Trabalhador autônomo: pretensão indenizatória em face de acidente de trabalho

24/10/2016 às 07:58
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A natureza autônoma da relação de serviço não afasta necessariamente a responsabilidade civil do tomador de serviços, entretanto o trabalhador autônomo possui independência funcional.

Foi notícia no TST: duas empresas - um clube social e uma produtora de aguardente - foram condenadas de forma solidária ao pagamento de indenização por danos morais e pensão a familiares de um trabalhador autônomo que, na instalação de um outdoor, sob ventos fortes e próximo a uma rede energizada, sofreu uma queda de seis a oito metros em consequência de choques elétricos. [1]

Não é incomum o acontecimento de casos semelhantes, em que um prestador de serviços (um serralheiro por exemplo) sofre um acidente de trabalho e faz com que uma dúvida jurídica seja criada acerca da responsabilidade das partes (geralmente empresas) envolvidas.

Mas antes de mais nada se faz necessário saber o conceito de trabalhador autônomo e quais as diferenças entre um trabalhador autônomo e um empregado. Todavia, existem algumas divergências entre alguns doutrinadores em relação à aferição das particularidades de cada tipo de trabalhador. Comecemos pelo entendimento do respeitado jurista brasileiro e ministro do TST Mauricio Godinho Delgado [2]:

(...) A diferenciação central entre as figuras situa-se, porém, repita-se, na subordinação. Fundamentalmente, trabalho autônomo é aquele que se realiza sem subordinação do trabalhador ao tomador dos serviços. Autonomia é conceito antitético ao de subordinação. Enquanto esta traduz a circunstância juridicamente assentada de que o trabalhador acolhe a direção empresarial no tocante ao modo de concretização cotidiana de seus serviços, a autonomia traduz a noção de que o próprio prestador é que estabelece e concretiza, cotidianamente, a forma de realização dos serviços que pactuou prestar. Na subordinação, a direção central do modo cotidiano de prestação de serviços preserva-se com o prestador de trabalho.

(...) A intensidade de ordens no tocante à prestação de serviços é que tenderá a determinar, no caso concreto, qual sujeito da relação jurídica detém a direção da prestação dos serviços: sendo o próprio profissional, desponta como autônomo o vínculo concretizado; sendo o tomador de serviços, surge como subordinado o referido vínculo.

Por outro lado, Vólia Bomfim Cassar [3] expõe seu entendimento jurídico de forma vagamente divergente:

A principal diferença entre o autônomo e o empregado é que este presta serviço por conta alheia e não sofre qualquer risco em sua atividade (...). Normalmente o autônomo trabalha para clientela diversificada, demonstrando a falta de pessoalidade na prestação de seu serviço (...). Os autônomos têm subordinação mais tênue, hoje chamada pela doutrina de parassubordinação.

Discordamos de Godinho, ao afirmar que o autônomo não tem pessoalidade e subordinação em relação ao tomador, pois os representantes comerciais, assim como os empreiteiros de lavor são considerados autônomos e têm pessoalidade e subordinação (leve) em relação ao tomador de serviços. (...)

Só que, diante da afirmação da prestigiada autora em relação à discórdia frente ao primeiro citado neste artigo, reproduzimos aqui trecho da doutrina de Godinho a respeito da possibilidade do trabalho autônomo com pessoalidade:

O trabalho autônomo pode, contudo, ser pactuado com cláusula de rígida pessoalidade - sem prejuízo da absoluta ausência de subordinação. É o que tende a ocorrer com a prestação de serviços contratada a profissionais de nível mais sofisticado de conhecimento ou habilidade, como médicos, advogados, artistas, etc.

Por fim, no que se refere aos conceitos em evidência, faremos menção ao entendimento de Sergio Pinto Martins [4] que se resume a uma simples frase:

(...) O elemento subordinação é, portanto, o divisor de águas.

Vale mencionar o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho [6] para que seja possível diferenciar de forma nítida o trabalhador autônomo do empregado:

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Realizadas estas primeiras considerações conceituais, façamos um primeiro questionamento: é a Justiça do Trabalho competente para decidir temas que envolvam acidente de trabalho de trabalhador autônomo? Em que pese a previsão constitucional (a ser abaixo indicada), pode-se verificar na prática decisões (controversas) no sentido de que, considerando que o trabalhador autônomo assume o risco da própria atividade, o serviço por ele desempenhando não se caracterizaria como a relação de trabalho a que faz referência o artigo 114, I e VI da Constituição Federal [5]:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; (...)

Nada obstante, este não é, nem de longe, o único entendimento que se pode concluir com base na observância de nossa legislação.  Vejamos o que dispõe a CLT:

Art. 652 - Compete às Juntas de Conciliação e Julgamento:

a) conciliar e julgar: (...)

III - os dissídios resultantes de contratos de empreitadas em que o empreiteiro seja operário ou artífice; (...)

Na verdade, o entendimento de que e Justiça do Trabalho seria incompetente para processar e julgar casos de acidente de trabalho envolvendo o trabalhador autônomo é minoritário. Neste sentido caminham muitas outras jurisprudências pois, é quase unânime que, principalmente na interpretação teoricamente correta do texto constitucional, a relação de trabalho autônomo atrai seguramente a competência da justiça especializada (Justiça do Trabalho). Todavia, embora seja praticamente pacífica a questão de competência em comento, as pretensões indenizatórias decorrentes de acidentes de trabalho nem sempre são favoráveis ao trabalhador autônomo, principalmente pela ausência de subordinação jurídica.

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Um exemplo prático é o caso de um pedreiro que se machuca na operação de sua própria máquina de cortar mármore em um contrato de empreitada por obra certa. Neste caso, em tese, não cabe ao dono da obra orientar ou treinar o empreiteiro e nem mesmo fornecer equipamentos de proteção individual para o desenvolvimento das tarefas, não havendo de que falar também em vínculo empregatício.

A natureza autônoma da relação de serviço não afasta necessariamente a responsabilidade civil do tomador de serviços, entretanto o trabalhador autônomo possui independência funcional, de forma que as precauções em relação aos riscos de seu ofício fiquem sob sua responsabilidade. Logo, é possível a condenação do tomador de serviços ao pagamento de indenizações ao trabalhador autônomo, conquanto deve-se comprovar junto ao poder judiciário a existência nexo causal, isto é, provar a existência de dano e que o tomador de serviços foi causador do dano, com a presença de conduta comissiva ou omissiva. O embasamento legal vem, a princípio, do próprio Código Civil [7]:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Logo, averigua-se que apenas se presentes os requisitos legais é que é possível condenar o (a) tomador (a) de serviços ao pagamento de indenizações. Vejamos abaixo trecho da jurisprudência gaúcha [8] a respeito do tema:

A par disso, e de acordo com o conjunto probatório dos autos, é possível se concluir que o evento danoso decorreu de culpa exclusiva da vítima ao não tomar as devidas cautelas diante da atividade que seria desenvolvida. Além disso, trabalho autônomo caracterizado pela AUTONOMIA (...), não há como se atribuir responsabilidade (conduta omissiva) pelo fato de a reclamada não ter observado as normas de segurança do trabalho.

Tendo em vista a inexistência de culpa da reclamada, é inviável a sua responsabilização. Afastada a responsabilidade civil, não há falar no dever de indenizar, de forma que resta prejudicada a análise do recurso quanto à pretendida indenização por danos morais e materiais.

(...)

No caso relatado no início deste artigo podemos verificar que o trabalhador em questão foi contratado para prestação de um serviço de instalação de outdoor. Inicialmente certa dúvida é causada a respeito da condenação das empresas pelos julgadores ao pagamento de indenização e pensão. Trata-se de um caso onde evidencia-se a ausência de subordinação e, também, ausência de vínculo empregatício. Logo, qual a justificativa para condenação das Reclamadas?

Analisando o caso concreto verificamos que houve aplicação pelo Tribunal da teoria da responsabilidade subjetiva, em que o elemento culpa é fundamental para caracterização da responsabilidade, como leciona Carlos Roberto Gonçalves [9]:

Em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade. Esta teoria, também chamada de teoria da culpa, ou “subjetiva”, pressupõe a culpa como fundamento da responsabilidade civil. Em não havendo culpa, não há responsabilidade.

Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quando se esteia na ideia de culpa. A prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Nessa concepção, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.

A verificação da presença do elemento culpa foi constatada por meio de testemunhas: a instalação do outdoor estava sendo feita em uma área de risco, próxima a fios de alta tensão e na costa (junto ao mar). Seria necessário segundo informações do TST que a rede energizada fosse isolada. Tal providência poderia ser requerida por qualquer uma das Reclamadas à Companhia Energética, o que não ocorreu. Diante do descrito descaso, houve potencialização do risco e a tragédia fatal acabou acontecendo.


[1] TST. Secretaria de Comunicação Social. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/acordo tácito/>. Acesso em: 02 de jul. 2016.

[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: Ltr, 2015.

[3] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.

[4] MARTINS, Sergio Pinto. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2015.

[5] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm> . Acesso em 02/07/2016.

[6] BRASIL. Decreto-lei n.º 5.452. Rio de Janeiro, 01 de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm> . Acesso em 03/07/2016.

[7] BRASIL. Lei n.º 10.406. Brasília, 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> . Acesso em 03/07/2016.

[8] JURISDIÇÃO. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. 8ª Turma. 0020144-88.2015.5.04.0662 (RO). Redator: Juraci Galvao Junior. Publicação: 11/03/2016.

[9] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 4. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

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Sobre o autor
Luan Madson Lada Arruda

Advogado. Articulista. Pós-graduando em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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