Sobre a transdisciplinaridade enquanto prática pedagógica

29/10/2016 às 11:42
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Será que a negação à especificidade e o fomenta à transdisciplinaridade é uma solução à esta crise pedagógica? Neste contexto, deve-se entender a transdisciplinaridade segundo o sentido do próprio prefixo grego trans – para além de.

Introdução

            Desde a Idade Antiga o homem preocupa-se com a questão da subjetividade humana. Pode-se entender que o próprio surgimento da razão e da filosofia tenha surgido com a busca por respostas relacionadas a estes fenômenos psíquicos: os pensamentos, sentimentos, relações sociais, comportamentos, et caetera. Até o século XVIII, esta subjetividade – encontrada na psicologia, sociologia, antropologia e política – era objeto de estudo exclusivo da filosofia, enquanto que a ciência propriamente dita se ocupava com a física – φύσις, natureza (DICIONÁRIO ACADÊMICO A, 2008, p. 410). Ou seja, a filosofia estudava os subjetividade – subjectum, a relação entre os sujeitos (DICIONÁRIO ACADÊMICO B, 2008) – enquanto que a ciência estudava a objetividade – objectum, a relação entre os objetos físicos (Idem).

            Esta divisão de estudo – filosofia para o subjetivo e ciência para o subjetivo – era bastante adequada, visto que os fenômenos físicos são passíveis de serem empiricamente observados e testados – como no caso caso da química e da biologia. Não obstante, a partir do século XIX a ciência passou a considerar o homem – enquanto sua subjetividade – como objeto cognoscível também, dando origem às ciências humanas. Neste período surge então o Positivismo, iniciado com Augusto Comte, cuja ideia era empregar a metodologia da ciência natural nas humanas (CHAUÍ, 1999). Durhkeim também foi outro prodigioso expoente desta tentativa de tornar o conhecimento humano – e toda sua subjetividade – passível de ser analisado pela metodologia científica natural.

            Eficiente ou não, este novo modelo de pensamento, que perdura até hoje, gerou grande instabilidade entre os intelectuais, dando início a um período crítico a partir do século XIX. Este momento de crise, caracterizado por uma visível estagnação produtiva, onde já se confunde o que é ciência e o que é filosofia, é este momento que para alguns autores – como Lyotard (1993) – representa o início do pós-modernismo. Segundo Boaventura de Souza Santos (2001), as ciências naturais passaram por um momento de “crise do paradigma dominante”, este fenômeno explica esta instabilidade e a estagnação produtiva.

Método

O método utilizada para esta pesquisa será a qualitativa, através da revisão bibliográfica dos seguintes autores: Bittar (2009), Freire (1996), Lyotard (1983) e Santos (2003). Desta forma, talvez seja possível responder a questão inicialmente proposta: será possível se pensar na transdisciplinaridade como prática pedagógica, levando em consideração as novas demandas da pós-modernidade?

Resultados e Discussão

            Não há dúvidas de que o conhecimento é único e subjetivo, uma vez que o homem apreende através de suas sensações e reflete sobre ele. Cogitar possíveis classificações em relação ao conhecimento é meramente pedagógica. Talvez pela própria limitação humana, em compreender seus sentidos e refletir sobre eles, que foram desenvolvidos mecanismos para facilitar este processamento subjetivo de informações. Entretanto, a crítica que se faz aqui é sobre a forma como o conhecimento é visto na sociedade hodierna, ou seja, como a saber é encarado. Além disso, critica-se principalmente a maneira como este conhecimento é ensinado nas instituições de ensino. Logo, critica-se a forma especifista e insular, ou seja, os “ditos” ramos do conhecimento são ensinado de forma autônoma e dicotômica, sem o devido cuidado com a interdisciplinaridade.

            É evidente que este modelo de ensino dicotômica não é regra, muito educadores utilizam-se da interdisplinaridade como meio de educador. Neste caso, entende-se a interdisciplinaridade na educação como o processo pelo qual o aluno apreende o conhecimento necessário, tendo consciência de que aquela informação relaciona-se com diversas outras. Talvez seja neste sentido que Freire (1996) assevera que ensinar não é meramente transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção, de forma que este saber pareça-lhe próximo e funcional.

            A interdisciplinaridade não é uma novidade nos dias de hoje. Entretanto, a intenção deste trabalho é trazer à prática pedagógica não apenas esta relação simples entre os conhecimento. Neste sentido, fala-se em “transdisciplinaridade”, neste contexto, deve-se entender a transdisciplinaridade segundo o sentido do próprio prefixo grego trans – para além de. Esta visão de “para além do objeto” se assemelha muito com a ideia que se tem de filosofia: conhecimento analisado sendo sua universalidade e sua relação com o todo. Visão evidentemente oposto à ciência e a própria especificidade.

            Sugere-se então que esta transdisciplinaridade se aproxima muito de estudo de viés filosófico. Assim, pensar na influência filosófica em um conhecimento de cunho humanístico é totalmente aceito, mesmo porque é muito mais familiar ao homem tratar de uma ciência humana como filosófica – pelos próprios motivos citado alhures. Contudo, cogitar uma influência da filosofia numa ciência biológica ou exata, não parece ter o menor sentido.

            Possivelmente esta má impressão se dá pela própria concepção de conhecimento proposta atualmente. Mas este trabalho não tem por objetivo definir uma ideia pronta. A pergunta proposta – será possível se pensar na transdisciplinaridade como prática pedagógica, levando em consideração as novas demandas da pós-modernidade? – foi criada muito mais à título de provocação e instigação à reflexão de alternativas para este crise, que evidentemente influi na educação, do que propriamente uma proposta derradeira.

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            Mas de nada adianta falar em transdisciplinaridade se os educadores não tiverem uma formação adequada. Ou seja, uma sólida formação que lhes dêem subsídios para serem educadores formadores de seres pensantes e capazes de realizar esta relações inter e transdisciplinares. Para tanto, é fundamental que o educador desenvolva principalmente suas habilidades críticas e a consciente de seu papel enquanto educador.

            Esta questão do professor crítico é muito explora por Freire (1996) e, segundo ele, um elemento importantíssimo na processo educativo, que deve estar presente na vida do educador é a pesquisa. Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Essas atividades se encontram uma no corpo da outra. O educador deve ser um sujeito inquieto, questionar-se a todo momento, sempre tentando buscar respostas. Por este motivo, deve-se pesquisar, para constatar o que não se sabe e educador.

            O conhecimento de áreas diversas da formação de um educador pode ser muito útil, pois o tornaria mais capaz em realizar relações entre as duas áreas de seu domínio. Por mais distantes que essas áreas possam parecer a priori, o conhecimento é um só, então sempre existe uma relação entre elas. Cita-se como exemplo desta formação transdisciplinar o caso do médico que, após terminar os exaustivos estudos de medicina, decidiu cursar música. Sua decisão aparentemente incipiente, tornou um profissional único no mercado de trabalho, era o único professor de música que conhecia a fundo a fisiologia dos músculos, ossos e tendões. Este conhecimento tornou-o capaz de atuar muito melhor como profissional.

Conclusão

            Diante da inegável crise paradigmática do conhecimento, não há como ignorar o fato de que este é o momento de se refletir sobre alternativas. Neste caso, fala-se em alternativas às práticas pedagógicas. Na tentativa de estimular mais os educandos a pensarem de forma crítica e aumentar seu repertório de interpretação, a transdisplinaridade seria uma solução pedagógica.

            Contrária à especificidade científica, essa forma de se buscar e ensinar o conhecimento se aproximaria da filosofia. Mas não se confundiria com ela, pois a transdisciplinaridade teria por objetivo fazer relações maiores entre as áreas do saber. Por este motivo se falou em relacionar áreas que aprioristicamente não possuem relação.

            Em epítome, conclui-se que a formação do educador é de suma importância. Muito mais do que se ultraespecialisar, o educador deve procurar conhecimentos novos e distantes de sua área. A pesquisa é fundamental para a educação, mas não apenas para o educador. O educando também deve ser incentivado a pesquisar e buscar o conhecimento de forma autodidática. Desta forma, a educação talvez possa cumprir seu papel de construção intelectual do indivíduo.

Referências

BITTAR, Educardo. O direito na pós-modernidade. São Paulo: Forense Universitária, 2009.

DICIONÁRIOS ACADÊMICOS A. Grego-Português; Português-Grego. Porto, Portugal: Porto Editora, 2008.

DICIONÁRIOS ACADÊMICOS B. Latim-Português; Português-Latim. Porto, Portugal: Porto Editora, 2008.

CHAUI, M. Convite à filosofia. SP: Editora Ática, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LYOTAR, Jean-François. O pós-moderno. Rio de Janeiro: José Olympo, 1983.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Um Discurso sobre as Ciências. São Paulo: Cortez, 2003.

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Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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