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A paternidade socioafetiva e a obrigação alimentar

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Resumo:


  • A Constituição Federal de 1988 igualou todos os filhos perante a lei, abolindo distinções entre filhos nascidos dentro ou fora do casamento e reconhecendo a filiação sócioafetiva.

  • A paternidade sócioafetiva é uma forma de estabelecimento de filiação baseada no afeto e no cuidado, e não apenas nos laços biológicos, sendo reconhecida pela jurisprudência brasileira.

  • Os efeitos jurídicos da paternidade sócioafetiva incluem o direito aos alimentos, a guarda, a sucessão e todos os direitos e deveres decorrentes da relação paterno-filial, em conformidade com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 OS EFEITOS JURÍDICOS DECORRENTES DA PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA: REFLEXÕES ACERCA DA QUESTÃO ALIMENTAR

3.1 Os efeitos jurídicos decorrentes da paternidade sócioafetiva: uma via de duas mãos

A Lei Maior, através da norma insculpida no seu art. 227 § 6º, estabeleceu a paridade entre os filhos, que atingiu e atinge a todos, dada a sua aplicação imediata e homogênea. Os efeitos desta unificação, que serão examinados neste capítulo, permitem a visão exata das repercussões geradas por uma norma que tem um único fim: aniquilar as discriminações, concedendo uniformemente os direitos advindos da relação paterno-filial.

No tocante aos filhos menores, é dever dos pais zelar pela sua assistência, criação e educação e, inversamente, os filhos maiores têm o dever de ajudar os pais na velhice. Sendo assim, a família existe enquanto local onde persiste a reciprocidade, visto a família eudemonista recepcionada pela Carta Magna. Nesse sentido, ganha importância a disposição contida no seu art. 229, uma vez que atribui à prole o dever de amparo e assistência aos pais, espelhando o espírito de colaboração que se assenta no interior de qualquer espécie familiar.

Assim, no que a Constituição Federal de 1988 igualou os filhos, estabeleceu, não só com relação a estes, os mesmos deveres, para os pais, mas também, os mesmos direitos. A respeito da paridade de direitos entre os filhos desapareceram os regimes diferentes de direitos e as dissonâncias na sucessão. Na mesma base, os pais têm direitos com relação aos filhos, como aqueles advindos do pátrio poder. Não há como analisar os direitos provenientes do estado de filho sem atentar àqueles que, ao mesmo tempo, decorrem da condição de pai, apresentando-se, desse modo, a paternidade como uma via de duas mãos.

O conceito de igualdade acolhido, inclusive como princípio de interpretação às normas infraconstitucionais em matéria de família buscou resgatar a idéia jurídica de isonomia, ou seja, só existe a proibição legal de que o essencialmente igual seja tratado de forma diferente. Ora, essa dicotomia de tratamento jurídico é aquela que, em abstrato, permite que se considerem iguais marido e mulher em relação ao papel que desempenham na chefia da sociedade conjugal. É também a isonomia que se busca na identificação dos filhos de uma mesma mãe ou de um mesmo pai. É ainda a isonomia que protege o patrimônio entre personagens que disponham do mesmo status familiae [72]

Reconhecida a posse de estado de filho como via de estabelecimento da filiação, decorrência da constatação dos seus elementos identificadores e derivação do princípio constitucional da igualdade, passa-se a analisar seus efeitos jurídicos pessoais decorrentes. "Ocorre que essa noção provoca conseqüências consideráveis quando, ligada às qualidades que fazem parte do estado da pessoa, permite inferir que à mesma tocam os mesmos direitos." [73]

O poder familiar, assim definido na contemporaneidade como "o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes" [74], atentando-se à norma do art. 226, § 5º da CF - que versa sobre a igualdade de direitos e deveres entre o homem e a mulher, na constância da sociedade conjugal - aos termos do art. 21 da Lei nº 8.069/90, e, agora, ao novo Código Civil, é atribuído durante o casamento - ou na constância da união estável - a ambos os pais, só assumindo um com exclusividade na falta ou impedimento do outro.

No entanto, exercido pelo pai e pela mãe, independe de relação conjugal entre eles, como quis o Estatuto da Criança e do Adolescente, derivando, aí sim, da relação de paternidade. E é nessa esteira que se apresenta a sua análise, posto que compreende o tema desenvolvido, tão logo verificado que da relação paterno-filial social também inferem direitos e deveres. Dessa forma, passa-se à análise das regras que conglobam os direitos e deveres atribuídos aos pais, todos reunidos no art. 384 do Código Civil de 1916 e mantidos literalmente pelo art. 1.634 do novo Código, a exemplo:

I - dirigir-lhes a criação e educação;

II - tê-los em sua companhia e guarda;

...

VI - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. [75]

Como decorrência do exercício do poder familiar, vem à tona o direito dos pais quanto à companhia e guarda dos filhos menores. Além de um direito é um dever porque a quem incumbe criar, incumbe igualmente guardar. Indaga-se, pois, se o pai não-biológico, após o rompimento - conjugal ou não - da relação com seu parceiro, faria jus ao direito de visitação aos filhos deste, mesmo que não possuísse qualquer vinculação formal de paternidade com aquela prole.

Na acepção jurídica do termo, guarda traduz a noção da proteção familiar, de manutenção individual, de vínculo de zelo e de subordinação. A guarda de filhos menores não se constitui, isoladamente, como exercício do pátrio poder, pois diz respeito a apenas um de seus atributos, elencados no art. 384 do Código Civil de 1916. Assim, o término do vínculo conjugal dos pais não extingue o pátrio poder de qualquer destes sobre os filhos. [76]

Sendo derivação do poder familiar, é o liame da paternidade, em princípio, quem dita as normas para a existência de guarda dos pais sobre os filhos menores. Na falência da relação entre os pais, surge o direito de visitação, que poderá ser regulado por acordo entre as partes ou por expressa deliberação em sentença. As decisões pretorianas, após a edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, passaram a engrandecer e enfocar de maneira mais destacada o denominado "interesse do menor". Por seu turno, o art. 6º da Lei nº 8.069/90, destaca "a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento".

A existência de um vínculo afetivo desenvolvido entre a criança e o interessado; o assentimento da criança, quando ultrapassada a tenra idade; a inexistência de vínculo biológico entre o interessado e o menor; e a demonstração de que o rompimento do contato implicaria em transtornos ao menor, são elementos que sustentam a possibilidade do direito de visitação no caso aqui mencionado, pois permitem a conclusão pelo real interesse da criança. "Direito de visitação é um expediente jurídico de caráter compensatório, que procura minorar os efeitos da ruptura dos laços entre pais e filhos" [77]

O direito ora pleiteado advém de uma relação de fato surgida, no decorrer do tempo, entre o menor e o denominado pai afetivo, em que restou estabelecido um vínculo de afeição evidenciado por atos típicos da paternidade natural, bem como o estabelecimento de uma relação de subordinação, característica desta relação familiar.

Observamos, pois, em nome de uma singela reflexão jurídica, que a interpretação sistemática de nossas legislações, assim efetivada pela moderna doutrina civil, tendo como fundo, necessariamente, o interesse que envolve o menor, leva-nos a concluir pela possibilidade de estabelecer-se o direito de visitação do pai considerado afetivo, em relação ao filho da mulher com quem havia convivido, particularmente nas hipóteses em que a ruptura deste contrato implicaria, inevitavelmente, no surgimento de sérios transtornos à formação da personalidade da criança. [78]

Não se verifica, do ponto de vista das proposições normativas existentes, qualquer permissivo para o pai afetivo exercer o direito de regular visitação quanto aos filhos de sua mulher ou companheira, de quem encontra-se afastado. Assim como quanto à inexistência de um comando jurídico que reconheça a posse de estado de filho, nosso ordenamento deve albergar esse direito, através de uma interpretação sistemática, partindo do pressuposto de que se deve perseguir um interesse maior, que é o bem-estar do menor. "Como não há legislação a respeito da paternidade socioafetiva, utiliza-se, além dos princípios constitucionais fundamentais, da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito (art 4º, LICC)". [79]

Surge também como um direito conferido aos pais o de reclamar os filhos de quem ilegalmente os detenha. Entretanto, só se legitima, como diz a lei - art. 1634, IV do novo Código - quando dirigido contra pessoa que ilegalmente detenha o filho, de modo que, se o réu guarda legalmente em sua companhia o filho de outrem, não há como atender o pedido do autor.

É o que ocorre em casos como o já explanado no capítulo anterior, de pais que, não desejando, pelos mais diferentes motivos, manter os filhos em sua companhia, conferem a terceiro sua guarda e cuidados e, tempos depois, quando já construída com este uma relação de paternidade, buscam o judiciário impondo a prevalência do vínculo biológico sobre o afetivo. Não há que se falar em ilegalidade, posto que a jurisprudência reconhece o afeto como liame capaz de estabelecer a paternidade. [80]

Criação e educação são deveres que integram diretamente a tríade nome, trato, fama, reveladores da posse de estado de filho. São indícios de uma relação de paternidade responsável que permitem, perante a sociedade, o reconhecimento, através do tratamento, da condição de filho. "Esse é o dever principal que incumbe aos pais, provê-los com os elementos materiais para a sobrevivência, bem como fornecer-lhes educação de acordo com seus recursos, capaz de propiciar ao filho, quando adulto, um meio de ganhar a vida e de ser elemento útil à sociedade." [81]

Trata-se do zelo material e moral para que o filho fisicamente sobreviva e por meio da educação forme seu espírito e seu caráter. A Constituição Federal, visando ao reforço dessa obrigação, dispõe em seu art. 229 que "os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores" e o Estatuto da Criança e da Adolescência, por sua vez, obriga os pais a matricularem seus filhos na rede regular de ensino - art. 55.

Merece ser abordada, ainda, dentre as prerrogativas do pai, o direito de exigir que lhe preste o filho obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. Obediência e respeito são conseqüências automáticas de uma relação calcada no afeto, eis que ambos os componentes realizam-se nessa interação. O trabalho dos filhos é idealizado pela legislação como forma de participação na mantença da família, sobretudo nos lares menos afortunados, mas em contrapartida, a própria lei o proíbe em determinada idade e condições, afastando a exploração. [82]

Os efeitos mais relevantes provenientes do estabelecimento da filiação, qualquer que seja o seu vínculo de constituição, residem na relação pessoal entre pai e filho. O poder familiar e todas as obrigações daí oriundas dão o verdadeiro sentido da paternidade, resultando em uma sólida união. Por isso, na paternidade advinda do afeto, não há que se falar em destituição desse poder, os deveres decorrentes dessa são exercidos com a responsabilidade exigida pela lei.

Toda alteração na estrutura social e, por conseqüência, axiológica do sistema trouxe ao universo jurídico dois novos elementos em matéria familiar: o afeto e a função serviente da família. Faz-se imprescindível a análise dos efeitos diretos e reflexos dessa nova realidade também no plano patrimonial, visto que aumenta a cada dia em nossas Cortes regionais a questão da paternidade gerada pelos laços afetivos em oposição àquela vinculada aos laços de sangue.

Uma vez julgada procedente a ação de investigação de paternidade e/ou maternidade socioafetiva, decorrem os mesmos efeitos jurídicos dos arts. 39 a 52 do ECA, que são aplicados à adoção, quais sejam: a) a declaração do estado de filho afetivo; b) a feitura ou a alteração do registro civil de nascimento; c) a adoção do nome (sobrenome) dos pais sociológicos; d) as relações de parentesco com os parentes dos pais afetivos; e) a irrevogabilidade da paternidade e da maternidade sociológica; f)a herança entre pais, filho e parentes sociológicos; g) o poder familiar h) a guarda e o sustento do filho ou pagamento de alimentos; i) o direito de visitas etc. [83]

A doutrina e o direito, hodiernamente, afirmam possível o filho demandar o pretenso pai para dele haver questões patrimoniais, mesmo que a filiação não esteja juridicamente reconhecida, bastando, apenas, a existência de fortes indícios e presunções quanto à respectiva paternidade. Assemelha-se à única previsão existente em nosso ordenamento para ensejar o reconhecimento da paternidade sócioafetiva - art. 1605, II do novo Código Civil. Nessa esteira, faz-se pertinente o conhecimento do seguinte pedido de desconstituição do vínculo de paternidade com vistas à exoneração de obrigação alimentar:

PATERNIDADE. RECONHECIMENTO. QUEM, SABENDO NÃO SER O PAI BIOLÓGICO, REGISTRA COMO SEU FILHO DE COMPANHEIRA DURANTE A VIGÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL, ESTABELECE UMA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA QUE PRODUZ OS MESMOS EFEITOS QUE A ADOÇÃO, ATO IRREVOGÁVEL. Ação negatória de paternidade e ação anulatória de registro de nascimento. O pai registral não pode interpor ação negatória de paternidade e não tem legitimidade para buscar a anulação do registro de nascimento, pois inexiste vício material ou formal a ensejar sua desconstituição. Embargos rejeitados, por maioria. [84]

Trata-se de ação em que o réu registrou a autora como filha biológica, na ocasião de seu nascimento, por sua livre e espontânea vontade, e sustenta a sua não obrigação alimentar. Casos como esse do marido ou companheiro que cria o filho da mulher como se seu fosse, dos parentes que responsabilizam-se pelo menor órfão; do patrão que sustenta e afeiçoa-se ao filho de sua serviçal são notórios e vastos.

Destarte, a paternidade sócioafetiva foi tratada igualmente à adoção, pois nos dois casos apresentou-se "o ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer relação de parentesco consangüíneo". [85] O parentesco civil decorrente da adoção hoje em quase nada difere daquele oriundo da consangüinidade, vedando a Constituição qualquer discriminação relativa à natureza da filiação, e nessa igualdade deve ser incluída a paternidade afetiva. Nesse sentido, cabe transcrever o voto do Des. Luiz Felipe Brasil Santos, em caso similar, retratando a posição do egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

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Ao assumir a paternidade da alimentanda, falseando com a verdade registral, assumiu todos os deveres inerentes à paternidade, visto que seu ato constituiu uma adoção simulada, e, face ao princípio da igualdade entre os filhos, consignado na Carta Magna (art. 226, § 6º), diferença alguma existe entre o filho natural e o adotivo. Ademais, é de ver que, modernamente, a paternidade não é vista exclusivamente como um fenômeno biológico, mas, acima de tudo, social, sendo prestigiada, sobretudo pela jurisprudência deste Tribunal, a paternidade sócioafetiva. [86]

Não pode-se olvidar que a verdade genética submete-se nesses casos a conceitos como amor, afeto e convivência. E que o vínculo jurídico estabelecido confere, pois, aos filhos do afeto, os direitos inerentes à condição que desde outrora lhes apresentaram. Outrossim, a construção de uma relação jurídica, assim reconhecida pelos nossos Tribunais, tem repercussão, repercussão no registro, repercussão no pátrio-poder, repercussão patrimonial.

Há outros casos em que, ao contrário, estabelecida uma relação afetiva durante anos, o próprio filho busca a desconstituição do registro, visando a fins patrimoniais, e, para tanto, relega uma paternidade em que foram exercidos os deveres de pai em sua plenitude, a fim de obter vantagem de seu pai biológico.

Não há como impedir uma pessoa de conhecer sua paternidade biológica, visto tratar-se de um direito personalíssimo, que diz com a própria imagem e identidade do ser humano e que se configura como direito fundamental. Entretanto, ainda que permitido, não é reconhecido pela jurisprudência o direito ao patrimônio correspondente a essa relação biológica, eis que prevalece a verdade social. No caso do seguinte acórdão, a busca é referente à sucessão:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM PEDIDO DE ANULAÇÃO DE REGISTRO. Autora que, ao início do feito, já contava com mais de cinqüenta anos de idade, tendo, durante mais de meio século, constado como filha do marido de sua mãe, que a registrou como tal.

POSSE DO ESTADO DE FILHO. A filiação, mais do que um fato biológico, é um fato social.

RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO, NO CASO CONCRETO. Conteúdo imoral da demanda, que, convenientemente, como de regra ocorre, busca a troca de um pai pobre por um pai rico.

Apelo desprovido, por maioria, vencida a relatora. [87]

A identificação do pai biológico, no caso em tela, não é capaz de gerar seqüelas de ordem patrimonial se reconhecida que a relação que a autora manteve desde o nascimento com seu pai registral se configurou como uma filiação sócioafetiva, podendo ser equiparada a uma adoção, a qual é irrevogável, desligando o adotado de qualquer vínculo com os parentes consangüíneos. Se há direito sucessório, este refere-se ao pai afetivo. Conclui-se, pois, que a prova do DNA não tem valor absoluto como fato gerador de direitos, será apreciada de acordo com o contexto probatório em que se insere. Por fim, mais um acórdão merece menção, a título de reforço:

INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PATERNIDADE SÓCIOAFETIVA. Estabelecendo o ECA a imprescritibilidade da ação investigatória de paternidade, não estender a vedação do perecimento do direito aos maiores implica em vedação ao princípio constitucional da igualdade. Ao depois, a possibilidade de investigação não traz necessariamente seqüelas obrigacionais e patrimoniais. Reconhecida a filiação sócioafetiva, a investigação de paternidade não leva à desconstituição ou anulação do registro de nascimento, mas se limita a atender à possibilidade de se conhecer a paternidade sem gerar seqüelas de ordem patrimonial. Recurso provido por maioria. (grifo deles) [88]

Os casos analisados servem para demonstrar a concretude e seriedade com que é vista a filiação social no nosso ordenamento, capaz de construir um recíproco feixe de direitos e deveres entre pais e filhos, formando um elo eterno, indestrutível por interesses outros. Afirmam, pois, os valores introduzidos pela nossa Constituição, ao passo que formam uma base sólida de precedentes para a exigência do cumprimento dos direitos que imanam do estado de filho. Ademais, não permitem que os interesses patrimoniais definam aquilo que se considera família, mas que derivem dela como conseqüência natural do verdadeiro sentido da relação paterno-filial na atual concepção eudemonista.

3.2 A questão alimentar como efeito jurídico do estabelecimento da paternidade sócioafetiva

Os alimentos constituem um dever recíproco entre ascendentes e descendentes e entre irmãos, em virtude dos quais os que têm recursos devem fornecê-los, em natureza ou dinheiro, para sustento dos parentes que não tenham bens, não podendo prover pelo seu trabalho a própria mantença, como já estatui o novo Código Civil, em seus arts. 1694, caput e 1695.

A obrigação alimentar caracteriza a família moderna. É uma manifestação de assistência e solidariedade econômica que existe em vida entre os membros de um mesmo grupo,

substituindo a solidariedade política de outrora. Assim, a prestação substitui o auxílio que o Estado deveria dar ao desamparado, na medida em que, socorrendo com os recursos de um as necessidades preementes de sobrevivência de outro indivíduo, é de interesse público. Essa característica, a propósito, justifica a existência de instrumentos legais coercitivos para a efetiva observância do dever, permitindo, inclusive, restrição à liberdade pessoal do inadimplente - art. 5º, LXVII da Constituição Federal e art. 733 § 1º do CPC.

A finalidade dos alimentos é assegurar o direito à vida, substituindo a assistência da família a solidariedade social que une os membros da coletividade, pois as pessoas necessitadas, que não tenham parentes, ficam, em tese, sustentadas pelo Estado. O primeiro círculo de solidariedade é o da família, e somente na sua falta é que o necessitado deve recorrer ao Estado. [89]

O caráter imperativo das normas sobre alimentos tem como corolários serem estes irrenunciáveis, como o próprio direito à vida. O necessitado pode deixar de exercer o direito de exigir alimentos, mas a eles não pode renunciar, consoante art. 1707 do novo Código Civil. Também reza o mesmo artigo que são impenhoráveis, atendendo a sua própria finalidade, que consiste em assegurar a manutenção do alimentando, e são indisponíveis, pela sua natureza personalíssima. Ninguém pode alienar o seu direito a pedir alimentos a um ascendente ou descendente por se tratar de direito vinculado à própria pessoa. O direito a eles é também imprescritível e, por fim, intransmissível.

Os elementos básicos para que surja o direito aos alimentos são o vínculo de parentesco, a possibilidade econômica do alimentante e a necessidade do alimentando - art. 1694, caput e § 1º. O critério de fixação do quantum dos alimentos depende da conciliação

desses dois últimos elementos, formando assim o binômio possibilidade-necessidade. O juiz os determina atendendo à situação econômica do alimentante e às necessidades essenciais de moradia, alimentação, vestuário, tratamento de saúde e, se for menor, educação do alimentário. Por isso, o valor da pensão alimentícia é variável, tanto as necessidades como as possibilidades podem ser alteradas pelas circunstâncias - art. 1699.

É preciso acentuar, no entanto, que a denominação dos alimentos varia conforme os componentes da obrigação estabelecida, o que enseja à distinção entre obrigação alimentar e dever de prestar alimentos. Para compreender tal diferenciação, é preciso ter presente a noção de família nuclear, formada basicamente pelo par andrógino e seus filhos, atentando-se à relação paterno-filial. A este núcleo familiar deita uma obrigação alimentar calcada no vínculo de solidariedade que se mostra muito mais intenso e significativo.

Com relação à prole, os alimentos são devidos por intransponível presunção dos alimentários necessitarem atingir seu natural processo fisiológico de formação e preparo à vida profissional, baseando-se na deficiência etária que reclama o sustento pelos genitores. Em virtude desse dever dos pais, admite-se o custeio das atividades recreativas, bem como a inserção de acréscimos destinados à satisfação de carências relativas ao aprimoramento ou manutenção de determinado status social. Nesta situação os alimentos se denominam civis. Destarte, viceja uma obrigação alimentar irrestrita, quando cuida de dar sustento, educação, saúde, lazer e formação aos descendentes, enquanto sob o pálio do poder familiar.

Já, no respeitante ao dever pensional parental, devem ser enquadrados os parentes de graus mais distantes, como avós e irmãos, sobre os quais pesa igualmente um dever de solidariedade, no entanto, sem lhes impor sacrifícios, pois atrelados à assistência nos limites das forças de suas posses, sendo estipulado o quantum somente para garantir os recursos indispensáveis à sobrevivência digna do necessitado, ou seja, os alimentos se dão em razão de necessidade, e não de utilidade. "O dever de solidariedade entre os seres humanos trafega pelo círculo familiar e comete aos parentes o dever de socorro que se devem entre si, nas contingências da vida." [90]

Relacionando-se com o sagrado direito à vida, representam um dever de subsistência que os parentes têm, uns em relação aos outros, para suprir necessidades decorrentes de deficiência etária, incapacidade laborativa. Nesta hipótese, os alimentos são denominados naturais. Há um dever relativo de prestar alimentos entre os parentes distanciados em grau de sociedade doméstica, mas que traduz uma obrigação moral e ética entre eles.

Embora cada ser humano deva buscar por si, através de suas energias, o respectivo sustento, vicissitudes da vida podem, no entanto, privá-los de recursos ou de meios necessários à sua mantença, razão pela qual a lei instituiu o dever de prestação recíproca de alimentos, destinados a suprir essas eventualidades. De outro lado, com respeito à filiação, mostra-se como decorrência natural da impossibilidade fisiológica de geração de recursos próprios para a sua subsistência, que a criança e o adolescente, em geral, manifesta, enquanto não se encontra formada ou preparada. Representa, assim, a obrigação alimentar mecanismo legal de suprimento dessas necessidades. [91]

A Carta Magna brasileira destaca, no seu art. 227, ser dever da família, em primeiro plano, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer e à profissionalização e no seu art. 229 ser dever dos pais, no desempenho do poder familiar, a mantença dos filhos menores. A solidariedade familiar entre pais e filhos é ilimitada e vai ao extremo de dirigir a venda de bens para cumprimento da obrigação alimentar, forte no princípio constitucional do direito à vida, dentro da dignidade da pessoa humana - arts. 1º e 5º da CF.

Entende-se que aos pais cumpre preparar o filho para a vida, proporcionando-lhe obrigatoriamente a instrução primária, e ministrando-lhe ainda a educação compatível com a sua posição social e seus recursos. Numa equiparação com as prerrogativas constitucionais, já se disse que pátrio poder assemelha-se ao poder disciplinar do Estado. [92]

É tão precisa a obrigação alimentar como decorrência direta do poder familiar que nem se cogita de forma aprofundada sobre os recursos do alimentante, como ocorre na hipótese de pedido alimentar baseado unicamente no parentesco, mas da carência do alimentando. A prestação será conforme a renda, mesmo que esta se revele diminuta. No Código Civil, mesmo no capítulo referente aos alimentos, o dever de sustento encontra-se salvaguardado, no art. 1.701.

Já foi mencionado existir ilimitada obrigação alimentar endereçada aos filhos menores e incapazes, deles dimanando, inclusive, a presunção absoluta da necessidade pensional, conseqüência natural do pátrio poder, a envolver a esfera material, moral, afetiva e profissional, pois engloba, amplamente, um dever de sustento, criação e educação. [93]

Os alimentos, como outros institutos do Direito de Família, tendiam a uma pacificação sensível tanto na doutrina quanto na jurisprudência, ao menos nas suas indagações mais cruciais. Com a promulgação da Constituição de 1988 foi desenhado, já sem tempo, um novo perfil nessa esfera, exatamente no encalço da tendência de igualização da prole, gerando revisão de posturas e redimensionamento doutrinário suficientemente amplos a justificar novas

incursões em matéria familiar. A similaridade de direitos importa porque repercute diretamente na questão alimentar. A igualdade constitucional certamente atinge a todos os setores do Direito de Família, inclusive àquele voltado à pensão alimentícia.

O parentesco distribui-se em classes, de acordo com os diversos aspectos de vinculação e define-se como o vínculo existente entre as pessoas em decorrência da consangüinidade, da afinidade e da adoção. Os alimentos concedidos aos filhos biológicos, cujos pais eram casados na época da concepção, não despertam muitas dúvidas, pois eles já se enquadravam no perfil conservador da filiação estabelecido pela legislação de 1916, assim, calcados na relação de parentesco tradicional.

Face ao novo texto constitucional, àqueles nascidos fora do casamento garantida está a pensão alimentícia. O novo Código Civil, por sua vez, em seu art. 1705, garante ao filho não havido das núpcias o direito de ação contra o genitor para obter alimentos. Resta saber o que está reservado quanto a esse direito aos filhos assim considerados pela relação afetiva. Os adotados já têm seus direitos previstos. Restam aqueles sem o caráter formal da adoção.

A ação de alimentos não declara filiação, embora o julgador não possa permanecer indiferente ao problema da paternidade, que nos próprios autos daquela se apresenta como fundamento do pedido. A mesma, sem a certeza da filiação, via de regra não pode vingar, necessita de prova robusta para poder determinar a prestação. Os alimentos só são devidos em função da relação de parentesco, e se esta não se encontrar provada, não haverá êxito na sua reclamação.

A posse de estado de filho não está elencada explicitamente em lei dentre os motivos que ensejam a investigação de paternidade, valendo, no entanto, como forte elemento probatório para a declaração da relação de filiação as presunções que desta emanam. Se o investigante traz o nome do investigado; se foi por ele tratado como filho; se havido como tal no ambiente social da família paterna, há sólido indício da relação filial, fundamento para o reconhecimento da vinculação jurídica. A doutrina tem apresentado novos fundamentos aptos a declarar a relação de parentesco:

O Código Civil de 2002 também não reconheceu, expressamente, o estado de filho afetivo. Entretanto, a filiação socioafetiva pode ser admitida com base nos seguintes artigos: a) art. 1593, que diz: "O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consangüinidade ou outra origem". Esta outra origem de parentesco é justamente a sociológica (afetiva, socioafetiva, social, eudemonista); b) art. 1596, em que é reafirmada a igualdade entre a filiação (art. 227, § 6º, da Constituição Federal de 1988); c) art. 1597, V, pois o reconhecimento voluntário da paternidade na inseminação artificial heteróloga não é de filho biológico, e sim de filho socioafetivo, já que o material genético não é do(s) pai(s), mas, sim, de terceiro(s); d) art. 1603, visto que, enquanto a família biológica navega na cavidade sangüínea, a família afetiva transcende os mares do sangue, conectando o ideal da paternidade e da maternidade responsável, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas, regozijando-se com o nascimento emocional e espiritual do filho, edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do desvelo, do coração e da emoção, (re)velando o mistério insondável da filiação, engendrando um verdadeiro reconhecimento do estado de filho afetivo; e) art. 1605, II, em que filiação é provada por presunções - posse de estado de filho (estado de filho afetivo). [94] (grifo deles)

A jurisprudência, como atualmente tem se posicionado, reconhece a relação de paternidade através da posse de estado de filho, e uma das conseqüências da paternidade e da maternidade sócioafetiva é o direito à prestação de alimentos. Já pronunciou o STF [95] que a

ação alimentar é um meio de atendimento imediato a um dos deveres da paternidade. Reconhecida voluntária ou judicialmente a paternidade derivada da posse de estado, é estabelecido o estado de filho afetivo, que "atribui direitos que provocam efeitos, sobretudo morais (estado de filiação, direito ao nome, relações de parentesco) e patrimoniais (direito à prestação alimentar, direito à sucessão etc.)". [96] Nesse sentido, o seguinte acórdão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS. INTEMPESTIVIDADE. REQUISITO DO ART. 526 DO CPC. NEGATIVA DA PATERNIDADE.

Intempestividade. O agravo interposto no décimo dia o prazo não é intempestivo.

Requisito do art. 526 do CPC. Segundo a nova redação do art. 526, a parte agravada, além de alegar, deverá provar que o primeiro grau não foi comunicado do recurso.

Negativa da paternidade. A obrigação alimentar se fundamenta no parentesco, que é comprovado pela certidão de nascimento. O agravante alega não ser o pai biológico do menor. Enquanto não comprovar, não se pode afastar seu dever de sustento. A rigor, mesmo esta prova não será suficiente, pois a paternidade sócio-afetiva também pode dar ensejo à obrigação alimentícia. [97]

Mesmo que comprovada a não-paternidade biológica, isto, por si só, não seria suficiente para afastar seu dever para com o menor. Permitir que o pai, a qualquer tempo, pudesse desfazer o reconhecimento da paternidade de um filho seria abrigar um gesto "reprovável, imoral, sobretudo se o objetivo é fugir do dever alimentos, ou para evitar o agravante de parentesco num crime, por exemplo". [98] Ademais, os alimentos podem decorrer da paternidade sócioafetiva, pois "No art. 1694 do Código Civil de 2002 consta que podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos. O Código, quando fala em parente, se refere ao parente consangüíneo (natural ou medicamente assistido) ou ao parente civil (sócioafetivo)." [99] A origem dessa obrigação pode ser melhor compreendida através da ementa a seguir:

ALIMENTOS. MAIORIDADE. ADOÇÃO SIMULADA. O fato de ter registrado a autora como sua filha biológica, mesmo sabendo que não era, alterando a verdade dos fatos, por sua livre e espontânea vontade, caracteriza o que doutrina e jurisprudência denominam de adoção simulada, assumindo, desta forma, todos os deveres inerentes à paternidade, sem qualquer diferenciação da prole natural (art. 226, § 6º, CF). A paternidade, muito mais do que um evento meramente biológico, é um fenômeno social, merecendo prestígio a verdade socioafetiva. Filho não é algo descartável, que se assume quando desejado e se dispensa quando conveniente. Com o implemento da maioridade, os alimentos deixam de encontrar seu fundamento no dever de sustento dos pais para com os filhos menores (art. 231, IV, CCB) - e que faz presumida a necessidade desses - e passam a amparar-se na obrigação existente entre parentes (art. 396 e seguintes, CCB), desaparecendo, a partir daí, a presunção de necessidade, que deve ser provada por quem pleiteia os alimentos.

DESPROVERAM AMBOS OS RECURSOS. UNÂNIME. [100]

É indubitável que o dever de alimentos reclama uma relação de parentesco. A obrigação de alimentos dos pais com relação aos filhos pode decorrer do poder familiar, consubstanciada na obrigação de sustento durante a menoridade - art. 1566, IV, do novo Código Civil - ou ser a de caráter geral, vinculada à relação de parentesco em linha reta - art. 1696. Estabelecida a paternidade e a maternidade sociológica, não há mais qualquer vínculo de parentesco com os pais biológicos, e sim apenas entre os parentes sociológicos, nos termos do art. 41 do Estatuto da Criança e do Adolescente e do art. 1626 do Código Civil de 2002, que atribuem a situação de filho ao adotado e desligam-no de qualquer vínculo com os pais e parentes consangüíneos.

A contar da Carta Constitucional de 1988, habitam no País apenas duas verdades da perfilhação: a biológica e a sociológica, pelo que uma filiação não pode interferir na outra, impondo encargo alimentar. O filho afetivo, se necessitado de alimentos, deve voltar-se contra seus parentes afetivos, descendentes, ascendentes, colaterais (irmãos), e não contra os parentes biológicos. Se a filiação socioafetiva pretende firmar-se no ordenamento jurídico brasileiro, não pode pretender "favores legais" da paternidade e da maternidade biológica, porque os únicos vínculos que podem ser estabelecidos são: a) conhecer a origem genética por necessidade psicológica; b) para fins de manutenção dos impedimentos matrimoniais; c) para preservação da saúde do filho e dos pais biológicos. [101]

A adoção - e as demais formas de filiação sócioafetiva - impõe uma ruptura com o passado, e a interpretação dos dispositivos legais supramencionados não deixa dúvidas quanto à prerrogativa de pleitear essa prestação dos pais sociais, por parte de quem teve atribuída a condição de filho. Assim, se, quando menor a autora, como filha adotiva do réu tinha direito aos alimentos, face o dever de sustento dos pais com os filhos menores, agora o pleito está embasado na obrigação alimentar existente entre parentes, desaparecendo, a partir da maioridade, a presunção de necessidade, que deve, portanto, por ela ser provada - art. 331, I do CPC.

Em uma ação negatória de paternidade que tramitou na 1ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Porto Alegre foi elucidada de forma clara o significado dos alimentos decorrentes do poder familiar. Foi intitulada em sua publicação "Paternidade sócioafetiva. Anulação de adoção ‘à brasileira’. Impossibilidade. Desconsideração da paternidade biológica." [102] O autor manteve relacionamento amoroso com a mãe da requerida e, dois anos depois, soube da possibilidade de ter uma filha. Procurando ajudar a mãe a recuperar a menor daqueles a quem tinha entregado para cuidar, o autor, embora na dúvida, procedeu o registro da paternidade da menina, que ficou a seus cuidados, pois a mãe da menor, logo após, abandonou aos dois.

Anos depois, com a menina já aos cuidados dos pais do requerente, compelido a realizar uma série de exames laboratoriais, o descobriu ele ser portador de absoluta infertilidade e foi a juízo requer a declaração da negativa de paternidade e a conseqüente anulação do registro de nascimento da menor. Em audiência de tentativa conciliatória, as partes chegaram a acordo sobre a pensão alimentícia que, independente do resultado do exame pericial, seria mantida até que a menina completasse a maioridade. Realizado o exame de DNA, foi comprovada a não-paternidade biológica. Eis a decisão da magistrada:

Ao reconhecer a paternidade, assumiu o pátrio poder e com ele todos os encargos decorrentes, como é o caso do pagamento de pensão alimentícia. A filiação foi constituída pelo próprio autor e, como a Constituição Federal não permite a discriminação de filho de qualquer natureza, art. 227, § 6º, o pagamento de pensão alimentícia é decorrência lógica ao reconhecimento da paternidade. Presentes estão os pressupostos da obrigação alimentar. A necessidade da menor é presumida e, por se tratar de alimentos naturais, o pai deve continuar com o pagamento da pensão alimentícia, conforme ele próprio já admitiu em acordo.

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido para declarar a existência do vínculo de paternidade-filiação entre a ré e o autor, mantendo o nome de seu pai no registro de nascimento e ainda o nome de seus avós paternos.

Homologo o acordo de alimentos para que o mesmo surta seus jurídicos e legais efeitos. Ressalvo à ré o direito de revogar o vínculo, na forma e no prazo legal, se assim o desejar, quando atingir a maioridade sob pena de um ser humano, menor de idade, ser atingido na sua dignidade, ao perder as suas raízes que estruturam a sua identidade de pessoa humana. [103]

Por fim, cabe destacar que no presente caso a obrigação alimentar foi estipulada antes mesmo da não-confirmação da paternidade biológica, atendendo-se ao espírito dos alimentos

decorrentes do poder familiar. Ainda que a pretensão versasse sobre obrigação decorrente do parentesco, e não do dever de sustento, estaria essa assegurada frente à construção da relação parental entre pai e filho - obrigação do ascendente. E mais, se na história acima fossem os avós paternos que pleiteassem os alimentos da neta, anos mais tarde, seriam eles dignos dos mesmos, visto seus cuidados com a criação da menina, que recebeu amor depois de ter passado por tantos lares diferentes - obrigação do descendente.

Justifica-se devido à reciprocidade na obrigação alimentar, e a sua extensão é indefinida entre os parentes em linha reta, iniciando-se pelos ascendentes, os mais próximos em primazia aos mais remotos, para, na falta desses, fazer recair a obrigação nos descendentes, guardada a ordem de vocação hereditária. Na ausência dos últimos, busca-se a solidariedade dos colaterais em segundo grau, que são os irmãos, não se distinguindo, para esta finalidade, entre os unilaterais e os bilaterais - arts. 1696 e 1697 do novo Código Civil.

Reconhecendo a importância das questões alimentares, houve por bem a Carta Magna ao prever esse recíproco dever de assistência entre pais e filhos. Assim, é que dispõe o art. 229 da Constituição Federal que "os pais tem o dever de assistir os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade". Contamos, ainda, sobre o tema, com a Lei 8.648, de 20 de abril de 1993, que acrescentou parágrafo único ao art. 339 do Código Civil de 1916, interessando ser referido neste sustentáculo:

No caso de pais que, na velhice, carência ou enfermidade ficaram sem condições de prover o próprio sustento, principalmente quando se despojaram de bens em favor da prole, cabe, sem perda de tempo e até em caráter provisional, aos filhos maiores e capazes, o dever de ajudá-los e ampará-los, com a obrigação irrenunciável de assisti-los e alimentá-los até o final de suas vidas.

O direito a alimentos já estava previsto em nosso ordenamento desde o primeiro Código Civil. A Constituição de 1988 reforçou e no seu capítulo em que trata "da família, da criança, do adolescente e do idoso", trouxe a igualdade da filiação e o dever de amparo aos pais, que após foi frisado pela Lei 8.648, em 1993, e pela Lei 10.406, em 2002.

Não apenas esse direito, como todos os outros inerentes à relação paterno-filial, como já referido, reclamam a relação de parentesco. Reconhecida essa nas Cortes brasileiras por constatação dos elementos identificadores da posse de estado de filho, como inerência do direito à personalidade, há de prevalecer até mesmo sobre o vínculo biológico, em nome da tutela da dignidade da pessoa humana.

Não há como ignorar os atuais valores da sociedade e a realidade dos lares do país. Nem a magnitude da Lei Maior, que revoga automaticamente todos os preceitos que a ela se opõem, no seu condão de aniquilar as discriminações. Em 1988 a noção de família eudemonista foi consagrada, recepcionando a filiação sócioafetiva, que foi gradativamente prestigiada pela doutrina e pela jurisprudência. Por fim, ao ordenamento jurídico brasileiro cabe a aceitação e disposição legal do estado de filho afetivo em sua plenitude, com todos os direitos e deveres advindos dessa relação, para ambas as partes, morais e patrimoniais.

Como finalização da sucinta abordagem do tema deste trabalho, só resta reafirmar que quem foi criado é filho e, como tal, como parente, tem direito a tudo que um filho tem, inclusive a alimentos. E quem criou é pai, mãe, e merece toda a retribuição pelo seu esforço e dedicação de uma vida. Na velhice, o mínimo a que tem direito é à prestação de alimentos, embora certamente venha a receber muito mais, pois o filho é filho porque quer, não porque a sociedade impôs ou porque chegou ao mundo sem poder escolher no ventre de quem.

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Sobre a autora
Luana Babuska Chrapak da Silva

acadêmica do curso de ciências jurídicas e sociais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luana Babuska Chrapak. A paternidade socioafetiva e a obrigação alimentar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 364, 6 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5321. Acesso em: 23 dez. 2024.

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