Em agosto de 2015, tivemos a oportunidade de escrever e publicar um artigo sobre o tema que ora abordamos. Na oportunidade, nos mostramos favoráveis à desaposentação no âmbito dos RPPS, inclusive discorrendo sobre as hipóteses permissivas.
Entretanto, hoje, após alguns meses de reflexão, concluímos ser desarrazoada a possibilidade de haver desaposentação no RPPS, tendo em vista um detalhe fundamental que não foi devidamente considerado quando da elaboração do nosso artigo publicado em 2015. Estamos, portanto, mudando de ideia quanto ao tema. Estamos apresentando outro ponto de vista, outro olhar. Destarte, pelas razões que agora passaremos a expor, nos colocamos contrários à desaposentação no âmbito do RPPS. Apenas do RPPS, deixemos claro.
Pois bem, para continuarmos o presente raciocínio, temos que entender e buscar o que fundamenta o pedido de desaposentação no RPGS. Qual o principal argumento. Qual a motivação mor, sem a qual a tese da desaposentação sequer existiria.
E o fundamento reside no fato de o trabalhador, após aposentado, retornar o mercado de trabalho, contribuir como segurado obrigatório e, mesmo assim, não ter direito a uma nova aposentadoria. Não ter direito a um ganho proveniente destas novas contribuições. Elas não se somam para um novo cálculo. Elas não repercutem em novo benefício. Eis o alicerce da tese da desaposentação: o Estado cobra a contribuição, mas não permite a concessão de um novo benefício. Não permite que se abra mão do primeiro, para se pleitear um segundo, levando em conta a nova idade e as novas contribuições.
Em linhas gerais, o Estado desprestigia o princípio da contrapartida, insculpido no §5º do art. 195 da CF/88, na medida em que nega a concessão do benefício mesmo existindo a correspondente fonte de custeio. Aos que defendem a desaposentação, há uma espécie de locupletamento do Estado, na medida em que o segurado é obrigado a contribuir e não tem de volta a vantagem mais desejada decorrente desta nova exação tributária, no caso, uma aposentadoria mais vantajosa.
Nestes termos, pela tese da desaposentação, o segurado teria direito a um novo benefício, visto que já o teria custeado.
Compreendido o principal argumento na defesa da desaposentação no RGPS, vamos trazer então esta interessante discussão para o âmbito do RPPS.
Mas, para início de conversa, é de bom alvitre explicar que o tema desaposentação, ao envolver o RPPS, pode ganhar inúmeras configurações e possibilidades. Podemos vislumbrar e destacar, basicamente, as seguintes:
a) o caso do segurado aposentado pelo RGPS que ingressa no serviço público por concurso e pretende se desaposentar para obter uma melhor aposentadoria no RPPS;
b) o caso do servidor aposentado pelo RPPS, que ingressa no mercado de trabalho celetista e pretende se desaposentar para obter uma melhor aposentadoria no RGPS;
c) o caso do servidor aposentado pelo RPPS, que ingressa novamente no serviço público por meio de concurso e pretende se desaposentar para obter uma melhor aposentadoria no RPPS. Ressalve-se, neste último caso, que é permitido o retorno ao serviço público somente em cargos acumuláveis na forma do que estabelece o inciso XVI do art. 37 da CF/88.
Ora, independentemente da hipótese que se apresente no caso concreto, o que importa compreender é que, quando a questão envolve a tese da desaposentação no RPPS, não conseguimos vislumbrar a presença do principal argumento esposado nos primeiros parágrafos deste texto, que legitima a tese da desaposentação no RGPS.
Aqui no RPPS, em qualquer das três hipóteses acima elencadas, o segurado/servidor aposentado, ao retornar ao mercado de trabalho ou ao serviço público, tem sim direito a uma segunda aposentadoria, decorrente do novo vínculo e em face das novas contribuições vertidas. Não há óbice. Não há impedimento. Ele poderá ter as duas aposentadorias.
Inexiste no texto constitucional a proibição de se acumular uma aposentadoria no RGPS com outra no RPPS. Portanto, se o segurado é aposentado pelo INSS e ingressa no serviço público, terá direito a outra aposentadoria no RPPS, acumulando as duas. E a recíproca é verdadeira: o aposentado no RPPS poderá ter outra aposentadoria no RGPS, caso lá ingresse e contribua.
Da mesma forma, o servidor aposentado no RPPS que ingresse novamente no serviço público por meio de concurso só poderá voltar em cargo cuja acumulação seja permitida no texto constitucional, conforme estabelece o §10 do art. 37 da CF/88. Se assim é, ele também poderá se aposentar no novo cargo, acumulando ambas as aposentadorias, pois se é permitida a acumulação na atividade, é permitida a acumulação na inatividade. Simples assim.
Portanto, o principal argumento decantado na tese da desaposentação no RGPS simplesmente não existe quando a questão envolve o RPPS. Aqui, repita-se, o segurado, ao voltar a contribuir, tem assegurado o direito à nova aposentadoria, podendo acumulá-la com a primeira.
Neste caso, o Estado cobra a contribuição em face do novo vínculo, mas permite a concessão da nova aposentadoria. Não há locupletamento. Não há aqui o prejuízo invocado no RGPS e que tem legitimada a tese da desaposentação.
Obviamente, neste momento, um questionamento pode vir à tona: o segurado/servidor aposentado, ao retornar ao mercado de trabalho ou ao serviço público, o faz já com uma certa idade e, evidentemente, sua segunda aposentadoria, em regra, não será integral, além do cálculo ser pela média. Isto não lhe trará prejuízos? Isto não será motivo suficiente para se pleitear uma desaposentação no cargo anterior, aproveitando o tempo de contribuição vertido para a concessão de um novo benefício?
Ora, francamente, a resposta à indagação há de ser negativa. No âmbito do RPPS, o fato da segunda aposentadoria, em tese, ser menos vantajosa que a primeira, visto que, pela elevada idade do servidor, ele dificilmente conseguirá uma segunda aposentadoria integral e com direito a integralidade e paridade, não justifica, a nosso sentir, o direito de pleitear a desaposentação da primeira para a melhoria das condições na segunda.
E pensamos desta forma, exatamente por que, ao retornar ao mercado de trabalho ou ao serviço público, o servidor o faz sabendo que terá direito à segunda aposentadoria com base nas regras de cálculo atualmente em vigor.
Destarte, ao contrário do que ocorre no RGPS, onde se volta a contribui e não se tem direito a uma nova aposentadoria, no RPPS o direito à segunda aposentadoria existe. Mas existe levando-se em conta o tempo de contribuição e a data de ingresso no novo cargo para fins de enquadramento na regra: (regras permanentes ou de transição), (integral ou proporcional) e (última remuneração ou média).
Estas são as regras do jogo. A opção de retornar ao serviço ativo, por necessidade financeira ou não, é toda do servidor. E o fato da segunda aposentadoria ser menos vantajosa que a primeira é argumento muito frágil a autorizar o direito à desaposentação. Aqui sim, no âmbito do RPPS, não seria razoável exigir-se do regime de previdência o dever de atender o que melhor convém ao servidor, sob o argumento de que, entre as duas aposentadorias a que terá direito, poderá configurá-las da forma que lhe aprouver. Aí, não.
Ademais, é perfeitamente possível haver situações em que a segunda aposentadoria, mesmo sendo proporcional e calculada pela média, pode ter um provento superior ao da primeira. Exemplo: um servidor aposentado como professor de ensino médio, que retorna ao serviço público no cargo de Auditor da Fazenda Estadual, nele se aposentando. Em razão da grande diferença remuneratória entre os dois cargos, a aposentadora do segundo, mesmo sob estas circunstâncias, pode ser melhor que a do primeiro.
E, por fim, nos colocamos absolutamente favoráveis à tese da desaposentação no âmbito do RGPS. Mas no do RPPS, pelas razões aqui declinadas, não vislumbramos esta possibilidade.