na primeira oportunidade de falar em audiência ou nos autos? Se há disciplina própria, em relação à impugnação das decisões que contêm vício de nulidade, a parte poderá valer-se exclusivamente da regra estabelecida no art. 1009, § 1º, do Novo CPC? A ausência de manifestação do inconformismo, ao deparar-se com a decisão defeituosa, não ensejará na preclusão temporal?

Imaginemos, por exemplo, que a reclamada tivesse formulado pedido de produção de prova oral. Como o juízo é livre na formação do seu convencimento, entendeu que os elementos insertos nos autos eram suficientes para julgar a crise jurídica, indeferindo a oitiva de testemunhas. Apoiando-se no dia a dia da justiça laboral, certamente a acionada consignará na ata de audiência o seu inconformismo, seja para postular o reconhecimento futuro da nulidade do processo, sob a justificativa de cerceamento de defesa, seja para afastar a preclusão.

Caso a parte entenda que se aplica unicamente a regra do art. 795 da CLT, realmente deverá protestar contra a decisão de imediato. Todavia, na hipótese de aplicar subsidiariamente o art. 1.009, § 1º, do Novo CPC ao caso concreto, questionará o indeferimento do requerimento de prova testemunhal quando da interposição do recurso contra a sentença ou nas contrarrazões.

Postergando a manifestação para o futuro, a parte poderá fundamentar o seu inconformismo, detalhando os motivos pelos quais impugna o indeferimento do pleito. Lembremos, a propósito, que os “protestos” normalmente são consignados sem fundamentação.

Logo, não se visualiza a perda da possibilidade de recorrer contra decisão que trouxe prejuízo à parte, mesmo que não tenha sido protestada previamente. Basta demonstrar que houve decisão contrária ao seu interesse, além do que não desafiava recurso de imediato.

Baseando-se na lição de Pamplona Filho e Souza, evidencia-se que há controvérsia acerca do momento que a parte deverá falar nos autos, isto é, se imediatamente ou no momento de apresentação das razões finais, na hipótese de ser proferida uma decisão passível de nulidade. Mas, mostram que a praxe jurídica se direciona no sentido da parte se manifestar imediatamente:

Do ponto de vista sistêmico, parece correta a posição de Wagner Giglio. Todavia, a pratica judiciária majoritária tem demonstrado ser mais seguro para o advogado ou a parte a manifestação imediata, incontinenti, sobre a irregularidade, valendo-se da figura do protesto, porquanto tem prevalecido a noção da manifestação imediata como sendo a correta. (2014, p. 235)

Consoante os ensinamentos de Cunha Júnior, o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade possui natureza axiológica e serve de norte para interpretar o ordenamento jurídico: 

Utilizado habitualmente para aferir a legitimidade das restrições  de direitos, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, consubstancia, em essência, uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação jurídica, inclusive a de nível constitucional; e, ainda, enquanto  geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico. (2014, p. 187)

Uma vez que a parte poderá protestar sem fundamentar seu inconformismo, não seria razoável sustentar que somente aquele que externou formalmente a sua indignação, na primeira oportunidade de se manifestar na audiência ou nos fólios, poderá trazer o objeto da irresignação ao recurso contra a decisão definitiva ou contrarrazões.                                                      

A ausência de protesto registrando a discordância com o pronunciamento do magistrado não poderá ter o condão de eliminar a possibilidade da parte submeter a sua pretensão de reforma ou invalidação da decisão ao juízo ad quem. Entretanto, deverá, preliminarmente, ventilar seu inconformismo nas razões recursais ou contrarrazões.

O entendimento supramencionado é corroborado através dos comentários de Martins ao analisar as decisões sujeitas a recurso na seara trabalhista:

Das decisões interlocutórias não cabe qualquer recurso, podendo a parte renovar a questão como preliminar de seu recurso quando for proferida a sentença. A CLT usa a expressão decisão definitiva, que quer dizer a sentença que julgar a questão. O objetivo do legislador é tornar o andamento do processo mais célere. (2015, p. 1000)

 Como o tema ainda é pouco discutido doutrinariamente e não foi levado à apreciação dos Tribunais, a partir do advento do Novo CPC, algumas partes ou seus causídicos continuarão suscitando imediatamente a nulidade da decisão na primeira oportunidade de manifesta-se nos autos.

Na remota situação de não provimento do recurso no tocante ao tema que deveria ser objeto de protesto prévio, o Poder Judiciário deixará de garantir o direito de acesso à justiça à parte lesionada, ferindo os princípios do devido processo legal e contraditório.

 Conquanto Garcia não adentre ao tema analisado neste trabalho, invoca o art. 1.009, § 1º do Novo CPC para justificar a possibilidade de apelar da decisão interlocutória proferida na fase de conhecimento quando for manejado recurso contra a decisão final:

Cabe observar que, mesmo no processo civil, o novo CPC dispõe que as questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não ficam cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões (art. 1.009, § 1º, do CPC). (2016, p. 576)

Ressalta-se, por fim, o entendimento de Martins ao apreciar o momento para alegar eventual nulidade ocorrida no processo trabalhista. Aduz que a falta de protesto, na primeira oportunidade das partes falarem nos autos, é irrelevante para impugnar futura decisão calcada em nulidade:           

Não seria o caso de se interromper a audiência que estiver sendo realizada para que a parte possa alegar a nulidade do processo. Normalmente, as partes fazem consignar na ata de audiência, quando o ato está ocorrendo nesta, seus protestos, apenas para que não ocorra preclusão quanto ao momento da arguição da nulidade. Entendo, entretanto, que esses protestos são completamente irrelevantes, porque geralmente são desfundamentados, além de inexistir previsão na lei sobre tal veiculação de eventual nulidade. Na verdade, pretende-se, com os protestos, estabelecer agravo nos autos do processo, que, não existe mais, além do que, no processo do trabalho, não se aplica o agravo retido.  (grifos nossos) (2015, p. 866)

Dessa maneira, não restam dúvidas que o fim da obrigatoriedade dos “protestos” é uma realidade, especialmente com o advento do Novo CPC. Semelhantemente, ao possibilitar que a parte prejudicada, ao interpor recurso contra a decisão final, possa arguir nulidades ou equívocos proferidos nas decisões interlocutórias irrecorríveis, estar-se-á buscado a prolação de pronunciamentos cada vez mais justos e sem vícios.


5. Considerações finais

Na seara trabalhista, vige a regra segundo a qual as decisões interlocutórias são irrecorríveis de imediato, devendo ser questionadas quando da interposição do recurso contra a decisão final, como se depreende do art. 893, § 1º, da CLT.

A fim de consignar o inconformismo contra o pronunciamento judicial que não admite recurso de plano, a praxe jurídica trabalhista criou um mecanismo de impugnação chamado de “protesto”.

Ao protestar ou na audiência ou nos autos, além de externar a discordância com o entendimento firmado pelo juízo, o prejudicado pretende afastar o fenômeno da preclusão que lhe impossibilitaria de posteriormente ventilar a irregularidade existente no pronunciamento judicial proferido na fase de conhecimento.           

Com o advento do Novo CPC, o art. 1.009, § 1º, passou a prever que as decisões proferidas pelo Estado-juiz que não admitirem agravo de instrumento poderão ser impugnadas quando da interposição do recurso contra a decisão final ou nas razões recursais.

Aplicando subsidiariamente o art. 1.009, § 1º, do Novo CPC aos processos submetidos à legislação processual trabalhista, constata-se que a decisão prejudicial à parte poderá ser levada tanto no recurso contra a decisão definitiva quanto nas contrarrazões, independentemente de ser objeto prévio de “protesto”.

Na prática, o “protesto” é empregado como se fosse um agravo retido. Entretanto, levando-se em conta que o novo CPC deixou de prevê esta espécie recursal, bem como anteriormente não era possível apresentar o retido contra as decisões do juiz do trabalho, a parte não poderá sofrer prejuízos se não apresentar seu inconformismo previamente no processo através de “protesto”.

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A ausência de “protesto” jamais poderá ser entendida como forma de inviabilizar a revisão de decisões que não puderam ser questionadas de imediato, por expressa previsão na legislação trabalhista. Caso isso ocorresse, os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa seriam violados, bem como impossibilitariam o amplo acesso à justiça.

Infere-se, portanto, que o “protesto”, fruto da construção da prática jurídica e referendado pela jurisprudência pátria, tenderá a não ser mais obrigatório, especialmente ao realizar a interpretação sistemática dos artigos 893, § 1º, da CLT e 1.009, § 1º, do Novo CPC. Outrossim, ante a sua não obrigatoriedade, tenderá a deixar de ser adotado como meio de impugnação nos feitos trabalhistas.


6. Referências

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Resolução nº. 203.  Instrução Normativa nº. 39/2016. Brasilia, DF, 15 de março de 2016.

ALMEIDA, Cleber de Lúcio. Direito Processual do Trabalho. 6 ed. São Paulo: LTR, 2016

CAIRO JUNIOR, José. Curso de Direito Processual do Trabalho.  9 ed. Salvador: Juspodivm, 2016

COSTA, Armando Casimiro et al. CLT – LTr. 46 ed. São Paulo: Ltr, 2016.

CUNHA JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional.  8 ed. Salvador: Juspodivm,

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, v.1

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho.  12 ed. São Paulo: Ltr, 2014

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho.  14 ed. São Paulo: Saraiva, 2016

MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. 19 ed. São Paulo: Atlas, 2015          

MARTINS, Sergio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 38 ed. São Paulo: Saraiva, 2016

MIESSA, Élisson e CORREIA, Henrique. Súmulas e OJs do TST Comentadas. 7 ed. Salvador: Juspodivm, 2016

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. 1 ed. Salvador: Juspodivm, 2016

PAMPLONA FILHO, Rodolfo e SOUZA, Tercio. Curso de Direito Processual do Trabalho. 1 ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 6 ed. São Paulo: Ltr, 2013

SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 10 ed. São Paulo: Ltr, 2016

 TEIXEIRA FILHO, Manuel Antonio. Curso de Direito Processual do Trabalho. Processo de conhecimento. 1 ed. São Paulo: Ltr, 2009, v. 2

TEIXEIRA FILHO, Manuel Antonio. Sistema dos Recursos Trabalhistas.  9 ed. São Paulo: Ltr, 1997

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Sobre o autor
Gerson Conceição Cardoso Júnior

Advogado. Especialista em Advocacia Trabalhista pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Bacharel em direito pela Faculdade Ruy Barbosa. Ex-estagiário de direito do TRT 5ª Região, do Ministério Público Estadual da Bahia e do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia. Pesquisador nos Projetos de pesquisa e extensão “Perfil do adolescente em conflito com a lei em Salvador” e “Mapeamento sócio-demográfico dos adolescentes em conflito com a lei na área do Programa Ribeira Azul”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO JÚNIOR, Gerson Conceição. Fim da obrigatoriedade do protesto nos processos trabalhistas em face do advento do novo Código de Processo Civil?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4971, 9 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53088. Acesso em: 23 dez. 2024.

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